Livro Violência contra a Mulher

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“O impossível demora um pouco mais, o possível estamos fazendo agora !” Alzira Rufino

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Sumário Introdução

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Artigo de Alzira Rufino Parte I Teoria dos Ciclos da Violência Conjugal /

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Lenore Walker

Violência contra Parceiros ( V.P.)

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Tradução de Maria Rosa Pereira

Anexo A - Profissionais e Setores - Guia Prático Anexo B - Ferramentas de Avaliação de Risco Anexo C - Avaliação Ampliada Anexo D - Indicadores de Abusos Anexo E - Plano de Segurança e Instruções para se Libertar Anexo F - Preparando seu Treinamento

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Parte II Anais do Seminário Nacional Serviços de Saúde, Prevenção e Notificação da Volência contra a Mulher Palestra - Violência Doméstica e Sexual Um olhar da Mulher Negra Painel Internacional Oficinas Ações da Casa de Cultura da Mulher Negra Tecendo a Rede Avanços e Conquistas

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Dedicatória Por acreditar na nossa luta, pelo trabalho e idealismo. Valeu Maria Rosa Pereira !

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Introdução É um privilégio prefaciar o presente livro, sobretudo porque as emoções afloram diante da constatação, inequívoca, do pioneirismo, do empenho e da persistência da Casa de Cultura da Mulher Negra (Santos-SP), há anos, no trabalho político, assistencial e pedagógico de apoio às mulheres sobreviventes de violência doméstica, sexual e racial. Assim como na definição política de construir e compartilhar saberes e experiências com mulheres de diferentes pontos do Brasil. O livro é um patrimônio do feminismo e do movimento de mulheres negras do Brasil, por conseguir apreender práticas cotidianas e reflexões teóricas de várias mulheres que, no Brasil e em outros países, dedicam parte substancial de suas vidas à atenção às sobreviventes de violência. O livro conta com um capítulo sobre “Teoria dos ciclos da violência conjugal”, uma reflexão teórica básica e orientadora dos principais veios de acolhimento às mulheres, seguida de “Violência contra Parceiras/ os (VP)” e “Ferramentas de avaliação de riscos”, temáticas necessárias à habilitação de pessoas que atendem mulheres em situação de violência. Em seguida, a reprodução dos “Anais do Seminário Nacional Violência Contra a Mulher – Um Olhar da Mulher Negra”, com a abertura feita por Alzira Rufino, da Casa de Cultura da Mulher Negra que, além das boas-vindas, discorre sobre os objetivos e a importância do seminário, dando destaque ao compromisso da instituição que dirige em divulgar práticas políticas e de atenção na área da violência de gênero com recorte racial/étnico, assim como o intenso debate teórico sobre o assunto. Jacqueline Pitanguy, socióloga e integrante da CEPIA (Rio de Janeiro, RJ), no “Painel Violência Doméstica Estratégias e Avanços”, adota como ponto de partida que “as idéias de ordem e desordem, de crime e castigo, de normal e patológico são idéias dinâmicas que via de regra estão expressando processos sociais e não verdades absolutas. Isso é muito importante porque se não fosse assim não teria sentido estarmos aqui em uma reunião como esta nem estarmos batalhando em nossos espaços”. E finaliza afirmando que “Esta distância entre leis e práticas se encurta de duas formas: no plano político pela luta constante por leis e políticas publicas (advocacy) e no plano do trabalho de campo, ampliando o acesso a serviços de saúde e melhorando a qualidade de atendimento”. Fátima Oliveira, médica, secretária executiva da Rede Feminista de Saúde, em “Violência Doméstica e Serviços de Saúde: Estratégias & Avanços – Avaliando e Elencando Desafios”, reconhecendo que há avanços teóricos e políticos e também nas políticas públicas, afirma que “Chegamos a uma época na qual exigimos atenção integral às mulheres sobreviventes de violência doméstica e sexual” e que “Já vai longe o tempo em que para nós todas as mulheres em situação de violência era o mesmo que vítima de violência. A luta contra a violência doméstica e sexual integra a agenda teórica e política do movimento feminista de nosso país desde a década de 1970”. Ela encerra chamando a atenção que hoje, além dos desafios políticos, merecem atenção especial também os desafios teóricos e ideológicos, tais como a violência institucional; as características operativas de invasão da privacidade do Programa de Saúde da Família (PSF) e a emergencial necessidade de desestabilizar a cultura patriarcal machista, tão arraigada na cultura de nosso país que permite a um governo indicar e bancar para altos cargos da República personalidades cujo currículo também contém um passado de violência doméstica, e se contenta com cartas e declarações que amenizam o ocorrido e ainda diz: ‘mas a mulher o inocentou’.” Maria José Antunes, enfermeira e doutora em Saúde Pública, em “O remédio das políticas de saúde na atenção básica para a violência de gênero e a notificação compulsória de violência contra a mulher”, nos leva a refletir sobre a prática cotidiana de profissionais de saúde e a lançar um olhar crítico sobre a gestão. Foi contundente ao dizer que: “Precisamos construir novas verdades, novas ideologias e novos mitos. A nossa sociedade tem uma pesada herança de formação escravocrata e hierárquica (...) É preciso destruir os abusos de poder, a incompetência gerencial no setor público, apagar as fogueiras da vaidade, construir novas ideologias a favor da vida para construir a verdadeira reforma sanitária que precisamos, ajudar as pessoas a serem felizes – esse é o valor supremo no setor saúde”. A abordagem da prevenção, realizada pela assistente social Maria Clemente, da Coordenadoria da Mulher de Olinda (PE), foi centrada na apresentação do trabalho desenvolvido pela prefeitura de Olinda, marcadamente no leito dos direitos humanos. Encerra dizendo que: “Temos enfrentado várias discussões para

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mostrar que enquanto os Direitos Humanos não forem de todas as pessoas, eles não existem. Steve Wonder já disse que ‘ébano e marfim vivem juntos, em harmonia, lado a lado, sobre o meu piano. Oh, Deus! Por que não nós?”. Maria Noelci Homero, vice-presidente de Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras, de Porto Alegre (RS), apresenta o trabalho da organização a que pertence. Para ela, “Uma reflexão a ressaltar sobre a temática da violência doméstica, amplamente discutida pelo movimento feminista, refere-se ao caráter democrático da violência, ou seja, ela vitima mulheres de diferentes classes e grupos étnico-raciais. Por um lado esta assertiva é importante na medida em que revela que este tipo de violência acontece, sobretudo no espaço privado e tem a mulher como vítima preferencial. Por outro lado, este entendimento de caráter democrático da violência doméstica homogeneíza as alternativas para as mulheres romperem com ela. Assim, as ações e políticas de combate à violência são pensadas para as mulheres de uma forma geral, desconsiderandose especificidades de cor ou classe”. E discorre, de maneira enfática, sobre a importância e necessidade da agregação do recorte racial/étnico na atenção à violência doméstica e sexual. Benilda Regina Brito, psicopedagoga, em “Violência doméstica e sexual – um olhar da mulher negra”, partindo da constatação que “A mulher que sofre violência doméstica não está denunciando um desconhecido. Está denunciando alguém com quem construiu um projeto de vida, com quem dividiu publicamente uma relação afetiva, com quem sonhou uma relação de afeto. E a maioria dessas mulheres tem um casamento assumido” e que “Quando falamos de projeto de vida, estamos falando da intimidade, dos sonhos, fantasias e desejos. Tornar pública essa situação aparentemente privada é constrangedor. Há ainda outros fatores inibidores como a vergonha, o medo, a ameaça”. Rosália Lemos, secretária municipal da Coordenação dos Direitos da Mulher, Niterói – RJ, em “Violência de gênero e etnia – políticas e ações em curso”, discorre sobre as políticas desenvolvidas em Niterói. Encerra afirmando que “Precisamos empoderar a mulher como militante e como gestora, porque é ela quem cuida da sua casa e das comunidades pobres. As mulheres precisam fazer cursos para entender que o poder não é um fardo, ou uma coisa que pertence naturalmente aos homens. Para finalizar, trouxe um símbolo nosso, a Escrava Anastácia. Como militantes do movimento de mulheres negras, considero que deveríamos ter a Escrava Anastácia como nosso grande ícone da luta da resistência e do dizer não à violência sexual, racial e de gênero”. Vanda Menezes, psicóloga, Secretária de Estado da Mulher de Alagoas, disse que seu estado conta com “todos os mecanismos institucionais de combate à violência contra a mulher. Temos delegacia, centro de referência, casa-abrigo. Em relação à casa-abrigo, tenho a experiência de 22 anos de polícia para afirmar que este endereço tem que ser protegido tem que ser sigiloso, de domínio exclusivo das pessoas que lá trabalham. E, psicóloga que sou, não admito que pessoas que trabalham com violência não tenham um aparato psicológico”. Relata o seu trabalho na montagem da Secretaria e como tem desenvolvido a sua tarefa, sempre de acordo com a sua história de ativista feminista e anti-racista. Iolanda Vaz Guimarães, assistente social, integrante da Área Técnica de Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde, contribui com uma visão e análises panorâmicas do trabalho desenvolvido pelo Ministério da Saúde na última década, assim como relata os compromissos do atual governo com o tema. Rebeca Oliveira Duarte, advogada, integrante do Djumbay, Recife-PE, Violência doméstica – Tolerância Zero “, dentre outras reflexões, nos brinda com um aprofundamento teórico sobre a cultura do silêncio e do medo e diz que ”Quando discutimos Direitos Humanos, por exemplo, sempre se problematiza a questão do relativismo, sobre até que ponto uma ordem internacional de defesa de Direitos Humanos pode interferir na cultura de um povo. E sempre temos o mesmo exemplo: as mulheres de determinados países da África são circuncidadas porque isso faz parte da cultura local. Não! Faz parte é de uma ideologia em que o projeto político (dos agentes hegemônicos) é estabelecer o domínio sobre as mulheres, sua sexualidade, corpo, mente e espírito. Cultura é uma relação dinâmica que inclui o querer, a vontade e a autonomia dos dominados”. Maria Amélia Teles, da União de Mulheres de São Paulo, sob o título “Nem vítimas, nem cúmplices: protagonistas da história”, complementa todas as reflexões teóricas mencionadas quando afirma: “A dominação faz com que se naturalize a violência contra a mulher. É tolerada pela sociedade, mantém-se pela impunidade acomodada à idéia de que são fenômenos próprios da natureza humana. A grande contribuição dada pelas feministas foi a de desmistificar a naturalização da violência contra a mulher. Foi mostrar que esta violência é, portanto, aprendida, no processo da construção dos papéis sociais que são impostos a mulheres e homens”. Tatiana Ferreira Evangelista dos Santos, advogada, da Casa de Cultura da Mulher Negra, abordando a punição e a repressão da violência doméstica cometida por homens contra mulheres, apresenta a atenção

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prestada pela instituição a mulheres vítimas de violência de gênero. “Adotarei a definição de alguns autores que consideram violência como qualquer ato que venha a ferir direitos humanos da/o cidadã/o.” Ada C. Alfonso Rodríguez, psiquiatra e professora universitária, em “Políticas e ações para combater a violência doméstica e a discriminação à mulher negra em Cuba”, segundo suas próprias palavras, informa que “O presente trabalho trata de articular três elementos complexos: a violência contra as mulheres, a saúde e as políticas públicas a partir de uma perspectiva racial. Neste socializam-se algumas idéias sobre o tema racial, a construção da nossa identidade como nação e por último, explicitam-se os avatares sobre a aceitação da noção de violência contra as mulheres, as ações e políticas relacionadas com a prevenção de tal problema”. Dr. Julio Javier Espíndola, da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), apresenta os objetivos e o trabalho da OPAS, enfatizando a atuação da Assessoria Técnica a Projetos Regionais e Nacionais, tais como: produzir informação sobre as iniqüidades de gênero em saúde; melhorar a situação e análise de gênero em saúde: fortalecimento da capacidade nacional para levar a cabo a análise de gênero e saúde; e promoção de monitoramento da eqüidade de gênero na região. Importante conhecer o projeto de Debbie Lee na produção de materiais educativos com protocolos domésticos desenvolvido em dez estados nos EUA. O livro conta também com a memória das oficinas realizadas durante o evento: “A construção da mulata e a violência simbólica”, coordenada por Fabiana Malha e Raquel Andrade, ambas da Universidade Federal Fluminense; “Identidade da mulher negra (Pinte-me alma negra)”; Um telefono amigo: 102 o una vida libre de violência”, coordenada pela assistente social Gloria Baez, da Argentina; “Violência contra a mulher e feminização da incidência de DST/HIV-AIDS”, coordenada por Maria Noelci Homero; e “Práticas de atendimento para mulheres em situação de violência”, sob a coordenação da psicóloga Silvia Mara e Dra. Angela Cuófano Mariano, da Casa de Cultura da Mulher Negra . São materiais de uma riqueza extraordinária! Enfim, o livro que lhes apresento é uma ferramenta de valor inestimável para a atenção a mulheres sobreviventes de violência doméstica, sexual e racial, e uma contribuição teórica e política para a longa luta das mulheres pela cidadania em plenitude em nosso país. E, considerando, como era o esperado de uma organização de mulheres negras como parte indissociável da luta contra todas as formas de opressão, o recorte racial/étnico.

Fátima Oliveira Belo Horizonte, julho de 2004.

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PANCADA DE AMOR DÓI. E MUITO. Alzira Rufino

“Pancada de amor não dói”, é um dos mitos que encobrem a brutal realidade que atinge milhões de mulheres em todo o mundo. As estatísticas mostram que dói. E muito. Uma em cada cinco mulheres que faltam ao trabalho, o fazem devido à violência intrafamiliar. Os espancamentos ocorrem entre quatro paredes, dentro do lar, invisíveis- silenciados pela vítima, pela família, pela sociedade e pelos serviços de saúde. Os casos que chegam a ser denunciados à polícia são apenas a ponta de um imenso iceberg. Se não passam pela polícia, passam pelos prontos-socorros, ambulatórios de saúde mental, mostrando que a violência contra a mulher é, sim, uma questão de Saúde Pública. Não existem ainda estatísticas no Brasil mostrando os números de mulheres agredidas que passam pela rede de saúde. Temos índices de alguns países, como os EUA, atestando que a violência intrafamiliar é a principal causa das lesões em mulheres entre 15 e 44 anos, mais do que a somatória das lesões por acidentes automobilísticos, assaltos e estupros. Ainda nos Estados Unidos, uma pesquisa, em 1980, revelou que, no período de um ano, os casos de violência doméstica e sexual provocaram: • 30.000 atendimentos em prontos-socorros; • 40.000 visitas médicas; • 21.000hospitalizações; • 100.000 dias de internação hospitalar; • mais de um milhão de mulheres, por ano, procuraram atendimento médico em razão de ferimentos provocados por espancamentos e tentativas de homicídio. Em Londres, anualmente, 100.000 mulheres buscam tratamento médico devido a lesões graves recebidas em casa. No Brasil, com seus graves problemas sociais e valores culturais em que o marido/companheiro se considera dono da vida e da morte da mulher, as estatísticas devem ser muito mais alarmantes. Ao contrário do que se imagina, a violência doméstica não é uma realidade exclusiva da mulher pobre, de favela e da periferia. Mulheres de todas as profissões, rendas e idade são agredidas pelos maridos, namorados e parceiros. Entre os agressores podemos encontrar juizes, médicos, advogados, congressistas, professores universitários, lado a lado com os espancadores de mulheres que têm uma escolaridade e renda mínimas. O conformismo do “ruim com ele, pior sem ele”, apoiado pela família e pela sociedade, somando à postura tradicional de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, deixa suas marcas no corpo e na vida das mulheres. Ferimentos incluem: lesões por faca ou tiro, traumatismo craniano, queimaduras, lesões graves na área genital, contusões, fraturas, hematomas nos olhos, ferimentos nos ouvidos, ferimentos abdominais, aborto provocado por trauma na área abdominal. Além das lesões corporais, quem sofre a violência doméstica tem mais doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, dores de cabeça, problemas ginecológicos, doenças gastrointestinais, hipertensão, dependência de drogas e álcool. Em termos de saúde mental, a violência está associada à depressão e à ansiedade, aos sentimentos de desamparo, impotência e auto-depreciação. Existe um ciclo de violência que começa com as ofensas, causa o isolamento, até chegar a provocar um incidente com lesões graves. Devido a essa barreira de silêncio, quando a violência é registrada como Boletim de Ocorrência, significa que já vem ocorrendo há anos e está em fase crítica, muitas vezes envolvendo tentativa de assassinato. As vítimas, aterrorizadas por ameaças, pancadas e humilhações, silenciam, sem condições sequer de pedir ajuda. Antes da morte física, pode ocorrer a morte psicológica. Entre as vítimas fatais de violência doméstica, 88% já havia sofrido agressões antes de serem assassinadas. O Movimento Nacional pelos Direitos Humanos, em pesquisa nacional, constatou que 66,3% dos acusados de homicídios contra mulheres nos anos de 1995 e 1996 eram seus parceiros, mostrando que não é nas ruas, mas em suas próprias casas, que existem as maiores ameaças à vida das mulheres.

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A teoria do ciclo de violência mostra que, após a fase da acumulação de tensão e da explosão, há um período de bonança, no qual os agressores tentam convencer suas parceiras de que estão arrependidos e de que precisam de uma nova oportunidade. E o ciclo se repete, até o final, que não é feliz. Enfermeiros(as), médicos(as), psicólogos(as), assistentes sociais e outros(as) profissionais de saúde, podem intervir antes que a violência chegue a um estágio terminal. Mulheres agredidas têm crescentes problemas de saúde e necessiam de cuidados médicos. O treinamento de profissionais com capacidade de identificar esse tipo de lesão fez com que a identificação de espancamento subisse de 5,6% para 30%. Detectar os casos de violência num estágio inicial e encaminhar a vítima para os serviços existentes, fazem dos profissionais de saúde o elo necessário para a integração dos serviços de apoio à mulher e de combate à violência. Se considerarmos os efeitos da violência doméstica e sexual em relação à saúde da mulher, precisamos ressaltar a vulnerabilidade da mulher negra. Nos Estados Unidos, uma pesquisa recente mostra que: • o número de mulheres negras assassinadas é quatro vezes maior do que o de mulheres brancas; • três vezes mais mulheres negras sofrem estupro; • 57% de mulheres negras criam seus filhos sozinhas. No Brasil, sequer existem estatísticas sobre essa questão. Estressadas pelo excesso de trabalho, pela discriminação, pelos duros embates para sobreviver, as mulheres negras procuram a rede de saúde pública, mas, geralmente, não recebem tratamento adequado. As seqüelas da violência doméstica e sexual, somam-se em doenças como hipertensão, diabetes, miomas, problemas de parto e anemia falciforme. Algumas organizações de mulheres têm desempenhado um papel ativo, buscado parcerias com secretarias de saúde, para levar à rede pública de saúde o saber acumulado na militância e vivência direta dessas questões.

Alzira Rufino é profissional de saúde, empreendedora social, produtora cultural, escritora, editora da revista Eparrei, fundadora e presidente da Casa de Cultura da Mulher Negra, em Santos/SP

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Parte I

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Teoria dos Ciclos da Violência Conjugal Lenore Walker (USA)

As mulheres espancadas não são maltratadas de forma constante, nem a violência que lhes é infligida ocorre ao acaso. Uma das descobertas mais surpreendentes nas entrevistas foi a existência de um ciclo definido de espancamentos vivido por estas mulheres. É muito importante compreender este ciclo se quisermos aprender a deter ou a prevenir ocorrências de espancamentos. Este ciclo ajuda a entender como a mulheres espancadas tornam-se vitimizadas, como elas caem num comportamento de desamparo e porque elas não tentam escapar da violência. O ciclo de espancamento parece ter três fases distintas, que variam em tempo e intensidade para o mesmo casal e entre diferentes casais. As três fases são: • Fase de formação da tensão • Explosão ou incidente grave de espancamento • Pausa calma e amorosa Até agora, não consegui prever quanto tempo um casal permanecerá numa fase, nem posso predizer quanto tempo um casal levará para completar o ciclo. Há evidência de que eventos circunstanciais podem influenciar o tempo. O exame de alguns relacionamentos que perduraram por vinte anos ou mais indica que podem ocorrer diferentes padrões de ciclos. Estes padrões tendem a corresponder a diferentes estágios de vida. Há alguma evidência de que certas intervenções de tratamento são mais bem-sucedidas se elas ocorrerem em uma fase mais do que em outra. FASE I - ACUMULAÇÃO DA TENSÃO

FASE II - EXPLOSÃO

• Stress • Espancamento leve • Mulher tenta amenizar; permanece fora do caminho do homem • Tenta evitar a violência através de comportamento “correto” • Nega o futuro a fim de lidar com a situação Esta fase dura bastante tempo

• Espancamento grave • Falta de previsibilidade • Falta de controle • Fase pode durar de 24 horas a 1 semana • Mulher pode chamar a polícia, fugir para um abrigo, etc. Choque e negação

FASE III - LUA-DE-MEL • Homem é amoroso, bom, contrito, pede desculpas • Negação da violência Homem promete mudar

FASE I - Estágio de acumulação da tensão Durante este período, ocorrem incidentes menores de espancamento. A mulher pode lidar com estes incidentes de diversas maneiras. Geralmente tenta acalmar o agressor através de técnicas que anteriormente provaram ser bem sucedidas. Ela pode tornar-se submissa e antecipar cada capricho dele; ou ficar fora do caminho dele. Ela mostra ao agressor que aceita o seu abuso como legitimamente dirigido contra ela. Não que ela ache que deva ser agredida, mas porque acredita que ao fazer isso irá evitar que a violência dele aumente. Se ela agir bem, então o incidente terá fim; se ele explodir, ela então assume a culpa. No fundo, ela se torna sua cúmplice aceitando parte

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da responsabilidade pelo comportamento agressivo dele. Ela não está interessada na realidade da situação, porque está tentando desesperadamente evitar que ele a machuque mais. Para manter este papel, ela não se permite ficar com raiva do agressor. Ela recorre a uma defesa psicológica muito comum, chamada “negação” pelos psicólogos. Ela nega para si mesma que está com raiva por ter sido injustamente machucada física ou psicologicamente. Racionaliza que talvez tenha merecido a agressão, identificando-se freqüentemente com o raciocínio falho do agressor. Quando ele atira o jantar no chão da cozinha, ela racionaliza que talvez tenha, acidentalmente, preparado mal a comida. Enquanto ela limpa a sujeira dele, ela pode pensar que ele exagerou na reação, mas ela geralmente fica tão agradecida de que tenha sido um incidente relativamente pequeno que resolve não ficar zangada com ele. Ela sabe que o incidente poderia ter sido pior. Ele poderia ter jogado a comida nela. Portanto, não importa o quanto estes incidentes menores possam ter sido ruins, as mulheres espancadas tendem a minimizá-los por saberem que o espancador é capaz de fazer muito mais. A mulher pode também culpar uma determinada situação pela explosão do parceiro. Talvez ele tenha tido aborrecimentos no trabalho, ou ele está bebendo demais e não sabia o que estava fazendo. É mais fácil para ela negar sua raiva se cada incidente isolado puder ser atribuído a causas externas e não ao agressor. Ela acha que não pode fazer nada para mudar a situação se fatores externos forem responsáveis pela violência do espancador. Ela racionaliza que se deixar passar, talvez o comportamento dele melhore em relação a ela. Este raciocínio infelizmente não traz uma melhora, apenas um adiamento da segunda fase do ciclo, o incidente grave de espancamento. Mulheres que têm sido espancadas durante um longo período de tempo sabem que estes incidentes menores de espancamento irão crescer gradualmente. Contudo, usando a mesma defesa psicológica para lidar com a situação, elas negam esse fato para si mesmas. Também negam o terror que sentem da inevitável segunda fase convencendo-se que ainda têm algum controle sobre o comportamento do espancador. De fato, durante as fases iniciais desta primeira fase, elas realmente têm algum controle. No entanto, à medida que a tensão cresce, perdem rapidamente o controle. Cada vez que ocorre um pequeno incidente de espancamento, há efeitos residuais que vão aumentando a tensão. A raiva da mulher espancada cresce intensamente, mesmo que ela não reconheça ou expresse isso, e diminui qualquer controle que ela possa ter sobre a situação. O espancador não tenta controlar-se, apoiado na aparente passividade da mulher diante de seu comportamento violento. A omissão social reforça no agressor a crença de que ele está no seu direito de disciplinar sua mulher. Ele, no entanto, está bem consciente de que seu comportamento não é adequado: a maioria dos espancadores é violenta apenas dentro de suas casas, percebendo que sua atitude não seria tolerada em público. Consciente de que seu comportamento é errado, o agressor teme que ela se desgoste dele e acabe por deixá-lo. Então, o homem torna-se mais opressivo, ciumento e possessivo para intimidá-la através da brutalidade. Historicamente, esse procedimento tem sido bem sucedido. Apenas recentemente, com a crescente atenção da sociedade para com a mulher espancada e a preocupação com a sua situação, essa mulher começa a achar uma saída. As tentativas da mulher espancada para lidar com os incidentes menores de espancamento da fase de acúmulo de tensão são as melhores que ela pode. A maioria das mulheres numa sociedade sexista vivencia incidentes de espancamento semelhantes. A diferença entre a maioria das mulheres e as mulheres espancadas é que a mulher espancada é mais susceptível à síndrome do desamparo; ela aprendeu que é impotente para evitar que o resto do ciclo aconteça. Muitos casais procuram manter esta primeira fase em níveis constantes por um longo período. Ambos querem evitar um incidente grave de agressão. Uma situação externa pode interromper este delicado equilíbrio. Muitas mulheres espancadas sabem disso e vão até extremos para controlar ao máximo esses fatores externos, a fim evitar mais incidentes. Como já mencionei, se esforçam para manipular

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o comportamento de outros membros da família em relação ao espancador. Tentam encobrir ou desculpar o comportamento agressivo do marido, e, muitas vezes, afastam-se das pessoas queridas que poderiam ajudá-las. Algumas mulheres distanciam-se dos pais, irmãs, irmãos e muitas vezes dos filhos porque temem que eles irritem o espancador e ele lhes faça algum mal. Elas percebem que o espancador é capaz de infligir mais danos. Freqüentemente, durante períodos de agressão verbal, ele ameaça a mulher com a possibilidade de atingir a família dela. Uma mulher relatou que a primeira fase durou períodos cada vez maiores enquanto os filhos cresciam. Uma vez que os filhos saíram de casa, a Fase I poderia durar diversos anos até que um incidente grave de espancamento ocorresse. Dez anos haviam passado sem um incidente grave quando um dos filhos do casal morreu num acidente. O marido dela expressou seu desgosto batendo nela com tanta violência que ela ficou hospitalizada diversos meses. Na época da entrevista, cinco anos já se tinham passado desde o fato. Incidentes menores estavam ocorrendo constantemente e o casal estava claramente na primeira fase do ciclo de espancamento. É provável que eles pudessem permanecer nesta fase até que outro acontecimento externo causasse a escalada para a segunda fase. À medida que o agressor e a mulher espancada sentem a tensão se acumulando durante esta primeira fase, torna-se cada vez mais difícil que suas técnicas de contornar a situação funcionem. Ambos ficam mais descontrolados. O homem aumenta sua repressão e brutalidade possessiva. Suas tentativas de humilhação psicológica tornam-se mais ferinas, suas arengas mais longas e mais hostis. Incidentes menores de espancamento tornam-se mais freqüentes e a raiva produzida perdura por períodos maiores de tempo. Nessa fase, a mulher espancada não consegue mais restaurar o equilíbrio como anteriormente. Tem menos capacidade de defender-se contra a dor e o sofrimento. A tortura psicológica é notadamente a mais difícil de lidar. Estressada pelas brigas constantes, geralmente afasta-se dele, temendo que, sem querer, possa provocar uma explosão. Ele começa a mover-se mais opressivamente em direção a ela, observando como ela o evita. Começa a procurar por expressões de raiva nela, percebendo-a mesmo quando ela nega essa raiva ou pensa que está conseguindo disfarçá-la. Cada movimento que ela faz é mal interpretado. Ele ronda-a e a tensão entre os dois torna-se insuportável.

FASE II - Incidente grave de Espancamento Há um ponto, no final da fase de tensão crescente, quando o processo pára de responder a qualquer controle. Uma vez que o ponto de inevitabilidade é alcançado, terá lugar a próxima fase, de incidente grave de espancamento. A Fase II é caracterizada por total falta de controle sobre a descarga das tensões acumuladas na Fase I. Esta falta de controle e sua maior destrutividade distinguem o incidente agudo de espancamento daqueles incidentes menores de agressão durante a Fase I. Não quer dizer que os incidentes da Fase I não sejam sérios e que não sejam ataques criminosos, mas a gravidade como são percebidos pelo casal e sua natureza incontrolável é que marcam a distinção entre as fases. Durante a Fase II, o espancador aceita totalmente o fato de que sua fúria está fora de controle e o mesmo acontece com a mulher espancada. Na Fase I, o agressor dosa a extensão da sua agressão. Na Fase II, embora ele possa, de início, justificar seu comportamento para si mesmo, termina não compreendendo o que aconteceu. Sua fúria é tão grande que o cega para qualquer autocontrole. Ele começa querendo dar uma lição na mulher, não pretendendo infligir nenhum ferimento específico e pára quando sente que ela aprendeu a lição. Só que, quando isso acontece, ela já foi gravemente espancada. Quando os espancadores descrevem os incidentes graves de

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espancamento, concentram-se em justificar o seu comportamento. Freqüentemente descrevem repetidamente um grande número de aborrecimentos insignificantes que ocorreram durante a fase I. Algumas vezes culpam a bebida ou excesso de trabalho. O que detona a Fase II não é o comportamento da mulher, mas algum acontecimento externo ou um estado interno do homem. A mulher espancada, às vezes, provoca o incidente da Fase II. Isso ocorre após um período longo de espancamento. A mulher não agüenta mais a ansiedade, a raiva, o terror. Ela sabe, por experiência, que depois de um incidente grave de agressão vem a Fase IIII de calma. Prefere terminar logo a Fase II em vez de continuar a ter medo dela, e, então, provoca logo essa explosão. Assim ela tem controle sobre quando e porque o incidente ocorre, em vez de estar totalmente à mercê dele. A mulher espancada raramente percebe que está provocando o incidente, embora algumas poucas o saibam. A segunda fase do ciclo é mais curta que a primeira e a terceira. Geralmente dura de duas a vinte quatro horas, embora algumas mulheres tenham vivido um período de uma semana ou mais de terror. Pelos depoimentos das mulheres sobre os fatos que levaram à agressão, é impossível prever o tipo de violência que ocorrerá durante o estágio crítico. Mesmo as mulheres que passaram da Fase I para a Fase II enquanto estavam sendo realizadas as entrevistas não conseguiram dar-nos dicas para predizer o incidente grave de espancamento. A imprevisibilidade e o descontrole caracterizam a Fase II. A antecipação do que pode ocorrer gera um grave stress na mulher espancada: ela fica ansiosa, deprimida e se queixa de alguns outros sintomas psicológicos. Com freqüência relatam insônia, perda de apetite, ou o contrário, aumento de apetite, dormir demais e fadiga constante. Muitas mulheres sofrem de dores de cabeça agudas, dores de estômago, pressão alta, reações alérgicas na pele e palpitações cardíacas. Há casos em que essas dores físicas impedem a explosão de um incidente grave da Fase II. Quando uma mulher foi hospitalizada por dores agudas na coluna, o marido dela tornou-se carinhoso e atencioso, num comportamento semelhante ao da Fase III do ciclo. Contudo, assim que ela voltou do hospital para casa, a brutalidade recomeçou. As informações de que dispomos, descrevendo incidentes graves de espancamento, são fornecidas pelas mulheres agredidas. Os poucos espancadores entrevistados não conseguiram descrever muito do que acontece com eles durante a segunda fase. E não houve pessoas presentes para observar os incidentes de espancamento. Sugeriu-se que a presença de outra pessoa (não os filhos) altera a maneira como ocorre a violência entre o casal e pode impedir a explosão de uma agressão violenta. Parece que o agressor sabe que seu comportamento é inadequado porque ele trata o espancamento como um assunto privado. De acordo com depoimento de mulheres agredidas, apenas os agressores podem terminar a segunda fase. A única alternativa para as mulheres é achar um lugar seguro para se esconder. Também não é claro porque ele pára. Ele pode ter ficado exausto e emocionalmente esgotado. Não é raro que o agressor acorde a mulher de um sono profundo para iniciar o ataque. Se ela responde ao seu discurso violento, ele fica mais furioso com o que ela diz. Se ela permanece em silêncio, ele fica com raiva do seu afastamento. Qualquer que seja sua reação, ela será espancada. Na verdade, gritos, gemidos, ou qualquer tentativa da mulher para se defender podem incentivar mais o agressor. Muitas mulheres têm seus braços torcidos e quebrados quando os erguem para se defender dos golpes. Ferimentos graves também ocorrem se elas caem ou são empurradas contra objetos existentes no local. A violência tem um elemento de retaliação e o homem não consegue parar nem mesmo quando a mulher está gravemente ferida. A distorção do tempo parece desempenhar um papel importante nas tentativas da mulher agredida para controlar o que acontece com elas. A mulher espancada relata que durante uma ocorrência grave de espancamento, ela geralmente sabe agir bastante bem. Isso não significa que

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ela reage ao seu agressor; mas sim que, enquanto ele está furioso, ela consegue evitar incitá-lo ainda mais. Geralmente ela compreende que o comportamento agressivo dele está fora de controle e que ele não responderá à razão. Na maioria das vezes, ela não resiste; tenta permanecer calma e aguarda que a tempestade passe. A dor física machuca menos do que o sentimento de impotência por não conseguir se livrar da situação. Este sentimento geralmente vem acompanhado pela firme convicção de que se ela tentar resistir seu agressor ficará mais violento. Há também um distanciamento do ataque real. Algumas mulheres dizem que era como se elas pudessem recuar e observar-se, como se estivessem fora do corpo sendo atiradas contra uma parede ou escada abaixo. A dissociação é acompanhada por um sentimento de negação de que o incidente esteja realmente acontecendo com elas. Elas se lembram de muito detalhes do ataque, o que também sugere uma enorme concentração nos movimentos reais que estão acontecendo. Talvez isto ajude a mulher a manterse viva. Também são relatados momentos de extrema crueldade psicológica. Mulheres espancadas conseguem relatar as palavras exatas que os espancadores lhes disseram. É muito mais difícil para elas lembrarem o que elas mesmas fizeram durante o ataque. O único sentimento que persiste nelas é a inutilidade de tentar escapar. Depois que o ataque termina, geralmente vem o choque, a negação e a incredulidade de que a agressão tenha realmente acontecido. Ambos, espancadores e suas vítimas, encontram formas de racionalizar a gravidade de tais ataques. Se houve violência física, a mulher espancada tenta minimizar seus ferimentos. Por exemplo, uma mulher cujo marido tentou sufocá-la com uma corrente de metal, relatou que ela estava agradecida por ter ficado apenas com marcas no pescoço e por não ter havido cortes na pele. O fato de que ela poderia ter sido estrangulada até morrer foi atenuado por ela, que disse: “Bem, nem cortou a pele”. Quando as mulheres relatam a humilhação verbal, elas também tendem a minimizar a mágoa devida ao ataque recebido. Por exemplo, uma mulher pode dizer: “Ele disse isso apenas porque estava com raiva. Se estivesse no seu estado normal, não teria dito”. A maioria das mulheres espancadas não procura ajuda durante este período imediatamente após o ataque, a não ser que estejam tão machucadas que necessitem de cuidados médicos. Embora os serviços de emergência dos hospitais não mantenham estatísticas do número dessas mulheres que atendem, a maioria das equipes de primeiros socorros e unidades de terapia intensiva têm muitas histórias sobre mulheres espancadas. E é com grande incredulidade que relatam que assim que estas mulheres se recuperam voltam para casa para junto do homem que provocou os ferimentos. Muitas das reações dessas mulheres são semelhantes às das vítimas de catástrofes. Estas geralmente sofrem colapso emocional depois de vinte e quatro a quarenta oito horas após a catástrofe. Seus sintomas incluem: apatia, depressão e sentimentos de desamparo. Mulheres espancadas apresentam comportamento semelhante. Elas tendem a ficar isoladas pelo menos nas primeiras 24 horas e podem aguardar diversos dias até procurarem ajuda. Profissionais de saúde mental relatam que suas pacientes geralmente não os chamam imediatamente após um incidente de espancamento, mas somente após alguns dias. O mesmo padrão ocorre na procura de cuidados médicos para ferimentos que não necessitem de atendimento de emergência. Não é raro que uma mulher com uma costela quebrada espere vários dias para procurar atendimento médico. Esta síndrome de ação retardada também prevalece quando mulheres espancadas procuram ajuda de advogados ou de outra origem. Até agora, não sabemos se as mulheres procurariam mais rapidamente as casas-abrigo, se houvessem mais unidades disponíveis. Talvez elas acreditem que se não contarem a ninguém sobre a agressão, podem fazer de conta que na verdade não ocorreu. Mulheres que foram espancadas acreditam que ninguém pode protegê-las da violência dos seus companheiros. Freqüentemente dizem que sentem que seus agressores estão fora do alcance da lei.

