História da psicologia moderna – Tradução da 10ª edição norte-americana

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História da psicologia moderna

até que esses fragmentos de dados estejam disponíveis para estudo, nosso conhecimento a respeito de uma das figuras centrais da psicologia permanecerá incompleto e talvez impreciso.

Dados distorcidos na tradução Outro problema referente aos dados históricos são as informações que chegam de forma distorcida aos historiadores. Nesse caso, os dados estão disponíveis, mas de algum modo foram alterados, talvez por causa de erro de tradução de uma língua para outra ou pelas distorções introduzidas, de propósito ou por descuido, pelo participante ou observador que registrou os eventos relevantes. Referimo-nos novamente a Freud como exemplo do impacto desorientador das traduções. Não são muitos os psicólogos com f luência suficiente em alemão para ler Freud no idioma original. A maioria confia na opção mais adequada feita pelo tradutor para uma palavra ou frase, mas a tradução nem sempre transmite a intenção original do autor. Os três conceitos fundamentais da teoria da personalidade de Freud são o id, o ego e o superego, termos já familiares na introdução à psicologia. Entretanto, essas palavras não representam com precisão as ideias de Freud. Elas são o equivalente em latim das palavras de Freud em alemão: id para Es (que literalmente se traduz como “isso”), ego para Ich (“Eu”) e superego para Über-Ich (“sobre-Eu”). Com o uso de Ich (“Eu”), Freud desejava descrever algo íntimo e pessoal, diferenciando-o de Es (“isso”), sendo esse último algo distinto ou externo do “Eu”. A opção do tradutor pelo uso das palavras ego e id, em vez de “Eu” e “isso”, transformou estes conceitos pessoais em “termos técnicos frios, que não denotam as associações pessoais” (Bettelheim, 1982, p. 53). Desse modo, a distinção entre “Eu” e “isso” (ego e id) não expressa com a mesma força a intenção de Freud. Analisemos a expressão livre associação cunhada por Freud. Nela, a palavra associação implica a conexão entre uma ideia ou um pensamento, de modo que cada um atuasse como estímulo para provocar o seguinte em uma cadeia de estímulos. Não foi isso que Freud propôs. O seu termo em alemão era Einfall, que literalmente significa intrusão ou invasão, e não associação. A intenção de Freud não era descrever uma simples conexão de ideias, mas expressar algo da mente inconsciente que incontrolavelmente invade ou penetra à força o pensamento consciente. Assim, nossos dados históricos – conforme, as palavras de Freud – foram mal interpretados no ato da tradução. Um provérbio italiano expressa bem essa ideia: Tradutore – Traditore (tradutor – traidor).

Informações tendenciosas As atitudes dos próprios personagens, na narração de eventos importantes, também podem afetar os dados históricos. As pessoas produzem, consciente ou inconscientemente, relatos tendenciosos para se protegerem ou para melhorarem sua imagem pública. Por exemplo: o psicólogo behaviorista B. F. Skinner descreveu em sua biografia a rigorosa disciplina a que se impunha como estudante de pós-graduação da Harvard University, no fim da década de 1920. Eu acordava às 6, estudava até a hora do café da manhã, assistia às aulas, seguia para os laboratórios e para as bibliotecas e não tinha mais que 15 minutos livres durante o dia, estudava até exatamente 9 horas da noite e dormia. Não frequentava cinema ou teatro, raramente assistia a concertos e poucas vezes saía para namorar, e os únicos livros que lia eram de psicologia e fisiologia. (Skinner, 1967, p. 398)


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