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A polícia geralmente é chamada na Fase II – isso quando é chamada. Das mulheres entrevistadas, apenas 10% já haviam chamado a polícia. A maioria delas afirma que não chama a polícia porque acha que ela não vai lidar de maneira eficiente com os agressores. Estatísticas confirmam essa suposição. Em Kansas City, em 1976, um estudo verificou que mais de 80% das mulheres assassinadas tinham chamado a polícia de uma a cinco vezes antes de serem mortas. A própria polícia confirma a dificuldade de interromper um incidente de espancamento grave da Fase II. Foram treinados para aconselhar a vítima e o agressor, tentar acalmá-los e depois deixá-los sozinhos. Muitas mulheres falam que policiais tentaram dissuadí-las de fazer queixa. Embora as técnicas de aconselhamento possam ser úteis em outras fases do ciclo de espancamento, a maioria das mulheres relata que a violência aumenta assim que a polícia sai. É importante que os que prestam socorro lidem com a natureza explosiva e descontrolada da violência da Fase II quando fazem a intervenção. Os programas de treinamento da Polícia também falham duplamente ao não evidenciar e não compreender a persistência do comportamento do espancador. A maioria dos/as policiais não são treinados/as nos métodos para dissipar tal raiva. Estudos feitos por Morton Bard, um psicólogo de New York que trabalha com a polícia, mostrou que quando os policiais são treinados adequadamente para lidar com situações familiares violentas, as taxas de mortalidade caem. Policiais também se queixam de serem atacados pelas próprias mulheres, quando intervêm durante um incidente na Fase II. Eles ficam compreensivelmente indignados quando a própria pessoa que vai ser ajudada se vira contra eles. Eles interpretam o comportamento dela como cumplicidade com a violência do marido. O que eles não compreendem é que a mulher espancada sabe que, quando a polícia sair, ela será deixada sozinha com o agressor novamente e ela sente-se aterrorizada com a perspectiva de ser novamente agredida. Ao atacar a polícia, ela está tentando demonstrar sua lealdade ao agressor, esperando que essa atitude impeça mais pancadas. Mulheres agredidas afirmam que se elas tivessem certeza de que a polícia retiraria seus maridos da casa e não permitiria que eles retornassem, elas não atacariam a polícia. Mas elas conhecem bem demais a ineficácia da polícia ao lidar com o agressor. Talvez por isso é que tão poucas mulheres chamam a polícia.

FASE III - Comportamento gentil e de arrependimento O fim da Fase II e movimento para a Fase III do ciclo de violência é bem-vindo por ambas as partes. Enquanto que a brutalidade é associada à Fase II, a Fase III é caracterizada por um comportamento arrependido, extremamente amoroso e gentil. O agressor percebe que foi longe demais e tenta compensar a mulher por tudo. É durante esta fase que a vitimização da mulher tornase completa. A terceira fase segue-se imediatamente à Fase II e é um período de calma incomparável. A tensão acumulada na Fase I e liberada na Fase II esgota-se na Fase III. Nesta fase, o espancador geralmente comporta-se de maneira encantadora e amorosa. O agressor lamenta a sua agressividade na fase anterior, e exprime seu arrependimento à mulher agredida. Pede perdão e promete que nunca mais vai fazer isso de novo. Seu comportamento é descrito como típico de um menino apanhado fazendo algo errado, a criança pegada em flagrante com a boca na botija. Quando apanhado no ato, ele confessa e então chora pelo perdão. O espancador realmente acredita que nunca mais vai machucar a mulher que ama; acredita que, de agora em diante, vai conseguir controlar-se; ele também acredita que já deu a ela uma tremenda lição e por isso ela não vai repetir o mesmo comportamento e, portanto, ele não terá mais motivos para bater nela de novo. Ele tenta convencer todo mundo de que está realmente mudado. Agirá de modo a demonstrar sua sinceridade. Ele vai parar de beber, de namorar outras mulheres, de visitar a mãe dele, ou o que quer que afete o seu

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estado de ansiedade interna. É no começo desta fase, imediatamente após o incidente de espancamento grave, que geralmente encontrei mulheres espancadas. É quando elas estão mais propensas a escapar da situação. Algumas das mulheres que participaram voluntariamente das entrevistas, me contataram imediatamente após sua hospitalização por ferimentos recebidos durante o incidente grave de espancamento. Mas à medida que passavam do fim da Fase II para a Fase III do ciclo de espancamento, era dramática a mudança nestas mulheres a quem visitei diariamente no hospital. Depois de alguns dias, elas passavam de solitárias, zangadas, assustadas e magoadas, a alegres e confiantes e amorosas. De início, elas avaliavam realisticamente sua situação. Aceitavam sua inabilidade para controlar o comportamento do espancador. Estavam experienciando raiva e terror, o que ajudava a motivá-las para pensarem em mudanças maiores para suas vidas. Essas mulheres estavam plenamente convencidas do seu desejo de pararem de ser vítimas, até à chegada do espancador. Eu sempre sei quando o marido de uma mulher fez contato com ela pela profusão de flores, doces, cartões e outros presentes no quarto dela no hospital. No segundo dia, os telefonemas ou visitas intensificavam-se, assim como seus apelos para ser perdoado e prometia nunca mais fazer isso. Geralmente ele engaja outros na sua violenta batalha para permanecer com ela. A mãe dele, pai, irmãs, irmãos, tias, tios, amigos e qualquer um que ele possa recrutar, telefonam e intercedem por ele. Todos eles trabalham com o sentimento de culpa dela: ela era a única esperança; sem ela, ele seria destruído. O que aconteceria aos filhos, se afastar deles o pai? Parece não importar os modelos emocionalmente estropiados que o espancador e a mulher espancada ofereceram a esses filhos. Embora todo o mundo reconheça que o espancador está errado, a mulher espancada é considerada responsável pelas conseqüências de qualquer punição que ele receba. A maioria das mulheres espancadas está presa a valores tradicionais sobre a permanência do amor e do casamento, tornando-se presa fácil da culpa de destruir um lar, mesmo que este não seja muito feliz. Elas foram ensinadas que casamento é para sempre e elas acreditam. A mulher espancada também recebe a mensagem que o espancador precisa de ajuda, sendo que se ela ficar com ele, ele terá essa ajuda. Durante esta intensa campanha para persuadi-la a permanecer com o espancador, todo o mundo realmente acredita nessas racionalizações. A verdade, no entanto, é que as chances dele procurar ajuda são mínimas se ela ficar com ele Nós descobrimos que o período em que um espancador comumente procura ajuda é depois que a mulher o deixou e ele pensa que a psicoterapia ou qualquer outra ajuda poderão trazê-la de volta para ele. Outras mulheres espancadas freqüentemente recontam histórias semelhantes a essas vivenciadas por mulheres hospitalizadas. A recompensa delas por terem aceitado a violência abusiva é um período de bonança e generosidade. Para algumas mulheres, no entanto, este período nem sempre é feliz. Uma mulher relata que ela tinha pavor desta fase, porque o homem tentava fazer com que ela se sentisse melhor e ele menos culpado comprando presentes extravagantes que não tinham condições de pagar. Se ela tentasse devolver os presentes, ele rapidamente se tornava violento de novo. Se ela ficasse com eles, ela ficava preocupada de como poderiam pagá-los. E era ela que tinha que trabalhar horas extras para ganhar o dinheiro para pagá-los ou teria que enfrentar os processos de devolução. Então, ela não tinha trégua; também sofria durante a Fase III. A mulher espancada quer acreditar que não vai mais sofrer violência. A racionalização fortalece sua crença de que ele realmente pode mudar, já que ele muda seu comportamento amoroso durante esta fase. Convence-se que ele pode realmente fazer o que promete. É durante esta fase que a mulher vislumbra seu sonho original de como o amor é maravilhoso. O comportamento amoroso dele reforça sua decisão de permanecer no relacionamento. Mesmo as mulheres que deixaram um

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relacionamento violento há muito tempo lembram com saudade da sinceridade e do amor que elas sentiram neste período. Predomina a noção tradicional de que duas pessoas que se amam superam os mais terríveis desafios. A mulher espancada escolhe acreditar que o comportamento que vê nele na Fase III corresponde à verdadeira natureza do homem que ela ama. Ele seria assim o tempo todo se o ajudassem. Ela identifica o homem bom no homem que ela ama. Ele agora é tudo o que ela queria de um homem. Ele é visto como forte, confiável e amoroso. Se pudessem ajudá-lo, ele seria assim o tempo todo. Não há meios de saber se isto é verdade ou não; contudo, é interessante que estas mulheres escolhem acreditar que este comportamento arrependido é mais indicativo da verdadeira pessoa do que o comportamento espancador. As pessoas que apóiam essas mulheres ficam exasperadas neste ponto, pois a mulher geralmente retira as queixas, volta atrás na separação ou no divórcio e geralmente tenta ajeitar as coisas até o próximo incidente grave. É também neste período que a mulher compreende o quanto seu espancador na verdade é frágil e inseguro. Incluídas em suas súplicas há ameaças de que ele destruirá a vida dele se ela não o perdoar. Ele diz a ela o quanto ele precisa dela e garante que alguma coisa terrível acontecerá a ele se ela o abandonar. O suicídio não é uma ameaça fútil. Nesta pesquisa, quase 10% dos homens que espancavam suicidaram-se depois que as mulheres os deixaram. As mulheres espancadas percebem nos seus parceiros o desespero, solidão e alienação do resto da sociedade. Elas se vêm como a ponte para o bem-estar emocional de seus parceiros. Cerca de metade das mulheres entrevistadas relataram que a sanidade mental do marido deteriorou depois que elas os deixaram. Pelo menos um quarto delas afirmou que sua própria saúde mental foi afetada seriamente pela separação. O casal que vive uma relação violenta torna-se um par simbiótico - um tão dependente do outro que quando um tenta sair da relação, a vida dos dois fica afetada drasticamente. É durante a Fase III, quando o amor/generosidade é mais intenso, que este laço simbiótico se estreita. Ambos enganam um ao outro e a si próprios de que juntos podem lutar contra o mundo. A sensação de excesso de interdependência e de confiança mútua é evidente em cada uma das fases do ciclo. Entretanto, o vínculo entre eles se consolida durante a Fase III. Como quase todas as recompensas de estar casada ou de viver junto ocorrem para a mulher espancada durante a Fase III, é nesse período que é mais difícil para ela tomar uma decisão de terminar o relacionamento. Infelizmente, esse é também o período em que as pessoas que prestam ajuda geralmente a vêem. Quando ela resiste a deixar o relacionamento e argumenta que realmente o ama, ela toma como base o comportamento amoroso atual da Fase III mais do que o comportamento mais doloroso das Fases I e II. Ela tem esperança de que, se os dois outros ciclos puderem ser eliminados, os espancamentos cessarão e seu relacionamento idealizado continuará. Se ela já passou por diversos ciclos, aumenta sua auto-rejeição e perturbação pela consciência de que está trocando sua segurança física e psicológica por esse estado de sonho temporário. Sua auto-estima se debilita à medida que ela assume estar se vendendo em troca de breves períodos de comportamento da Fase III. Ela torna-se cúmplice de seu próprio espancamento. As mulheres entrevistadas, freqüentemente admitem, embora com vergonha, de que amavam profundamente seus parceiros durante esta fase. O efeito da generosidade, confiança dedicação e interesse verdadeiros de seus parceiros não pode ser minimizado. A duração exata da Fase III não pôde ainda ser determinada. Parece ser maior que a Fase II mas menor que a Fase I. Contudo, em alguns casos, parece ser difícil achar evidências de que esta fase dure mais do que um breve momento.Também não parece haver um fim definido para esta fase. A maioria das mulheres relata que, antes que elas percebam, o comportamento calmo e amoroso dá lugar a pequenos incidentes de agressão novamente. Começa novamente a tensão crescente da

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Fase I, reiniciando um novo ciclo de espancamentos. Algumas mulheres conseguem manter esta fase amorosa por um longo período de tempo. Quando esta é seguida por espancamentos, estas mulheres freqüentemente perdem o controle sobre a sua raiva reprimida e ferem gravemente o homem. Três mulheres desta pesquisa atiraram e mataram seus maridos e uma esfaqueou-o até ele morrer. Muitas outras contra-atacaram com facas e outras armas mortais. Em cada caso, a retaliação acontece depois de diversos ciclos de espancamento curtos e intensos, seguidos de períodos mais longos de calma. As mortes ocorreram após o comportamento da Fase I começar novamente. As mulheres envolvidas sentiam que elas não podiam suportar mais nenhum ataque. Nenhuma delas afirmou querer matar o parceiro. Todas disseram que queriam impedi-los de machucá-las novamente. “The Cycle Theory of Violence” é um capítulo da publicação The Battered Woman, de autoria de Lenore Walker (USA), psicóloga forense, pesquisadora e professora na Nova Southeastern University, na Flórida; diretora-executiva do Instituto de Violência Doméstica - www.dviworld.org

Violência contra Parceiras(os) VP Definições / Razões de Violência Doméstica

Nos últimos 15 anos, tem havido um aumento do reconhecimento entre os profissionais da saúde, que violência doméstica (VD), também conhecida como Violência contra Parceira/o (VP) é um problema de saúde pública altamente predominante, com efeitos devastadores nas pessoas, nas famílias e nas comunidades. A maioria dos americanos é assistida de alguma forma por um serviço de saúde, e o setor de Saúde oferece uma criteriosa oportunidade para uma identificação prematura e até uma prevenção básica de abuso. Estudos mostram que a qualificação da VP no setor médico tem sido eficiente para identificar mulheres que são vítimas, e que pacientes não ficam ofendidos quando questionados sobre VP recente, ou no passado. Um grupo de associações profissionais de saúde editou pareceres de suas posições aos seus membros, descrevendo o impacto da VP nos pacientes, e sugerindo estratégias para classificação e identificação de abuso. Esses pareceres representam passos importantes para aumentar o alerta sobre VP no setor de saúde. De qualquer modo, eles geralmente não oferecem nem normas específicas para classificação e resposta, nem critérios que promovem a utilização e avaliação da prática recomendada. Essas normas oferecem recomendações específicas para classificação e resposta para VP que podem ser aplicadas nos múltiplos departamentos de saúde.

Predomínio da Violência contra Parceira(o) VP é um problema de saúde de proporções enormes. É estimado que entre 20 e 30% das mulheres e 7,5% dos homens nos Estados Unidos são física ou sexualmente agredidos por um parceiro, alguma vez em sua vida adulta. Mulheres heterossexuais são cinco a oito vezes mais propensas a ser molestadas por seus parceiros, do que homens heterossexuais. De 1993 a 1998, vítimas do parceiro somaram 22% dos crimes violentos vividos por mulheres e 3% dos crimes violentos sofridos por homens. Mulheres entre 16 e 24 anos experimentam a mais alta taxa de VP per capita. Para adolescentes que experimentaram alguma forma de violência no namoro, as taxas variam de

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25 a 60%. Enquanto estudos indicam que rapazes e moças podem aceitar agressão física e sexual como normais no namoro e nas relações íntimas, adolescentes mulheres são mais propensas a sofrer ferimentos físicos do que rapazes, e são mais propensas a ser molestadas sexualmente por seus parceiros. As agressões continuam no decorrer da vida. O Centro Nacional de Abusos aos Idosos estima que 818.000 americanos idosos foram vítimas de agressões domésticas em 1994. Tratando-se de vítimas entre lésbicas, gays, transexuais, e bissexuais (LGTB), os dados são muito menores. Entretanto, a matéria disponível sugere igualmente altos índices para a população de LGTB adolescentes e adultos, com índices mais altos entre relacionamentos homossexuais masculinos do que femininos. A VP ocorre em todas as comunidades urbanas, suburbanas, rurais e distantes; em todas as classes sociais, e em todos os grupos étnicos e religiosos, incluindo imigrantes e populações refugiadas. Consequentemente, todos os setores de saúde e profissionais que proporcionam cuidados para pacientes, estão tratando pacientes atacados por VP, e estão em posição de identificar e interferir em metade das vítimas. As estimativas de crianças expostas a VP variam de 3,3 milhões a dez milhões ao ano, dependendo da definição específica da violência pela testemunha, da fonte da entrevista e da idade da criança incluída na pesquisa. No estudo da Experiência Adversa na Infância (EAI), aplicada em uma grande amostra de membros (30.000 adultos) do plano de saúde Kaiser, na Califórnia, 12,5% das respostas indicaram infância exposta à VP e 10,8% indicaram uma história pessoal de abuso infantil, incluindo agressão física, sexual e emocional. Essa pesquisa e outros estudos, indicam que crianças que presenciam VP são atendidas com freqüência e regularidade no sistema de saúde enquanto crianças, e depois de adultas.

Os efeitos da Violência contra Parceira(o) na saúde. Além de ferimentos sofridos pelas mulheres durante episódios violentos, abusos físicos e psicológicos estão ligados a um número de efeitos adversos de saúde médica, incluindo artrite, dor crônica no pescoço e na coluna, enxaqueca ou outros tipos de dor de cabeça, infecções sexualmente transmissíveis (incluindo HIV/AIDS), dor crônica na pélvis, úlcera péptica, síndrome de irritação crônica do intestino e freqüente indigestão, diarréia ou constipação. Seis por cento de todas as mulheres grávidas são agredidas e as complicações na gravidez, incluindo ganho de peso deficiente, anemia, infecções, primeiro e segundo trimestre com sangramento, são significativamente altas para mulheres que sofreram agressão, assim como os índices maternais de depressão, tentativa de suicídio, e vicio em drogas. Administração ideal de outras doenças crônicas como asma, HIV/AIDS, ataques, diabetes e hipertensão, também podem ser problemáticos em mulheres que estão sendo agredidas. Muitas vezes, o agressor controla, com o consentimento da vítima, o acesso dela ao registro de saúde. Pesquisas desenvolvidas, mostram que mulheres que são agredidas, estão menos propensas a participar de procedimentos de saúde preventiva, como por exemplo a mamografia regular, e mais propensas a participar de procedimentos de saúdes nocivos incluindo fumo, uso excessivo de álcool e vicio em drogas. Em muitos estudos controlados, a VP aumenta significativamente o risco de conseqüências sérias de saúde mental para as vítimas, incluindo depressão, stress traumático e pós-

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traumático, ansiedade, e mania suicida. A VP pode também resultar em homicídio; em 1996, 1.800 assassinatos foram atribuídos a parceiros. Adolescentes também sofrem frequentemente durante a vida, efeitos devastadores provocados pela violência no namoro. Em um estudo, garotas adolescentes que informaram ter experimentado violência física ou sexual no namoro, eram 2,5 vezes mais propensas a fumar, 8,6 vezes mais propensas a tentar o suicídio, e 3,4 vezes mais propensas a fazer uso de cocaína do que garotas adolescentes que não sofreram abuso. Além disso, adolescentes que sofreram abuso, eram 3,7 vezes mais propensas em usar maneiras de controle de peso prejudiciais à saúde, como usar laxativos ou provocar vomito. A experiência de violência interpessoal é também ligada com gravidez sucessiva, e altos índices de abortos entre adolescentes de baixa renda. Mais de 100 estudos exploraram os efeitos de curto e longo prazo em crianças. De 30 a 60 famílias afetadas por VP, crianças também sofreram abuso diretamente. Crianças expostas a VP, particularmente abuso crônico, frequentemente mostram sintomas associados com problemas de stress pós traumático. Um estudo constatou que uma criança exposta a VP (sem ser agredida diretamente) era suficientemente traumatizada para causar sintomas pós traumáticos de moderados a severos, em 85% das crianças pesquisadas. Embora problemas físicos de saúde raramente são medidos em crianças expostas a VP, um estudo constatou que elas são mais prováveis a exibir problemas físicos de saúde, incluindo enfermidades somáticas crônicas e problemas comportamentais como depressão, ansiedade, e violência entre elas. Outro estudo constatou que crianças expostas eram também mais prováveis a tentar suicídio, exceder em drogas e bebidas, fugir de casa, iniciar-se na prostituição infantil e cometer crimes de agressão sexual. Existe um grupo crescente de pesquisas objetivando o impacto da violência no desenvolvimento do cérebro, que poderia ter implicações para crianças que crescem em lares violentos. Experiência prejudicial na infância incluindo exposição a VP, provoca riscos maiores quando adultos, como: fumo, vício em drogas, obesidade, depressão, e problemas de saúde correspondentes, incluindo doenças crônicas de pulmão, doenças do coração, hepatite, diabetes, e suicídio.

Identificar e Reagir ao Abuso pode fazer a diferença. O sistema de saúde desempenha um importante papel em identificar e prevenir os problemas de saúde pública. Modelos desenvolvidos para identificar outros problemas de saúde crônicos, podem efetivamente ser aplicados em VP. Classificação de rotina, focadas em identificar de antemão todas as vítimas de VP, mesmo se os sintomas não forem aparentes, é o ponto de partida para esse aprimorado acesso do exercício médico para a VP. É comum a classificação cara-a-cara de mulheres por hábeis serviços de saúde. Notadamente, aumenta a identificação de vítimas da VP, assim como aquelas que estão em risco de abuso verbal, físico ou sexual. Classificação rotineira de todos os pacientes, ao contrário da indicação de classificação básica, aumenta as oportunidades para identificação e intervenção efetiva, ratifica a VP como questão principal e legítima de saúde, e permite os profissionais de saúde assistir as vítimas e seus filhos. Quando vítimas ou crianças expostas a VP são prematuramente identificadas, os profissionais de saúde podem estar aptos a quebrar o isolamento e coordenar com os advogados da VD, para ajudar os pacientes a entender suas opiniões, viver mais seguros dentro do relacionamento, ou deixar o relacionamento com segurança. A opinião técnica sugere que essas intervenções no setor

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de saúde para adultos, podem conduzir para redução da morbidez e da mortalidade. A classificação proporciona uma valorosa oportunidade às vítimas de contar aos profissionais de saúde sobre suas experiências com abuso. Mulheres surradas relatam que um dos aspectos mais importantes de sua interação com os médicos, foi ser ouvida sobre a agressão. Mesmo se a paciente optar por não revelar que esta sendo agredida, o questionário do profissional de saúde pode frequentemente transmitir apoio e aumentar o gosto pela discussão da matéria no futuro. Indagar sobre VP e ter recursos e material correspondente nos setores de saúde também envia uma mensagem preventiva de que VP é inaceitável, tem sérias conseqüências na saúde, e fornece recursos ao paciente, e informação importante e própria da comunidade. Na maioria dos países, programas que servem as vítimas de VP incluem linhas diretas, serviços de painel de empregos e abrigos. Esses programas tipicamente oferecem planejamentos seguros, moradias particulares de emergência, aconselhamentos focados em pequenas causas, advocacia legal, moradia de apoio e ajuda para identificar suporte financeiro.

Trabalhar de acordo com a cultura A VP afeta as pessoas sem distinção de raça, etnia, classe, identidade sexual ou gênero, crença religiosa, idade, situação de nacionalidade e capacidade. O termo cultura é usado neste contexto como referência aos eixos de identificação, e outras experiências compartilhadas. Por causa da sensível natureza do abuso, fornecer atenção cultural é importante quando em atendimento às vítimas. A fim de fornecer atenção acessível e sob medida para cada paciente, os profissionais da saúde devem considerar as muitas questões que as vítimas podem lidar simultaneamente (incluindo barreiras de linguagem, recursos limitados, medo de homens, aculturação, casos de acessibilidade e racismo) e reconhecer que cada paciente que é vítima de VP vai experimentar tanto o abuso, quanto o sistema de saúde de sua maneira culturalmente específica. Disparidades no acesso e na qualidade do sistema de saúde, podem também impactar as habilidades dos profissionais de saúde na ajuda aos pacientes agredidos. Por exemplo, mulheres que são membros de grupos raciais e étnicos são mais propensas a ter dificuldades de comunicação com seus médicos do que mulheres brancas, e frequentemente sentem que são tratadas desrespeitosamente nos setores do sistema de saúde. Latinos, asiáticos e negros que falam Inglês, alegam não entender inteiramente seus médicos e sentem como que seus médicos não estivessem ouvindo o que eles dizem. Pessoas com deficiência de comunicação ou deficiência cognitiva podem ser dependentes de um parceiro agressivo, e então estar especialmente vivendo em alto risco. Além disso, alguns pacientes podem se sentir agredidos pelo próprio sistema de saúde, e isso pode impactar sua aproximação e utilização do sistema de saúde.

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ANEXOS

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ANEXO - A

Profissionais e Setores Guia Prático Profissionais da saúde que deveriam ser treinados em VP: (pode haver mais) • • • • • • • •

Médicos Dentistas, higienistas e assistentes Enfermeiras práticas Médicos assistentes Enfermeiras e enfermeiras assistentes Assistente social Médicos intérpretes Assistentes clínicos

• • • • • • • •

Pré-hospital e salas de emergência Profissionais da saúde pública Parteiras Advogados de viciado em drogas Profissionais de saúde mental Terapeutas de reabilitação Serviços de cirurgias urgentes Outros ligados aos serviços de saúde

Setores onde a identificação e resposta para as vítimas do VP devem ocorrer: (pode haver mais) • • • • • • •

Primeiros socorros de adultos Primeiros socorros pediátricos Médico de família Geriatria Atendimento urgente e emergencial Obst/Ginec e saúde da mulher Planejamento da família e atendimento pré-natal

• • • • • • • •

Departamento de saúde pública Departamento de saúde dental Cirurgia ortopédica Internação Tratamento de viciado em drogas Departamento de saúde escolar Departamento de reabilitação ocupacional Saúde mental

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SETORIZANDO REAÇÕES CLÍNICAS ESPECIFICAS PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

GUIA PRÁTICO DE REFERÊNCIA PARA O SERVIÇO DE SAÚDE Circustância da Entrada

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Referência e Acompanhamento

Classificação

Avaliação

Intervenção

Documentação

- Atendimento de urgência - Visitas temporárias e urgentes - Paciente internado - Cirurgia ortopédica

- Classificar rotineiramente cada visita - Classificar por abuso recente e se o tempo permitir, classificar a historia de abuso antigo - Particularmente ( 1 a 1) ou um intérprete treinado sem nenhum relacionamento - O que aconteceu? - Quando aconteceu? - Onde aconteceu? - Quem foi o causador? - Respeitar a decisão do paciente em revelar ou não - discutir qualquer exigência do relatório antes de classificar - Incluir as questões de classificação nos formulários

- Avaliar proteção imediata - Impacto do abuso na saúde - Avaliar o modelo de abuso - Avaliação Perigo/ Fatalidade - Se avaliação positiva para perigo: estimativa para suicídio/ homicídio

- Ouvir e apoiar atentamente - Estou preocupado com sua saúde e segurança - Você não está sozinha - Socorro está disponível - Não é sua culpa - Você não merece isso - O que aconteceu com você tem impacto na sua saúde - Fornecer informações e material sobre VD - Perguntar: “O Que posso fazer por você?” - Fornecer um plano de segurança - Oferecer serviços: advogados de VD, assistente social, policia, abrigo, etc.

- Legível, assinatura por extenso, manter confidencialidade do registro - História de agressão: Informação subjetiva: (estado do paciente) Informação objetiva: descrição detalhada da aparência do paciente, indicações de comportamento, ferimentos e condições de saúde - Uso do kit de estupro quando apropriado - Resultados de exames físicos - Uso de mapa do corpo humano - Foto ( com autorização do paciente) -Radiologia, resultados de laboratórios, coleta de evidencias judiciais – roupas, fragmentos, etc. - Quaisquer materiais e referências oferecidas - Resultados de avaliações de saúde e segurança

- Verificar se o paciente tem a ficha de acompanhamento do atendimento inicial, serviços de saúde mental, assistente social, ou Advogado de VD - Obter permissão para notificar o prestador do serviço - Saber os telefones dos serviços de: . Programas de VD . Serviços legais . Programas para crianças . Serviços de saúde mental . Imposição da lei . Viciados em drogas . Transportes . Pároco local ou outra organização comunitária

- Adulto/ Adolescente Atendimento inicial - Medicina familiar - Saúde Pública - Setor de Saúde Escolar

- Classificar rotineiramente abusos recentes, e histórico de abusos a qualquer tempo - Classificar na primeira visita - Anualmente ou durante avaliações de saúde periódicas - Anotar novos relacionamentos e se sinais/sintomas são recentes - Particularmente ( 1 a 1) ou com um intérprete sem nenhum relacionamento - Questões de classificação nos formulários - Respeitar a decisão do paciente em revelar ou não - Discutir qualquer exigência do relatório antes de qualificar

- Conduzir avaliação logo após a descoberta - Avaliar proteção imediata - Impacto do abuso na saúde - Avaliar o modelo de abuso - Avaliação Perigo/ Fatalidade - Se avaliação positiva para perigo: estimativa para suicídio/ homicídio - Estender a avaliação se o tempo permitir (veja anexo F) - Se a VP é antiga, avaliar como a agressão afeta o paciente agora: fisicamente/ emocionalmente - Pergunta: “Você ainda corre risco?” “Você ainda mantém contato com seu parceiro?”

- Ouvir e apoiar atentamente - Estou preocupado com sua segurança - Você não está sozinha, socorro está disponível, não é culpa sua, você não merece isso - Forneça informação e material de VD - Pergunte: “O que posso fazer por você?” - Ofereça/explique os serviços: Advogados de VD, assistente social, policia, abrigo, etc. - Ofereça para telefonar para o advogado de VD - Examinar (ou pedir para o advogado da VD) plano de segurança - Se VP não for recente: . O que aconteceu com você pode ter impacto na sua saúde . Perguntar: “Posso fazer algo por você?” Ofereça referência se o paciente desejar um Advogado de VD, saúde mental ou outros serviços . Planejar estratégia para reagir às emoções difíceis depois da visita

- Legível, assinatura por extenso, manter confidencialidade do registro - História de agressão: Informação subjetiva: (estado do paciente) Informação objetiva: descrição detalhada da aparência do paciente, indicações de comportamento, ferimentos e condições de saúde - Se necessário o kit de estupro (<120 horas) saber lugares certos para os exames - Resultados de exames físicos - Uso de mapa do corpo humano - Foto (c/autorização do paciente) - Radiologia, laboratórios indicados. - Materiais e referências oferecidas - Resultados de saúde, avaliação de segurança - Planos de acompanhamento.

- Oferecer visitas de acompanhamento rigorosas, se a situação exigir. - Se necessário, oferecer referências para saúde mental, Advogado de VD - Identificar estratégias de acompanhamento para pacientes: (próxima visita, número de telefone sigiloso, endereço) - Saber os telefones dos serviços de: . Programas de VD . Serviços legais . Programas para crianças . Serviços de saúde mental . Imposição da lei .Viciados em drogas . Transportes . Pároco local ou outra organização comunitária . Perguntar sobre VD no acompanhamento

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Circustância da Entrada Especialidades do Serviço de Saúde - Ginecologia/ Obstetrícia, Planejamento familiar, prénatal, Saúde dental da mulher, geriatria, clínicas de DST (doenças sexualmente transmissíveis)

Saúde Mental Departamento de Viciado em Drogas

Referência e Acompanhamento

Classificação

Avaliação

Intervenção

Documentação

- Classificar rotineiramente abusos recentes, e histórico de abusos a qualquer tempo - Classificar na visita inicial ou - Anualmente, ou nas avaliações de saúde periódicas. - Se o quadro apontar abuso com novo relacionamento e/ou quando se apresentarem sinais e sintomas - No pré-natal/ visitas pós-parto. - Particularmente (1 a 1) ou com um interprete treinado sem nenhum relacionamento - Questões de classificação nos formulários - Discutir qualquer exigência do relatório antes de classificar

- Avaliar proteção imediata - Impacto do abuso na saúde - Avaliar o modelo/ história do abuso - Avaliação Perigo/ Fatalidade - Se avaliação positiva para perigo: estimativa para suicídio/ homicídio - Conduzir avaliação expandida se o tempo permitir (anexo F) ou oferecer referencias de Advogados de VD, assistente social, ou serviço de saúde mental para avaliação apurada - Se VP é antiga, avaliar como o abuso afeta física e emocionalmente o paciente agora Perguntar: “Você ainda se sente em perigo?” “Você ainda mantém contato com o parceiro?”

- Ouvir e apoiar atentamente - Estou preocupado com sua saúde e segurança - Você não está sozinha - Socorro está disponível - Não é sua culpa, você não merece isso - O que aconteceu pode ter impacto na sua saúde - Fornecer informações e material sobre VD - Oferecer/explicar os serviços: Amparo de VD, serviço social, polícia, abrigo, etc. - Oferecer para chamar Advogado por telefone - Examinar (ou chamar um Advogado de VD) desenvolver um plano de proteção com o paciente - Se VP não for recente: perguntar: “Existe algo que eu possa fazer por você?” Oferecer referências de advogados de VD, saúde mental ou outros serviços - Planejar estratégias para reagir a emoções difíceis após a visita

- Legível, assinatura por extenso, manter confidencialidade do registro médico - História de agressão: Informação subjetiva: (estado do paciente) Informação objetiva: descrição detalhada da aparência do paciente, indicações de comportamento, ferimentos e condições de saúde - Se necessário o kit de estupro (<120 hrs) Saber lugares dos exames - Resultados dos exames físicos - Uso de mapa do corpo humano - Foto ( c/autorização do paciente) -Radiologia, laboratórios designados - Quaisquer materiais e referências oferecidas - Resultados de avaliações de saúde e segurança - Planos de acompanhamento

- Oferecer visitas de acompanhamento quando a situação permitir - Verificar se paciente tem dados iniciais para acompanhamento, ou se necessário oferecer referências para primeiro atendimento, saúde mental ou Advogado de VD - Obter permissão para notificar o serviço de saúde. - Saber os telefones dos serviços de: . Programa de VD . Serviços legais . Programas para crianças . Serviços de saúde mental . Imposição da lei . Viciados em drogas . Transportes . Pároco local ou outra organização comunitária

- Classificar rotineiramente abusos recentes, e histórico de abusos a qualquer tempo - Classificar na primeira visita - Anualmente, ou durante avaliações de saúde periódicas - Com novo relacionamento - Se o quadro apontar abuso e/ou quando se apresentarem sinais e sintomas - Particularmente (1 a 1) ou com um intérprete sem nenhum relacionamento - Questões de classificação nos formulários - Discutir qualquer exigência do relatório antes de classificar

- Avaliar proteção imediata - Impacto do abuso na saúde - Avaliar o modelo/ história do abuso - Avaliação Perigo/ Fatalidade - Avaliação suicídio/ homicídio - Perguntar sobre como lidar com as estratégias e a história psico-social - Perguntar: “Você já tentou?” ”O que aconteceu?” - Conduzir a avaliação das necessidades - Se a VP é antiga, avalie como a agressão afeta o paciente agora: fisicamente/ emocionalmente - Perguntar: “Você ainda corre risco?” “Você ainda mantém contato com seu parceiro?”

- Ouvir e apoiar atentamente - Estou preocupado com sua saúde e segurança - Você não está sozinha - Socorro está disponível - Não é culpa sua, você não merece isso - O que aconteceu pode ter impacto na sua saúde - Fornecer informação e material de VD - Perguntar: “O que posso fazer por você?” - Oferecer/explicar os serviços: Advogados de VD, assistente social, policia, abrigo, etc. - Oferecer para telefonar para o advogado de VD - Examinar (ou chame um advogado da VD) desenvolva plano de proteção com o paciente - Tratar da saúde mental relacionada com o abuso ou problemas com vício em drogas Se abuso antigo, perguntar: “Existe alguma coisa que posso fazer por você agora?” - Planejar estratégias para reagir a emoções difíceis após a visita.

- Legível, assinatura por extenso, manter confidencialidade do registro médico - Resultados de avaliações de saúde e segurança - História de agressão: Informação subjetiva: (estado do paciente) Informação objetiva: descrição detalhada da aparência, indicações de comportamento, ferimentos e condições de saúde do paciente - Quaisquer materiais e referências oferecidas

- Se o paciente desejar, encaminhar de volta para atendimento inicial ou outro serviço. - Oferecer visitas de acompanhamento rigorosas, se a situação exigir. - Oferecer terapias individuais ou em grupo - Identificar estratégias de acompanhamento com paciente: (próxima visita, número de telefone sigiloso, endereço) - Saber os telefones dos serviços de: . Programas de VD . Serviços legais . Programas para crianças . Serviços de saúde mental . Imposição da lei . Viciados em drogas . Transportes . Pároco local ou outra organização comunitária.

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A classificação e a resposta inicial devem ser conduzidas por um Profissional do Sistema de saúde que: • Foi instruído sobre as dinâmicas da VP, a proteção e autonomia dos pacientes agredidos, e elementos do atendimento cultural apropriado; • Foi treinado para saber como perguntar sobre agressão, para fornecer informações sobre a VP e os recursos da comunidade local e para interferir na identificação da vítima; • Está autorizado a anotar na ficha médica do paciente; • Estabeleceu um relacionamento ou provocou alguma confiança no paciente no setor de entrada; • Tem um papel claro e definido na especialidade, no atendimento de urgência ou no setor de emergência.

Avaliações e intervenções podem ser fornecidas por: • Qualquer um dos profissionais de saúde acima e/ou um advogado ou voluntário treinado. Reações para as vítimas dos parceiros são mais eficientes e efetivas quando coordenadas de uma maneira multidisciplinar e em colaboração com o Advogado de VD, para que nenhum profissional da saúde sozinho seja responsável pela total intervenção. Todos os profissionais dos setores acima listados devem ser treinados, e ter capacidade básica para observar, e como identificar e reagir a PV. Deveriam ser desenvolvidas políticas exatas para especificar cada um dos papéis dos profissionais da saúde, para completar os dados específicos do registro.

Como classificar uma ocorrência de vítima da VP como recente e antiga? A classificação deve ser: • Conduzida rotineiramente, independentemente da presença ou falta de evidências de abuso; • Conduzida oralmente como uma acareação com o sistema de saúde; • Incluída por escrito ou baseada em questionários de saúde computadorizados; • Direta e sem julgamento, usando linguagem linguística e culturalmente apropriada; • Conduzida em particular: nenhum amigo, parente (exceto crianças com menos de três anos)ou conselheiros devem estar presente; • Confidencial: antes da classificação, os pacientes devem ser informados de qualquer exigência do relatório ou outras restrições, para a confidencialidade entre profissional/paciente; • Assistida, se necessária, por interpretes que foram treinados para perguntar sobre abuso e que não conheçam o paciente ou seu parceiro, conselheiro, amigo ou família socialmente.

Quando qualificar uma ocorrência de vítima da VP como recente e antiga? • Como parte da rotina da história da saúde (história social/revisão de sistemas); • Como parte da avaliação do padrão da saúde (ou em cada encontro de atendimento urgente); • Durante qualquer novo encontro com o/a paciente; • Durante visitas médicas amplas e periódicas (classificação somente para a recente vítima de VP); • Durante a visita para uma denuncia mais importante (classificação somente para a recente vítima de VP) • Para cada nova relação íntima (classificação somente para a recente vítima de VP)

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• Quando sinais e sintomas causam preocupação, ou a qualquer tempo a critério do profissional de saúde.

Avaliação de cuidado imediato: • “Você está em perigo iminente?” • “O seu parceiro está nas dependências do sistema de saúde agora?” • “Você quer (ou tem que) ir pra casa com seu parceiro?” • “Você tem algum lugar seguro para ir?” • “Houve ameaça ou agressão direta aos filhos (se ele/ela tem filhos)?” • “Você tem medo de poder estar correndo risco de vida?” • “A violência piorou ou está se tornando mais assustadora? Está acontecendo mais vezes?” • “Seu parceiro usa armas, álcool ou drogas?” • “Seu parceiro alguma vez lhe agarrou contra sua vontade, ou aos seus filhos?” • “Seu parceiro alguma vez lhe vigiou, seguiu ou espreitou?” • “Seu parceiro alguma vez lhe ameaçou de morte, a ele mesmo ou aos seus filhos?”

Avaliação do padrão e a história da agressão recente: • “Há quanto tempo a violência está ocorrendo?” • “Você já foi hospitalizada por causa da agressão?” • “Você pode me contar sobre o acontecimento mais sério?” • “Seu parceiro a forçou para fazer sexo, feriu você sexualmente ou forçou você a ter relações sexuais que a deixou constrangida?” • “Algum outro membro da família, crianças ou animal de estimação foi ferido pelo seu parceiro?” • “Seu parceiro controla suas atividades, dinheiro ou filhos?”

Para o paciente que revela uma história antiga de vítima de VP: • “Quando ocorreu a agressão?” • “Você sente que ainda corre risco?” • “Você está em contato com seu ex-parceiro?” “Vocês tem filhos ou custódia em comum?” • “De que maneira você pensa que a agressão lhe afetou emocionalmente e/ou fisicamente?”

Medidas de Implementação A amostragem aleatória do registro médico, se feito só com o propósito de incrementar o desempenho da Classificação da VP, ou se cercados de outras qualidades de atividades documentais como o relatório HEDIS, pode proporcionar informações valiosas sobre a condescendência do profissional com o registro da VP. Se o tamanho da amostragem é suficientemente grande, é provável que a informação sobre o quadro de revisão pode ser usada para estimar o número de pacientes que estão sendo identificados e referendados por grupo médico (isso não é aplicado para médicos particulares por causa do pequeno tamanho da amostragem). É aconselhável examinar aleatoriamente uma seleção de registros médicos de cada instituição de saúde, para estimar a documentação de classificação, avaliação, intervenção e seguimento, conforme delineado na norma de consenso.

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Registros deveriam proporcionar informações na ficha, incluindo: • Percentagem de pacientes atendidos que foram classificados como VP no último ano; • Percentagem dos pacientes classificados que descobriram que eram vítimas de abuso; • Percentagem de instituição/profissionais de saúde que cumpriram com o protocolo de classificação.

Para pacientes que foram classificados positivamente por VP recente ou antiga, quando acessados, os registros devem indicar o seguinte: • Proteção imediata e perigo inicial; • História do abuso (severidade e grau); • Impacto da agressão nas questões de saúde e a presença de questões relacionadas ao sistema de saúde; • Para aqueles que responderam “sim” às questões de avaliação de perigo inicial, foi conduzida uma avaliação de suicídio e homicídio.

Para pacientes que revelam abuso, os dados devem indicar que são oferecidos planos de interferência e tratamento, incluindo: • Informações verbais e/ou escritas sobre planos de segurança (só vítimas recentes); • A opção de falar com um advogado pessoalmente ou por telefone (só vítimas recentes); • Informação verbal e/ou escrita sobre abuso e o impacto na saúde; • Serviços apropriados linguística e culturalmente; • Uma revisão das instruções de desempenho e acompanhamento da entrevista planejada, ou plano de atendimento para saúde mental, assistência social, ou profissional de serviço baseado na comunidade.

Se pacientes não revelam abuso, mas o Serviço de saúde está preocupado, os registros devem indicar: • Informação verbal e escrita sobre a VP e informações correspondentes. Lembretes com questões de acompanhamento específicas para lembrar na próxima visita do paciente.

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ANEXO - B Ferramentas de Avaliação de Risco Vários fatores de risco são associados com homicídios (assassinatos), tanto de mulheres que agridem quanto de surradas, em pesquisas conduzidas depois de acontecidos os assassinatos. Nós não podemos prever o que acontecerá no seu caso, mas gostaríamos que você ficasse ciente do perigo de homicídio na situação de surras violentas; e para você ver quantos fatores de risco podem ser aplicados na sua situação. USANDO O CALENDÁRIO, FAVOR MARCAR A DATA APROXIMADA DO ANO PASSADO QUANDO VOCÊ FOI SURRADA POR SEU MARIDO OU PARCEIRO. ESCREVA NESSA DATA, QUANTO O INCIDENTE FOI RUIM, DENTRO DA SEGUINTE ESCALA:

1- Bofetões, empurrões; sem ferimentos e/ou dor que dura muito tempo; 2- Murros, chutes; machucados, cortes e/ou dores contínuas e que duram mais tempo; 3- “Surras”; contusões severas, queimaduras, ossos quebrados; 4- Ameaças de usar armas; ferimentos na cabeça, ferimentos internos, ferimentos permanentes; 5- Uso de armas; ferimentos provocados por armas. (Se alguma das descrições se aplicar por mais de uma vez, use a maior quantidade de vezes).

MARQUE SIM OU NÃO PARA CADA QUESTÃO ABAIXO. (“Ele” se refere ao seu marido, parceiro, ex-marido, ex-parceiro, ou quem está fisicamente machucando você) 1- A violência física aumentou em freqüência no último ano? 2- A violência física aumentou em gravidade no último ano e/ou houve uso de arma, ou ameaça com arma? 3- Ele alguma vez tentou estrangular você? 4- Tem alguma arma em casa? 5- Ele alguma vez forçou você a ter relações sexuais com ele sem que você quisesse? 6- Ele usa drogas? Compra drogas, digo, “narcóticos” anfetaminas, heroína, cocaína, crack, drogas batizadas ou misturadas? 7- Ele te ameaçou de morte e/ou você acredita que ele é capaz de te matar? 8- Ele fica bêbado diariamente ou quase todo dia? (Em termos de quantidade de álcool) 9- Ele controla toda ou quase toda sua atividade diária? Exemplo: Ele diz com quem você pode ter amizade, com quanto dinheiro você vai às compras ou quando você pode pegar o carro? (Se ele tenta, mas você não deixa que ele te controle, marque aqui): _______________ 10- Ele já bateu em você enquanto estava grávida? (Se você nunca esteve grávida dele, marque aqui: ________________ ) 11- Ele é violento e constantemente ciumento? (Por exemplo, ele diz “Se eu não posso ter você, ninguém terá”) 12- Você alguma vez já ameaçou, ou tentou se suicidar? 13- Ele já ameaçou ou tentou se suicidar alguma vez? 14- Ele é violento em relação a seus filhos? 15- Ele é violento fora de casa?

Total de respostas sim ___________

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ANEXO - C Avaliação Ampliada Avaliação Ampliada dos Problemas de Saúde Afins Uma projeção positiva para a vida toda ou exposição recente a VP deveria provocar avaliação de saúde ampliada (mesmo pelo prestador do serviço que classificou o paciente, ou um especialista que já atende o/a paciente). Considere e direcione as seguintes áreas: • Questões de saúde relacionadas com a VP: ferimentos, dores crônicas (pescoço, costas, enxaquecas) úlceras pépticas, síndrome de irritação crônica do intestino, DST (incluindo AIDS/ HIV), insônia, infecções das áreas vaginais e urinárias, gravidez múltipla e abortos; • Pacientes viciados em drogas (como cigarro, álcool, ou outros); • Habilidade para conduzir outras doenças (como hipertensão, diabetes, asma, HIV/AIDS); • Problemas de saúde mental: depressão, ansiedade, stress, risco de suicídio; • Se grávida: complicações da gravidez como abortos, ganho de peso insuficiente, anemia, infecções, segundo e terceiro trimestre sangrando, e bebês recém nascidos abaixo do peso; • Se ocorreu sexo forçado: avaliar problemas ginecológicos, incluindo DST, rompimento anal/ vaginal, disfunções sexuais, e perguntar sobre prática de sexo seguro e planejamento familiar; • Se houve estrangulamento/ferimento na cabeça e o paciente estiver inconsciente: conduzir para exame neurológico; • Particularmente para adolescentes: avaliação de exposição a violência no namoro ou uso de drogas forçada/o ao uso de drogas como por exemplo Ácidos Gama, Êxtase, etc; • Comportamentos de saúde preventiva: encorajar e ajudar a tornar fáceis os comportamentos de saúde preventiva como mamografia habitual, cuidado pré-natal antecipado, etc.

Avaliação Ampliada da história e extensão do abuso • Discutir a história de abuso na infância na família de origem; • Discutir sobre se o agressor limita o acesso a amigos, familiares ou colegas de trabalho; • Avaliação de apoio no local incluindo amigos, familiares, comunidade, igreja, etc; • Discutir separação, divórcio, ou procurar abrigo; • Avaliação da reação da comunidade da vítima à agressão, casamento, divórcio, saúde e restabelecimento e descobrir como a vítima reage às expectativas culturais; • Avaliar como o abuso afetou a criança (fisicamente, emocionalmente, etc.); • Avaliar como o abuso afetou a vida, o trabalho, a escola e os relacionamentos dela/dele.

Perguntas sobre o agressor • O agressor usa drogas ilícitas e/ou álcool? Quanto? Com que freqüência? • O agressor aumenta seu comportamento violento sob a influência delas? • O agressor tem algum problema de saúde mental? • O agressor toma medicamentos? Se sim, quais? • O agressor tem ficha criminal?

Perguntas de Avaliação de Suicídio e Homicídio Para acrescentar as perguntas de avaliação de risco inicial incluídas no anexo E, e outras perguntas

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para avaliar o risco de vítimas homicidas e suicidas, seguem a concepção:

Risco de suicídio pela vítima • Você já se sentiu tão mal que você não queria continuar vivendo? • Você já tentou ou pensou em suicídio no passado? • Você está pensando em se matar? Você tem planos? • Você se sente assim agora?

Risco de homicídio pensado pela vítima • Como você vê suas opções de segurança? • Você já tentou ou pensou em homicídio no passado? • Você já pensou sobre como fazer isso? Você tem um plano de homicídio? • Avaliar se o paciente está expressando raiva ou uma intenção verdadeira para matar. Se houver risco significante de idéia de suicídio ou homicídio, o/a paciente deve ser mantido/a em segurança até que uma avaliação psiquiátrica de emergência possa ser obtida.

ANEXO - D Indicadores de Abusos Muitas vítimas de VP vão falar sobre suas experiências, se questionadas para isso, de um jeito sensível e simpático. Entretanto, outras vítimas podem relutar para revelar. Elas podem ficar embaraçadas, envergonhadas, ou com medo de que se elas disserem para alguém, elas podem estar correndo risco de sofrer agressões mais severas. Podem ter questões financeiras ou condições de imigração, ou elas podem não confiar em pessoas porque a confiança foi violada na sua relação íntima. Abaixo, listamos algumas razões que podem gerar suspeitas de VP, gerando perguntas de acompanhamento.

Para Adultos • Falha em manter entrevistas médicas, ou cumprir com os protocolos médicos. • Reserva ou desconforto óbvio quando entrevistado sobre relacionamento. • A presença do parceiro que entra na sala de exame com a paciente e controla ou domina a entrevista, é super solícito, e não deixa a paciente sozinha com seu atendente. • A paciente retorna muitas vezes com reclamações vagas. • Uma paciente que apresenta problemas de saúde associados com agressão. • Ferimentos sem explicações ou inconsistentes com a história contada. • Reclamações somáticas. • Atraso entre um ferimento e a procura por tratamento médico. • Ferimento na cabeça, pescoço, peito, busto, abdômen ou genitália. • Ferimentos bilaterais ou múltiplos, especialmente se em diferentes estágios de cura. • Ferimento físico durante a gravidez, especialmente no busto e no abdômen. • Dor crônica sem causa aparente. • Um raro e alto número de visitas ao serviço de saúde.

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• Alto número de DST, gravidez, abortos, e repetidas infecções nas áreas vaginais e urinárias.

Para crianças e adolescentes Todos os problemas de saúde listados anteriormente além de: • Ferimentos inapropriados para a idade, queimaduras, ferimentos nas áreas genitais. • Problemas comportamentais e de desenvolvimento. • Sofrimento psicológico como depressão, idéia suicida ou tentativas, problemas de afeto, ansiedade, insônia e/ou problema de apetite, ataques de pânico e problemas com uso ou vício em drogas. Se você notar qualquer desses indicadores, ou se você suspeitar de abuso, mesmo se a paciente hesitar discutir ou revelar, forneça à paciente o número da linha direta ou outro recurso que ela possa precisar no futuro. Deixe a paciente saber que, caso precise, você vai estar disponível como recurso. Discuta a questão na próxima visita. O objetivo é não forçar a vítima a admitir o problema, mas tentar antecipar o interesse sobre a revelação, e avise que você pode ser a fonte caso isso venha ser um problema. Anime a vítima a voltar, e agende uma visita de acompanhamento dentro de pouco tempo.

ANEXO - E Plano de Segurança e Instruções para se Libertar 1º passo – Proteção durante um incidente violento. Posso usar uma das estratégias abaixo: a. Se eu decidir/tiver que abandonar minha casa, eu vou para ______________________________ b. Posso contar para __________________________ (vizinhos) sobre a agressão e pedir para eles chamarem a polícia caso ouçam barulhos suspeitos vindos da minha casa. c. Posso ensinar meus filhos como usar o telefone para chamar a polícia. d. Vou usar ___________________ como palavra código, assim alguém pode chamar por socorro. e. Posso manter minha bolsa/chaves do carro prontas em(lugar)_______________, no caso de ter que sair correndo. f. Vou usar minha intuição e bom senso. Se a situação for muito séria, eu posso fazer o que ele/ela quiser para acalmá-lo(a). Tenho que me proteger até estar fora de perigo. 2º passo – Proteção nos preparativos da fuga. Posso usar algumas, ou todas as estratégias de segurança abaixo: a. Vou manter cópias de documentos importantes, chaves, roupas e dinheiro, em ______________ ____________________ b. Vou abrir uma conta de poupança em _______________, para aumentar minha independência. c. Outras coisas que posso fazer para aumentar minha independência, inclui: ________________ d. Posso guardar cartões telefônicos ou fichas para os telefonemas importantes para mim. Sei que se usar meu telefone residencial, meu marido vai descobrir para qual número liguei antes de fugir. e. Vou verificar com __________________ e meu advogado para ver quem poderia me acolher ou me emprestar algum dinheiro. f. Se planejar fugir, não vou dizer ao meu agressor cara-a-cara antes, mas vou telefonar ou deixar um bilhete quando estiver em um lugar seguro.

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3º passo – Proteção na minha própria residência. Medidas de segurança que posso usar incluem: a. Posso mudar as fechaduras das portas e janelas o mais rápido possível. b. Posso substituir as portas de madeira por portas de metal. c. Posso instalar fechaduras adicionais, grades nas janelas, trancas nas portas, e sistemas eletrônicos, etc. d. Vou ensinar meus filhos como fazer um telefonema a cobrar para _________, se meu parceiro quiser detê-los. e. Vou dizer para as pessoas que cuidarem dos meus filhos que meu parceiro não tem autorização para pegá-los. f. Posso informar _________________ (visinho) que meu parceiro não reside mais comigo e eles devem chamar a polícia se ele for visto perto de minha casa. 4º passo – Proteção com mandato de segurança. Os itens seguintes são passos que ajudam a reforçar meu mandato de segurança. a. Sempre carrego a cópia do mandato comigo, e guardo a fotocópia. b. Vou dar meu mandato de segurança para o departamento de polícia da comunidade onde trabalho e moro. c. Posso conseguir meu mandato de segurança para especificar todas as armas que meu parceiro possa ter, e autorização para busca e apreensão.

INSTRUÇÕES PARA SE LIBERTAR Se você está sendo agredida . . . Você está aqui porque alguém está batendo ou ameaçando você – um cônjuge, namorado, amante, parente ou alguém que você conhece? Você foi abusada sexualmente por alguém que você conhece? Assim que você ler isso, você pode se sentir confusa, ameaçada, triste, com raiva ou com vergonha. Você não está sozinha! Infelizmente, o que aconteceu com você é muito comum. Violência doméstica não pára sozinha. A tendência é se tornar pior e mais freqüente com o tempo. Existem pessoas para lhe ajudar. Se você quer começar a falar sobre o problema, precisa de um lugar seguro para ficar. Se quer conselho legal, ligue hoje mesmo para uma das agências listadas no verso desta folha de instruções.

Enquanto ainda na clinica . . . • Pense se é seguro retornar para casa. Se não, telefone para uma das fontes listadas no verso desta folha de instruções, ou vá para casa de um amigo ou parente. • Você recebeu instruções para tratamento de seus ferimentos, e como tomar os remédios prescritos. Lembre-se, se você recebeu tranqüilizante, ele pode ajudá-la a descansar, mas não vai resolver o problema da agressão. • Agressão é crime e você tem o direito ao amparo legal. Você deve pensar em pedir socorro à polícia (veja informações no verso desta folha). Você também pode obter uma ordem judicial proibindo seu parceiro de estar em contato com você de qualquer jeito (inclusive pessoalmente ou por telefone). Entre em contato com um programa de VD ou um advogado para maiores informações.

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• Peça ao médico ou enfermeira para tirar fotos de seus ferimentos para fazer parte de seu registro médico.

Quando você chegar em casa . . . • Desenvolva antecipadamente um “plano de fuga” para você e seus filhos. Saiba exatamente onde você pode ir, mesmo no meio da noite – e como chegar lá. • Apronte uma “mala para passar a noite” no caso de ter que sair de casa de repente. Esconda a mala você mesma ou peça a um amigo para guardá-la para você. • Apronte artigos de toalete, medicamentos, um conjunto extra de chaves da casa e do carro, um conjunto extra de roupas para você e seus filhos, e um brinquedo para cada um. • Tenha dinheiro extra, separe fichas e cartões de telefone, talão de cheques ou caderneta de poupança, escondidos ou com um amigo. • Separe documentos importantes e registros financeiros (originais ou cópias), assim como: identidade, cartões de planos de saúde, certidão de nascimento, passaportes, autorização de trabalho e todo e qualquer documento de imigração, título de eleitor, registros médicos, carteira de motorista, recibos de aluguéis, certificado de propriedade do carro e do seguro, etc. • Avise seus visinhos, se você acredita ser confiável.

ANEXO - F Preparando seu Treinamento Existem importantes passos para preparar seu treinamento para identificar e reagir às vítimas de VP. É essencial que departamentos clínicos sejam designados para apoiar a equipe para reagir efetiva e eficientemente. Na preparação do seu treinamento, para começar a rotina de classificação da resposta para VP, é aconselhável obter apoio da direção e administração do seu departamento, assim como da entrada de dados da equipe. Finalmente, assim como a Organização da Junta de Comissão de Credibilidade da Saúde requer, e o Instituto de Medicina recomenda, a equipe deve receber treinamento inicial e constante.

O ambiente físico deve: • Permitir entrevista confidencial, o ideal é estabelecer políticas para que uma parte da entrevista seja conduzida privativamente. • Ter cartazes multiculturais e multilinguais sobre VP; que apresente recursos eficazes; e que incluam informações sobre vítimas, agressores, e/ou outros membros da família, e da comunidade afetados por abuso. • Ter catálogos/folhetos informativos para vítimas e agressores, e meios que descrevam o impacto da VP nas crianças. • Ter catálogos colocados nas salas de exames e em lugares privados como banheiros, por exemplo.

O Treinamento para a equipe deve incluir: • Perspectivas de sobreviventes; • Competência cultural;

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• Dinâmicas das vítimas e das agressões; • Conseqüência da VP na saúde mental e física das vítimas e dos filhos expostos; • Como classificar, avaliar, intervir, apoiar e documentar apropriadamente; • Função do jogo interativo, e modelo de classificação e técnicas de respostas; • Informações onde pessoas que trabalham com relacionamentos abusivos podem obter assistência. O Treinamento deve ser parte da orientação da equipe; constante, acontecimento repetido e institucionalizado; e obrigatório para todos os empregados. Serviços de saúde que classificam e documentam no registro médico, recebem treinamentos sobre as respostas clinicas e dinâmicas, assim como outras equipes associadas aos profissionais de saúde. Recepcionistas e seguranças, que podem desempenhar um papel essencial em identificar vítimas, devem receber treinamento de consciência geral sobre VP. Intérpretes em particular, devem ser treinados antecipadamente sobre as dinâmicas da VP, importância da confidencialidade e da interpretação isenta de julgamento, além da escolha de palavras apropriadas para traduzir as questões das rotinas de classificação.

Os Registros devem incluir: • Definições, princípios de liderança, rotina de classificação, avaliação, intervenção, estratégias de documentação, políticas de relatórios e regras de confidencialidade. • Papéis e responsabilidades da equipe. Toda equipe deve receber orientação sobre o regulamento. Ele deve ser atualizado regularmente e informado de novas instruções, leis e políticas relativas a VP. Ele deve ser acessível a toda equipe.

Uma Equipe adequada inclui: • Advogados treinados e disponíveis no local e/ou • Relacionamentos com programas de VD na comunidade e/ou • Contratação ou designação de equipe específica do sistema de Saúde, para conduzir a qualificação e resposta de VP. • Contratação de equipe específica designada a inspecionar o programa de VP.

O Programa contínuo de melhoria da qualidade: • Discussões regulares durante as reuniões da equipe a respeito do programa de VP; • Pesquisas de satisfação do paciente; • Ligações com outros esforços de melhoria da qualidade; • Auditorias programadas de registros médicos, selecionados para revisar a flexibilidade com as normas; • Ligações com todo o sistema de desenvolvimento das informações médicas; • Participar aos Setores de Saúde sobre os objetivos da melhoria de qualidade com os setores da saúde.

Os Recursos do serviço de saúde devem incluir: • Lembretes nos registros médicos; • Documentação e formulários de avaliação;

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• Cartazes e cartões de médicos; • Materiais facilmente acessíveis aos serviços de saúde e regularmente atualizados; • Consulta com advogados da VD no local e fora dele, especialistas em leis forenses, advogados com especialidade em tratamento traumático, e especialistas em comunidade, (LGTB, incapacidade, idosos, adolescentes, grupos étnicos e imigrantes) das diversas comunidades; • Mecanismos de opinião para os serviços de saúde.

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PARTE II

Violência contra a Mulher e Saúde - Um olhar da Mulher Negra

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ANAIS DO SEMINÁRIO NACIONAL

Violência contra a Mulher - Saúde Um olhar da Mulher Negra DATA: De 19 a 22 de junho de 2003 LOCAL: Mendes Plaza Hotel- Santos/SP Promoção: Casa de Cultura da Mulher Negra

Painel - “Violência Doméstica e Serviços de Saúde - Estratégias & Avanços” Jacqueline Pitanguy

Socióloga e cientista política, diretora da Ong CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação)/RJ; Coordena o curso Corpo Saber Médico e Sociedade, na Faculdade de Medicina da UFRJ; ex-Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1986-89); co-autora do primeiro estudo sobre o impacto da violência de gênero na saúde da mulher, a pedido do Banco Mundial, em 1994. www.cepia.org.br

É importante pensarmos a violência a partir de um determinado patamar que nos é dado pela história, tendo presente que a percepção social e o reconhecimento legal de que determinados costumes, determinadas leis, atitudes e comportamentos são violentos, é histórica. Isso significa que estamos tratando aqui de um campo que não é natural. Ao falarmos de violência estamos imersas num campo político, cuja configuração, cujo desenho, cujas fronteiras se escrevem em função das tensões, das alianças, das conjunturas e também das características estruturais da sociedade. Existe um elemento claro de poder quando se define o que é e o que não é reconhecido como sendo violento em uma sociedade e o que é qualificado legalmente enquanto crime e como tal, punido. É importante termos presente que percepção social, qualificação legal e punição não se justapõem e que o caminho, que vai da definição social do que seria um comportamento violento à sua criminalização e à sua punição, é político. Com isso, quero dizer que as idéias de ordem e desordem, de crime e castigo, de normal e patológico são idéias dinâmicas que, via de regra, estão expressando processos sociais e não verdades absolutas. Isso é muito importante porque, se não fosse assim, não teria sentido estarmos aqui, em uma reunião como esta, nem estarmos batalhando em nossos espaços . Considerando o Brasil e as demais sociedades latino-americanas, podemos traçar um mapa bastante perverso do que, no nosso continente, tem sido historicamente qualificado como violento e, nesse âmbito, como crime e ainda como um delito passível de punição. É importante também colocar que em uma mesma sociedade podem conviver percepções diferentes de violência, de impunidade, de crime e castigo. Por exemplo, ao longo da história do Brasil, o fato de que existisse uma instituição formal denominada “escravidão”, que vigorou durante 400 anos como uma forma de trabalho organizada estruturalmente, legitimada por aparato jurídico e legal, certamente influiu (e ainda influi) na percepção social da violência contra o negro, justificando-a , embasando-a . Durante o período colonial, o Brasil foi regido pelas chamadas Disposições Filipinas segundo as quais, quando o marido matava a mulher por suspeita de traição, ele não era punido. Temos aí uma configuração muito perversa do assassinato imputável. Há ainda um outro elemento nessas disposições que é mais exemplar: o marido poderia também matar o amante, ou suposto amante, desde que este fosse de nível social inferior. Esta cláusula é indicativa de um eixo de impunidade

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conformado pela matriz de gênero e pela matriz da pobreza, que cabe lembrar, no Brasil colônia, compreendia significativo contingente de afro-descendentes. A configuração da idéia de violência, de punibilidade, de crime e castigo é histórica, e nesse sentido, pode ser modificada. A violência define-se socialmente porque o reconhecimento social de que determinados comportamentos são violentos está diretamente ligado à idéia de cidadania e à idéia de fragmentação dos direitos de cidadania. Essa fragmentação se dá em função de variáveis como classe social, raça, etnia, sexualidade. Ainda que tenhamos tido alguns avanços significativos, no Brasil, essas variáveis ainda jogam relevante papel na definição do campo da cidadania, da violência e da saúde. A naturalização da desigualdade é o instrumento principal para a sua aceitação social , sua perpetuação e sua incorporação em leis e práticas. Seus efeitos se estendem a diversos campos, inclusive ao âmbito da saúde. Geralmente, a violência é identificada a partir de agressões físicas, a partir de marcas. Mas quando falamos de violência de gênero, gostaria de chamar a atenção para a coerção física e psicológica, para o que chamo de “as pequenas mortes cotidianas”, que não necessariamente tem marcas físicas nem são notificadas criminalmente, mas que têm efeitos seríssimos sobre a saúde física e mental. É consensual que a violência de gênero inclui estupro, abuso sexual, mutilação genital, homicídio. Hoje começa a adquirir mais consistência a idéia de que a violência contra a mulher constitui um problema grave de saúde em nível mundial, sendo uma causa relevante da mortalidade e morbidade feminina. Participei com mais duas pesquisadoras, Lori Heise e Adrienne Germain, de um trabalho pioneiro sobre os efeitos da violência contra a mulher na saúde, segundo o seu ciclo de vida, identificando os tipos de violência mais recorrentes nos diversos momentos do ciclo. Na etapa prénatal, as agressões na mulher e no feto; a gravidez forçada; o aborto seletivo por sexo. Sobre o aborto seletivo por sexo, gostaria de esclarecer que em alguns países como China e Índia, a idéia da continuidade da linhagem a partir de um filho homem é fundamental. A China instituiu um programa massivo de controle de natalidade com uma política de um único filho por casal. Uma pesquisa realizada pelo Departamento Nacional de Estatística daquele país indicou que, considerando a relação biológica estimada de nascimento de homens e mulheres, que é superior para o sexo feminino, haveria um déficit de meio milhão de mulheres na China. Amartya Sen, economista indiano, prêmio Nobel e professor da Universidade de Harvard, realizou um estudo em que compara a proporção demográfica do contingente populacional masculino e feminino em países da Europa e da América do Norte com o contingente vigente na China e na Índia onde existe uma grave discriminação contra a mulher. Enquanto no primeiro grupo de países a relação seria de cerca de 1,05 a 1,06 mulheres por homens, refletindo a vantagem biológica feminina, nos outros países essa proporção se invertia a cerca de 0,94 em favor dos homens. Sen conclui afirmando que nesses países haveria um déficit de mais de 60 milhões de mulheres, ou que não nasceram em função do aborto seletivo, ou do infanticídio, ou da desnutrição seletiva. Essa questão do aborto seletivo do feto feminino é uma das principais violências de gênero na etapa prénatal. Mesmo não sendo uma prática comum em nosso país, reflete, de forma exacerbada, um traço cultural ainda vigente na nossa sociedade, quer seja, a preferência pelo filho homem. Na etapa da infância, a violência de gênero se expressa de forma mais dramática através do infanticídio de meninas. Ocorre entretanto de outras formas mais sutis, como o menor acesso à nutrição, à saúde e à educação. O casamento prematuro de meninas e adolescentes, a mutilação genital e o abuso sexual afetam as meninas e jovens em diversos países. Calcula-se que há, hoje, cerca de 100 milhões de mulheres mutiladas genitalmente. Esta prática de extirpação do clitóris é perpetrada em diversos países islâmicos da África do Norte e do Oriente Médio, mas já

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acontece também em países como Canadá, França e Estados Unidos que recebem uma migração representativa dos países islâmicos. Há alguns anos, um jornal de São Paulo trouxe uma notícia de casos de mutilação genital feminina realizadas clandestinamente em comunidades de imigrantes naquela cidade, o que provocou imediata reação dos movimentos de mulheres. Cabe lembrar que esta prática, que reflete de forma cruel o exercício do poder do homem sobre o corpo da mulher e a desvalorização cultural do feminino, não está, no entanto explicitada no livro sagrado do Corão tanto assim que países islâmicos como o Irã não a realizam. No ciclo da adolescência, o estupro, o abuso e a violência sexual, agressões, e a prostituição forçada afetam a saúde física e mental das jovens, enquanto na idade reprodutiva destaca-se a gravidez forçada, que é diferente de gravidez não desejada, o abuso psicológico, além da violência sexual. Na velhice, é grande o índice de abuso e violências contra viúvas e anciãs. Gostaria também de destacar algumas conseqüências da violência de gênero sobre a saúde, cujos principais efeitos não fatais são as doenças sexualmente transmissíveis, a inflamação pélvica,o aborto espontâneo, a dor pélvica crônica,a síndrome do intestino irritável, asma, lesões, a gravidez não desejada, dores de cabeça. Duas características menciono separadamente: sexo inseguro e abuso de drogas e álcool, que não necessariamente acompanham todas as mulheres, mas que estão presentes em muitas mulheres que foram vítimas de abuso sexual na infância e na adolescência. A baixa auto estima, que é um comportamento auto destrutivo é encontrada com muita freqüência entre as seqüelas que permeiam a saúde física e mental das mulheres que sofreram abuso sexual. Dentre as conseqüências da violência de gênero sobre a saúde mental destacamos: desordens do stress pós-traumático, depressão, ansiedade, disfunção sexual, desordem de alimentação, desordem da personalidade múltipla, desordem obsessiva compulsiva e, finalmente, os resultados fatais, os suicídios. Há uma taxa mundial de suicídio muito mais elevada em mulheres que sofreram agressões sexuais. Gostaria de ressaltar o fato de que quando falamos de conseqüências da violência sobre a saúde devemos ter como horizonte a linha de vida da mulher, posto que muitas conseqüências perduram muito além do impacto inicial. É importante ter clareza de que quando falamos em saúde, estamos partindo de uma definição social de saúde. A saúde não é um conceito natural e abstrato. Saúde e doença refletem a dinâmica das relações sociais e das estruturas de poder no nível nacional e internacional. Saúde e doença, normalidade e patologia são conceitos simbólicos. Eles fazem parte de representações individuais e coletivas. Saúde e doença não se definem apenas nos manuais classificatórios da Medicina. Esses conceitos se constroem também no imaginário coletivo e, portanto, estão impregnados pelas relações sociais e de poder que são vigentes numa sociedade. Saúde não é apenas uma ausência de doença, é muito mais. É o estado de bem estar de uma pessoa, que reflete as relações estruturais entre corpo e sociedade. Cada corpo é datado, histórico, é um corpo inserido em contextos, é um corpo marcado por sexo, cor, raça, etnia, idade, religião, classe social, dentre outros. A saúde, porque comporta uma definição social, também está relacionada à auto estima e ao respeito pessoal. Situações de violência, de pobreza, de discriminação de gênero, discriminações de raça, de religião, entre outros, vão intervir no bem estar do indivíduo e constituir uma violação do direito à saúde. É fundamental ter presente que não ter acesso à saúde é uma violação de Direitos Humanos. Entretanto, a questão da titularidade de direitos é complexa pois, através dos séculos, alguns grupos sociais são vistos como mais humanos do que outros e, portanto, mais titulares do que outros. Não há uma justaposição entre uma definição biológica de pertencer à espécie humana e a titularidade de Direitos Humanos porque o caminho entre os dois é político.

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Se fizermos uma reflexão, veremos que ao longo da História, algumas variáveis têm incidido mais do que outras para a configuração do campo dos portadores de direitos. Na nossa tradição ocidental a origem da democracia e da cidadania remonta à Grécia Antiga, onde ser cidadão era ser livre e ser homem. Mulheres e escravos estavam excluídos do exercício da cidadania que já nasce, portanto, como um conceito marcado pela exclusão. Esta exclusão vem se perpetuando em função de variáveis como sexo, raça, etnia, idade, orientação sexual, status econômico social, variáveis que contribuíram para a exclusão de determinados grupos de pessoas do exercício pleno dos direitos humanos. Hoje, após avanços significativos na conjugação dos direitos humanos, estas variáveis constituem categorias fundamentais na definição de esferas específicas de proteção de direitos individuais e coletivos porque são justamente as que marcaram a exclusão histórica dessa titularidade. A Declaração de Direitos Humanos de 1948, estabelece uma espécie de passaporte universal de cidadania, ressaltando a necessidade da eliminação de todas as formas de discriminação e tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes. Temos aí o patamar básico sobre o qual vem se escrevendo a nova linguajem de direitos humanos, com as tintas de uma acentuada luta política onde movimentos de mulheres e movimentos negros tiveram papel fundamental. Dentre os vários instrumentos de direitos humanos, cabe distinguir as Declarações e os Planos de Ação resultantes das Conferências da ONU sobre Meio Ambiente, Direitos Humanos, População e Desenvolvimento, Conferência da Mulher, do Habitat, a Cúpula Social e a Conferência sobre o Racismo. Outros instrumentos são as Convenções Internacionais como a CEDAW, Convenção pela Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção contra a Tortura, a Convenção Contra o Racismo, a Convenção Pelos Direitos da Criança, entre outras.No âmbito regional cabe distinguir a Convenção contra a Violência sobre a Mulher, ou Convenção de Belém do Para e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Através destes instrumentos, desde a Declaração Universal até hoje, dimensões como violência doméstica, sexualidade e saúde reprodutiva, meio ambiente , fazem parte da linguagem dos Direitos Humanos. No âmbito mais específico da saúde, gostaria de salientar alguns importantes avanços que aconteceram no Brasil em relação ao marco legal dos direitos sexuais e reprodutivos, tanto na Constituição Federal, quanto em políticas públicas, avanços que foram fruto da luta política. Há alguns marcos normativos como o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher); a Constituição Brasileira estabelecendo a saúde como um direito de todos e o planejamento familiar como livre decisão do casal, a criação do Comitê Nacional de Mortalidade Materna, em 1994; a Lei Federal do Planejamento Familiar, de 1996; a Norma Técnica para Assistência à Mulher Vítima de Violência Sexual, de 1999, que é o primeiro programa do Governo Federal que vai contemplar também a anticoncepção de emergência e o abortamento legal. Reconhecendo a necessidade de aperfeiçoar nosso marco legal, onde o aborto, por exemplo, só não é penalizado em duas circunstâncias, creio que enfrentamos o grande desafio de diminuir a distância entre leis e realidade, entre titularidade e exercício de direitos. Esta distância entre leis e práticas se encurta de duas formas: no plano político, pela luta constante por leis e políticas públicas (advocacy); e no plano do trabalho de campo , ampliando o acesso a serviços de saúde e melhorando a qualidade do atendimento. Em nossa organização não governamental, CEPIA/RJ, estamos trabalhando para tentar diminuir esta distância entre leis e práticas que caracteriza sociedades desiguais como o Brasil. Neste sentido, temos desenvolvido um programa de sensibilização com profissionais de saúde de todos os hospitais de emergência do Rio de Janeiro, para o atendimento à mulher vítima de violência. É um programa que pode ser ampliado e implantado em outros estados. Estamos à disposição para trocar informações.

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Avaliando e elencando os desafios Fátima Oliveira

Médica, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde; do Conselho Diretor da Rede de Saúde das Mulheres da América Latina e do Caribe; e da Comissão de Cidadania e Reprodução. Autora de livros sobre saúde da mulher negra, bioética, transgênicos e engenharia genética. E-mail: fatima@medicina.ufmg.br

Sinto que é um privilégio estar em Santos, em momentos organizados pela Casa de Cultura da Mulher Negra que, desde os anos 1990, tem sido o único espaço que contamos, em âmbito nacional, para refletir sobre nossas andanças e nossas lutas em relação à violência de gênero na área da Saúde. Já se passaram cerca de 30 anos desde que foi cunhado o lema: “O silêncio é cúmplice da violência.” E o “Quem ama não mata” é parte integrante e estruturante da história feminista no combate à violência doméstica no Brasil. “A impunidade é cúmplice da violência” ainda evidencia a cruel realidade de que a maioria dos crimes cometidos contra as mulheres continua impune. Há pelo menos uma década começamos a propalar que “a violência é também uma questão de saúde pública”, pois são conhecidos os efeitos da violência doméstica na saúde, apesar da invisibilidade deles para a quase totalidade dos profissionais da área, que não os reconhecem, embora as decorrências físicas (lesões e múltiplas doenças somáticas menos definidas) e resultados fatais (suicídio e homicídio), assim como a relação entre violência doméstica e homicídio feminino – como parte final e fatal da escalada da violência doméstica, sejam fatos incontestes. O serviço de saúde lida com essas conseqüências em sua rotina no cotidiano, no mundo inteiro. Então, qual a explicação para os serviços e profissionais não se darem conta e não perceberem esse fenômeno, que é diário e constante? A resposta que tenho é que há uma naturalização e uma banalização da violência contra a mulher. Isso torna o fenômeno invisível. É exemplar o que ocorre nos Estados Unidos, país em que a atenção à violência doméstica integra a grade curricular das escolas de saúde, assim como as práticas dos serviços. Embora as seqüelas e sequeladas da violência doméstica sejam fatos, a Associação Médica Americana informou, em 1992, que nos EUA 22 a 35% das mulheres atendidas nos serviços de emergências urbanos, exibem sintomas relacionados com a violência contínua1, mas apenas uma em dez, em situação de violência, que é atendida recebe o diagnóstico de violência doméstica2. Vale repetir, estamos falando dos efeitos adversos da violência doméstica e sexual na saúde das mulheres que são suficientemente explícitos, mas não têm merecido reconhecimento público dos serviços e dos profissionais de saúde e nem dos governos. Tal omissão é exemplificada por uma agência de notícias norte-americana, a Reuters, que divulgou, em 3 julho de 2002, que metade das vítimas de estupro fica sem tratamento nos Estados Unidos. Diz ainda a notícia que metade das norte-americanas que sofre abuso sexual, não recebe os tratamentos recomendados para prevenir a gravidez e/ou as doenças sexualmente transmissíveis. A notícia é ilustrativa para nos ajudar a refletir sobre os motivos pelos quais as mulheres não recebem a atenção que necessitam e que lhes é devida; assim como poderá iluminar caminhos. Relembrando: nos Estados Unidos, há quase duas décadas, a violência contra a mulher vem fazendo parte da grade curricular, das escolas de Saúde. O que significa que naquele país só excepcionalmente um profissional de Saúde termina a sua formação sem ter ouvido falar de violência doméstica como um problema de saúde pública. Se os serviços estão sensibilizados e habilitados e os profissionais treinados para o atendimento e se, mesmo com essas condições, metade das

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mulheres norte-americanas que sofre violência sexual não recebe tratamento, podemos concluir que no Brasil temos muito a caminhar, na medida em que nossas escolas de saúde não incluem a violência doméstica em sua grade curricular e as poucas que já se sensibilizaram com a temática, no máximo desenvolvem cursos de extensão com alguma regularidade. Estamos em 2003. Chegamos a uma época na qual exigimos “Atenção integral às mulheres sobreviventes de violência doméstica e sexual”. Já vai longe o tempo em que para nós todas, as mulheres em situação de violência, era o mesmo que vítima de violência. A luta contra a violência doméstica e sexual integra a agenda teórica e política do movimento feminista de nosso país desde a década de 1970. Basta lembrar as mobilizações por leis (Art. 226, § 8o. da constituição de 1988: é dever do Estado coibir a violência na família); por políticas públicas para o combate à violência doméstica e sexual nas áreas da segurança (delegacias); da justiça (luta contra a impunidade); do acolhimento (abrigos); e da saúde. Eis os avanços. Um ponto que merece destaque é a luta das mulheres negras contra a discriminação racial e de gênero, agregando a dimensão racial à violência doméstica e sexual. No Brasil faltam pesquisas com recorte de gênero e racial/étnico na área da violência, assim como são raros os registros das discussões políticas e teóricas sobre violência de gênero com recorte racial/étnico. Todavia, não há como negar que se a violência de gênero atinge todas as mulheres, de todos os graus de escolaridade, de todas as classes sociais e grupos raciais/étnicos, que as acompanha do berço ao túmulo, sabe-se também que há mulheres, como as negras e as indígenas, que portam uma carga de violência de outra natureza: a violência racial/étnica. O somatório de ambas resulta em potencialização mútua, o que indica atenção diferenciada na abordagem e provavelmente no enfrentamento e nas soluções. Nós, mulheres negras, aportamos no debate do combate à violência doméstica uma nova dimensão, que o conjunto do feminismo, gestores e os profissionais de saúde precisam incorporar. É necessário agregar a dimensão racial/étnica na violência de gênero, quando atendemos uma mulher negra e quando estivermos pensando uma política. Caso gestores e o conjunto do feminismo não incorporem essa questão, terão de admitir que adotam uma postura racista: pensar política somente para mulheres brancas. É absolutamente inadmissível que no ano de 2003, gestores, profissionais de saúde e elaboradores de política trabalhem a violência de gênero, principalmente no serviço de saúde, e não consigam incorporar essa abordagem e não entendam que quando não incluem o recorte racial/étnico, estão associando que aquela política é destinada à mulher branca. Não podemos mais admitir porque nesse país, nós, as negras, somos a metade das mulheres. Não enfrentar todas as dimensões da violência de gênero, incluindo a dimensão racial/étnica significa que nos dispomos a fortalecer o patriarcado, uma forma de ser, de estar e de sentir-se no mundo com todas as benesses conferidas por uma suposta superioridade divina e genética. Depois de tanta quilometragem política e teórica, é possível dizer que a naturalização e a banalização da violência são sustentáculos-pilares do patriarcado. À primeira vista, parece que, com tantos poderes, o patriarcado é branco. Mas não é. Os homens de todas as cores, de todas as raças e etnias batem porque podem. E quem lhes dá tamanho poder de vida e de morte é o sentimento de propriedade privada sobre as mulheres. Essa cultura nefasta com ares de eternidade. A grande questão é como minar o poder naturalizado de bater? A grande questão é como minar o poder naturalizado de violentar como parte intrínseca da natureza das relações sexuais e afetivas. Tenho uma preocupação particular ao perceber que perdemos um pouco a paciência ou a disposição de refletir. Vejo que a maioria de nós corre o tempo todo querendo um abrigo, uma delegacia, querendo serviços. Os serviços são importantes, mas precisamos ver mais longe. Temos que continuar fazendo a reflexão teórica e política sobre as bases da violência, sobre as necessidades de mudança cultural para enfrentá-la. Os serviços são necessários, mas eles só não nos bastam, porque estamos trabalhando em cima das conseqüências

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da violência. Podemos minar esse poder de que os homens batem por que podem? Precisamos responder a esta pergunta porque é a forma mais concreta para começar a enfrentar a violência que se abate sobre as mulheres em todas as fases da vida. Enfrentar a violência doméstica, sexual e racial exige entender que, sem demolir os padrões culturais que a sustentam, nos limitaremos a cuidar de suas decorrências físicas e psicológicas, isto é, da condição de seqüeladas da violência doméstica, que é a marca das sobreviventes. É só isso que queremos? Não há um outro mundo possível? Temos que relembrar o relatório da Anistia Internacional, lançado em 8 de março de 2001: “Corpos quebrados e mentes destruídas - Torturas e maus tratos em mulheres”, onde é dito que “para milhões de mulheres, o lar não é um abrigo de paz e, sim, um lugar de terror, pois o lar é o principal palco de brutalidade. E os governos pouco fazem para proteger as vítimas e punir os culpados. Os sofrimentos infligidos às mulheres têm suas origens numa cultura universal, que lhes nega a igualdade de direitos, em legítima apropriação privada, violenta em seus corpos, em benefício de homens ou para fins políticos. Longe de garantir uma proteção adequada às mulheres, os Estados são coniventes com essa violência, acobertando-a ou aceitando-a, e, permitindo que se perpetue, sem encontrar obstáculos. A cada ano, a violência no interior dos lares e das comunidades acaba com a vida de milhões de mulheres”. Nesse ponto, temos de falar da irresponsabilidade. Em todos os níveis, em âmbito mundial, há uma triste realidade generalizada do atendimento desumanizado prestado pela polícia; a impunidade, quando os casos chegam à Justiça; as poucas ou nenhuma ação na área social, sobretudo de acolhimento e albergagem (abrigos e aluguel social) e a insensibilidade dos serviços e profissionais de saúde. Cresce a consciência no campo feminista, que para responder condignamente às necessidades das mulheres sobreviventes de violência (quer em fase agudizada, quanto cronificada), é necessário que tenhamos políticas públicas nas áreas da segurança (delegacias); da justiça (luta contra a impunidade); do acolhimento e albergagem (abrigos e aluguel social); e da saúde, que funcionem de forma integrada com serviços de referência e contra-referência. No caso específico do Brasil, a grande luta é de fato pressionar para que os governos, em todos os níveis, cumpram o disposto na constituição de 1988: “é dever do Estado coibir a violência na família” (Art. 226, § 8o.). Os padrões culturais patriarcais que, aparentemente, estão apenas no plano das idéias, se expressam em palavras e atos. Isto é, adquirem materialidade. Por exemplo, na ausência de políticas públicas; nas políticas que não saem do papel; ou mesmo nenhuma política, sequer promessas. Expressam-se também na atitude dos governos em desrespeitar leis nacionais e compromissos governamentais, assumidos via instrumentos internacionais de proteção aos direitos da mulher. Esse padrão cultural sexista aparece em toda a sua plenitude em atos governamentais que aparentemente nada têm a ver com violência, como por exemplo, indicar ou nomear para altos cargos governamentais ou do aparelho do Estado, pessoas cujo passado glorifica a violência de gênero, assim tripudiando uma luta feminista histórica. Lidar com as conseqüências da violência no cotidiano é a rotina insensível dos serviços de saúde, no mundo. Mas o que é que explica que os serviços e os profissionais não se deram conta e ainda não percebem esse fenômeno constante e insidioso? A naturalização e a banalização da violência contra a mulher. Em 2000, estivemos em Santos, de 3 a 6 de junho e, aqui, participamos do Seminário Saúde, Mulher e Violência Intrafamiliar, também promovido pela Casa de Cultura da Mulher Negra, cujo objetivo geral era: “Avançar na discussão de uma atuação conjunta das entidades e profissionais que trabalham na área de saúde e violência contra a mulher, dando visibilidade às ações já

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implantadas com sucesso na rede pública de saúde e às iniciativas das organizações que atuam nessa área, oferecendo os subsídios às autoridades para a criação de políticas públicas, em âmbito nacional para essa área.” Avalio que o objetivo foi plenamente cumprido e, sobretudo, cabe lembrar que os anais do referido seminário se constituíram na primeira contribuição mais sistematizada que o movimento feminista brasileiro construiu no campo da saúde. Penso que não é possível prosseguir, sem que elenquemos as contribuições teóricas que recebemos naquele evento. Eu tive o cuidado de registrálas tão logo cheguei em casa. Todavia, jamais reservei um tempo para refletir sobre elas. E hoje eu as exponho ao debate. Avalio que as questões de maior destaque no Seminário Saúde, Mulher e Violência Intrafamiliar, foram: 1. Os debates sobre o conceito de violência intrafamiliar; o conceito de “mulher sobrevivente de violência, em contraposição ao conceito de “mulher vítima de violência”. Acho que em tais pontos avançamos muito teoricamente. 2. A enorme diferença entre os abrigos de orientação e direção feministas (as experiências européias e dos EUA) e os abrigos públicos (estatais) existentes no Brasil. Embora a maioria dos abrigos no Brasil, teoricamente tenham inspiração feminista e seja dirigido por feministas, falta-lhes “algo” que eu não saberia precisar, mas talvez seja a perspectiva de solidariedade feminista – que é muito explícita no trabalho das norte-americanas e das européias. Parece-me que está no horizonte das feministas norte-americanas que os abrigos são “para qualquer uma de nós” e não para algumas “mulheres coitadinhas, pobrezinhas”... “aquelas que são lixos e cargas sociais”... Se a perspectiva da criação dos abrigos é que aquele é um local para apoiar qualquer mulher que necessite (por estar “correndo risco de vida”), com certeza eles terão uma cara que revela maior solidariedade, afetividade e etc. 3. A percepção mais demarcada de que quanto aos “protocolos”, precisamos de pelo menos 2 tipos: um para abordagem em serviços de urgência e emergência e outro para “violência cronificada” (postos de saúde e ambulatórios e etc.). 4. A enumeração e, em certa medida, a análise inicial das experiências e ações políticas em curso no Brasil, na área de violência e saúde, foi muito interessante porque nos demonstrou que há muitas trilhas que estão sendo percorridas e que é possível sistematizá-las para que possamos ter um caminho mais firme e uniforme em nosso país quanto às respostas dos serviços de saúde a essa demanda invisibilizada e desconhecida, que é a atenção à violência doméstica, sexual e racial.

As iniciativas brasileiras na atenção à violência sexual e doméstica na saúde Estão em curso no Brasil várias iniciativas de inspiração feminista, no campo do debate e das propostas de serviços sobre violência de gênero e saúde, além dos exclusivos sobre violência sexual. Tais realizações foram decisivas para a elaboração de duas ações no âmbito do Ministério da Saúde: a Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (1998) e a criação da Câmara Temática sobre Violência Sexual e Doméstica do Ministério da Saúde – em funcionamento desde abril de 1999, que objetiva propor e acompanhar o desenvolvimento de políticas de atenção à mulher em situação de violência nos serviços de saúde, cujo desafio é acolher demandas das mulheres em situação de violência. Tais ações não significam uma dádiva, resultam de lutas. O governo nada mais faz que tentar honrar inúmeros documentos internacionais dos quais é signatário e uma obrigação constitucional:

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o artigo 226, parágrafo 8º, que diz que cabe ao Estado a criação de mecanismos para coibir a violência no seio da família. As políticas públicas para as mulheres ainda são adereços supérfluos nos planos e no diaa-dia dos governos, o que é desanimador. O que nos impele a continuar lutando é a certeza que a face violência da opressão de gênero é um resquício patriarcal impeditivo da cidadania plena da mulher e precisamos tratá-la com Tolerância Zero, exigindo assistência integrada e integral nas áreas da Saúde (atenção multidisciplinar na rede básica; urgência e emergência), da Polícia, da Justiça e Social, tendo como referência as recomendações da Declaração do Glória (8º Encontro Internacional Mulher e Saúde, Rio, 1997): “É urgente que se façam pesquisas para identificar e avaliar os impactos negativos da violência de gênero na saúde das mulheres; os profissionais de saúde devem ser sensibilizados e capacitados quanto ao diagnóstico da violência doméstica nos sistemas de saúde pública; e devem ser criados mecanismos legais de garantia de direitos humanos em nível nacional e internacional, visando prevenir e erradicar a violência de gênero”. (4) Diante dessa conjuntura, quais são os desafios que temos no momento? Os desafios políticos são: Elaboração e implantação de um Plano Nacional de Atenção à Violência de Gênero, conforme foi recomendado no simpósio “Direitos da Mulher e Violência nas Américas, realizado em 2001, pelas Nações Unidas, em Cancun, México, evento do qual participei, como uma das representantes do governo brasileiro, na condição de conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Lá, eu e outras representantes, em nome do governo brasileiro, nos comprometemos, em elaborar um Plano Nacional de Atenção à Violência de Gênero, que até hoje não foi feito. Os desafios teóricos e ideológicos são: a violência institucional; as características operativas de invasão da privacidade do Programa de Saúde da Família (PSF) e desestabilizar a cultura patriarcal machista, tão arraigada na cultura de nosso país que permite a um governo indicar e bancar para altos cargos da República personalidades cujo currículo também contém um passado de violência doméstica, e se contenta com cartas e declarações que amenizam o ocorrido e ainda diz: “mas a mulher o inocentou.” O que o governo poderia fazer? O governo eu não sei. Mas nós, não podemos silenciar. É também um desafio incomensurável aprofundar a reflexão e o debate sobre solidariedade racial e solidariedade de gênero, pois são questões que não podem continuar sendo utilizadas como argumentos para encobrir ou justificar violência racial ou de gênero. Recentemente, dia 27 de maio de 2003, a Rede Feminista de Saúde, realizou uma audiência com o Ministro da Saúde, Humberto Costa, na qual discutimos sobre qual a visão que um governo autodenominado democrático e popular deveria ter para responder às necessidades de saúde da mulher. No dia seguinte, 28 de maio, Dia Internacional de Luta/Ação pela Saúde da Mulher, ficamos em Brasília para assistir ao lançamento dos compromissos do Ministério com a saúde da Mulher. Digo sempre que a conjuntura é aparentemente mais favorável, mas que isso não vem de graça. É resultado de muita luta feita por nós. Há uma longa história, uma extensa caminhada. Passamos parte de nossas vidas trabalhando, voluntariamente, para que fosse elaborado o PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, em 1983, mas que só em 1985 foi definido como a diretriz oficial do Estado brasileiro. 4

Sobre os compromissos lançados no último 28 de maio pelo ministro da saúde, ressaltarei dois pontos que mais interessam aqui: violência sexual e doméstica e saúde da mulher negra. Sobre violência sexual e doméstica é compromisso do Ministério da Saúde aumentar em 30% o

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número de serviços que atendem a mulheres em situação de violência, incluir a contracepção de emergência, realizar pesquisas sobre a situação dos serviços e incluir o tema da violência doméstica nos processos de capacitação instituídos pelo Ministério. Em relação à saúde da mulher negra, monitorar a inclusão do quesito “cor” nas pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde, conforme determina a resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde; determinar a inclusão do quesito “cor” nos sistemas de informação e em todos os documentos do Sistema Único de Saúde (SUS); determinar a contratação de uma representante do movimento negro para assessorar a inclusão das questões relacionadas à população negra, nas ações de saúde da mulher; estimular e apoiar a implantação em todos os Estados da Federação da política de atenção à anemia falciforme do Ministério da Saúde, que prevê diagnóstico, tratamento, atenção às questões étnicas, dando ênfase às especificidades das mulheres falcêmicas, na idade fértil e no ciclo gravídico-puerperal. Foi uma vitória política importante a audiência da Rede Feminista de Saúde recuperar a integralidade do Programa de Anemia Falciforme do Ministério da Saúde (1996). . GERMAIN, Adrienne; HEISE, Lori; e PITANGUY, Jacqueline. “Violencia contra la mujer: carga de salud oculta”. 1994. . “Mulheres Espancadas: protocolos de tratamento na rede de saúde”, baseado no artigo de Wendy K. Taylor e Jacquelyn Campbel integrantes da Rede de Enfermagem sobre Violência Contra a Mulher, publicado na revista Response, 81, vol 14, No. 4. Republicado no Brasil no livro Violência Contra a mulher uma questão de Saúde Pública, p 77 a 80. Sub-Regional Brasil da Rede Feminista Latino-americana e do Caribe contra a Violência Doméstica, Sexual e Racial, 1997 e LOPES, Marta Júlia Marques: MEYER, Dagmar Estermam: WALDOW, Vera Regina (org.). Gênero e Saúde. Série Enfermagem, Editora Gráfica Metrópole S. A. (s/d). 1 2

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Painel - Serviços de saúde, prevenção e notificação da Violência contra a Mulher Dra Maria Jose Antunes Presidente da ABEM (Associação Brasileira de Enfermagem) MG; Membro da Rede Feminista de MG; Professora de gerência em saúde do Curso de Enfermagem da PUC/MG, Betim; Professora de Políticas de Saúde e modelos assistenciais do Curso de Gestão de Serviços de Saúde da FACE- FUMEC- BH; Doutora em enfermagem - Escola de Enfermagem-USP São Paulo-2001. E-mail: jcmj.bh@terra,com.br

O remédio das políticas públicas de saúde na atenção básica para a Violência de gênero e a notificação compulsória de violência contra a mulher. Quero ajudar a construir um conceito diferente para a palavra remédio. Em geral, remédio é tratado como aquilo que tomamos em vidro e numa injeção. E não é. Se olharmos no dicionário, veremos que remédio é aquilo que combate o mal, a dor ou a doença. É aquilo que serve para curar, é ajuda, auxílio, socorro e proteção. É muito mais que uma dependência medicamentosa. Apesar de sermos a 11º economia do mundo, somos o 5º país maior consumidor de medicamentos. Todos os nossos problemas sociais são resolvidos pelos serviços de saúde, particulares ou públicos, com medicamentos, com a química. Enquanto isso, a vida continua sofrida. Penso que, para a questão de violência de gênero, o remédio, no setor saúde, vai precisar abarcar a questão da humanidade, da proteção e do auxílio - isto é, vai além da notificação compulsória dos casos recebidos nos serviços de saúde. Vai exigir, dos trabalhadores e gestores de saúde, compromisso social, investimentos e organização de serviços e ações de proteção e cuidados às vítimas de violência em uma escala muito mais ampla que a, hoje, existente no país. E é este o tema da minha conversa com vocês, a pedido da honorável Alzira Rufino, profissional da enfermagem, a quem rendo meus respeitos e homenagem, pela capacidade de articular ação e emoção, mantendo viva uma organização não-governamental de proteção social, reconhecida internacionalmente. Assim, ao pensar nas questões de notificação compulsória de violência contra a mulher, precisamos avançar para além do aspecto normativo da norma. É preciso analisar todo o processo de trabalho a ser articulado neste imenso país, para a que a notificação não vá parar nos arquivos da burocracia, não seja somente um dado a ser somado nas nossas tristes estatísticas sociais. Ou seja, que quando recebida, nos serviços públicos, já encontre todo um aparato de medidas de caráter subjetivo e material a serem acionadas para que a vítima de violência receba remédios sociais: cuidados de proteção específica para suas necessidades e problemas. Nesse sentido, vou fazer a minha fala em dois momentos. Primeiro, falar sinteticamente da epidemiologia, de notificação compulsória, da violência de gênero e sobre os projetos de lei que estão tramitando a respeito do tema. Segundo, falar da necessidade de uma faxina social nos serviços sociais e de saúde - na cabeça de quem trabalha (notifica) e de quem tem poder (decidir sobre o que fazer com a notificação). Caso contrário, a notificação ou qualquer outra medida de ordem normativa não vai funcionar. Primeiro momento: da epidemiologia, da notificação compulsória, da violência de gênero e sobre os projetos de lei que estão tramitando a respeito do tema. A Epidemiologia é uma ciência que estuda a ocorrência de doenças ou agravos e seus determinantes na população. Na medida em que se conhece os problemas e necessidades de saúde, pode-se intervir com medidas de prevenção e recuperação das doenças e de promoção da saúde. Considero a epidemiologia como a espinha dorsal para uma gerência eficaz na saúde pública, nas três esferas do Poder Executivo: federal, estadual e municipal. Gerenciar e planejar em saúde com sucesso pressupõe: a articulação de recursos financeiros em uma rede de serviços integrados e suficientes, de uma equipe de trabalhadores qualificada e motivada e boas idéias para executar a finalidade institucional. No infinito campo das boas idéias, para a primeira etapa do planejamento em saúde - a etapa de

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diagnóstico das necessidades e problemas de saúde da população, encontramos o concurso da Epidemiologia, seus métodos e fontes de informações. O método epidemiológico vem demonstrando, ao longo dos anos, a capacidade de buscar explicações sobre a ocorrência e distribuição das doenças e agravos na população. As informações epidemiológicas, emitidas nos serviços locais de saúde - hospitais e centros de saúde são processadas e se transformam nos indicadores epidemiológicos. Os indicadores são medidas matemáticas das ocorrências dos fenômenos que atingem as populações: de que se morre, de que se adoece, de que se sofre. Constituem, junto com os indicadores demográficos e de oferta de serviços sociais (públicos, particulares e não governamentais existentes) instrumentos de planejamento e avaliação de serviços de saúde oportunos e eficazes. Se disponíveis em tempo real e confiáveis (capazes de refletir a realidade), permitem aos formuladores de políticas públicas da saúde traçar metas, prioridades e ações, visando a aplicação de recursos financeiros e otimização de resultados e a equidade. Portanto, a correta tomada de decisão gerencial depende de informações fidedignas que são geradas nas unidades de saúde, repassadas e consolidadas em rede, permitindo aos gestores a análise das ocorrências e intervenções para melhorar a efetividade dos serviços de saúde. As informações epidemiológicas são regulamentadas no Brasil, através do Sistema de Vigilância Epidemiológica em Saúde, do Ministério da Saúde, funcionando em uma rede que integra as vigilâncias epidemiológicas estaduais e municipais. Este sistema, em constante atualização, desenvolveu-se a partir da Lei no 6.259, de 30 de outubro de 1975, que, além de iniciar a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, criou o Programa Nacional de Imunizações e estabeleceu normas relativas à notificação compulsória de doenças para as doenças transmissíveis no país. A lista de doenças de notificação compulsória no Brasil, definida pelo Ministério da Saúde, segue o Regulamento Sanitário Internacional, definido pela Organização Mundial de Saúde. São predominantemente doenças de impacto social, transmitidas por agentes biológicos, que podem implicar medidas de isolamento, acrescidas por doenças transmissíveis que atingem a população brasileira. Cada Unidade da Federação pode incluir na lista doenças epidemiologicamente significativas na região. Esta lista é atualizada periodicamente através de portarias e tem abrangência nacional. A última, de número 01.943, publicada em dezoito de outubro de 2001, pelo Ministério da Saúde, contém o nome de trinta e cinco doenças de notificação compulsória, todas transmissíveis. São doenças que afligem a humanidade como a hanseníase, hepatite, Aids, tétano, tuberculose, sífilis, dengue, entre outras. Têm em comum serem transmitidas aos seres humanos por algum agente biológicos - vírus, bactérias, etc. As doenças não transmissíveis, de impacto social, só recentemente passaram a ser de notificação compulsória, como o óbito materno (Resolução nº 256, de 1 de outubro de 1997, do Ministério da Saúde). Todo profissional de saúde inserido no sistema, independentemente de sua formação, tem por obrigação conhecer estas resoluções e notificar, aos serviços de vigilância epidemiológica de sua cidade, através de protocolos e impressos padronizados, casos suspeitos ou confirmados destas doenças de notificação compulsória. No entanto, mesmo o controle das doenças transmissíveis no Brasil sofre de sub-notificação - ou seja, nem todos os casos chegam ao conhecimento do Sistema de Vigilância Epidemiológica dos municípios, estados e do Ministério da Saúde. Por despreparo, desatualização, negligência dos profissionais de saúde ou por falta de estrutura dos serviços de vigilância, por omissão dos gestores, ou por falta de fiscalização ou por todos esses motivos associados. Mas a notificação de um caso suspeito ou confirmado de uma doença compulsória por si só não é o suficiente para erradicá-la ou controlá-la. Cada vez em que há uma notificação de uma dessas doenças, iniciase todo um trabalho de investigação e confirmação se é ou não uma doença de notificação compulsória, que pode se propagar e por em risco a população. Se confirmada, uma série de medidas de proteção específica à população é tomada. Medidas que custam dinheiro e envolvem milhares de profissionais de saúde. Foi com este método que o Brasil conseguiu erradicar a paralisia infantil e agora está conseguindo erradicar o sarampo. Assim, é extremamente importante que a doença “violência contra a mulher” entre na lista de doenças de notificação compulsória. O problema é saber se as cabeças dos profissionais de saúde no Brasil estão sensibilizadas para preencher os protocolos, fazer os encaminhamentos, investigar e intervir no processo, acompanhando e cuidando de cada uma das mulheres que estão por trás de cada caso notificado. E se os governos, nos três níveis do poder executivo - nacional, estadual e municipal - vão investir e criar serviços e ações de retaguarda para erradicar/controlar a violência e proteger estas mulheres. O projeto de lei 4.493/01 da deputada Socorro Gomes, que propõe a criação da notificação compulsória

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de violência contra as mulheres, apesar de ter sido aprovado na Câmara, em 21 de março de 2002, ainda não foi sancionado pelo Presidente da República e publicado. Portanto não tem valor de lei(*). Como política pública, ele traça a obrigação de notificação compulsória de violência contra a mulher nos serviços de urgência e emergência e a criação da Comissão de Monitoramento da Violência contra a Mulher. No entanto não inclui, para os serviços de atenção básica a obrigatoriedade de notificação compulsória, limitando-se aos serviços de urgência e emergência. Mas, estudos desenvolvidos no país mostram que só 2% das mulheres vítimas de violência vão aos prontos socorros. A maioria é atendida na rede básica. Então, o risco de sub-notificação de violência contra a mulher estará oficializado no teor da lei, se publicada como está. O projeto de lei prevê a criação de um formulário padrão para notificação em todo o país. Estabelece também, já sabendo do preconceito e do descompromisso com os problemas das mulheres, que, se um profissional da saúde desconfiar que o que atendeu primeiro não cumpriu a obrigação de notificar, ele poderá solicitar correção, procurando a chefia imediata. Vemos, então, que a própria lei já prevê que o responsável poderá não notificar, mas que também não será punido por isso. No país, vários municípios estão incluindo ou já incluíram a violência de gênero nas suas listas de doenças de notificação compulsória. Entre eles o PL 126, com 12 artigos, que está tramitando na Câmara Municipal de Pará de Minas, Minas Gerais e em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Em Recife, Pernambuco, o projeto foi sancionado pelo prefeito, em 2001. Além disto, é preciso lembrar que as leis ordinárias não são auto-aplicáveis, carecem de ser regulamentadas através de resoluções e portarias, informando como vão ser operacionalizadas. E esta questão demora às vezes anos, dependendo do interesse político de cada caso. Um exemplo disto é o inciso III do artigo 200 da Lei 8.080/90, que regulamenta o Sistema Único de Saúde. Este inciso remete ao SUS a ordenação da formação de recursos humanos para saúde no país. Até hoje não foi regulamentado, porque fere interesses corporativos do sistema educacional. E enquanto isso, escolas de graduação em saúde - de medicina, enfermagem, fisioterapia entre outras - abrem em cada esquina todos os dias neste país, sem nenhum critério de oportunidade, qualidade e necessidade da sociedade... Segundo momento: no poder da ciência e da formação, para que a notificação tenha conseqüências positivas para a vítima de violência, o que vai requerer uma faxina social nos serviços sociais e de saúde - na cabeça de quem trabalha (notifica) e de quem tem poder (decidir sobre o que fazer com a notificação). Uma coisa é a obrigação de notificar, a outra, é a cabeça de quem notifica. Para que haja o olhar atento e a preocupação em notificar e acompanhar a mulher por trás do caso notificado é preciso fazer uma faxina social na organização dos serviços de saúde e quebrar a cultura da miséria que predomina no interior dos serviços de saúde. Chamo de cultura da miséria os sentimentos de impotência e de desrespeito que predominam entre grande parte dos que trabalham por anos a fio em serviços de saúde desaparelhados e sucateados (públicos, filantrópicos e privados, SUSdependentes). Este sentimento de impotência e de desvalorização constante acabam por criar um caldo de cultura de desesperança e de submissão frente às condições materiais de miséria institucional, com reflexos na falta de solidariedade e na desresponsabilização da maior parte das equipes que trabalham no setor, seja público ou privado. Chamo de faxina social a limpeza de velhos conceitos e preconceitos nas cabeças dos que decidem, gerenciam e executam no setor da saúde brasileira. Uma limpeza, com sabão forte e com água sanitária nas “verdades” que fundamentam suas visões de mundo, herdadas no ambiente social da própria sociedade e das escolas, que acabam por estabelecer, no interior dos serviços de saúde, modos não formalizados, mas institucionalizados, de acomodação, discriminação, segregação e aviltamento a determinados grupos de pessoas, entre os quais, os que mais sofrem, são os portadores do “vírus da pobreza”. Se não se tem acesso à proteção social mínima, acesso aos direitos sociais básicos, adoece-se de tudo: de surra, de dengue, de tuberculose, de fome, de tristeza, de tudo o que a miséria traz. Precisamos também pensar em faxina social no nosso sistema educacional para a saúde, nas universidades que estão formando pessoas que vão, entre milhares de ações de saúde, notificar. Porque a notificação é um instrumento, uma norma, mas quem preenche o papel são os indivíduos, revestidos de história, crenças, desejos, dificuldades. É preciso fazer uma faxina na cabeça de quem ensina, porque o pessoal está saindo

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das escolas domesticado para segregar e para priorizar, no cotidiano do seu trabalho, as ações e serviços que interessam ao sistema, sem forças para mudar sua prática, para buscar responder às necessidades e problemas de saúde das pessoas. “A ciência, segundo Rubem Alves, “poderia abandonar a obsessão com a verdade e se perguntar sobre o seu impacto na vida das pessoas, a preservação da natureza, a saúde dos pobres, a produção de alimentos, o desarmamento, a liberdade. Enfim, essa coisa indefinível que se chama felicidade“. Penso que, como corolário desta afirmação, as escolas que formam para a saúde precisam incorporar no conteúdo de seus planos pedagógicos e na prática docente o ensino para a responsabilidade e o compromisso com a felicidade humana universal. Quem sabe um dia vamos poder notificar, além do já estabelecido, a infelicidade, a tristeza, a pobreza como problemas de saúde. E termos remédios, não químicos, mas sociais para resolvê-los. Isso certamente resolveria grande parte dos problemas de saúde nacionais. Somos, profissionais de saúde, intitulados intelectuais específicos por Foucault (1986) “que surgiu do desenvolvimento técnico científico da biologia e da física”, e é aquele “que detém, com alguns outros, ao serviço do Estado ou contra ele, poderes que podem favorecer ou matar definitivamente a vida. Não mais cantor da eternidade, mas estrategista da vida e da morte” [...]; para quem, “o papel deve se tornar cada vez mais importante na medida que quer se queira ou não, são obrigados a assumir responsabilidades políticas (...) cujo problema não é mudar a consciência das pessoas, mas mudar o regime político, econômico, institucional da produção das verdades”. E muitas das nossas verdades na saúde são banais e insuficientes para garantir saúde como direito de cidadania. Precisamos construir novas verdades, novas ideologias e novos mitos. A nossa sociedade tem uma pesada herança de formação escravocrata e hierárquica. Muitos caminhos ainda restam para que a garantia dos direitos dos excluídos, pobres, negros, mulheres, crianças, idosos e homossexuais se tornem realidade. É preciso destruir os abusos de poder, a incompetência gerencial no setor público, apagar as fogueiras da vaidade, construir novas ideologias a favor da vida para construir a verdadeira reforma sanitária que precisamos. Ajudar as pessoas a serem felizes - esse é o valor supremo no setor saúde...Obrigada. (*)Em 24/11/2003 foi sancionada a Lei 10.778 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União, em 25/11/2003. Essa lei estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados.

Bibliografia consultada: BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Nº 6.259, de 30 de outubro de 1975. Dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6259.htm .Acessado em 23.5.2003. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Gabinete do Ministro. Portaria 1943. Define a relação de doenças de notificação compulsória para todo território nacional. Disponível no site: http://www.funasa.gov.br/sitefunasa/legis/pdfs/portarias_m/pm_1943_2001.pdf . Acessado em 23.05.2003 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro. Editora Graal. 6ª ed. 1986. LIMA, Rojane. Controle social nas políticas públicas de saúde para a mulher no município de Belo Horizonte. Monografia. (Especialização em políticas de públicas e gestão governamental) Fundação João Pinheiro. Belo Horizonte. 2003.

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Prevenção da Violência contra a Mulher Márcia Clemente Assistente social; Coordenadora-adjunta da Coordenadoria da Mulher de Olinda/PE; especialização em Direitos Humanos na Universidade Federal da Paraíba, mestranda em Serviço Social na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: fsclemente@bol.com.br

O recorte que trazemos é na prevenção. Mas, antes, é necessário contar um pouco sobre a experiência de Olinda, cujo contingente de mulheres é de 51%. Da população servidora, 60% são mulheres. Olinda se destaca por ser patrimônio histórico da humanidade e por não ter nenhuma indústria de porte em seu território. O que Olinda arrecada em um ano, Recife, a capital, arrecada em um mês. É nessa realidade que trabalhamos. Esse título de Patrimônio Histórico da Humanidade traz para Olinda a referência de ser uma cidade ligada à cultura. As diretrizes de trabalho da Coordenadoria da Mulher surgiram antes de sua instalação. Privilegiamos todas as etnias nessas diretrizes que são mais de 122. Mas vamos falar sobre as que conseguimos fazer acontecer. Trabalhamos o acesso à Educação e à Saúde, sexualidade e prevenção e tratamento DST/HIV, atenção à saúde da mulher negra, à saúde do adolescente, saúde mental do/a trabalhador/a, implantação do comitê de morte materna, realização de conferências municipais como espaço de deliberação e aprofundamento da democracia, formação do quadro de servidores públicos municipais para a questão de gênero, criação de protocolo de busca e manutenção, intervenção nos casos de violência doméstica e de gênero, inserção, nos cursos de capacitação de profissionais de saúde, dos conteúdos de gênero e violência. Quanto à violência, tratamos da implantação do Centro de Atendimento à Mulher, junto com Recife e Camaragibe e o município do Cabo. A cidade tinha uma Casa-Abrigo que fechou. Quanto à raça e etnia, incluímos o quesito cor em todo o sistema de informação e registro da Coordenadoria da Mulher. Houve uma falha na pesquisa do perfil da servidora. O quesito raça/cor não foi abordado. Admitimos o erro, mas no desenrolar das nossas outras ações, isso não voltou a ocorrer. Também tínhamos como diretriz incorporar em todo o material de comunicação da Coordenadoria da Mulher, a imagem positiva das afro-descendentes. E conseguimos isso. Institucionalizamos mecanismos positivos de visão da cultura negra pernambucana, na divulgação de Olinda no exterior. Identificamos e incluímos, na equipe da Coordenadoria da Mulher, a participação de mulheres negras como forma de promoção da igualdade étnica. Isso também aconteceu! Em 2002, realizamos o Seminário Inter-Municipal de Violência contra a Mulher, com a presença da Presidenta da Casa de Cultura da Mulher Negra, Alzira Rufino, com a finalidade de definir objetivos e princípios em comum aos municípios de Recife, Olinda, Camaragibe e Cabo e para produzir informação em saúde com vistas à violência doméstica e sexual contra a mulher, e capacitamos 25 profissionais das Secretarias de Saúde desses municípios. Programamos um formulário, que se encontra em versão preliminar, contendo os dados pessoais, os dados do agressor, o tempo do conflito, os encaminhamentos realizados, quem indicou o serviço e o contexto e a motivação da causa. Realizamos também a Conferência da Servidora Municipal, Estadual e Nacional e também encontros e fóruns. Todo esse trabalho é feito com transparência e, a cada dois meses, discutimos com a população. Entre outros temas, levantamos questões como Planejamento Familiar, Mulher na Política, Direitos Reprodutivos, Gênero/Raça/Etnia, Mulher e Família, Gestão Pública, Morte Materna e o Resgate da Essência Feminina do ponto de vista xamânico. Nesse trabalho envolvemos servidoras, mulheres das comunidades e universitárias. Criamos uma equipe intersetorial com a participação de duas mulheres de cada Secretaria de Governo. Destacamos a parceria com a Secretaria de Obras que gerou a contratação de mulheres para a construção civil. Com a Secretaria de Planejamento, estamos atuando na implantação da Agenda 21. A reflexão posicionada e consciente serve para realizarmos uma autocrítica, com movimentos de avanços e recuos num processo de busca de um mundo melhor para todos e todas. A intenção maior é melhorar a qualidade de vida. Temos enfrentado várias discussões para mostrar que enquanto os Direitos Humanos não forem de todas as pessoas, eles não existem. Steve Wonder já disse que “ébano e marfim vivem juntos, em harmonia, lado a lado, sobre o meu piano. Oh Deus! por que não nós?”

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Construindo a Cidadania Maria Noelci Homero Vice-Presidenta de MARIA MULHER - Organização de Mulheres Negras; Coordenadora do Programa “Construindo a Cidadania da Mulher Vítima de Violência Doméstica”, desenvolvido na Região Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre. E-mail: nohomero@cpovo.net

Para nós, de Maria Mulher, é um prazer estar aqui, discutindo e trocando informações sobre o que temos feitos na cidade de Porto Alegre, no que se refere à violência doméstica. O trabalho que vou apresentar é resultado de um levantamento qualitativo realizado por nossa organização, enquanto entidade que atua no monitoramento das Políticas Públicas de prevenção e combate à violência contra mulheres. Esta apresentação está dividida em legislação estadual e municipal, serviços de saúde estaduais e municipais e a violência doméstica e a mulher negra, realidade onde Maria Mulher atua. A Legislação Estadual instituiu a Coordenadoria da Mulher, a política de combate à violência contra a mulher; dispôs sobre verbas para habitações populares em benefício das mulheres que sustentam família; instituiu o Programa Estadual de Documentação e Valorização da Mulher Trabalhadora Rural; instituiu o Centro de Referência da Mulher. A Legislação do município de Porto Alegre reservou 30% das vagas dos programas habitacionais para famílias chefiadas por mulheres; estipulou sanções a estabelecimentos comerciais e industriais que praticarem atos de violência e discriminação contra mulheres; instituiu o programa municipal de albergues para mulheres vítimas de violência; instituiu a comissão municipal de atenção à mulher vítima de violência; dispôs sobre a criação do SUS, em nível municipal, da rede de apoio à prevenção e controle da violência familiar. Instituiu a Semana Educativa de Controle da Violência e dispôs sobre o uso de espaços publicitários nos ônibus que pertencem à Prefeitura, para uma campanha educativa no Combate à Violência contra a Mulher.

Serviço de Saúde Estadual A Secretaria Estadual de Saúde, através da Política de Saúde da Mulher, propõe-se a realizar um trabalho educativo e informativo, contando que visa um trabalho integral da saúde da mulher. Esse trabalho pretende desenvolver-se em parceria com pessoas que trabalham na área e atuar como rede nas frentes de atendimento às mulheres e também na capacitação de agentes de saúde. A perspectiva é desenvolver ações que dêem conta de que a violência contra a mulher é problema de saúde pública. Visamos trabalhar de forma integrada com as demais secretarias do Estado, uma vez que a seção da saúde da mulher não tem trabalho integrado com os outros programas da Secretaria da Saúde. Esses programas são: política estadual DST/HIV/Aids, saúde mental e neurológica, programa estadual de controle do tabagismo e outros fatores de risco de câncer. Esses referidos programas não têm trabalho específico para as mulheres.

Serviço de Saúde Municipal Através da política de saúde da mulher, a Secretaria Municipal da Saúde desenvolve ações de prevenção, promoção e assistência à saúde, prestando atendimento integral às mulheres, em suas diferentes fases da vida, nas unidades sanitárias e postos de programas de saúde da família. Além dos serviços básicos das unidades sanitárias, são desenvolvidos os programas de saúde reprodutiva, assistência pré-natal, prevenção ao câncer ginecológico, assistência ao climatério e menopausa, prevenção e assistência às doenças sexualmente transmissíveis e Aids, atenção integral às mulheres em situação de violência e assistência às mulheres vítimas de violência sexual. O programa de assistência às mulheres vítimas de violência sexual oferece assistência psicológica, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, anticoncepção de emergência e interrupção de gravidez. Integram o programa: unidades de saúde, Delegacia da Mulher, Departamento Médico-Legal e hospitais sediados em Porto Alegre. No Centro de Saúde e no Pronto Socorro, as enfermeiras, através dos laudos médicos que indicam que as lesões, fraturas ou traumas não são compatíveis com as declarações das mulheres,

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encaminham-nas para o Serviço Social que faz o acolhimento, escuta e orientação para a denúncia. Quando o atendimento é ambulatorial há encaminhamento para o Serviço Municipal de Atendimento Psicológico. Em caso de internação, há atendimento psicológico no hospital.

Programa de Atenção Integral às Mulheres em Situação de Violência A Casa de Apoio Viva Maria abriga e atende, desde 1992, a mulheres vítimas de violência e suas crianças em situação de risco ou de saúde. O programa desenvolve ações preventivas de saúde e assistência psicossocial e inserção no mercado de trabalho. Esta Casa é responsável pela capacitação de agentes de saúde que é realizada uma vez por mês, a pessoas que trabalham em centros comunitários e postos de saúde, para que possam identificar mulheres que passam por violência doméstica. Esta capacitação acontece no Hospital Presidente Vargas que também atende a meninas e adolescentes que são vítimas de violência sexual. Em 1998, a Casa Viva Maria abrigava mulheres encaminhadas por delegacias da mulher, postos de saúde e conselho tutelar. Atualmente, ela faz triagem nas delegacias da mulher, nas instituições da rede de apoio à mulher vítima de violência doméstica, composta por hospitais, ONGs, delegacias e conselhos tutelares. Os delitos mais freqüentes são: lesão corporal, ameaças, perseguição, difamação, perturbação à tranqüilidade, fraturas e hematomas. A Secretaria Municipal de Saúde está coordenando a implantação do Observatório da Violência, composto por uma rede de apoio e controle, serviços de atendimento a pessoas em situação de violência. Existe, nesse observatório, uma planilha da notificação compulsória e estão sendo realizadas reuniões para que se discuta a colocação de um maior número de itens que possam identificar a violência.

Violência Doméstica e a Mulher Negra As mulheres vítimas de violência doméstica entram em processo de menos-valia, ficando freqüentemente em estado de auto-abandono. Na maioria das vezes, pensam que a violência é um fato isolado e acontece apenas na vida de cada uma delas. Esse entendimento produz sentimento de culpa por serem maltratadas e agredidas, pois acreditam que fizeram alguma coisa para merecer a agressão. Ao mesmo tempo, a forma que muitas encontram para extravasar sua dor e ressentimento, ou até mesmo a possibilidade de exercitar poder, é sobre os corpos de seus filhos, muitas vezes de forma violenta. Quanto mais aviltadas são as mulheres nos seus direitos de exercício da cidadania, mais a violência doméstica passa a ser vista como normal e cotidiana nas relações familiares, o que aumenta a dificuldade das mulheres aceitarem recorrer aos serviços existentes ou mesmo de tratar doenças provocadas pelas relações violentas. Uma reflexão a ressaltar sobre a temática da violência doméstica, amplamente discutida pelo movimento feminista, refere-se ao caráter democrático da violência, ou seja, ela vitima mulheres de diferentes classes e grupos étnico-raciais. Por um lado esta assertiva é importante na medida em que revela que este tipo de violência acontece, sobretudo no espaço privado e tem a mulher como vítima preferencial. Por outro lado, este entendimento de caráter democrático da violência doméstica homogeneíza as alternativas para as mulheres romperem com ela. Assim, as ações e políticas de combate à violência são pensadas para as mulheres de uma forma geral, desconsiderando-se especificidades de cor ou classe. Como exemplo de medida largamente defendida e que muitas vezes é ineficaz para alguns grupos sociais, destacamos a denúncia policial das agressões. Para as classes sociais de baixa renda, a Polícia é uma instituição associada à repressão e à força. Qualquer envolvimento com órgão dessa natureza gera receio. O fato de uma mulher fazer denúncia de sua agressão junto à Delegacia pode muitas vezes colocá-la em risco de vida. Para populações pobres, como observamos em nosso trabalho, a mulher que denuncia seu homem é delatora e traidora, passando a contar com o desprezo de sua comunidade, necessitando ser retirada do local para abrigos. A situação das mulheres negras não é diferente. A violência policial contra negros é amplamente reconhecida. Para as mulheres negras, a Delegacia impõe medo. O trabalho de combate à violência doméstica em comunidades extremamente marginalizadas, precisa levar em conta essa realidade.

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Violência contra a Mulher e Saúde - Um olhar da Mulher Negra


Violência doméstica e sexual – Um olhar da mulher negra Benilda Regina Brito Professora de Direitos Humanos da PUC/MG; coordenadora do N’zinga Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte; ex-coordenadora do Benvinda-Centro de Apoio à Mulher da Prefeitura de BH. E-mail: benildaregina@bol.com.br

Vamos trabalhar um pouco sobre o movimento social negro e como esse movimento tem tratado a realidade da violência doméstica e a violência contra a mulher negra. Quero compartilhar minhas inquietações que passam pela concepção de amor e desamor e também pela nossa vivência e imaginário. De acordo com a Convenção de Belém do Pará, toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada. O fato de ser mulher negra vai trazer uma particularidade grande, diferenciações graves. O que vai diferenciar esse relacionamento social de negras e não-negras é o racismo, como componente que vai estar delineando as relações, extrapolando o campo privado e partindo para uma esfera pública. Vários estudos comprovam que a violência urbana está crescendo. Entretanto, a violência de gênero que sempre se manteve em patamares alarmantes nunca causou impacto social. A violência doméstica é geralmente identificada como a que acontece no ambiente doméstico, onde a vítima tem uma relação afetiva muito próxima com o agressor, o que, muitas vezes vai dificultar a denúncia. A mulher que sofre violência doméstica não está denunciando um desconhecido. Está denunciando alguém com quem construiu um projeto de vida, com quem dividiu publicamente uma relação afetiva, com quem sonhou uma relação de afeto. E a maioria dessas mulheres tem um casamento assumido. Quando falamos de projeto de vida, estamos falando da intimidade, dos sonhos, fantasias e desejos. Tornar pública essa situação aparentemente privada é constrangedor. Há ainda outros fatores inibidores como a vergonha, o medo, a ameaça. A violência não respeita classe social, escolaridade, faixa etária, etnia. Quando ampliamos o conceito, a violência doméstica vai extrapolar o limite geográfico da casa. Se o marido espanca a mulher no seu trabalho, está praticando violência doméstica também. Vários estudiosos/as estão enfocando esse aspecto. Quero chamar a atenção para um ponto importante. As instituições que hoje atendem mulheres, tanto para abrigar como para colher denúncia, são unânimes em afirmar que a maioria das mulheres que hoje denunciam violência doméstica são negras. Um estudo que fiz abrangendo três Estados, entre 1997 e 2002, aponta que 62% das mulheres que denunciam violência doméstica são negras. Daí a nossa inquietação. Poderíamos afirmar que as mulheres negras denunciam mais porque os homens negros batem mais? Seriam negros esses agressores? Será que essas mulheres apanham mais pelo fato de serem historicamente mais violentadas? Maiores denúncias significam maiores agressões? Que tipo de amor vivenciam e acreditam essas mulheres? Evidentemente, a discriminação racial agrava o quadro da realidade das mulheres negras, tornandoas extremamente vulneráveis a todo tipo de violência e privações, com conseqüências terríveis sobre a saúde física e mental. É, portanto, de extrema importância o recorte racial nessa discussão. Alguns/as pesquisadores/ as vão dizer que a questão principal do ser humano se baseia em dois pontos. Um, Positivo, que seria o amor, a proteção, a ajuda e o cuidado. O segundo ponto, o Negativo: a intromissão, a dominação e o controle, resultando dessa relação, na maioria das vezes, uma relação de violência. Observando os dados da Delegacia Especializada em Crimes contra Mulheres, de Belo Horizonte, 2002, é fácil resgatarmos a forma diferenciada de violência a que são submetidas mulheres negras e não negras. A maior incidência das queixas recai sobre mulheres entre 25 e 45 anos de idade. Esses dados mostram 6.764 denúncias de crime de lesão corporal como tapas, socos, queimaduras, traumatismos, facadas, perfuramento de bexiga, traumatismo craniano. A Delegacia registrou ainda 4.538 casos de estupro e 3.152 crimes de ameaça. Qual seria a pena para esse tipo de crime durante esses 500 anos? Quantitativamente seria impossível calcularmos o número de mulheres estupradas no período colonial, servindo de iniciação sexual para os filhos dos senhores e tidas até hoje como objeto de uso e prazer como é o caso das mulatas. Esses dados vêm chamar a atenção para a importância de estarmos quantificando e fazendo esse recorte. São mulheres negras ameaçadas pela condição social, pelo mercado de trabalho extremamente excludente e competitivo e por todas as formas de violência. A prática da violência sobre as mulheres negras não é recente.

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Ela marca a historiografia brasileira. Gilberto Freyre, por exemplo, chama a nossa atenção pela visão machista sobre a mulher negra que servia apenas como objeto de trabalho e para o amor físico, objeto de uso sexual para os senhores e os filhos de senhores de escravos. Ele não caracterizou em nenhuma página de seu livro “Casa Grande e Senzala” essa violência sexual das mulheres negras como a violência do estupro. Diz ele: “as índias, por qualquer bugiganga, ou espelho, estavam se entregando de pernas abertas aos caraíbas gulosos de mulher. O que a negra da senzala fez, foi facilitar a depravação com sua docilidade de escrava, abrindo as pernas ao primeiro desejo do senhor moço”. E eu afirmo com veemência: Desejo, não! Ordem! Ninguém nega que a negra tenha contribuído para a precoce depravação do menino branco. Mas não por si, nem como expressão de sua raça ou de seu sangue, mas como parte de um sistema de economia e de família, o patriarcado. O amor em si, citado em Freyre, estava reservado às virgens pálidas e louras donzelas. O compromisso afetivo, dentro das convenções sociais, era assumido pelos homens brancos com as mulheres brancas. Parafraseando o historiador Marcos Cardoso, autor de “O Movimento Negro”, a sensualidade da mulher branca estava a serviço da procriação e reprodução ideológica da família patriarcal. Gilberto Freyre reforçou a mistificação da mulata, enquanto objeto sexual quando afirmou que “a mulher morena tem sido a preferida dos portugueses para o amor. Pelo menos para o amor físico. A moda da mulher loura, limitada às classes altas, terá sido antes pela repercussão de influências exteriores do que a expressão do genuíno gosto nacional“. Esta foi a colaboração da historiografia para o imaginário social em que estamos hoje inseridas. Isto vai dificultar, inclusive, as nossas relações de amor, o que explica muitas vezes a nossa opção pela solidão. Em entrevista à revista Isto É, uma mulher negra declarou que prefere ser prostituta em outro país do que ficar no Brasil. “Se ficasse aqui, trabalhando em casa de família, meu destino seria ainda pior. Iria ganhar um salário e ainda teria que transar de graça com o patrão, normalmente um velho gordo e pelanquento. O pior que pode me acontecer é virar prostituta na Suíça. Pelo menos vou ganhar alguma coisa”. É bom que coloquemos essas referências porque as pessoas falam que as mulheres negras só vivem chorando e se queixando. Mas não é bem assim. O imaginário social é construído, não tem por base o vazio. Não sonhamos que a representação do nosso corpo, nosso tom de pele, nosso cabelo era ruim. Isso aconteceu no processo da história. Muitas pessoas colaboraram com esse imaginário. Marcos Frenette, em seu livro “Preto no Branco, a Importância da Cor da Pele”, vai narrar uma relação entre um homem branco e uma mulher negra. “O acesso do branco no corpo negro é particularmente revelador. Na cama, a sensação que o branco tem, ao tocar pela primeira vez numa pele negra, vale por um orgasmo anunciado. O primeiro toque é o verdadeiro encontro com o inusitado. Prenúncio de um novo mundo de formas e sensações. Esse primeiro toque vem acompanhado de um gemido ancestral, que não tem a ver apenas com desejo. O gemido que se ouve vem mais do inconfessável prazer de constatar que está prestes a provar de um fruto exótico e proibido. Mas daí, o sexo começa e acontece. Pela primeira vez sua excitação tem a ver com raça. Pela primeira vez tenta passar sua mão pelos cabelos da parceira e sente que há ali um impedimento que exige mãos ágeis e delicadas ao mesmo tempo. É a dureza de um cabelo que não serve para anúncios de shampoo e que exige carinhos especiais. A partir daí, não tem mais o gemido inicial. O que fica é apenas a sensação desagradável de não saber lidar com uma selva de cabelos. Então, limita os carinhos à nuca, enquanto se descortina na mulher que o recebe, a alvura de um inesperado doce sorriso. No desenrolar dessa singular relação, o que se fortalece é a impressão de que não está acontecendo uma troca de prazer entre iguais. O branco sente como se estivesse numa aventura com o ser feminino de uma outra espécie. Ter uma relação extraterrestre, um contato íntimo com o imponderável. E quando chega a hora da descarga orgástica, algo lá no fundo inconsciente vence alguns níveis de repressão, atingindo a consciência daquele que se contorce em espasmos. É quando uma voz profunda e interior o faz repetir, mentalmente, uma frase tão triste quanto reveladora de um lamentável estado de coisas: Meu Deus, estou transando com uma negra!” A magnitude das decorrências do racismo na saúde mental das mulheres negras, exige urgentemente, estudos e políticas públicas. É inegável o impacto em nosso cotidiano, gerando rebaixamento de nossa autoestima, medo de relacionamentos afetivos, opções muitas vezes pela solidão diante da descrença de viver um amor, fatores impeditivos de uma vida plena, saudável e feliz. O atual movimento de mulheres negras, ao trazer para a cena política contradições resultantes da articulação das variáveis raça, classe e gênero, promove a síntese da bandeira de luta, historicamente levantada pelos movimentos negro e de mulheres no nosso país, enegrecendo de um lado as reivindicações de mulheres e promovendo a feminização das reivindicações e

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propostas do movimento negro. Enegrecer o movimento feminista brasileiro tem significado demarcar e instituir, em uma agenda feminista, o peso que a questão racial tem na configuração, por exemplo, das políticas demográficas e na caracterização da violência contra a mulher, ao conceituar e dar visibilidade à violência racial como um aspecto determinante das formas de violência sofrida por metade da população feminina de nosso país, que não é branca. Percebemos que tínhamos a nossa particularidade: é que éramos negras demais para só discutir a questão geral das mulheres e mulheres demais para só discutir a questão geral dos negros. Fizemos então vários seminários temáticos, reuniões e uma infinidade de discussões. Crescemos e avançamos muito, concluindo que os resultados dos encontros apontavam para a necessidade de organização, enquanto grupo de mulheres negras. A participação dos companheiros negros nessas discussões foi e continua sendo quase que inexistente. Em um primeiro encontro nacional de mulheres negras, promovido pelo MNU, em 1991, abriu-se oficina para homens com a finalidade de traçar o perfil da mulher negra militante, da mulher negra em geral; discutir sobre maternidade/esterilização, paternidade/esterilização; as dificuldades encontradas pelas mulheres negras em um processo de luta; o baixo grau de solidariedade dos homens em relação aos filhos; a difícil conciliação entre maternidade e militância e a complexidade dos sistemas traçados. Porém, o silêncio da violência vivido pelas mulheres negras, dentro do próprio movimento social negro, ou por militantes negros, chega a ser absurdo. Uma edição do jornal Correio Brasiliense, de 1993, trouxe o depoimento de uma importante ativista negra afirmando que o que marcou fundamentalmente os anos 80 e 90 foi o aumento da violência racial, com a ação da polícia sobre os homens negros. Essa declaração foi usada em vários debates, mas com afirmações do tipo: as mulheres negras não devem denunciar seus companheiros negros, pois a polícia já é extremamente violenta com esses indivíduos. E ao denunciá-lo por violência doméstica, essa mulher negra estaria colaborando com a violência policial. É evidente que afirmações como essa contribuíram para aumentar o silêncio e dificultar a denúncia da violência doméstica vivida por essas mulheres. Arnaldo Xavier, poeta paulista, considera um único espaço de cumplicidade efetiva entre um homem negro e um homem branco: o machismo. “Eles estariam de acordo, e, seriam cúmplices, pelo menos nisso, no direito que ambos se dão de oprimir, discriminar e desumanizar as mulheres brancas e negras”. Ilusão do homem negro achar que é igual ao homem branco. Isso só acontece no machismo, no reflexo da violência. Fora disso, ele está abaixo em qualquer dado estatístico, em qualquer pirâmide social. Farei agora um recorte para comentar sobre a televisão que tem uma interferência fundamental no comportamento social. Quando começaram as discussões sobre a reserva de cotas para negros na mídia, Aguinaldo Silva, dramaturgo da Rede Globo, escreveu e anunciou que não aceitava colocar negros como personagens de advogados, médicos e engenheiros porque a televisão acompanha a realidade. Isto não é verdade, porque sabemos muito bem que a realidade acompanha a televisão. Há sempre uma transformação da sociedade girando em torno de uma telenovela. Mas o que se vê na tv é o estereótipo da empregada negra, da mulher negra. Feito este recorte, gostaria de chamar a atenção para as campanhas nacionais, encaminhadas por nós, mulheres negras, durante esses anos de articulação. Mas, uma campanha contra a violência doméstica e racial, ainda que necessária nunca foi levada à frente. Em muitos momentos dessas campanhas, podemos registrar a solidão das mulheres negras, pelo lado do movimento negro e também do movimento feminista. É importante lembrar que o documento da Marcha Zumbi contra o Racismo pela Igualdade e a Vida que incorporou no seu programa a implementação efetiva do PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) e a formulação de um programa de saúde, chamava atenção por contemplar as necessidades dos homens negros. O movimento de mulheres negras enfrenta o desafio de erradicar o racismo e o machismo da sociedade brasileira. A luta do movimento negro ainda não deu conta de minimizar os efeitos devastadores da violência racial e de gênero que destrói a identidade da mulher negra. Não queremos a violência para mulher nenhuma. Mas, se a grande maioria das mulheres que denunciam violência são mulheres negras, tínhamos que fazer uma campanha: Negão, não bata na sua companheira preta. Não bata em mulher nenhuma!” A terceira parte da minha exposição é sobre a concepção de amor. Durante muito tempo atendendo a mulheres que sofrem situação de violência, me acompanha com extrema inquietação a afirmação que muitas delas me fizeram. Quando digo: “Minha senhora, seu marido lhe espancou. Como vão ficar as coisas?” A respostas, muitas vezes, é: “Mas eu amo ele”. Que amor é esse que machuca, fere, destrói e mata? De que tipo de amor estamos falando? E se for mesmo amor, o que segura a relação dessa mulher com esse homem? O amor não é um conceito estático e cada pessoa vivencia sua história de amor. Para nós, que trabalhamos com políticas, é a maior dificuldade entender a linguagem do outro. Tentei responder a essas perguntas, apostando numa possibilidade: o medo de

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assumir o desamor, medo de ficarem sozinhas e assim permanecerem. O que faz uma pessoa suportar durante tanto tempo uma relação de violência e permanecer nela? Em muitos casos, quando sai dessa relação, a mulher acaba assumindo outras relações com a mesma característica. Quando eu fazia triagem para mandar uma mulher para uma casa-abrigo, invariavelmente ela dizia: “eu concordo, mas posso levar meu tanquinho? meu guarda roupa?” O que ela queria dizer com isso era: Posso levar minha vida, minha história, minha referência, minha identidade? As palavras, na situação de violência, vão muito além da nossa compreensão. Há um programa de uma rádio da República dos Camarões, em que na introdução uma mulher diz: “Meu marido não fala, não me bate, nem se importa com nada. Pior, o bom senhor nem é ciumento. Será que ele me ama de verdade?“ Quais os critérios que utilizamos no nosso comportamento afetivo para avaliar a concepção de amor? Estudos demográficos da Profa. Elza Berquó revelam que nós, mulheres negras, apesar das construções ideológicas que nos concebem, como mulheres sexualmente promíscuas, somos aquelas que, em função da discriminação racial, apresentamos menor índice de nupcialidade, maior índice de solidão, entre as mulheres e o maior grau de rejeição no mercado afetivo. Em pesquisa intitulada “A Pirâmide da Solidão”, a Profa. Elza afirma que, no caso do matrimônio, o cruzamento tendente ao embranquecimento é mais acentuado por parte dos homens. 58% dos homens pretos estão casados com mulheres da mesma cor ao passo que 67% das mulheres negras têm cônjuges do mesmo grupo. E acrescenta: na disputa entre os sexos, as mulheres brancas competem com vaga no mercado matrimonial com as pardas e com as pretas. Acrescentando a esses dados uma boa dose de racismo, a solidão está marcada. Às vezes, vamos encontrar em algumas mulheres uma busca de alternativas para manter uma relação, apelando para o mito da sexualidade negra. Claro é que esse mito só serve para justificar essa solidão, porque quem inventou que a negra é mais quente foi algum branco racista que transou com uma negra com febre. Sandra Almada entrevistou quatro mulheres negras, importantes atrizes, para o seu livro “Damas Negras”. Nem a ascensão social, nem a visibilidade e o poder impediram que essas mulheres dessem seus depoimentos. “Acho que a mulher negra sofre muito por várias coisas. Mas em termos de relacionamento, quando ela sente o social, ela se afasta mais ainda da possibilidade de um casamento. Isso está acontecendo com uma das minhas filhas. Ela quer ter um companheiro negro, no mesmo nível dela, mas é muito difícil. Ele vai querer casar com uma branca, para ter filhos mulatos, sararás bem disfarçados” - Chica Xavier. “O homem foi muito hostil. Optei por essa preferência por homens negros. Sofri muito com o comportamento deles. O homem negro é muito cruel com a mulher negra, na maioria das vezes. Embora existam exceções, existem homens, casais negros maravilhosos, mas a grande maioria dos homens negros é muito cruel, perverso e mau. Desdenha muito da mulher negra e esse é um comportamento que faz você ficar triste. Você constata isso, e passa a desacreditar do outro. O homem sempre é uma coisa terrível, existe sempre um harém. Ele é sempre tribal com a mulher negra” – Léa Garcia. “Nunca deram certo os meus amores. Tenho um amigo que é embaixador da Costa do Marfim, e, certo dia, conversando com ele, perguntei: Por que o homem negro, depois que conquista um valor maior dentro da sociedade, se casa com uma mulher branca? Ele me respondeu o seguinte: No meu entender, o homem negro é complexado. No momento em que adquire posição social, acha que tem que se casar com uma mulher branca para coroar esse status. O homem negro tem um desprezo muito grande pela mulher negra” – Ruth de Souza. “Tive três homens negros na minha vida, com quem quis casar e ter filhos. E eles não quiseram. Mas não acho que isso tenha ocorrido porque sou negra. Acho que a emoção deles não era forte o suficiente para se casarem comigo” - Zezé Mota. Nas afirmações dessas mulheres, em muitos momentos, vamos perceber as coincidências com as nossas vidas. Na nossa caminhada, quando tivemos avanços e retrocessos, nos tornamos mais determinadas em conseguir um tipo respeitoso de relação afetiva. Somos mais seletivas, a solidão muitas vezes é opção nossa. Essa solidão não deve incomodar no sentido negativo, mas é de um desafio muito grande lidar com essas seqüelas que o racismo tem provocado no nosso cotidiano. Temos um longo caminho pela frente, mas tenho uma idéia muito positiva de um futuro bastante próspero.

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Violência de Gênero e Etnia - Políticas e Ações em Curso Rosália Lemos Secretária Municipal da Coordenação dos Direitos das Mulheres de Niterói/RJ. Mestra em Psicosociologia em Comunidades e Ecologia Social – UFRJ; Fundadora da ONG E’léékò -Gênero, Desenvolvimento e Cidadania, e do Disque-Racismo/RJ. E-mail: rosalialemos@hotmail.com

Trouxe alguns dados da Prefeitura Municipal de Niterói, na qual exerço o cargo executivo de Secretária Municipal da Coordenação dos Direitos das Mulheres. Antes, porém, gostaria de colocar que, para nós que trabalhamos na área social, na área de políticas públicas, em militância política, torna-se fundamental ler e estudar em pormenores os capítulos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. As convenções são importantes porque passam a nomear, visam denunciar e propor políticas. A convenção de Belém do Pará define o que é violência contra a mulher, o que é violência de gênero. O seu artigo primeiro diz: “para os efeitos dessa convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano, ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na esfera privada”. E isso fortalece para que a mulher tenha mecanismos de procurar auxílio e a eliminação da violência na esfera doméstica e intrafamiliar. É importante destacar que é um direito viver sem violência. Historicamente, sempre fomos aviltadas em nossos direitos. Na Grécia, as mulheres eram cidadãs de segunda qualidade, inferiores aos homens e por isso passíveis de dominação. Sendo assim, seu corpo podia ser violentado, mutilado. A ONU reconhece que a violência contra a mulher é um obstáculo ao desenvolvimento. Na questão da violência doméstica, por muito tempo fui contra a existência de Abrigo. Mas, como gestora pública, não posso colocar minha posição política. Em um cenário de política pública, é necessário fazer o que a mulher precisa, o que o povo está demandando. E o que me fez mudar e reconhecer que o Abrigo é necessário? Algumas vivências que tive na Secretaria. Um exemplo: fomos procuradas por uma mulher, portadora de HIV, que tinha enorme histórico de violência. Seu marido já havia contaminado mais quatro mulheres e ela trazia vários boletins de ocorrência. Essa mulher estava vivendo no ciclo apanhar e voltar para casa. Conversamos com ela, mostrando que se ela não interrompesse esse ciclo em que estava inserida, sua história poderia acabar em homicídio porque o marido estava cada vez mais violento. Mas essa mulher não tinha para onde ir e vivia na dependência econômica do marido. Para esses casos, sem dúvida, o Abrigo é uma necessidade. Os números da violência contra a mulher são assustadores. Em 1998, foram 31.206 casos somente no Rio de Janeiro. Em Niterói, em 2002, foram registrados 1.250 casos. Esse número é significativo porque Niterói é o terceiro município brasileiro em qualidade de vida, pelo Índice de Desenvolvimento Humano o primeiro município do estado do Rio de Janeiro. Quando se trabalha na perspectiva racial étnica, o agravante da violência é muito mais intenso porque a mulher negra além da vulnerabilidade econômica, tem a vulnerabilidade de gênero e a vulnerabilidade racial. Desenvolvemos no Rio de Janeiro o trabalho do disque-Racismo, que foi pioneiro e vitorioso, porque entendíamos que crime é coisa de polícia, e como tal, tinha de estar na esfera da segurança pública. Implantamos esse serviço não só acolhendo a denúncia, como analisando-a. Fiz um estudo sobre as pessoas que procuravam o serviço e percebi que a maioria era feminina, porque as mulheres lutam mais contra o que as oprime. Podem até demorar a denunciar a violência doméstica, porque pesa sobre elas uma série de variáveis: filho, amor, dependência financeira. Heloneida Studart, escritora e deputada estadual, iniciou uma palestra na zona sul do Rio de Janeiro, área de população de classe média, dizendo: “As mulheres pobres, quando apanham, contam para a vizinha, falam com a colega. As mulheres da classe média, como vocês, choram quietas no travesseiro, fechadas no apartamento porque sentem vergonha de comentar que estão apanhando do marido”. A faixa etária que atendíamos no Disque-Racismo estava entre 30 e 45 anos, uma geração intermediária que não está mais aceitando ser discriminada. Na distribuição dos conflitos, 30% era entre vizinhos e parentes, o que justifica o aspecto doméstico da violência racial. A maioria das mulheres era empregada doméstica e 78% negra. O Disque-Racismo não atendia somente à população negra, mas a conflitos raciais. Daí, o fato de

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termos conseguido os brancos como aliados. Ser chamado de “bicho de goiaba”, “loura burra”, ou “branca azeda” também é racismo. O serviço não se prendeu à denúncia do racismo. O primeiro caso a que atendemos foi de uma mulher que havia sido discriminada ao trocar uma roupa em uma loja. A proprietária xingou-a de “nega safada” e “nega suja”, e jogou um manequim em seu rosto, fazendo com que ela perdesse os dentes. Essa mulher havia perdido o prazo para entrar com ação contra racismo, mas nos dizia: “sei que a questão racial eu não ganho, mas tenho que punir aquela racista”. Entramos então com uma ação de defesa do consumidor porque nenhum proprietário de loja pode tratar mal uma cliente. Ganhamos a ação e a companheira foi indenizada. Esse foi um caso exemplar: se não dá para abordar a questão racial, é necessário procurar o acesso ao direito e à Justiça por um outro viés. Na perspectiva das ações e políticas concretas, vou falar na qualidade de Secretária Municipal da Coordenação dos Direitos das Mulheres, de Niterói. Dos 86 cargos de primeiro e segundo escalões, 23 são ocupados por mulheres, ou seja, 28%. Sempre falamos sobre o poder da mulher, e poder é fazer e fazer bem feito. Não adianta ficarmos com nossa bandeira, nosso panfleto, se não tivermos algo a nos encorajar, a realizar um movimento para disputar o poder, seja nas eleições municipais ou estaduais, seja em cargos executivos, seja na direção de ONGs. A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres publicou as metas para 2003 e dentre elas estão: o enfrentamento da discriminação contra as mulheres negras, por meio de programas para elevação do nível de escolaridade; reconhecimento dos direitos; inclusão no mundo do trabalho; combate às desigualdades; à condições de exploração do trabalho doméstico; o fortalecimento da representação das mulheres negras. Esses são os compromissos da Secretaria Nacional e vamos ter de nos mobilizar para cobrá-los. Em Niterói, firmamos também parceria com a REDEH e estamos implantando o Plano de Ação Educacional para Igualdade Racial, que vamos disponibilizar para toda rede de educação e fazer um trabalho de capacitação com os professores, para que as crianças – negras e brancas – tenham um caminho de combate à intolerância racional e de gênero, numa interface com a Fundação Municipal de Educação da cidade. Vamos também discutir sobre as novas masculinidades, porque o espaço da educação é muito feminino. Os dados comprovam uma maior evasão escolar masculina. Na questão do orçamento participativo, faz-se necessária uma maior discussão, porque as mulheres vão às plenárias, mas os homens é que saem como delegados. Precisamos empoderar a mulher como militante e como gestora, porque é ela quem cuida da sua casa e das comunidades pobres. As mulheres precisam fazer cursos para entender que o poder não é um fardo, ou uma coisa que pertence naturalmente aos homens. Para finalizar, trouxe um símbolo nosso, a Escrava Anastácia. Como militantes do movimento de mulheres negras, considero que deveríamos ter a Escrava Anastácia como nosso grande ícone da luta da resistência e do dizer não à violência sexual, racial e de gênero.

Políticas e Ações em Curso - Violência, Gênero e Raça Vanda Menezes Secretária-Executiva da Mulher do Estado de Alagoas; psicóloga; ativista negra e feminista. Tem uma longa trajetória de luta nos movimentos sociais. E-mail: semulher.al@ig.com.br

É um prazer estar aqui. Não digo que tenho a honra porque, em nome da honra, os homens matam. Venho de Alagoas, um pequeno e pobre Estado do Nordeste que ousa fazer um trabalho de inclusão. Temos uma Secretaria, com força de lei, pessoal e dotação orçamentária para tratar exclusivamente das questões da população feminina do Estado de Alagoas, com o poder de executar. E nas reuniões com os demais secretários, digo sempre que a pobreza neste país tem sexo e cor. Ela é feminina e negra. Estamos abaixo da linha de pobreza e se tivermos políticas públicas eficazes em cima desses dois segmentos, resolveremos os problemas deste país. A Secretaria que ocupo é a primeira do Brasil e Alagoas é um Estado atípico. Temos uma prefeita feminista em Maceió, um vice-prefeito negro e um governador sensível às nossas causas. Formamos uma

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Secretaria de Estado da Mulher e também uma Secretaria de Proteção e Defesa das Minorias, liderada por um companheiro do movimento negro, que trabalha com as questões dos indígenas, homossexuais, portadores de deficiência física e negros. Iniciamos e estamos desenvolvendo nosso trabalho, fazendo uma grande pesquisa no Estado. Visitamos o município e passamos o dia com as mulheres do local. Fizemos palestra sobre a trajetória do movimento de mulheres no país e depois nos dividimos em grupos para discutir sobre violência, educação, saúde e direitos sociais, raça, etnia, moradia, sexualidade, emprego e renda. Assim essas mulheres dizem das suas demandas, suas dificuldades e conhecemos suas diferenças já que a mulher sertaneja tem problemas e necessidades diferenciadas da mulher litorânea. Mas no item violência, tudo se iguala. Já estivemos em 87 municípios e pudemos sentir que o maior problema é a violência contra a mulher. Estamos realizando esses fóruns porque queremos tornar essas mulheres sujeitos da história, para que estejam junto conosco partilhando desse poder que estamos tentando fazer de uma forma diferenciada e também implantando conselhos municipais. O conselho é autônomo e formula políticas, damos o aparato financeiro para que ele exista. A grande dificuldade é que depois de 1988, quando todos os conselhos se tornaram paritários, a maioria das pessoas que compõem esses conselhos do lado governamental não dominam as questões de gênero. Estamos, então, capacitando os componentes desses conselhos que são hoje em número de quatro: Estadual, Municipal de Maceió, de Arapiraca e de Palmeira dos Índios. Na montagem da Secretaria, encontramos uma grande dificuldade quando da formação da equipe. O governador solicitou que eu escolhesse cinco titulares para a chefia de gabinete, assessoria de comunicação, assessoria de planejamento e orçamento, diretoria executiva e diretoria de administração financeira. Consegui “roubar” Abigail Páscoa, que estava no Rio de Janeiro, na vice-coordenadoria de Benedita da Silva, para ser minha coordenadora financeira, porque eu não entendia nada dessa área. Não foi fácil, de repente, me tornar o espelho do país, sendo uma mulher que venho do movimento social, movimento negro e feminista, referendada por minha biografia. Tenho recebido o apoio de grandes mulheres que estão no movimento social e fizemos da Secretaria uma escola, capacitando o nosso pessoal. Alagoas tem todos os mecanismos institucionais de combate à violência contra a mulher. Temos delegacia, centro de referência, casa-abrigo. Em relação à casa-abrigo, tenho a experiência de 22 anos de polícia para afirmar que este endereço tem que ser protegido, tem que ser sigiloso, de domínio exclusivo das pessoas que lá trabalham. E, psicóloga que sou, não admito que pessoas que trabalham com violência não tenham um aparato psicológico. Criamos um serviço em que toda mulher que for para a delegacia, depois de atendida, é acolhida pelo CAV – Centro de Referência a Vítimas do Crime. É um convênio da Secretaria de Justiça do Estado, com o Ministério da Justiça para prestar assistência jurídica, psicológica e social. Fechamos também com o Instituto de Identificação e com o cartório, para que essas mulheres que vão prestar queixa e não têm documentos já saiam de lá com eles. Como a maioria dessas mulheres é empregada doméstica negra e não é alfabetizada, vamos ter duas salas para capacitá-las para o mercado de trabalho. Também as mulheres que saem da casa-abrigo e voltam para seus companheiros estão sendo assistidas pelo centro de referência com terapia de grupo. Tenho uma grande preocupação com a área de capacitação. Infelizmente muitos dos trabalhos que iniciamos não têm continuidade. Quando saí do Comitê Municipal da Saúde da Mulher, para ocupar a Secretaria, havia capacitado 45 profissionais de saúde, em convênio com a Universidade Federal de Alagoas, tanto para implantar o programa do adolescente como para implantar a assistência às mulheres vítimas de violência. Somos sete distritos sanitários em Maceió e privilegiamos um posto de saúde de cada distrito para ser referência no atendimento às mulheres vítimas de violência, fazendo a rede - delegacia, saúde, centro de referência, casa-abrigo. Infelizmente a pessoa que me substituiu parou o projeto, mas estou exigindo que pelo menos a capacitação dos profissionais de saúde continue a ser feita. Fechamos um convênio com o NEIM – Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher e vamos fazer especialização em gênero, políticas públicas e desenvolvimento regional para as secretarias de educação, saúde, assistência social, defesa social, justiça. Defesa social engloba corpo de bombeiros, polícia militar, polícia civil e a secretaria da mulher. A finalidade é que se tenha dentro de cada secretaria, técnicos e técnicas especializados/as em gênero. A cada ano pretendemos formar 45 pessoas para que quando deixemos o governo fique perene a questão de gênero e o recorte racial no governo de Alagoas. O que pretendemos é empoderar as mulheres, dar a elas cidadania. Estamos fomentando a organização das mulheres, porque não adianta ter um mecanismo como a Secretaria da Mulher sem controle social. Tenho que capacitar essas mulheres, enquanto governo, para que elas me monitorem e me avaliem.

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Senão não é democracia. Sempre digo que não vou ser sempre secretária, mas sempre vou ser militante. Poder é bom e eu gosto, mas também carrego o piano. Mas agora também toco. Quem visita a minha Secretaria pode até achar que é a Secretaria do Negro porque a secretária, a chefe de gabinete, a diretora executiva, a diretora administrativa é negra e o motorista é negro. Mas quando alguém comenta: mas tem homens? Respondo sempre: eles têm que servir para alguma coisa!”. Mas há homens maravilhosos trabalhando a questão de gênero conosco. Há muito trabalho, mas está sendo prazeroso porque é uma escola em que todos e todas estão aprendendo, fazendo e avaliando. E sou uma boa economista, sustento uma família de 11 pessoas. O governador sempre brinca dizendo aos secretários: “Por que vocês têm que gastar aqui e ali se Vanda não faz isso. Ela consegue reunir 300 mulheres em cada fórum, tomando café da manhã e almoçando e gasta três mil reais. Se vire, meu irmão. Pergunte à Vanda como ela consegue”. Estamos tentando fazer um poder diferenciado. Passamos séculos sem poder, destituíram a nossa identidade. Quero construir um poder colegiado. Em Alagoas, estou fazendo a minha parte. O que não quero perder de vista é que deixemos no governo uma marca que ninguém consiga tirar

Gênero, Violência e Saúde da Mulher Iolanda Vaz Guimarães Técnica do Ministério da Saúde na temática da violência na área de Saúde da Mulher; Assistente social com especialização em Saúde Pública pela UnB; Sócia fundadora do Núcleo de Estudos e Organização da Mulher, primeira entidade feminista do Estado de Mato-Grosso. E-mail: iolanda.guimaraes@saude.gov.br

Farei um histórico da questão da violência dentro do Ministério da Saúde, que não tem uma ação direta, mas é um agente financiador e implementador de políticas de saúde. Fazemos publicações e damos aparato técnico financeiro pra que os Estados, Municípios e organizações não-governamentais façam as ações direcionadas à população. A temática da violência foi incorporada na política nacional em 1988, com a publicação da Norma de Assistência às Mulheres e Adolescentes Vítimas de Violência. Em 1999, constitui-se uma Câmara Temática com o objetivo de definir diretrizes e nortear as nossas ações, enfocando não só a violência sexual como a violência doméstica. Esta Câmara é constituída pelo Dr. Aníbal Faundes, Dra. Fátima de Oliveira, Gilberta Soares, Jacqueline Pitanguy, Fátima Matos, Marcia Camargo e Dra.Lila Schraiber. Nossas ações foram: a normatização da assistência e distribuição de materiais institucionais, o anexo da profilaxia em DST e HIV, publicação do caderno e cartilha da violência intrafamiliar para subsidiar profissionais da saúde que trabalham com assistência às pessoas vítimas de violência. Outra ação do Ministério é a sensibilização de gestores e profissionais de saúde. Por ser uma temática ainda recente dentro da saúde pública, muitas vezes essas pessoas pensam que a questão da violência contra a mulher é apenas uma questão de Justiça. Damos também assessoria técnica e incentivo financeiro para a implantação de redes locais integradas. Temos uma grande preocupação em trabalhar em rede, porque a questão da violência não se resume aos setores de saúde e justiça. Ela perpassa vários setores da sociedade e só um trabalho em rede pode dar conta da magnitude desse problema. Consideramos importante promover intercâmbios de experiência, levando de um Estado para o outro ações que deram certo, mostrando que realmente há condições de se fazer um trabalho justo e digno para as mulheres vítimas de violência; e, estabelecer parcerias com outros setores do governo, organismos internacionais, organizações da sociedade civil e entidades profissionais. Atualmente, a assistência às mulheres vítimas de violência inclui os serviços ambulatoriais e hospitalares, consulta realizada no primeiro atendimento e profilaxias em DST HIV, hepatite e anticoncepcional de emergência. No segmento de médio prazo, contamos com atendimento psicosocial necessário a essas mulheres. A questão da profilaxia em DST AIDS é inédita não só no Brasil como no mundo. O nosso país está sendo o único a oferecer esse tratamento na rede pública. A França e os Estados Unidos têm o tratamento de profilaxia às pessoas vítimas de violência, mas é apenas no seguro-saúde. Em 2002, fizemos um levantamento de como estavam os serviços hospitalares e ambulatoriais no Brasil e contabilizamos 82 serviços. Creio que atualmente o número seja maior. Na região Norte - temos 7 hospitais; região nordeste – 15 hospitais; região Centro Oeste – 7 hospitais; região Sul – 14 hospitais; região Sudeste – 39 hospitais. São Paulo é o Estado que

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mais agrega serviços de assistência a mulheres vítimas de violência. E em nível ambulatorial, não temos serviço na região Norte; Região Nordeste – 10 ambulatórios; região Centro-Oeste – 20 ambulatórios; região Sul – 105 ambulatórios; região Sudeste – 28 ambulatórios. Esses são os atendimentos que fazem o trabalho desde o primeiro acolhimento às mulheres vítimas de violência até à realização de aborto legal. Quanto ao atendimento, o tipo de medidas profiláticas que esses serviços oferecem temos: na região Norte, a anticoncepção de emergência, o tratamento profilático para DST e HIV. Na região Nordeste, disponibilização da anticoncepção de emergência, DST e HIV. A região sul é a que oferece o maior número de anticoncepção de emergência e DST HIV e a região Sudeste tem a anticoncepção de emergência ofertada na rede, basicamente em todos os serviços. Temos também a questão da interrupção da gravidez, pós-violência sexual. Na região Norte temos 7 hospitais que fazem assistência às mulheres vítimas de violência, sendo que 2 hospitais fazem a interrupção voltada à gravidez por curetagem e, a interrupção da gravidez voluntária pela AMIU (Aspiração Manual IntraUterina); na região Nordeste, de 15 hospitais, 8 fazem a interrupção da gravidez pela curetagem quanto pela AMIU; na região Centro Oeste, cinco de 7 hospitais fazem interrupção da gravidez; na região Sul, de 14 hospitais, 5 fazem a interrupção da gravidez pela curetagem e 4 pela AMIU; na região Sudeste de 39 hospitais, dezoito fazem pela curetagem e 16 pela AMIU. Houve uma evolução dos serviços da assistência à mulher vítima de violência no Brasil. Em 1989, não tínhamos nenhum serviço registrado, fazendo atendimento específico. Em 1998, eram 17. No ano de 2000, o número passou para 26 e em 2002, foi para 82 serviços. Esses serviços só foram ampliados através do movimento de mulheres e de todos os movimentos extra-oficiais que fizeram com que o Ministério da Saúde formulasse políticas e ações que dessem conta dessa necessidade. Nosso desafio para os próximos quatro anos é a ampliação do acesso das mulheres em serviços de violência. No dia 28 de maio, o Ministro da Saúde assinou um documento ampliando em 30% esses serviços. O serviço não se basta. É necessária uma organização, para que ele tenha uma especificidade um pouco maior na questão do acolhimento à mulher em situação de violência, que é o que vai definir toda a qualidade do segmento. No caso da profilaxia em HIV / DST são seis meses de tratamento. Se essa mulher que já sofreu violência não for bem acolhida nesse primeiro momento, dificilmente dará continuidade a seu tratamento. As drogas profiláticas para DST / HIV são muito fortes e se a pessoa não tiver um apoio psíquico-social, dificilmente chega ao fim do tratamento. Fazem parte do nosso desafio: - Incluir a contracepção de emergência e o aborto nos casos previstos em lei, mediante a decisão da mulher, se for essa a sua necessidade; Realizar pesquisas sobre situação de serviços que atendem a mulher em situação de violência; - Incluir o tema da violência doméstica nos processos de capacitação instituídos pelo Ministério da Saúde; - Especificamente para a saúde da mulher negra, o Ministério da Saúde tem a proposta de monitorar a inclusão do quesito “cor” nas suas pesquisas, conforme determina a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde que normatiza as normas éticas em pesquisas; - Determinar a inclusão do quesito “cor” no sistema de informação e no documento do Sistema Único de Saúde; -Determinar a contratação de uma representante do movimento negro, para assessorar a inclusão das questões relacionadas à população negra, nas ações da saúde da mulher e do Ministério da Saúde; - Estimular e apoiar, em todos os Estados da Federação, a política de atenção à anemia falciforme do Ministério da Saúde que prevê: diagnóstico, tratamento, atenção às questões étnicas, dando ênfase às especificidades das mulheres falcêmicas na idade fértil e no ciclo gravídico-puerperal - Este é o nosso desafio para os próximos quatro anos e esperamos contar com os movimentos de todas as mulheres: lésbicas, negras, índias e não-negras, no sentido de que realmente consigamos formular políticas que estejam de acordo com a necessidade da população.

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Violência Doméstica Tolerância Zero Rebeca Oliveira Duarte Advogada, educadora e escritora. É ativista da Djumbay, entidade do Movimento Negro em Pernambuco; autora de livros e artigos sobre racismo e discriminação racial e de pesquisas sobre tradição oral (música e literatura). Especializada em Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba e mestranda em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: rebecaduarte@uol.com.br

Vou concentrar o meu tema sobre a questão da violência contra a mulher, fazendo uma breve análise do papel do Direito na manutenção ou no enfrentamento da violência doméstica e sexista.

O silêncio Quando surgiu o convite da Casa de Cultura da Mulher Negra para participar deste Seminário, havia uma discussão muito tensa a respeito da nomeação do Dr. Joaquim Barbosa enquanto ministro do Supremo Tribunal Federal; e uma das coisas que mais me angustiou foi o silêncio do movimento negro, grosso modo, em relação a esse debate. É exatamente nesse ponto que entra a visão de que a violência doméstica praticada pelos homens negros deve ser enterrada pelo próprio movimento para não expor a figura do homem negro. Enquanto isso, as mulheres continuam apanhando ou tendo de se calar. No dia seguinte ao convite, soube que uma amiga havia sido violentada pelo companheiro e, quando tentei estimulá-la a fazer a denúncia, surgiu aquela conversa de auto-estima rebaixada: “ele não tinha noção do que estava fazendo”. Minha amiga optou pelo silêncio, como faz a maioria das mulheres. Fiquei preocupada com essa questão. O que é que nos leva a esse silêncio? Conhecemos os estereótipos e todo o contexto do imaginário social que obriga a mulher a manter esse silêncio. Mas, além de constatar o problema, precisamos achar instrumentos para acabar com ele.

Direito e Controle Social O imaginário social é mantido e alimentado pelos meios de controle social de determinado poder hegemônico, como os meios de comunicação, as instituições religiosas, valores familiares, educação, dentre outros diversos meios. O Direito, como um meio de controle social direto, é qual esqueleto que faz movimentar esse imaginário provocador do silêncio, da violência e da indiferença, ou, em outro contexto, pode significar o grito, a resistência, a possibilidade de mudança. Historicamente, porém, a “Justiça” faz parte de uma estrutura de dominação e, comumente, é uma quimera para a maioria das pessoas, inclusive para os movimentos sociais. O que proponho é que o Direito, mais que criticado em suas fórmulas arcaicas e discriminatórias, seja algo popularizado, instrumentalizado pelos movimentos sociais, feminista, feminista negro e pelo movimento negro em geral, porque isso seria a reversão da forma como ele foi conduzido até hoje. O Direito está estritamente ligado ao projeto político de dominação e/ou de hegemonia, ao projeto de manutenção das relações de poder em que surgem, como elementos vulneráveis, as mulheres e os negros, sendo que as mulheres negras aparecem enquanto as últimas da lista de uma “subcidadania”, ou de uma cidadania não exercida de fato. Para que haja mudança nessa área, proponho que quem trabalha com saúde, educação e cultura, por exemplo, o faça somando à área do Direito, porque esse empoderamento faz com que necessariamente seja conhecida a arma de dominação para aprender a manuseá-la em sua defesa e também em oposição a essa dominação. Geralmente, fala-se que o problema da violência está baseado na cultura. Discordo dessa posição. Trabalhar essa questão em termos de padrões culturais é reduzi-la às relações interpessoais ou perceber a cultura como um processo estanque e cristalizado. Há que se levar esse discurso ao seu caráter de poder hegemônico e perceber essa violência, essa forma de dominação, no contexto de uma ideologia. Quando discutimos Direitos Humanos, por exemplo, sempre problematizamos a questão do

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relativismo, sobre até que ponto uma ordem internacional de defesa de Direitos Humanos pode interferir na cultura de um povo. E sempre temos o mesmo exemplo: as mulheres de determinados países da África são circuncidadas porque isso faz parte da cultura local. Não! Faz parte é de uma ideologia em que o projeto político (dos agentes hegemônicos) é estabelecer o domínio sobre as mulheres, sua sexualidade, corpo, mente e espírito. Cultura é uma relação dinâmica que inclui o querer, a vontade e a autonomia dos dominados.

O Direito enquanto Manutenção da Violência Em relação à violência doméstica e sexista, o Direito no Brasil ainda hoje não tem um documento legal que procure combatê-la diretamente1. O que temos são paliativos que vamos buscando de um lado e de outro. Sobre esse tema, permitam-me fazer um recorte histórico para analisar as disposições jurídicas relativas à violência contra a mulher no âmbito penal. Antes de o Brasil, enquanto nação autônoma, ter uma ordenação de direito estabelecida, utilizava-se na Colônia as ordenações do reino de Portugal. As que mais duraram em nosso país foram as chamadas Ordenações Filipinas, promulgadas no reinado de Filipe II, em janeiro de 1603. Em campo penal, vigoraram por aqui até 1830, quando foi estabelecido o primeiro Código Penal Brasileiro e, no âmbito civil, até 1916, quando foi promulgado o primeiro Código Civil Brasileiro. Essas ordenações são consideradas, no mundo todo, como uma das mais cruéis de que se tem notícia, de extrema intolerância e repressão. Em relação à mulher, as Ordenações Filipinas conferiam poderes ao homem de matar a esposa que encontrasse em adultério. Se o marido suspeitasse do adultério, licitamente, como diria o texto da lei, poderia matá-la. Então não somente o código dava essa possibilidade, como instava o homem a matar, porque ele tinha várias disposições que o defendiam. Observem os termos que foram utilizados até 1830:

Achando o homem casado com sua mulher em adulterio, licitamente poderá matar assi a ella, como o adultero, salvo se o marido for peão, e o adultero Fidalgo, ou nosso Dezembargador, ou pessoa de maior qualidade.(...) 1. E não somente poderá o marido matar sua mulher e o adultero, que achar com ella em adulterio, mas ainda os póde licitamente matar, sendo certo que lhe commetterão adulterio; e entendendo assi provar, (...) será livre sem pena alguma (...). 2. E em caso, que o marido matar sua mulher licitamente, não a achando porém no adulterio, não haverá cousa alguma dos bens, que em dote lhe fossem dados, ou per sucessão ou doação a mulher houvesse; e se tiverem outros bens, que ambos houvessem adquirido, estes haverá o marido in solidum (...). (...) 5. E declaramos, que no caso, em que o marido póde matar sua mulher, ou o adultero, como acima dissemos, poderá levar comsigo as pessoas que quizer, para o ajudarem, comtanto que não sejão inimigos da adultera ou do adultero por outra causa afóra do adulterio.

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O que parece relato de uma longínqua disposição jurídica encontra repercussão bem próxima a nós, já em finais do século XX. A permissividade da violência doméstica causada por adultério ou ciúmes não é tão distante de nossa realidade jurídica mais atual. No caso julgado em Apelação Criminal nº 137.157-3/1, de 23/02/1995, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (portanto não fiquemos no imaginário dos grotões nordestinos!), a tese da “legítima defesa da honra” exercida pelo homem que, encontrando a mulher em situação de adultério, matou-a como ao seu acompanhante, foi aceita por maioria pelo tribunal do júri e confirmada pelo TJ/SP. A argumentação de que “saísse ele daquela casa sem fazer o que fez e sua honra estaria indelevelmente comprometida” e de que “a ofensa do adultério não ocorre somente em relação ao indivíduo mas, também, às normas de conduta do grupo social” afirma a institucionalização da violência doméstica contra a mulher como instrumento de sua opressão, não somente em âmbito privado, mas principalmente em sua representação social. Com o Código Criminal do Império, em 1830, o Brasil tem sua própria legislação criminal nacional. Nele, a violência sexual contra a mulher está descrita no capítulo de “crimes contra a segurança da honra”, mantendo-se sob o capítulo dos “crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor” no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 1890, e na Consolidação das Leis Penais de 1932. Apesar da grave violação física e psicológica, ainda hoje a lei penal não enquadra o crime de estupro (art. 213, CPB) em crimes contra a pessoa, mantendo o caráter privado da violência contra a mulher quando adequa tal tipo penal no título dos crimes contra os costumes e no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, de ação penal privada (salvo ocorrido com lesão corporal grave ou morte), apesar de sermos demandantes de direitos humanos específicos enquanto grupo vulnerável. Também se restringe a um crime contra os costumes o “tráfico internacional de mulheres” (art. 231, CPB). Sendo considerado de âmbito privado, o processo-crime só ocorre através da queixa, ou seja, quando a mulher fizer a denúncia e solicitar a ação. Se a mulher não oferecer queixa, o sujeito pode até ser reconhecidamente estuprador, mas vai permanecer livre e solto porque é a vítima que tem de romper o silêncio e não a sociedade.

Articulando Gênero e Raça Outra questão em relação à “privatização” do problema é que, além de colocar este ônus da denúncia para a mulher vitimada, o que dificulta o rompimento do silêncio, não se eleva o status do problema da mulher a um problema de direitos humanos. E, quando cruzamos a variante racial, o problema aumenta porque, mesmo na legislação antidiscriminatória, que foi uma conquista do movimento social negro, não existe nenhuma qualificadora de gênero. Temos então uma legislação antidiscriminatória racial que não contempla a variante de gênero. Dentro das nossas próprias conquistas, em âmbito racial, a questão da mulher negra ainda é posta no plano da invisibilidade.

Violência Doméstica Em termos de documentação jurídica, o que mais utilizamos hoje para o problema da violência doméstica é a Lei nº 9.099/95, aplicada para os crimes de menor gravidade, porque a violência doméstica é geralmente enquadrada como um crime de ameaça ou de lesões corporais leves. Não temos legislação interna que mobilize o direito da mulher enquanto direitos humanos, em confronto a uma normativa internacional que nos coloca na posição de demandante de um sistema especial de proteção. A nossa legislação interna, especificamente o Código Penal Brasileiro, está completa e ultrajantemente ultrapassado, colocando o problema da mulher como um problema de “costumes” e não de uma violação à pessoa humana, apesar dos documentos internacionais instarem os Estados a formular legislações específicas sobre a questão da mulher, sobre os direitos humanos e o combate a esse tipo de violência. Um ponto assustador da nossa legislação demonstra esse anacronismo: o tipo penal de estupro tem, como meio de extinção de punibilidade, o fato do criminoso, o estuprador, se casar com a vítima (art. 107, VII, CP) ou pelo casamento da vítima com terceiro se a ofendida não pedir o prosseguimento do inquérito ou

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ação. Isso coloca a mulher como um sujeito inerte do processo, passível à violência sexual desde que “os maus costumes” sejam corrigidos pelo casamento; tanto quanto exclui, por sua vez, a possibilidade de haver violência sexual doméstica quando se deixa de impor a pena ao estuprador por este se casar com a vítima. E isso ainda está em vigor na nossa legislação. Obviamente, é largamente criticado por alguns/mas doutrinadores/as e juristas em geral, mas ainda existe em termos de ordenamento jurídico o que, conseqüentemente, fortalece o senso comum que promove o silêncio sobre esse tipo de violência. Os dispositivos da extinção de punibilidade demonstram bem a que ideologia estamos sujeitas.

O Direito enquanto Enfrentamento Minha proposta é que, além de fazermos uma capacitação constante do movimento social negro e feminista em áreas como saúde, educação e cultura, tenhamos também a educação em Direito, porque isso significa a instrumentalização das seguintes demandas: 1. Precisamos conhecer e viabilizar instrumentos para poder resistir a essas relações de poder; 2. Precisamos da participação das mulheres em todas as instâncias do Poder – seja no Executivo, Legislativo e Judiciário, seja na sociedade civil organizada; 3. Precisamos colocar na legislação antidiscriminatória racial a variante gênero enquanto uma qualificadora; 4. Precisamos fazer uma legislação específica para as mulheres que combata, efetiva e nomeadamente, a violência doméstica, a violência de gênero, a violência sexista, com qualificadora racial, etária e de orientação sexual. Não podemos mais nos permitir a viver de paliativos. Queremos um Direito que permita o exercício real da cidadania, historicamente negada; uma legislação específica que possibilite o rompimento do silêncio, não mais somente pela mulher violada em seus direitos, mas pela sociedade na defesa dos direitos humanos da mulher, e que faça com que a violência sexista não seja mais tolerada em nenhuma das instâncias da nossa sociedade. O que vale lembrar é que o Direito, como meio de controle social, foi e ainda é responsável pela manutenção de uma ideologia machista e racista no país; mas, com a nossa intervenção, ele pode e deve ser um instrumento de mudança repressivo e/ou educativo dessa realidade de violação aos direitos da mulher.

Referências Bibliográficas PANDJIARJIAN, Valéria. Os estereótipos de gênero nos processos judiciais e a violência contra a mulher na legislação, disponível em http://www.cladem.org/portugues/regionais/Violenciadegenero/Docs/estereotp.doc (acesso em 01.07.2003). RIVERA, Ana. Informe Taller de “Violência Domestica contra las Mujeres Afrodescendientes” do Foro Social Mundial – Porto Alegre, Brasil http://www.cladem.org/espanol/regionales/Violenciadegenero/proyecto/vioafro.doc (acesso em 01.07.2003). SANTOS, Maria Celeste C. L. dos. Poder Jurídico e Violência Simbólica. São Paulo: Cultural Paulista. 1985. PIOVESAN, Flávia. A Mulher e o Debate sobre Direitos Humanos no Brasil, in “Direitos Humanos: atualização do debate”, Departamento Cultural e de Divulgação Ministério das Relações Exteriores. PIERANGELI, J. Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica – 2. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2001. LUNA, Everardo. O Resultado no Direito Penal. São Paulo. José Bushatsky Editor. 1976. DELMANTO, Celso et alli. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar. 2000.

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Nem vítimas, nem cúmplices: protagonistas da história! Maria Amélia de Almeida Teles Integrante da União de Mulheres de São Paulo e da coordenação do projeto Promotoras Legais Populares. E-mail: uniaomulher@uol.com.br

Tornamo-nos mulheres por meio de um processo de socialização androcêntrico - o que faz com que mulheres e homens sejam criadas/os por e para um projeto de dominação-exploração da categoria social “homens” na sociedade que ainda não renunciou ao patriarcado Saffioti. Há, no entanto, uma oposição ao machismo, vinda de mulheres que não aceitaram a submissão nem a sujeição. O fato de elas terem tomado consciência da discriminação a que estão submetidas, significa o poder e a capacidade das mulheres de resistência, de desconstrução, construção e mudança. A realidade perversa que afeta a vida das mulheres significa também que este poder ainda não alcançou força suficientemente ampla para romper com as relações pautadas na desigualdade social , econômica e política entre os sexos. Tal situação, articulada com outros fatores de discriminação como o racismo, a heterossexualidade obrigatória, os preconceitos por idade e classe social, imprime uma realidade social onde as mulheres têm menos direitos e vivem mais intensamente a exclusão social. Assim é que, no mercado de trabalho, são as mulheres que realizam 70% das horas trabalhadas e recebem somente 10% dos rendimentos. São 70% da população pobre do mundo. Tal realidade por si só já demonstra o quanto é grave a situação de violência contra a mulher. Mas há outras formas de violência que incluem os espancamentos, ameaças de morte, lesões corporais, tentativas de femicídio e femicídios propriamente ditos. Damos o nome de femicídio ao assassinato de mulheres ocorrido como resultado da violência de gênero. Aliás “violência de gênero” é uma expressão abrangente contendo um conceito que abarca vários tipos de violência que atingem mulheres, crianças, adolescentes e pessoas idosas, deficientes, homossexuais. Até mesmo pode incluir mulheres que agridem homens, embora sejam raros estes casos. De um modo geral, se refere a freqüentes práticas de violência cometidas por homens contra mulheres. O termo “violência contra a mulher” é mais forte e preciso ao se referir sobre a violação dos direitos humanos das mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Em seu conceito, acumulam-se a luta histórica travada pela mulheres contra o patriarcado e a supremacia do poder masculino e a defesa dos direitos humanos das mulheres. Para explicar a violência contra a mulher, Saffioti usa os termos “dominação” e “exploração”, compreendendo-os como como um processo político e econômico que agem simultaneamente sobre e contra as mulheres. Traduzindo para o nosso cotidiano: é o uso da força masculina, cuja prática não necessita sequer de justificação, que traz repercussões para toda a família, para as relações trabalhistas, afetando aspectos da economia e de amplas áreas da sociedade, em particular para as mulheres, quer seja no campo político ou econômico. A dominação faz com que se naturalize a violência contra a mulher. É tolerada pela sociedade, mantém-se pela impunidade acomodada à idéia de que são fenômenos próprios da natureza humana. A grande contribuição dada pelas feministas foi a de desmistificar a naturalização da violência contra a mulher. Foi mostrar que essa violência é, portanto, aprendida no processo da construção dos papéis sociais que são impostos a mulheres e homens. Não é resultado das nossas diferenças biológicas. Assim é que se deve trabalhar com a idéia de sexo, ao referir-se às diferenças biológicas, e de gênero, para explicar as diferenças socialmente construídas (os papéis sexuais estabelecidos para mulheres e homens), ou seja, padrões de conduta ou comportamentos exigíveis para ambos os sexos em diferentes sociedades e momentos históricos. As diferenças biológicas têm sido usadas, ao longo da história, como argumento falacioso para justificar o tratamento desigual entre os sexos. O que querem as feministas é eliminar as desigualdades sociais entre mulheres e homens e não as diferenças biológicas. Para tanto, estamos enfrentando um dos pontos mais cruciais da injustiça histórica cometida contra as mulheres: a violência contra a mulher. As contradições sociais que colocam as mulheres sob a rígida hierarquia estão atadas em diversas outras desigualdades, além das desigualdades de gênero, tais como as de raça/etnia, de classe social, de orientação sexual. O importante a reter consiste no fato de o patriarca, exatamente por ser todo poderoso, contar com numerosos asseclas para a implementação e a defesa diuturna da ordem de gênero garantidora de seus

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privilégios. Há uma imbricação, de tal forma, dessas contradições que muitas vezes os interesses patriarcais são defendidos também por mulheres, que o fazem de maneira inconsciente, impedindo a si próprias de trilharem caminhos de justiça e liberdade. O fato de haver mulheres que reproduzem, em suas relações cotidianas, a prática da violência sexista, deve ser entendido como resultado de um processo de tal forma brutal, que acaba por impedir a própria vontade de viver dignamente. Mas nem por isso, podemos acusar as mulheres de cúmplices da violência, o aspecto mais cruel das desigualdades sociais entre os sexos. Da mesma forma não se pode denominá-las simplesmente de vítimas, como pessoas passivas sem nenhuma capacidade de reagir no seu relacionamento com os homens. Daí a utilização da expressão, hoje amplamente utilizada pelos movimentos de mulheres e pessoas implementadoras de políticas públicas, “mulheres em situação de violência”. As pessoas absorvem um complexo de padrões, comportamentos e valores institucionais, religiosos, políticos e espirituais pelos quais perpassa o androcentrismo que exerce forte influência na formação das sociedades. Isto significa que não é prerrogativa de mulheres serem feministas, nem de homens serem machistas. Trata-se de conduta ideológica machista que não está afeita diretamente aos aspectos biológicos. A cultura androcêntrica impõe como objetivo principal o controle sobre o corpo e a mente das mulheres para garantir a dominação masculina. Tem como eixo crucial a prática da violência, seja física, emocional, sexual, institucional, patrimonial ou moral. O feminismo desempenha papel revolucionário ao convocar as mulheres a serem protagonistas de suas próprias vidas, titulares de seus direitos. Assim pensando, vamos tecendo nossa história, formulando e exigindo políticas públicas que reduzam as injustiças e que propiciem o acesso à eqüidade de gênero, étnicoracial e pelo fim de todas as desigualdades sociais. Tudo isso se movimenta em torno de projetos políticos alternativos capazes de enfrentar os desafios colocados a todo momento. Com a utopia sempre presente, os movimentos em construção buscam autonomia, mantêm a rebeldia, a radicalidade e a ousadia de acreditar que novas práticas e experiências serão capazes de proporcionar as mudanças tão necessárias. Hoje, são centenas de experiências que vivenciam mulheres organizadas em grupos e movimentos na construção cotidiana de espaços democráticos e responsáveis pela inclusão da população feminina. Experimentam, exercitam, protagonizam suas histórias. Aqui vamos relatar algumas dessas experiências das quais somos parte integrante: I – Projeto de Promotoras Legais Populares: é um trabalho de formação de mulheres para o acesso à justiça. Capacita mulheres para que conheçam seus direitos e se tornem pessoas comprometidas, não só em mobilizar outras mulheres para a ação e defesa dos seus direitos, como também em atuar junto às instâncias dos serviços públicos policiais e do judiciário. Tudo isso sob um enfoque feminista visando elabora , formular e implementar políticas públicas que possam desconstruir a desigualdade social, econômica e política entre mulheres e homens. O Projeto reune mulheres de 15 a 80 anos de idade, de vários grupos étnico-raciais (indígenas, negras, orientais, bolivianas) e de distintas posições sociais e graus de instrução. Esse projeto se desenvolveu no calor de nossas lutas pelo reconhecimento dos direitos humanos das mulheres e no início da Campanha “Violência contra a Mulher: Uma questão de Saúde Pública” nascida no Seminário Nacional de Entidades Populares, coordenado pelas ONGs Casa de Cultura da Mulher Negra e União de Mulheres de São Paulo, realizado na Praia Grande, Santos, SP, em 1992. A introdução do Projeto no Brasil contou com a iniciativa do Grupo Thêmis, do Rio Grande do Sul, e da União de Mulheres de São Paulo. No Estado de São Paulo, há 1.500 promotoras legais populares formadas e o trabalho está vinculado a uma coordenação estadual que reune as ongs e grupos de várias cidades. As principais realizações são: 1 – A criação do Centro de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência, organizado por promotoras legais populares da AMZOL – Associação de Mulheres da Zona Leste. 2 – A anulação da portaria que proibia às mulheres entrarem no Supremo Tribunal Federal (STF) vestindo calças compridas. 3– O encaminhamento de dois casos de assassinatos de mulheres, cujos criminosos encontram-se impunes à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, utilizando das

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possibilidades apresentadas pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência Contra a Mulher (conhecida também como Convenção de Belém do Pará) 4 – O reconhecimento pioneiro do estupro no local de trabalho como acidente de trabalho, abrindo caminho para outros casos. 5 – A criação do Centro Dandara de Promotoras Legais Populares, em São José dos Campos. Neste ano de 2004, o Projeto completa 10 anos o que será motivo de celebração. Deverá haver a realização do 1º Congresso Nacional de Promotoras Legais Populares que contará com a inciativa do Grupo Thêmis, da União de Mulheres de São Paulo e mais dezenas de entidades parceiras, criando as condições para a formação de uma rede nacional de promotoras legais populares, visando a construção de políticas de acesso à justiça. II – A introdução do quesito violência de gênero no sistema municipal de informações sobre saúde. Por meio da Campanha “Violência contra a Mulher: Uma Questão de Saúde Pública”, a União de Mulheres de São Paulo realizou uma pesquisa sobre violência junto às usuárias do Hospital da Mulher Pérola Byington, por meio de grupos focais. Aí, tomamos conhecimento da ausência de dados sobre os diversos tipos de violência de gênero. Somente nas delegacias de polícia de defesa da mulher, existe a rotina de registro sistemático de violência denunciada. As mulheres falam que a agressão psicológica é mais dolorida e sofrida que a física. Além disso, a violência de gênero (doméstica ou sexual), se não interrompida a tempo, pode levar ao assassinato de mulheres. Segundo o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, estudos realizados na África do Sul, na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos e em Israel mostram que das mulheres vítimas de assassinato, de 40 a 70% foram mortas por seus maridos ou namorados, normalmente no contexto de um relacionamento de abusos constantes. Esse fato contrasta totalmente com a situação dos homens vítimas de assassinato. A maioria é assassinada em espaços públicos, por outros homens. As mulheres têm muito mais probabilidade de serem machucadas durante as agressões ocorridas na violência de gênero e são alvos mais freqüentes de lesões corporais graves. As mulheres em situação de violência de gênero permanecem por longo tempo nesta condição. Grande parte se separa e volta várias vezes ao relacionamento conflituoso e violento, antes de interromper definitivamente a convivência com o parceiro agressor. Muitas vezes , romper um relacionamento violento coloca as mulheres em situação de extrema vulnerabilidade; mulheres são assassinadas ao tentar a separação. A desigualdade estrutural entre homens e mulheres, os rígidos e diferenciados papéis que ambos devem desempenhar, onde a idéia de virilidade está associada a dominação e a de feminilidade se vincula a estereótipos de submissão, servem para fundamentar e consolidar relações violentas de gênero. As conseqüências afetam a saúde não somente das pessoas diretamente envolvidas, mas se estendem à comunidade, às instituições e aos serviços públicos. A saúde dessas mulheres é afetada apresentando-se nas formas de depressão, tentativas de suicídio, síndromes de dor crônica, distúrbios psicossomáticos, lesões físicas, distúrbios gastrointestinais e diversas conseqüências na saúde reprodutiva – tanto a gravidez indesejada como o contágio de infecções causadas por doenças sexualmente transmissíveis – assim como relações sexuais forçadas, etc.. A violência de gênero, segundo o Relatório da Organização Mundial de Saúde, 2002, é apontada como um dos fatores responsáveis pela mortalidade materna. Em relação aos aspectos econômicos, as mulheres em situação de violência perdem com mais freqüência o emprego, têm mais dificuldades em negociar aumentos salariais e promoção na carteira profissional. De acordo com a pesquisa do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento – de cada cinco dias trabalhados, as mulheres perdem um por causa da violência. São inúmeros os prejuízos causados às crianças que, de um modo geral, assistem as cenas violentas entre os pais, que podem ser também diretamente afetadas e sofrem conseqüências emocionais, como ansiedade, depressão, baixo rendimento escolar, baixa auto-estima, pesadelos, etc.. Em 2001, com dados baseados na pesquisa que fizemos no Hospital da Mulher, conseguimos a aprovação de uma lei na cidade de São Paulo que obriga o sistema municipal de informações de saúde a registrar a violência de gênero, a Lei 13.150/2001. (Em 25/11/2003, foi aprovada no Congresso Nacional uma lei no mesmo sentido). A nossa luta, agora, tem sido para implementar, de fato, a lei. Ao regulamentar e implementar essa lei, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo se propôs a

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conhecer situações de violência vivenciadas pelos usuários da Rede Municipal de Saúde. Criou um Sistema de Informação e Notificação de Casos Suspeitos ou Confirmados de violência vinculado aos Serviços Municipais de Saúde. Este sistema destina-se a captar situações de violência vivenciadas por usuárias, a partir da formulação de questões às pessoas que procurem os serviços de saúde. O sistema permitirá a produção de estatísticas sobre os diversos tipos de violência vivenciados. A partir da identificação e notificação desses casos, serão feitos encaminhamentos para os Serviços de Referência. Os objetivos da lei são: - Identificar usuárias dos serviços da Rede Municipal de Saúde que vivem em situação de violência nas suas mais diversas formas: doméstica, sexual, institucional, nas relações de trabalho, entre outras. - Traçar o perfil epidemiológico da violência, por tipo, segundo a idade, sexo, etnia/raça/cor, pessoa com deficiência, local de ocorrência e de atendimento. - Planejar e executar intervenções coletivas de promoção da saúde e de prevenção da violência em áreas de maior risco e em asilos/abrigos/locais de trabalho, considerando a incidência de casos. - Oferecer atendimento direto às vítimas de violência, bem como os encaminhamentos necessários. Entendemos que, com a implementação dessa lei, resolveremos o problema da ausência de registro de informações sobre a violência doméstica na área da saúde pública, o que tem impedido a elaboração de diagnósticos e tratamentos adequados. Poderá ser realizado um trabalho preventivo, de maneira planejada, contribuindo para reduzir a morbi-mortalidade por violência doméstica e sexual. III - A criação de um Juizado Especial para os Crimes de Família. O Projeto de Promotoras Legais Populares encaminhou uma Campanha pela criação de um Juizado Especial para os Crimes de Violência de Gênero, como forma de reduzir os impactos negativos à aplicação da Lei 9.099/95 ( a lei que cria o Juizado Especial Criminal _ JECRIM) para o atendimento aos casos de violência de gênero. Essa lei coloca a violência contra a mulher como um crime de menor potencial ofensivo, banalizando-a e ridicularizando as mulheres que denunciam a violência e deixando que o agressor passe como um benfeitor da comunidade ao lhe obrigar a dar uma cesta básica para alguma instituição de assistência social. Na realidade, a proposta ideal é a criação de uma vara para os crimes de violência de gênero para a qual seriam encaminhados todos os casos de violência contra a mulher. E não apenas os casos que não excedam a um ou dois anos de pena. No entanto, para a criação dessa vara, há necessidade de uma legislação nacional específica sobre violência de gênero, o que exige uma articulação nacional dos movimentos feministas, de direitos humanos, junto ao Congresso Nacional e ao Judiciário. Vale lembrar que recentemente foi aprovada alteração no Código Penal para eliminar a expressão “mulher honesta”. Pensando assim, o projeto de Promotoras Legais Populares, que reúne ONGs feministas e da área jurídica, propôs a criação do Juizado Especial para os Crimes de Violência de Gênero visando melhorar o atendimento feito pelos JECRIMs, no que se refere aos casos de violência contra a mulher. Foi encaminhada proposta, entregue por meio de uma passeata de mulheres pelas ruas do centro de São Paulo ao Presidente do Tribunal de Justiça, à época.

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Violência Doméstica - Punição e Repressão Tatiana Ferreira Evangelista dos Santos Advogada do Programa Violência Racial, Doméstica e Sexual da Casa de Cultura da Mulher Negra. E-mail: tatiadv@aol.com

O tema que vou desenvolver diz respeito à punição e repressão da violência doméstica cometida por homens contra mulheres, geralmente no âmbito do lar. Abordarei também o trabalho que desenvolvo na Casa de Cultura da Mulher Negra, prestando atendimento a mulheres vítimas de violência de gênero. Adotarei a definição de alguns autores que consideram violência como qualquer ato que venha a ferir direitos humanos do/a cidadão/ã. Nota-se, nos últimos tempos, uma grande preocupação com a defesa dos direitos dos cidadãos, com a preservação do direito à integridade física, moral, sexual e psicológica da mulher. Muito já se falou sobre o que é a violência e a forma como ela se manifesta. Impõe-se agora, discorrer sobre a punição efetiva do agressor. Na maioria dos atendimentos prestados pela Casa de Cultura, a violência contra a mulher, no âmbito do lar, resulta em lesão corporal leve, do ponto de vista jurídico, embora para essas mulheres, muitas vezes, essa lesão seja muito grave. A lei 9.099, de 1995, define a lesão leve por exclusão, ou seja o que não é grave. O Código Penal define como lesão grave a que resulta em incapacidade, debilidade, perda ou inutilização de membro, sentido ou função; assim como lesão que resulta em perigo de vida, aceleração de parto, enfermidade incurável, deformidade. Na verdade, o que diferencia entre uma lesão corporal que é dita de natureza leve e a que é considerada do ponto de vista jurídico como grave ou gravíssima é a pena que vai ser aplicada ao agressor. Na Casa de Cultura da Mulher Negra, fazemos um atendimento jurídico e psicológico a mulheres vítimas da violência doméstica, sendo que, a maior partes delas, nos procuram pretendendo uma separação judicial e nem sempre uma punição efetiva do agressor. Acredito que um dos motivos que estimula esta impunidade do agressor, que leva a mulher a não denunciá-lo é a punição que vinha sendo aplicada nos Tribunais, desde a adoção da lei 9.099, de 1995. A maioria dos casos que atendemos resulta no que é chamado de lesão leve e geralmente o que se vê são hematomas, escoriações e arranhões e sendo o agressor primário, ou seja se ele nunca foi processado criminalmente pela Justiça, será extremamente beneficiado pela lei. Muitas de nós que trabalhamos na área, já ouvimos essa frase por parte das mulheres: “Vou processar para que? Isso não dá em nada!” Como advogada atuante na repressão contra a violência cometida contra a mulher, sou obrigada a concordar. É inacreditável como o agressor que comete violência contra a esposa, contra a companheira, muitas vezes na presença dos filhos – o que também afetará na formação moral e psicológica dessas crianças – contra a namorada e até contra a mãe, pode receber uma pena alternativa que pode ser uma prestação de serviço à comunidade, que, na Comarca de Santos, nunca acontece. O agressor também poderá receber uma multa, geralmente de valor irrisório. A lei ainda autoriza que essa multa, que é proposta pelo Promotor de Justiça, seja reduzida pela metade, bastando o pedido do advogado do agressor. As penas mais aplicadas e a preferida pelos Juízes são as cestas básicas. Assim, o agressor que der um soco no rosto de uma mulher - sendo que por conta dessa lesão ela deixou de ir ao trabalho, de sair à rua, adquiriu traumas - vai pagar uma cesta básica para uma instituição de caridade. E está resolvido o problema. O processo é extinto, sem que nos registros conste qualquer espécie de antecedente criminal para o agressor. Acompanhei mulheres que representaram contra seu marido agressor, e ao final da audiência, quando foi proposto o pagamento de uma cesta básica, ele saiu rindo, com a sensação da impunidade super fortalecida. Essa lei que tanto veio a beneficiar os agressores, em detrimento das mulheres agredidas, acaba sendo uma aberração jurídica no caso da violência doméstica e estimulou a omissão das vítimas em representar contra o seu agressor. Na Casa de Cultura, aonde o atendimento jurídico atua em total parceria e sintonia com o atendimento psicológico, consegui entender a posição de algumas mulheres que preferem não denunciar os

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seus agressores. Cheguei a catalogar alguns motivos. Em alguns casos existe a vergonha em expor a terceiros, como advogado, autoridade policial, Juiz e Promotor o que acontece no âmbito da família. Algumas mulheres não querem admitir que aquele companheiro que ela escolheu para formar uma vida juntos, para formar uma família, a agrediu. A mulher pensa também no constrangimento dos filhos – que muitas vezes acabam sendo testemunhas da mãe contra o pai quando foram os únicos que presenciaram a agressão – ao terem o pai processado criminalmente por agressão. Entre as pessoas mais pobres, também é motivo de inibição, a perda financeira da família quando o agressor tem que pagar uma cesta básica, tirando muitas vezes do dinheiro que seria destinado ao sustento dos filhos. Nesse caso, a vítima alega: “Já que ele vai pagar uma cesta básica, tirando o dinheiro da casa, porque vou passar o constrangimento de denunciá-lo?” Há também a falta de apoio dos familiares, porque ainda existe em muitas famílias a idéia de que a mulher, ao casar, passou da propriedade do pai para a propriedade do marido e sem direito à devolução. A vítima é muitas vezes desencorajada pelos próprios pais que pedem para que a mulher pense nos filhos, alegam que o homem estava nervoso. Há ainda o medo de uma represália grave, quando ela volta para casa depois da denúncia. Nessa questão, quero observar que, no Brasil, a mulher que sofre agressão pode ingressar na Justiça Cível, pedindo o que é conhecido como a separação de corpos. Na verdade, se trata de uma medida cautelar de afastamento temporário do cônjuge do lar conjugal, esse é o nome técnico da medida, e, ela perdura enquanto se está fazendo a partilha dos bens na separação judicial. Então o juiz concede uma liminar, nos autos deste processo cautelar, e o oficial de justiça intima o agressor a deixar o lar, levando apenas seus pertences de uso pessoal. Se o agressor resiste a esta ordem emanada do Juiz, o Oficial de Justiça tem autorização para requisitar o auxílio da força policial militar para fazer cumprir a ordem. Entretanto, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, aonde o Juiz determina que o agressor mantenha uma distância da vítima, isso infelizmente não acontece no Brasil. Mesmo ele sendo expulso do lar, isso nada o impede de chegar ao portão da casa. Basta, portanto, que a mulher saia de casa, para ser agredida, pois não existe uma ordem judicial que impeça o agressor de se aproximar da vítima. Mesmo com uma separação de corpos, a mulher que está submetida à violência fica na dependência da repressão da polícia militar e não há, para ela, uma prevenção da violência. Essa inércia da legislação, essa proteção falha à mulher, também é um fator de inibição das denúncias. É muito importante a orientação jurídica para os casos porque ainda há muitos mitos que precisam ser derrubados. Muitas mulheres acreditam que, ao serem agredidas, basta acionar o serviço 190, que é o atendimento da polícia militar, que o boletim de ocorrência, que é feito no local pelo PM, servirá para levar o agressor à Justiça. E isso não acontece. O BOPM serve como prova no processo criminal, já que o policial relata o ocorrido, muitas vezes colocando sua impressão pessoal do fato delituoso, no momento da ocorrência. Ele pode relatar o estado dos móveis da casa que muitas vezes são quebrados pelo agressor, se a mulher encontrava-se realmente agredida, qual a versão do agressor, de quem foi a iniciativa de acionar a polícia militar. Mas, se a mulher não procurar uma delegacia de polícia civil para a elaboração do boletim de ocorrência e não realizar o exame de corpo de delito, esse processo não será instaurado contra o agressor. A questão do exame de corpo de delito é muito importante porque se a mulher levar muito tempo para procurar uma delegacia, para ser encaminhada ao Instituto Médico Legal, aonde é realizado esse exame, o desaparecimento das lesões vai implicar no arquivamento do processo. Sem o laudo do IML positivo para lesão corporal leve, nem mesmo a cesta básica o agressor vai pagar. Importante é que, nos processos de agressão, se obtenha uma prova testemunhal de pessoas que não sejam parentes. Isso é difícil porque as pessoas não gostam de se envolver e muitos têm medo do homem agressor. No caso de ameaça contra a mulher, o procedimento é o mesmo: o processo só poderá ter andamento se a vítima comparecer à delegacia de polícia e representar contra o seu agressor. Ontem, no Seminário, foi levantada uma questão por uma das participantes, narrando que em uma oportunidade acionou o serviço 190 porque uma vizinha estava sendo agredida. O policial militar disse que se o chamado não partisse da própria vítima, ele não iria atender, afirmando que não estava interessado em saber se ela estava vendo a vizinha ser agredida ou até morta. Assim, fica bem claro que a iniciativa da vítima é fundamental. Por todas essas coisas, o ideal para quem trabalha com violência doméstica é fazer um atendimento jurídico associado a um atendimento psicológico porque para denunciar e suportar a pressão psicológica e social, a mulher tem que estar fortalecida.

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Após a denúncia na delegacia, o procedimento é remetido para o Fórum. Será então marcada uma audiência preliminar quando agressor e vítima são colocados frente a frente. O Juiz vai perguntar se existe alguma possibilidade de composição dos danos civis, ou seja, o agressor pagaria uma indenização que a mulher considerasse devida. Os homens, mesmo que tenham condição financeira, não aceitam essa proposta que colocaria fim no processo. Sempre digo que depois da prisão, a pior punição é aquela que “dói no bolso” e se as multas que a lei prevê fossem maiores, haveria uma diminuição sensível da violência, ainda que não nos parâmetros desejáveis. Haverá então a proposta da aplicação da pena alternativa e se o agressor aceitar está extinto o processo. Mesmo diante deste panorama negativo que a lei 9.099 nos traz, a orientação que damos na Casa de Cultura é de que a vítima denuncie o agressor. Mesmo que, a princípio, ele somente tenha que pagar uma cesta básica para uma instituição de caridade, esse benefício não poderá ser repetido nos próximos cinco anos. Se ele voltar a cometer fatos desse tipo, se ele agredir a quem quer que seja, ainda que não seja sua mulher, se ele vier a dar causa a um acidente de trânsito, a lei não irá mais lhe beneficiar e ele sofrerá um processo criminal comum. Acredito que o que esteja faltando na legislação e na aplicação dessa lei seja um olhar feminino para a questão. Legisladores, Juízes e Promotores geralmente são homens, mas como diz a deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, as Magistradas e as Promotoras de Justiça, muitas vezes, a fim de mostrar mais competência que os homens e isenção de ânimo, têm postura mais machista que os próprios homens. As maiores prejudicadas são as vítimas que, na prática, não têm resguardado seu direito à integridade física, moral e psicológica. O Poder Judiciário é extremamente conservador, no que diz respeito tanto às questões raciais quanto às questões da violência doméstica. Trouxe algumas decisões tomadas por nossos Juízes. Decisão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Fala do Juiz: “Em incidente doméstico no qual o agente agrediu uma companheira, causando-lhe levíssimos ferimentos, mas voltando o casal a viver em harmonia, aconselho para o interesse social a sua absolvição em vez de uma condenação que poderia acarretar a uma separação do casal” TACrSP - RT 524/405 Decisão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Fala do Juiz: “Em inúmeros casos tem o Poder Judiciário reconhecido, ser aconselhável a absolvição do acusado que pratica pequenas agressões contra o cônjuge, ante a verificação de que o casal se reconciliou e de que a pequenez do agravo físico deve ceder perante o bom convívio familiar”. RT 538/360 Devemos perguntar: O que é bom convívio familiar? É estarem todos morando numa mesma casa, sem importar o que se passa lá dentro? Em outra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, num caso em que a vítima teve de ser atendida em pronto-socorro com avulsão da musculatura do pescoço, os Juízes entenderam que a melhor solução seria a absolvição do amásio agressor, por política criminal e harmonia do lar, invocando para justificar o injustificável, o princípio da bagatela ou da insignificância, o qual, como o próprio nome sugere, dão importância zero para a vida e a integridade física de esposas, companheiras e namoradas. Decisão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Fala do Juiz: “Brigas e socos entre pai e filho é assunto familiar que deve ficar fora da esfera penal”. Fica aqui bem evidente, a forma como os nossos Juízes dos Tribunais do Estado consideram banal a violência intrafamiliar e o que acham da violência doméstica. Fica ainda caracterizada uma postura conservadora e extremamente sexista que é adotada em muitos casos que são julgados, em total detrimento à dignidade humana, para, supostamente preservar-se um interesse que seria maior: o que eles denominam como “bem estar da família”. TACrSP - julgados 83/259

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“Políticas e Ações para combater a Violência Doméstica e a discriminação à Mulher Negra em Cuba”. Ada C. Alfonso Rodríguez. Psiquiatra, Vice-Coordenadora da Red Cubana de Genero y Salud Colectiva; Professora Assistente da Universidad Pedagógica Enrique José Varona, na cátedra de Sexualidade; integrante do Conselho Científico do Centro Nacional de Educação Sexual; realiza cursos de capacitação de recursos humanos da saúde em questões de gênero, violência, sexualidade e saúde. E-mail: aalfonso@infomed.sld.cu

Um dos temas em debate pelos cientistas sociais cubanos é o das raças. Para alguns estudiosos, raça é um conceito ausente nas políticas sociais do projeto cubano; entretanto deveríamos resgatá-lo para obtermos o desenvolvimento humano desejado. Sem dúvida, para outros, o termo raça não merece sequer enunciação já que classifica a diversidade humana num conjunto de caracteres hereditários comuns – desde uma ordem hegemônica -, e torna invisível o impacto do sociocultural no devir das pessoas como sujeitos sociais. O presente trabalho trata de articular três elementos complexos: a violência contra as mulheres, a saúde e as políticas públicas a partir de uma perspectiva racial. Neste socializam-se algumas idéias sobre o tema racial, a construção da nossa identidade como nação e por último, explicitam-se os avatares sobre a aceitação da noção violência contra as mulheres, as ações e políticas relacionadas com a prevenção de tal problema.

A Pertinência do Conceito Raça Entender raça como um grupo biológico que possui em comum certo número de características hereditárias que o distingue de outros grupos e pelos quais determina também sua descendência; ou como um grupo humano cujos membros, participam em sua totalidade, das características e peculiaridades das qualidades transmitidas de uma geração à outra, dá por suposto o fato de que todos os membros de uma raça participam de sua “essência” e possuem suas características típicas (Comas, 1969; cit por Martínez Fuentes 2002). Esta restrição do assunto ao biológico é cada vez mais discutível. Em Cuba , por exemplo, estudos realizados em duas províncias do país mostram que em Villa Clara negros possuem 30% de gens de origem branca e brancos, 8% de gens de origem negra. Em Pinar del Río, província do ocidente do país, outro grupo de pesquisadores encontrou em investigações de ADN mitocondrial diferentes porcentagens de origem européia e de nativos americanos, daí as reticências existentes em relação a considerar o conceito raça em sua acepção biológica. Sem dúvida, ainda que se desconsidere o viés biológico do conceito, a raça serviu e serve para classificar a grupos humanos; hierarquizá-los e ambas questões, foram as que deram origem, alimentaram e ainda sustentam algumas formas de racismo em nosso meio. É por isto, que partilho a proposta de Fernando Martínez (2002), que considera as raças como construções sociais que identificam ou fixam grupos humanos com relação a outros grupos, dependendo das relações que mantenham entre si; por isto é necessário observar o conceito associado a contextos históricos específicos, relações sociais particulares e com a carga dos determinantes e atribuições dos sujeitos que integram uma sociedade também particular. O próprio autor estabelece que as idéias que se têm sobre as raças são as que lhes dão significado: a cor da pele, os tipos faciais e cabelos e outros traços marcantes e não são estes, os que têm o significado por si. O fato de considerar as raças como construções sociais, é justamente, o que permite rastear a manutenção de mitos e preconceitos raciais, na medida que aceitamos a existência de um imaginário social que atribui aptidões, atitudes e comportamentos aos indivíduos de acordo com a cor da sua pele. Seria interessante questionar a eficácia com que operam estes mitos raciais que têm conseguido negligenciar: primeiro o complexo processo da integração de etnias e culturas donde emerge a identidade cubana e segundo, a desinstitucionalização do racismo e da discriminação racial de mais de 40 anos do processo revolucionário em Cuba. Jesús Guanche (1996) explica o primeiro processo com nitidez ao expressar que o “etnos-nação” cubano é o resultado histórico-cultural e populacional dos conglomerados multiétnicos hispânicos, africano, chinês e antilhano principalmente, que se fundem desde o século XVI até criar uma identidade nova baseada na

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formação de uma população endógena, com capacidade auto-reprodutiva própria, independente das correntes migratórias que lhe dão origem em seu percurso histórico, uma sociedade uni-étnica e multiracial, com uma grande diversidade cultural. Foi formada por imigrantes, mas não é hoje uma sociedade de imigrantes. Coincidiram várias etnias mas não é multiétnica. Em Cuba não existem, na atualidade, minorias raciais.

Um pouco de luz sobre Direitos

Os princípios da justiça social, a desinstitucionalização do racismo e de toda forma de discriminação são declarados por Fidel Castro, dirigente da revolução, desde a própria gestação do processo, referendando-se anos depois na Carta Magna da República de Cuba em seu Capítulo V nos artigos 40, 41, 42 e 43. A Constituição da República de Cuba, proclamada em 24 de fevereiro de 1976, com as reformas aprovadas pela Assembléia Nacional do Poder Popular (Parlamento), em junho de 1992, regulamenta em seu artigo o princípio da igualdade entre mulheres e homens. Em seu capítulo sobre Igualdade, expressa em seu artigo 41 que “Todos os cidadãos gozam de direitos iguais e estão sujeitos a deveres iguais”. A própria Constituição expressa no artigo 42 que “A discriminação por motivo de raça, cor da pele, sexo, origem nacional, crenças religiosas e qualquer outra lesiva à dignidade humana está proscrita e é punida por lei...” e acrescenta: “As instituições do Estado educam a todos desde a infância no princípio de igualdade dos sexos”. O artigo 44 dispõe que a mulher e o homem gozam de iguais direitos no econômico, político, cultural, social e familiar. A reforma constitucional de 1992, ampliou e garantiu não só a igualdade, mas ofereceu à mulher as mesmas oportunidades, direitos e possibilidades que o homem, com o fim de obter a plena participação das mulheres no desenvolvimento do país e as bases institucionais para o gozo e exercício de direitos fundamentais. O Estado se encarregou de organizar instituições infantis, os semi-internatos e internatos escolares, casas de atenção a idosos e outros serviços, que possibilitaram o acesso das mulheres aos diferentes espaços da vida social. Da mesma forma, o Estado estabelece como direito a saúde da mulher e de sua descendência, concedendo à mulher trabalhadora, licença-gestante antes e depois do parto, e opções de trabalhos temporários compatíveis com sua função materna. O capítulo V sobre Igualdade, e os restantes capítulos da Constituição constituem a base para a legislação complementar que favorece a mulher cubana. Entre os direitos que garantem a Constituição e outras leis encontram-se: o direito à vida, os direitos reprodutivos e sexuais, o direito à saúde e à educação, o direito à segurança, à assistência social, à moradia, o direito ao trabalho e a igual salário por igual trabalho; o direito ao acesso segundo méritos e capacidades a todos os cargos e empregos do Estado, Administração Pública, a produção e a prestação de serviços, o direito ao desenvolvimento, o voto, a escolher e ser escolhida e outros. É por isso que a lei Nº 62, de 29 de dezembro de 1987, do Código Penal com suas modificações, em seu artigo 295, tipifica como delito a violação do direito de igualdade e a discriminação por qualquer motivo, seja cometida por qualquer pessoa, organização ou empresa. Tal artigo dispõe que “é punido quem difunda idéias baseadas na superioridade ou ódio racial ou cometa atos de violação ou convite a cometê-los contra qualquer raça ou grupo de pessoas de outra cor ou origem étnica”. O próprio Código pune os delitos da violência, especialmente aqueles qualificados como “Delitos contra a vida e a integridade física” e os “Delitos contra o normal desenvolvimento das relações sexuais e contra a família, a infância e a juventude”. Recentemente, a Lei Nº 87, de 16 de fevereiro de 1999, altera o Código Penal, introduzindo um agravante nos delitos da violência “contra cônjuge” e o parentesco entre o agressor e a vítima, que além de considerar, até o quarto grau de consangüinidade, agrega o “segundo grau de afinidade”. No que concerne ao trabalho, existem outras leis que protegem as mulheres como: a Lei N°1263, de 14 de janeiro de 1974, “Lei da maternidade da trabalhadora”, concede à mãe trabalhadora uma licença pré-natal e pós-natal, com pagamento integral de doze semanas. A partir de julho de 1991, se estenderam os benefícios com pagamento até 60% do salário, por um tempo de até 6 meses para aquelas mulheres sem possibilidade de incorporar-se ao trabalho, e por 6 meses mais até 1 ano, sem remuneração salarial, estes últimos sem perda do cargo que ocupa; Lei N°13, de 18 de dezembro de 1977, “Lei de proteção e higiene do trabalho”, Lei N°48, de 28 de dezembro de 1984, “Código do Trabalho”, Lei N°61, de 29 de dezembro de 1987, e Resolução N°10, de 1991, referidas a prestações financeiras. O Conselho de Estado da República de Cuba colocou em vigor o Plano de Ação Nacional de Seguimento à IV Conferência das Nações Unidas sobre a mulher, em 7 de abril de 1997. Este Plano, com força

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de Lei, põe um papel fundamental na vigilância do cumprimento dos órgãos e entidades governamentais do direito das mulheres a uma vida saudável e plena; livre da discriminação e violência. Por outro lado, o Código da Família atribui igualdade de direitos e deveres a ambos os cônjuges no matrimônio, assim como instaura os direitos a meninas e meninos na vida em família.

Mulheres em números Em 1970, 81,1% da população feminina tinha um nível escolar inferior ao sexto grau, 13,9% contava com um nível de secundário e 4,8% tinha um nível médio ou superior. Já em 1976, as mulheres representavam cerca de 25,3% da força trabalhadora nacional. Em serviços gerais, eram 65% (postos que requeriam uma baixa ou nenhuma qualificação) e 23 % como operárias. Em ministérios, como o da saúde e da educação, que requeriam uma maior qualificação, ocupavam 63% no primeiro e 59,4% no segundo. Em 1994, as mulheres constituíam 40,6% da força trabalhadora, no setor estatal civil 43,9%. As mulheres correspondem a 66,6% de todos os técnicos e profissionais de nível médio e superior, 72% da força ocupacional no setor educacional, 67% no setor da saúde, 43% no científico e 21% da indústria açucareira. As mulheres em cargos de direção em todos os níveis, em 1994, eram 28,8% e, em 1999, 31,1%. Constituem 27,6% dos deputados ao parlamento, número superior à legislatura anterior, 22,8%. As mulheres fiscais representam 61%, as juízas profissionais 49% e as juízas no Tribunal Supremo Popular 47%. Cuba foi o primeiro país a firmar e o segundo a ratificar a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Este foi o resultado da ampla participação das mulheres, como setor privilegiado dos princípios e instrumentos legislativos existentes no país. O posicionamento das mulheres nos espaços da sociedade cubana evidencia a vontade política do Estado e o papel posto pela Federação de Mulheres Cubanas na luta pelo crescimento das mulheres. Sem dúvida, a crise econômica vivida pelo país, na década de 90, e as políticas de ajuste necessárias de ordem econômica tornaram evidente que as políticas tinham um impacto diferenciado nas populações às quais se dirigiam, e ainda que tais políticas, não discriminavam por nenhuma razão, nem todos eram favorecidos tal e como se pensava; nem resolviam problemas ancestrais como as violências que sofriam as mulheres no espaço familiar. Da mesma maneira, começou a discutir-se com maior força, que a presença feminina nos postos de direção ainda era insuficiente e não mostrava correspondência com as potencialidades, possibilidades reais e nível de capacitação alcançado pelas mulheres; esta discussão acompanhou-se de um trabalho intencional nas comunidades com o objetivo de destacar a importância da presença das mulheres na gestão política do país. Não obstante, não se resgatou uma política dos anos oitenta, que propunha cotas de participação das mulheres segundo a cor da pele. Com respeito a este ponto, devo destacar que esta medida não gozou de ampla aceitação popular já que muitas consideram a mesma como uma nova forma de racismo, o que fez com que a questão racial voltasse a permanecer esquecida em uma zona de silêncio.

Articulações das Categorias Raça e Violência A violência contra as mulheres transcorre entre silêncios e palavras. Como pensar um problema que se considera associado à subordinação feminina, num projeto social que desterra a mesma para dar lugar à emancipação e demonstra desde seus inícios a participação das mulheres em igualdade de condições com os homens. É evidente que o cerne da questão está na compreensão que se tenha sobre o fato de que à igualdade de condições não corresponde necessariamente a igualdade de oportunidades, e ainda que existisse correspondência entre ambas teríamos que analisar em quais cenários sociais. Daí que os dados sóciodemográficos comecem a chamar a atenção sobre problemas que se consideravam solucionados o inexistentes e que se constituíam em objeto de estudo: a questão racial e a família. Esteban Morales (2002) em seu artigo “Un modelo para el análisis de la problemática racial cubana” expõe que uma das formas específicas em que se apresenta o branqueamento em nossa sociedade, é mediante a exclusão do negro e do mulato; seu nível de sub-representação na televisão, no cinema, no novo empresariado e nos altos cargos da estrutura estatal e de governo, apesar do extraordinário esforço educacional da Revolução, que os situaram quase a par da população branca. O próprio autor cita duas investigações, a primeira refere que segundo as estatísticas, hoje negros e brancos encontram-se quase equilibrados em termos de instrução. E a segunda que encontrou em duas províncias tão representativas do país como La Habana e Santiago de Cuba,

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sérios desequilíbrios no acesso ao trabalho. Sem dúvida, a importância desta variável fixa-se na possibilidade de visualizar um conjunto de fenômenos subjetivos, explicáveis somente a partir da cultura, da psicologia que a escravidão e o capitalismo engendraram, e que a crise econômica do final dos anos oitenta e princípios dos anos noventa trouxeram à superfície com força inusitada. Como explicar a circulação de mitos e preconceitos raciais em nossa realidade, que não seja a partir da compreensão que estes se produzem, reproduzem e transmitem durante o processo de socialização, nas relações intersubjetivas, nas diferentes interações sociais e nos diferentes espaços sociais. Além disto, que todos e todas participamos como atores sociais em tais construções, em maior ou menor grau. Em uma investigação recente realizada num grupo de profissionais da saúde de três municípios da cidade de Havana: Marianao, Lisa e Playa, encaminhada a explorar a questão racial no âmbito da saúde, encontramos que a quase totalidade do grupo distinguia diferenças entre o conceito raça e cor da pele, explicando que este último, formava parte de um conceito mais amplo que seria o de raça donde existiriam outros fatores de ordem biológica a considerar. Não obstante, ninguém se furtou de conceder atributos às pessoas pela cor de sua pele, considerando que às de cor negra correspondiam algumas características como: melhores aptidões para o esporte e a música popular; comportamentos mais violentos e escandalosos, falavam mais alto; são vagabundas, tinham menor interesse por sua educação e progresso profissional, não desejam melhorar suas condições de vida, se autodiscriminam, interessam-se menos por sua educação formal e no cuidado de seu aspecto pessoal, são poucos higiênicos, são delinqüentes e alcoólatras. Somente duas médicas colocaram que os aspectos relativos aos comportamentos humanos não estavam relacionados com a cor da pele das pessoas, mas com fatores como a cultura, o grau de educação recebida e outros, e que negros e brancos poderiam ser “ iguales si el color de la piel no los distinguiera”. Talvez estes preconceitos raciais não causariam alarme ou não teriam valor se não estivessem associados a aspectos tais como: 1) Os profissionais que responderam o questionário tinham menos de 40 anos, o que significa que cresceram num sistema social que considera a igualdade, a eqüidade, a justiça social e a não discriminação racial. 2) Em Cuba, diferente de outros países, a discriminação racial se exerce somente pela cor da pele. 3) Associados à cor negra da pele, identificaram-se riscos para a saúde como: viver em piores condições de vida, ter frágil controle sobre os recursos, ter maior gravidade nos sintomas, menor demanda de atenção aos problemas de saúde, menor aderência terapêutica e menores condutas preventivas. As três últimas variáveis foram associadas às mulheres somente por uma médica, o que significa que as mulheres não são consideradas riscos diferenciados e, portanto, não existe uma consciência de gênero. 4) A variável raça está quase ausente dos estudos, que se realizam em saúde ou, quando se utiliza, não existe o cruzamento com o resto das variáveis estudadas, pelo que se dilui a informação e perde o caráter como determinante de riscos associados. Um estudo realizado com relação ao aborto, mostra que as mulheres negras utilizavam mais a interrupção da gravidez, enquanto que as brancas utilizavam melhor os recursos disponíveis para o planejamento familiar. A ausência da raça como variável, não permitiu conhecer a relação existente entre a mesma e: a escolaridade, o acesso à informação, o acesso aos recursos existentes nos serviços de planejamento familiar, o auto-cuidado para a prevenção da gravidez, as ações dos profissionais da saúde dirigidas a diminuir o número de gravidezes não desejadas e com isto, os riscos aos quais encontram-se submetidas as mulheres pela utilização de práticas voltadas à interrupção da gravidez. Em resumo, com relação à questão racial, torna-se evidente o fato de que, em Cuba, existem os mecanismos legais que garantem a participação das mulheres em todos os cenários sociais, em igualdade de acesso com os homens. Além disto, existe uma Constituição da República e uma vontade política do Estado para que todos os cidadãos exerçam a cidadania sem discriminação por raça, sexo ou outra condição. Não obstante, são limitados os mecanismos de vigilância que garantem a não discriminação por questões raciais, de sexo, ou de qualquer outro tipo como seria por orientação sexual. Mesmo assim, não se percebe a relação existente entre preconceitos raciais, racismo e discriminação racial, que mesmo não ocorrendo de maneira institucionalizada, manifesta-se na cegueira das instituições frente à subrepresentação de negros/as e mulatos/as nos cargos decisivos e, consequentemente, na formulação de políticas que sejam de interesse

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à sua condição, cor de pele e qualidade de vida. É necessário, a realização de ações positivas, que permitam remover primeiro e banir depois os estereótipos raciais que ainda subsistem.

Uma aproximação ao tema da Violência O acesso e as oportunidades de que desfrutam as mulheres, o exercício da autonomia facilitada pelos altos níveis da educação e os altos níveis de participação social são fatores que vêm adiando a persepção da violência, suas manifestações e seqüelas como problemas de saúde, social e de direitos humanos das mulheres. Somando-se ao que foi dito anteriormente, encontram-se: 1) A ausência da violência como megaconceito do imaginário social (o conceito praticamente tem sido utilizado para nomear a violência física, e em algumas ocasiões a violência sexual). 2) O tratamento do problema como do âmbito do privado (as situações de violência intrafamiliar, conjugal, ou de casal, durante anos, tem sido consideradas como problemas íntimos a serem resolvidos pelas vítimas; isto marcado por um dito popular que mostra a mulher como “Hija del maltrato”, e/ou sacraliza o espaço doméstico “entre marido y mujer nadie se debe meter” dificultando as ações preventivas que a comunidade no seu conjunto poderia desenvolver. 3) A ausência de relatos de investigações de amostras representativas da população nacional, junto ao não relato obrigatório de atenção no setor da saúde, não permite conhecer a magnitude do problema, nem avaliar seu impacto na morbidade e, com ele, a definição como problema da saúde. 4) A subjetividade dos/as investigadores/as e dos/as produtores/as da saúde (resistência, ansiedades e medos) para abordar o interjogo de subjetividades que supõem as intervenções em situações de violência. 5) As escassas denúncias ou a retirada das mesmas pelas mulheres que decidem acusar o seu agressor às autoridades responsáveis (a cobertura e o acesso, tanto às autoridades policiais como às que exercem o direito, é elevada e com alta representatividade nas diferentes regiões do país). Às debilidades, antes mencionadas, se contrapõem como fortalezas o elevado número de trabalhos apresentados em diferentes espaços acadêmicos e revistas científicas que têm como principais usuários os profissionais da saúde.

A Violência em números As investigações apresentadas abaixo, permitem avançar sobre o tema da violência, ainda que não evidenciem a relação existente entre esse problema e a raça; não temos a intenção de generalizar resultados atribuíveis somente a uma região particular, ou a pequenas amostras de representação. * Relatos consultados apontam um total de 2.690 casos de violência e deles 332 casos de menores vítimas de violência. Não em todos os casos, aparecem os dados separados por sexo, porém sabe-se que ao menos 1.693 casos ou sujeitos violentados (63% do total) correspondem a vítimas mulheres, incluindo 217 meninas. •Estudos não referidos diretamente à problemática da violência, apontam que 45% dos sujeitos entrevistados conhecem pessoas que exercem violência sobre seus filhos, castigando-os fortemente ou espancando-os. •Diversos informantes-chave colocam que as maiorias das delegações da FMC - Federación de Mujeres Cubanas - conhecem casos de violência na família. •Em estudo realizado entre 1987 e 1990, 11 pacientes de 300 acidentes admitidos no Hospital Pedro Borras reuniram critérios para serem incluídos na síndrome de abuso físico ou maltrato físico; deles 7 foram meninas. As mordidas humanas foram um sinal inequívoco de maltrato infantil (18%). •Em estudos que têm com o branco os profissionais se colocam limitações na identificação da violência; ambos apontam que existe uma maior familiaridade com a violência física e divergem quanto a outras formas de violência como a psicológica e a sexual. •Na área da saúde de Jaimanitas, município Playa, de um total de 818 famílias pertencentes a cinco consultórios, selecionou-se uma amostra de cem famílias a partir da amostragem estratificada constatando-se violência em 1,22 de cada 10 famílias. Com relação às características do agressor, predominou a mãe em seu rol como o principal agressor, seguida pelo cônjuge. O nível de escolaridade destes agressores foi elevado, não mostrou-se

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relevante a presença de antecedentes ou transtornos psiquiátricos. •Em uma amostra de 33 mulheres dessa área que percebem e se reconhecem vítimas de violência intrafamiliar, observou-se que 55,5% percebem violência psicológica em seu lar; 18,18% abandono e negligência e 12% violência física; mais da metade são donas-de-casa. •Uma investigação realizada sobre as mulheres entre 15 e 49 anos, registradas nas histórias clínicas de saúde familiar dos consultórios dos Médicos de Família do microdistrito Ignácio Agramonte, do município Camagüey, durante o período compreendido entre 1 de agosto de 1997 a 31 de janeiro de 1998, obteve-se que 226 relataram algum tipo de violência das 310 entrevistadas. A violência psicológica foi relatada por 51,32 %, a violência sexual em 32,30% e a violência física em 16,38%; e somente 39 mulheres (17,25%) do total das que foram violentadas solicitou ajuda profissional. Dois terços (69,02%) das mulheres violentadas tinham um alto nível de escolaridade – 114 possuem nível pré-universitário e 42 nível universitário; encontravam-se vinculadas ao trabalho assalariado 192 mulheres (84,95%), enquanto que 25 (11,06%) desempenhavam tarefas do lar e 9 (3,98%) eram ainda estudantes.

Uma Observação de Gênero Uma observação de gênero aos trabalhos referendados permitem demonstrar que: • Não existe ainda uma transversalização de gênero nas investigações que têm como objeto de estudo a violência. • A relação existente entre a violência contra a mulher e o espaço onde acontece – o doméstico – é elevada; o que coloca em maior risco as vítimas, pois as ações que se dirigem às mesmas têm que evitar os limites do “privado”. • Nos casos de morte das vítimas revelam-se as relações de poder existentes entre vítimas e agressores. • Não existe consenso entre os investigadores de que sejam as meninas as mais afetadas, pelo que torna-se necessário visualizar os riscos a que estão submetidos os meninos nas etapas infantis, por serem surrados ou castigados com maior severidade, assim como lidar com uma socialização sexista mais permissiva que tem como premissa que “os meninos são da rua”. • As mães são consideradas pelos meninos as que exercem mais maus-tratos. Esta realidade evidencia que são as mulheres, ainda, as principais responsáveis pelo desempenho de tarefas de cuidado, educação e permanência junto aos meninos e meninas; por isso que as mesmas transferem os problemas cotidianos e as violências recebidas aos mais vulneráveis – sustentadoras e geradoras de violência intrafamiliar. • Não é significativa a relação existente entre o ingresso per capita, as condições de vida, a estrutura familiar, o nível escolar e a presença de transtornos psiquiátricos e/ou adições nos agressores, o que torna visível a complexidade do fenômeno, desmistifica a marginalidade como causa única do problema e amplia o campo ao reconhecimento de múltiplas causas na existência do fenômeno. • A violência psicológica é a forma mais freqüente em que se manifesta a violência. Esta afirmação está relacionada tanto com os dados dos trabalhos que tratam da violência intrafamiliar como os que abordam os maus-tratos infantis, pelo que é necessário uma pesquisa maior e melhor busca de informações pelos especialistas da Saúde Mental e por todos/as os/as que trabalham na APS - Atenção Primária de Saúde, em Cuba. • A solicitação de ajuda profissional segundo os trabalhos que abordam a questão, é muito baixa. Isto coloca as vítimas em situação de isolamento, maior sujeição à situação de violência e maior risco de saúde; e pode explicar os baixos índices de denúncia às autoridades policiais. • As mulheres são violentadas tanto onde se desempenham funções produtivas – espaço público – como onde se realizam funções produtivas –reprodutivas – espaço doméstico.

Uma Observação pelas Mulheres As histórias de vida das mulheres vítimas de violência e os grupos de mulheres possibilitam uma compreensão da situação de vida das sobreviventes. As mulheres vítimas de maus-tratos referem uma relação direta entre o episódio violento e os ciúmes que sofrem por parte de seus parceiros.

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Explicam a permanência num vínculo violento por: 1) Medo às conseqüências da ruptura do vínculo (temor às represálias do agressor e surgimento de novas formas de violência). 2) Sentimento de culpa frente ao fato violento (sentem que de uma ou outra forma são responsáveis pelo “castigo”). 3) Os filhos, em particular a qualidade da relação afetiva existente entre estes e o agressor (muitas mulheres consideram que qualquer sacrifício que se faça por manter os pais junto a seus filhos é justificado; esta crença tem um suporte cultural e de gênero, as mulheres são responsáveis pelo cuidado dos outros e em especial, dos/as filhos/as). 4) A incapacidade para romper com o círculo de violência “ não sei o que fazer”. 5) A dependência econômica, mesmo quando referem ter vínculos trabalhistas e contar com algum grau de independência econômica. 6) Os conselhos recebidos, assinalam a manutenção do vínculo violento. 7) A falta de consciência sobre as situações de violência que vivem – a explicação pode estar relacionada com uma socialização da feminilidade ligada à tolerância, à passividade, ao silêncio, ao cuidado da família e outras que reeditam modelos de subordinação feminina aprendidos da mãe, vítimas por sua vez de violências de diversas ordens. 8) Super-exigências sobre os produtos resultantes das funções produtivas/reprodutivas – gerência do lar – (Mostra-se bastante freqüente ações violentas associadas a insatisfação com a qualidade destes produtos: comida, qualidade da roupa, economias financeiras que influem na qualidade dos alimentos que se oferecem e outros). 9) Temores à sanção moral da comunidade e da família pelo fracasso no vínculo, incapacidade no “cuidado da vida afetiva” e como resultado a solidão, expressão de perda. As formas de maus-tratos são múltiplas, algumas evidentes e outras sutis, porém igualmente dilacerantes. Muitas coincidem em que é preferível o dano físico ao moral, emocional e psicológico, resultado da violência psicológica. Baixa auto-estima, sentimento de culpa, menos-valia, insatisfação, isolamento social, abandono de projetos, dependência, desqualificação e sentimentos de desrespeito social são alguns dos sentimentos e condutas que se identificam associados à violência intrafamiliar.

Políticas Públicas para a Prevenção da Violência O Programa Nacional da Saúde Mental do Ministério da Saúde Pública, em Cuba, inclui entre seus princípios o desenvolvimento de ações voltadas à prevenção da violência e das seqüelas das pessoas vítimas da mesma. Todavia, o Programa de Atenção à Violência tem encontrado em sua execução as deficiências antes mencionadas – os recursos humanos da saúde, responsáveis pelo projeto, execução, monitoramento e avaliação das ações, não estão suficientemente capacitados para enfrentar um problema tão complexo como a violência em todas as suas manifestações. Outra deficiência neste sentido aponta o fato de que a saúde como construção e produto social requer esforços e ações de todos os atores sociais, da intersetorialidade. Mas nem todos os setores têm a mesma sensibilidade para entender a violência como problema de saúde, social e de direitos humanos. Por outro lado, tampouco pode-se evitar a crise econômica vivida por nosso país desde finais da década de oitenta, que tem privado as instituições dos recursos econômicos necessários para poder garantir espaços de contenção para as vítimas (espaços abrigados, mudanças para moradias distantes dos agressores e outros). Em 1997, foi criada, pela Federação de Mulheres Cubanas, o Grupo de Prevenção para a Violência Intrafamiliar e desde então, este grupo vem desenvolvendo um conjunto de ações como: 1) A capacitação dos quadros da FMC, suas Trabalhadoras Sociais e especialistas das Casas de Orientação à Mulher e à Família. 2) A capacitação dos profissionais de outros órgãos cuja atividade está vinculada com o problema. Tem desenvolvido seminários com professores, médicos, psicólogos, psiquiatras, trabalhadores sociais do Ministério da Saúde Pública, do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho, policiais, juízes, promotores,

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advogados, e em particular, com os profissionais da comunicação que trabalham o tema da família nos meios de comunicação social. 3) O desenvolvimento de ações educativas dirigidas às mulheres e a todas as famílias, nas delegações da FMC em todo o país, com a finalidade de criar uma consciência cidadã sobre visualizar a violência como uma violação dos direitos humanos das mulheres, das meninas e meninos e das pessoas expostas à mesma. 4) Também, no marco dos direitos, tem realizado uma ampla divulgação da legislação vigente acerca dos direitos da mulher e da infância e sua proteção em caso de violência. 5) A identificação das possíveis causas da violência intrafamiliar, suas manifestações e efeitos na vida pessoal, familiar e social. 6) A identificação da relação existente entre a utilização de substâncias tóxicas e a violência intrafamiliar. 7) A orientação e o acompanhamento das vítimas segundo as necessidades de atenção e tratamento do problema. 8) A criação de espaços para orientação e atenção aos problemas de violência nas Casas de Orientação à Mulher e à Família. 9) O desenvolvimento de estudos pilotos e investigações territoriais para identificar as necessidades educativas, as necessidades de gênero e de saúde das populações sujeitos de investigação. 10) Socializar os resultados das investigações e integrar os resultados às políticas e estratégias dos órgãos envolvidos. 11) Oferecer assessoria às diferentes instâncias dos órgãos do estado tanto em nível nacional, como estadual e municipal, sobre as questões ligadas ao desenvolvimento das mulheres e suas famílias. 12) Monitorar as ações de outros órgãos e as alternativas e soluções aos problemas colocados pelas vítimas. 13) Propor a revisão da legislação, os regulamentos e as normativas vigentes ligadas às mulheres, assim como sugerir as mudanças necessárias segundo as novas necessidades. 14) Elaborar os materiais necessários para promoção, prevenção da violência e outros que possibilitem o trabalho comunitário com as mulheres e o fortalecimento das mesmas. Celia Berguez, coordenadora do Grupo, coloca como caminhos para a execução do trabalho que vem realizando, a organização, através das delegações da Federação de Mulheres Cubanas, das Casas de Orientação à Mulher e à Família; relações intersetoriais com os órgãos que integram o grupo (Ministério de Educação, Ministério de Saúde Pública, Ministério do Interior, Promotoria, Tribunais), para - através de Comissões e Grupos de Trabalhos integrais, em especial as Comissões de Prevenção e Atenção Social e o Grupo de Trabalho para a prevenção e atenção da violência familiar - contribuir para a prevenção do problema. A própria autora considera que “o principal obstáculo que enfrentamos na eliminação da violência contra a mulher é a sobrevivência de estereótipos sexistas nas mentes de muitos homens e mulheres”. Consideramos sugestiva sua proposta, pois justamente, é a economia de pensamento que acompanha os estereótipos que está limitando o andamento de uma agenda que: 1) Visualize a diversidade social nas políticas públicas voltadas a erradicar os mitos e preconceitos associados à cor da pele e com isto, o racismo subjacente nas atribuições culturais ao negro e ao branco quando se trata de raça. 2) Rompa o silêncio com que negros e brancos exercem o poder contra as mulheres: negras, brancas, mulatas, lésbicas, meninas, jovens e idosas relegando-as a espaços de subordinação e, portanto, a espaços de vitimização. 3) Reveja a participação das mulheres nos cenários de decisão e pondere sobre o trabalho das mulheres na produção de bem-estar. 4) Resgate a diferença, como único caminho para o desenvolvimento de ações baseadas na eqüidade social, na eqüidade de gênero, e na eqüidade racial. Talvez seja conveniente, para concluir, citar um provérbio africano que diz: “Quando não sabes aonde vais, olha para trás para ver de onde vens”. Sabemos, que as políticas sociais em Cuba, consideram a todos e todas sujeitos de direitos; pois então, ainda que as pressões externas sejam muitas e vivamos situações complexas, nós mulheres, comprometidas com nosso projeto social, saberemos orientar nossos passos pelo caminho de sensibilizar primeiro a outras mulheres e depois, à sociedade em geral, na necessidade de identificar, remover e eliminar

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todos aqueles estereótipos e condutas que dilacerem nossa dignidade como mulheres - negras, mulatas e brancas –, e nos alijam do caminho de sentirmo-nos sujeitos de direitos. (1) Ver Antonio J. Martínez Fuentes. “Siglo XXI: antropología, “razas” y racismo”. Catauro, Revista Cubana de Antropología. Año 4, N° 6, 2002, p. 41. (2) Ver Ibid, p.43. Martínez Fuentes cita as investigações de Hidalgo (1998) e Torroni et alii (1995). (3) Ver Fernando Martínez Heredia em: La cuestión racial en Cuba y este número de Caminos. Caminos. Revista Cubana de Pensamiento Socioteológico. N°24-25 2002. (4) Ver Jesús Guanche. “Componentes étnicos de la nación cubana”. Colección La Fuente Viva. Fundación Fernando Ortiz. La Habana 1996, p. 135-136 (5) Ver Fidel Castro. “ La historia me absolverá” Ediciones Políticas. Instituto del libro. La Habana, 1997. (6) Ver Constitución de la República de Cuba, Capítulo V Igualdad. p. 33-34. (7) Consideramos necessário pelo contexto em que se realiza o evento socializar as idéias sobre os aspectos constitucionais e da legislação que formam parte do Quarto informe periódico para a Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Setembro de 1999. (8) Ver sobre o pleno exercício da igualdade da mulher. Tesis y Resolución. 1996. (9) Ibidem. (10) Os dados mencionados a partir de 1994 aparecem no Quarto informe periódico para a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher da República de Cuba. Setembro 1999. (11) Ver em Catauro, Revista Cubana de Antropología. Año 4, N°6, 2002:pp61. (12) Ver em Eduardo Marful e Sonia Catases. “Dinámica de la población cubana por el color de la piel”, CEDEM, Universidad de La Habana, 2000, p. 14-18. (13) Ver Pablo Rodríguez, Ana Julia García e Lazara Carranza. “Relaciones raciales en la esfera laboral”, Centro de Antropología, CITMA, La Habana, 1999. (14) Ob cit N° 9, p. 61. (15) A informação foi facilitada por uma das investigadoras da equipe. (16) A telenovela cubana, um dos espaços de maior teleaudiência do país, reedita a visão ancestral da negra ocupando-se de serviços gerais e como empregada doméstica de uma das protagonistas brancas. A referida atriz traz lembranças a um idoso branco da amante que teve na sua juventude – a negra como objeto sexual -; o jovem mulato é um esportista importante e seu irmão negro é o bode expiatório e nele depositam-se os estereótipos raciais. Todas as atrizes principais, exceto uma mulata clara, são brancas e ocupam cargos de alta qualificação. (17) Existem relatos de uma maior incidência da Síndrome de Bournot ou Desgaste profissional entre os profissionais da saúde que se dedicam a este trabalho, mais vinculado a mulheres prestadoras de serviços. (18) Sistematização sobre os estudos existentes sobre o tema realizados pelo Centro de Estudios de la Mujer de la Federación de Mujeres Cubanas entre los años 1994 –1999 e que aparecem recolhidos no Informe. CEDAW 1999. (19) Ibidem. (20) Ibidem. (21) Ver Acosta Tieles, N. “Maltrato Infantil. Un reto para el próximo milenio”. Editorial Científico Técnica 1998, p. 69. (22) Ver a Iliana Artiles en Compilación Género Salud y Cotidianidad: Temas de actualidad en el contexto cubano. Editorial Científico – Técnica 2000 Pág. 205 – 219. Ver a própria autora em Violencia contra la Mujer. En: Violencia y Sexualidad. Ciudad de la Habana. Editorial Científico-Técnica 1998:84-96. (23) Ver Trabajo Diploma, diplomado Sexualidad Humana Facultad Finlay Albarrán 2000 de las diplomantes Ivón Rodríguez, Especialista en Psicología de la Salud Município Cerro y Liana Trelles Psicóloga “Violencia contra las mujeres” en fase de publicación. (24) Almenares Aleaga, M; Louro Bernal, I; Ortiz Gómez, M.T. “Comportamiento de la violencia intrafamiliar”. Rev. Cubana Med Gen Integr 1999; 15(3):285-92 (25) Ortiz Gómez, M.T; Morales Alemán I. “La violencia doméstica es percibida por mujeres de mediana edad?“ Rev. Cubana Med Gen Integr 1999; 15( 5):503-8 (Almenares Aleaga M, Ortiz Gómez M.T, Louro Bernal I. Comportamiento de VIF en la zona de Jaimanitas, 1997. Trabajo para optar por el Título de Máster

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de Psicología en la Salud. Facultad Salud Pública, 1997) (Ortiz Gómez MT, Louro Bernal I, Cangas jiménez L. Proyecto de Intervención en Salud Familiar. Una Propuesta Metodológica. Trabajo para optar por el título de Máster de Psicología en la Salud. Facultad Salud Pública, 1996. (26) Ibidem. (27) Culay Pérez A; Santana Suárez F; Rodríguez Ferra, R; Pérez Alonso, C. “Mujer y Violencia: un problema de salud comunitario?” Rev. Cubana Med Gen Integr 2000; 16(5):450-4. (28) Ibidem. (29) As histórias de vida tem sido realizadas pela Dra. Clotilde Proveyer e os grupos de mulheres pertencem a “Mujer y Vida Cotidiana” projeto realizado no município Marianao en el CINSA. (30) “Gerência doméstica” termo que emprega Leticia Artiles Coordinadora de Red de Género y Salud Colectiva Capítulo Cubano para denominar o trabalho invisível das mulheres e explicar o condicionamento de gênero. (31) Os dados referenciados foram extraídos da Conferência que Celia Berguez ofereceu no seminário “Violência contra la mujer. Un problema de todas y todos” realizado no dia 23 de novembro de 2001 no Hospital Juan Manuel Márquez, com fundos da Red de Saúde das Mulheres de América Latina e do Caribe. (32) Provérbio que aparece citado no artigo de Esteban Morales.

“Atuação da Organização Pan-Americana de Saúde na área da Violência de Gênero Dr. Julio Javier Espíndola Médico; ex-professor da Universidade “Mayor de San Andrés” de La Paz, Bolívia; Especialista em Saúde Pública pelas Universidades de Rennes I, Paris VI, da França e Boston, dos EUA. Atualmente é consultor da Organização Pan-Americana de Saúde e da Organização Mundial de Saúde no Brasil, como Ponto Focal da Estratégia AIDP (Saúde do Adolescente e Jovem, Saúde Mental, Saúde Reprodutiva, Mulher e Gênero). E-mail: espindola@bra.ops.oms.org

A Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS, quando fala de gênero, parte do princípio de que a eqüidade de gênero em saúde é o direito e responsabilidade de todos e todas. Nós temos a seguinte estrutura de trabalho: um escritório regional, sediado em Washington, onde existe o programa Mulher, Saúde e Desenvolvimento, que tem a sigla em inglês WHD, e em espanhol e português, MSD; e escritórios nos países membros da organização. Em cada escritório temos pontos focais. O programa foi criado para apoiar os estados membros na efetivação de uma maior eqüidade de gênero, nas suas políticas e programas de saúde. O mandato central do programa é dar à questão de gênero uma posição central dentro dos programas e políticas da OPAS; das representações da OPAS/OMS e dos estados membros, a fim de reduzir as iniqüidades de gênero em saúde no contexto dos princípios de equidade e PanAmericanismo esposados pela OPAS. As ações da OPAS podem ser divididas em 5 grupos: I - Resoluções; II - Assessoria Técnica; III - Projetos Regionais e Nacionais; IV- Apoio a Pesquisas Nacionais e Regionais sobre o Impacto das Desigualdades de Gênero na Saúde ; V- Publicação e Divulgação dessas Pesquisas.

I. Resoluções dos Corpos Dirigentes - CSP 22.R12 da 22ª Conferência Sanitária Pan-Americana e CD32.R9;CD33.R6 e CD34.R5 do 32º; 33º e 34º Conselho Diretor, respectivamente - 130º Sessão do Comitê Executivo (WDC 24-28/06/2002) foram identificadas 5 áreas estratégicas: 1- Incorporar uma perspectiva de gênero na análise da situação de saúde, a fim de dar melhor orientação às políticas e programas. 2- Formular e monitorar políticas, para reduzir as iniqüidades de gênero em saúde. 3- Fortalecer o modelo pelo qual a violência baseada no gênero (VBG) é enfocada nos níveis de política, setor e comunidade, e usar esse tipo de modelo para conseguir a participação do homem nas decisões sobre saúde

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reprodutiva e fazer face às iniqüidades em saúde mental. 4- Fazer-se ouvir utilizando estratégias de informação, educação e comunicação, bem como materiais para defesa da causa e treinamento, especialmente por via de canais virtuais. 5- Colaborar com os programas da OPAS e dos estados membros, para incorporar uma perspectiva de eqüidade de gênero na pesquisa, nas políticas e nos programas. Estas 5 areas estratégicas foram incorporadas como prioridades na Resolução CE 130.R14 da 130ª Sessão do Comitê Executivo (WDC 24-28/06/2002) e ratificada pela Resolução CSP 26.R21 da 26ª Conferência Sanitária Pan-Americana e 54ª Sessão do Comitê regional (WDC 23-27/09/2002) NB.: Os corpos dirigentes criaram também, o sub-comitê sobre Mulher, Saúde e Desenvolvimento, que se reune 2 vezes por ano, para identificar questões relevantes de gênero e saúde e fazer recomendações ao comitê executivo e ao diretor de OPAS (atualmente a Dra. Mirta Roses é a Diretora e é a primeira mulher a ocupar esse posto na OPAS). No nível da Organização Mundial de Saúde, devo destacar a aplicação das Recomendações do Relatório Mundial sobre a Violência e a Saúde (56º Assembléia Mundial da Saúde. WHA 56.24. Ponto 14.15 da ordem do dia. - 28/05/2003)

II. Assessoria técnica a projetos regionais e nacionais - Produzir informação sobre as ineqüidades de gênero em saúde. - Melhoria da situação e da análise de gênero em saúde. - Fortalecimento da capacidade nacional para levar a cabo a análise de gênero e saúde. - Promover o monitoramento da eqüidade de gênero na região . - WHD é membro do Grupo de Trabalho sobre Instrumentos e Indicadores de Análise, Monitoramento e Avaliação do Impacto de Gênero coordenado pela Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina e o Caribe (CEPAL). - O programa patrocinou participantes de 7 países que vêm implementando sistemas de vigilância de VBG como parte de projetos da OPAS sobre violência dentro da família em 10 países. - O WHD/MSD formulou indicadores e instrumentos de análise de saúde e gênero que são testados no Chile e Peru. - Em 2003, o programa colocará esses instrumentos à disposição das contrapartes em todos os países da Região e proporcionará cooperação técnica direta para a realização de uma análise de gênero e situação de saúde em 5 países. - Existe um projeto para 3 anos (com apoio da Fundação Ford e Rockeffeller) que inclui um componente nacional para integrar eqüidade de gênero na Reforma do Setor Saúde (RSS), no Chile e no Peru. - O WHD/MSD elaborou o “Guia Indicador para Análise e Monitoramento da Eqüidade de Gênero em Saúde” e um “Guia para Avaliação da Eqüidade de Gênero na RSS” - Desenvolvimento de um modelo Integrado para enfocar as Iniqüidades de Gênero, que está sendo implantado para fazer face a de VBG e para envolver o homem em programas de Saúde Reprodutiva. - Desde 1995, este modelo é utilizado para enfrentar a VBG em 10 países (7 de Centro-América, Bolívia, Equador e Perú) com apoio dos governos de Holanda, Noruega e Suécia. - Nos 10 países o modelo resultou em mais de 100 redes comunitárias intersetorais compreendendo os setores da saúde e da educação, o judiciário, a polícia, igrejas, líderes comunitários e organizações de mulheres que apóiam, encaminham e dão atenção a mulheres e famílias que vivem em situações violentas, e formulam campanhas de educação e divulgação sobre prevenção. - A Avaliação do modelo aplicado na América Central põe em destaque os êxitos incluindo uma ampla revisão da documentação, entrevistas e grupos focais, com mais de 300 formuladores de políticas, provedores de serviços e mulheres clientes. - Foram treinados e estão funcionando grupos de apoio comunitário em 8 países. - Foram formados grupos de apoio para homens e mulheres em 5 países. - Foram elaborados e implementados instrumentos (normas, protocolos e módulos de treinamento) em 10 países e mais de 1500 representantes do setor da saúde e de outros setores receberam treinamento.

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- O estudo da violência foi incluido no Curriculum escolar primário em Belize e no Perú bem como nos Curriculums universitários em 3 países. - Organizou o Simpósio 2001: Violência baseada no Gênero, Saúde e Direitos nas Américas juntamente com o FNUAP, UNIFEM, UNICEF, PNUD, CIM/OEA e CIDA. - Foram aprovadas leis em 10 países e formados grupos de monitoramento em 6 países centro-americanos. - O modelo integrado sobre VBG nos processos de RSS foi adotado em 5 países. No Brasil atualmente:

A) Projeto H – Trabalhando com homens jovens: Desenvolvido para educadores e agentes de saúde, o Projeto H é formado por cinco manuais: “Sexualidade e Saúde Reprodutiva”, “ Paternidade e Cuidado”, “Da Violência Para a Convivência”, “Razões e Emoções” e “Prevenindo e Vivendo com HIV/AIDS”. Cada manual contém informação básica e exercícios de grupo para serem usados com homens jovens de 15 a 24 anos. Um vídeo em desenho animado acompanha a série de manuais e descreve a vida de um rapaz que tem que lidar com assuntos como violência intrafamiliar, gravidez, DST e demais desafios de se tornar um homem jovem.

B) Campanha do Laço Branco: Homens pelo fin da Violência contra a Mulher.

III. Apoio a Pesquisas Globais, Regionais e Nacionais - Recentemente, o programa WHD/MSD coordenou uma iniciativa de pesquisa “Eqüidade de Gênero no Acesso à Atenção de Saúde” em 6 países: Barbados, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Perú. - Foram publicados resultados da pesquisa “O Caminho crítico tomado pelas mulheres vítimas da violência intrafamiliar” em 10 países, incluindo um estudo sobre prevalência enfrentada por mulheres e do papel dos homens na promoção da violência na Bolívia; e um estudo sobre conhecimento, atitudes e práticas no Perú. - Com o Departamento de Medicina Preventina da Faculdade de Medicina da USP e sob financiamento e coordenação geral da OMS a pesquisa: “Multi-country study on women’s health and domestic violence against women” (Estudo multipaís sobre saúde da mulher e violência contra a mulher). Este estudo envolveu 10 países, dentre os quais o Brasil e o Perú, na América Latina. Entrevistou-se mulheres de 15 a 49 anos em 2.163 domicílios no município de SP e 2.136 domicílios de 15 municípios da zona da Mata de Pernambuco.

IV. Impacto das Ineqüidades de Gênero em Saúde - Em geral, as mulheres tendem a usar os serviços de saúde mais do que os homens, devido a uma necessidade maior resultante do seu papel reprodutivo, ao fato de adoecerem mais freqüentemente e de terem uma esperança de vida mais longa. - A manifestação mais inquietadora da iniqüidade baseada no gênero é a VBG que afeta entre 33% e 60% das mulheres em toda a região e é causada principalmente por seus parceiros nas relações íntimas. - Contudo, quando a necessidade é levada em conta, as mulheres pobres nem sempre usam serviços de saúde mais freqüentemente do que os homens. - Alguns sistemas de financiamento da atenção de saúde (sobretudo privados) discriminam a mulher por causa do seu papel reprodutivo.

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- Além disso, por terem maior necessidade de atenção, as mulheres fazem mais despesas do próprio bolso para manter a saúde (pesquisa no Brasil, Paraguai, Peru e República Dominicana – 1996-1997) - Enfoque da Eqüidade de Gênero e da Saúde Mental. O relatório sobre a saúde no mundo 2001 – “Saúde Mental: uma nova concepção, nova esperança” identifica a depressão como problema prioritário de saúde e indica uma prevalência maior de transtornos depressivos entre mulheres (os estados analisados mostram coeficientes mulheres/homens entre 15:1 e 2:1), ao passo que o abuso de substâncias e os transtornos de personalidade anti-social são mais comuns no sexo masculino.

V. Publicações, Vídeos, etc. - Um dos principais objetivos da OPAS/OMS é proporcionar informação atualizada, um banco de dados de treinamento e canais de comunicações virtual à sua rede de contatos, contra-partes, interessadas, profissionais de saúde e de gênero, e defensores da causa em toda a região. - O WHD/MSD disseminará várias das suas publicações em forma impressa e através do seu site interativo GENSALUD - www.paho.org/genderandhealth - O site inclui uma base de dados interativa de cursos e especialistas em treinamento sobre questões de gênero e saúde, informativos mensais sobre questões de gênero e saúde e documentação de apoio. - Até agora, elaborou documentação de apoio sobre tráfico de mulheres, com a Comissão Interamericana de Mulheres (OEA); e está sendo preparada a documentação de apoio sobre HIV/AIDS e sobre VBG. - A Biblioteca Virtual do GENSALUD está sendo atualmente transformada num centro regional virtual de informação sobre mulher, gênero, saúde e desenvolvimento, como parte da Biblioteca Virtual de Saúde da OPAS/BIREME. - No momento, o Sistema de Informação sobre Mulher, Saúde e Desenvolvimento (SIMUS) proporciona informações solicitadas e acesso a uma base de dados bibliográficos anotados: www.metabase.net/miembros/bermiembros.phtml/simus-ops

Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (Setembro 2000) OBJETIVO 3: Promover a igualdade entre “gêneros” e o “empoderamento” da mulher. META 4: Eliminar as desigualdades entre os gêneros no ensino primário o secundário, de preferência até 2005, e em todos os níveis do ensino para 2015.

Indicadores Relação entre meninas e meninos no ensino primário, secundário e superior. Relação entre as taxas de alfabetização entre mulheres e homens entre 15 e 24 anos. Proporção de mulheres entre os empregados remunerados no setor agrícola. Proporção de cargos ocupados por mulheres no parlamento nacional.

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Conferência Debbie Lee Diretora do Programa “Iniciativa Nacional de Saúde sobre Violência Doméstica” da instituição The Family Violence Prevention Fund (Fundo de Prevenção à Violência Familiar). E-mail: debbie@endabuse.org

“Através desta conferência, eu apreciei o compromisso político ligado ao racismo, problemas de classe e sexismo. Nós mulheres de cor, latinas, asiáticas, hispânicas e indígenas, possuímos lutas muito semelhantes ...” Debbie Lee iniciou a conferência relatando o caso de Vick Coffe sobrevivente de violência doméstica, uma das usuária dos serviços de saúde no hospital em Chicago. “Na sexta visita que ela fez ao hospital, apresentava marcas por todo o corpo; ferimentos que ela havia sustentado por várias semanas. O médico que parecia ter uns 30 anos, examinado seu corpo, rapidamente, olhou diretamente dentro de seus olhos e disse: “Como você fez isso com você”? Ela já havia estado naquele lugar muitas vezes antes; já havia estado na sala de emergência por causa de olhos pretos, inchaço no rosto, braços e ombros machucados, cortes no corpo que precisaram suturas, de pontos, mas nunca, nunca, ninguém havia feito essas perguntas tão fundamentais a ela.Após as visitas anteriores, quando “simplesmente” recebia atendimento, ela sempre acabava voltando para casa, para a convivência com o marido, mas desta vez havia sido diferente; alguém prestou atenção nela, para além de seus ferimentos. Um médico havia colocado uma pergunta, com um tom de voz bem diplomático, cuidadoso, de modo acolhedor. O médico disse que ela não merecia o que havia acontecido; que ele sabia de alguém que poderia ajudá-la, pois parecia que ela precisava de ajuda, e disse mais: que estava preocupado com isso! Essa fala, olho no olho, causou um efeito nessa pessoa. Então, essa moça que tinha estado com vergonha por muito tempo, que nunca havia contado a ninguém sobre isso, percebeu que o médico sabia o que estava acontecendo. Mesmo depois da evidência de que alguém sabia de tudo o que se passava com ela, ela não teve coragem de contar nada para esse médico. Vick Cofe não procurou ajuda naquele momento , mais tarde, ela revelou que aquele médico havia salvado sua vida. Um mês depois daquele encontro de si mesma, ela saiu da casa onde habitava com o marido, para nunca mais voltar. Procurou ajuda em abrigos de violência, em Chicago, e anos mais tarde, abriu o seu próprio abrigo; seu próprio programa no hospital para a prevenção da violência doméstica nos Estados Unidos. Desde esse tempo, ela quis encontrar aquele médico para agradecer, mas nunca conseguiu encontrá-lo. A relevância dessa história de Vick, traz uma mensagem particular às pessoas que trabalham com da saúde pública, na esfera pública ou privada. Esse médico nunca soube, diretamente, que suas palavras foram importantes para aquela mulher. Sempre relato essa história para médicos. É isso o que quero dizer aos médicos, às enfermeiras, às pessoas que trabalham na saúde: a gente tem que fazer diferença na cabeça das pessoas. São muitas as mulheres que apanham, que são agredidas, mas elas nunca vão procurar a justiça! Elas nunca chamam a polícia; nunca ligam para um número de ajuda, tipo 0800; nunca vão para um abrigo para mulheres agredidas. Mas são em milhares as mulheres que vão para o sistema de saúde por causa de ferimentos e diferentes problemas de saúde quando já estão em estado grave ou quando o problema da violência acaba se tornando um trauma. Vick Coffee se tornou uma importante ativista em nosso movimento e, no ano de 2000, ela foi escolhida para liderar a Conferência Nacional de Violência Doméstica, a maior que foi patrocinada pelo governo americano, onde mil mulheres participaram. E ela é uma mulher negra.

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Para Debbie, o sistema de saúde será capaz de alcançar as mulheres, no início do estágio da agressão. “Nos Estados Unidos, nós ainda estamos tentando com que o sistema de saúde pergunte a todas as mulheres sobre a violência doméstica; se elas procuraram o sistema de saúde por causa dos ferimentos e todas as outras perguntas que se fazem necessárias nesse tipo de atendimento. Temos uma organização denominada “Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos” que nos informa sobre quais os maiores problemas de saúde que a população americana possui, a cada dez anos. Isso é muito importante porque indica que tanto a comunidade americana, quanto o governo, estão olhando para esse problema. E o que nós percebemos é que a violência doméstica está associada a oito dos dez principais indicadores de saúde. Acreditamos que essa informação pode ser usada para educar a comunidade médica, para fazê-la entender a importância e a gravidade desse problema, pois na missão de “salvar vidas”, preocupados com o fato de as pessoas se tornaram mais saudáveis, eles também devem lidar com a violência doméstica”. Debbie narrou alguns indicadores e suas relações e conexões com a violência doméstica: 1 - entre as vítimas de violência doméstica, percebemos um crescente risco na busca do fumar e do álcool; 2 - a violência doméstica também é uma das causas principais de homicídios. Em um estudo, de 2001, a violência doméstica também está identificada como a causa principal da mortalidade materna. Em 2002, aprovamos uma Lei que coloca uma pergunta nas certidões de óbito, para averiguar se a mulher que morreu estava grávida. Assim, podemos coletar informações sobre violência doméstica, gravidez e homicídio. Na minha organização, estamos pressionando para que essa informação conste nas certidões de óbito em todos os estados dos Estados Unidos. 3 - violência doméstica também aumenta o risco de problemas mentais; 4 - nos assuntos relacionados ao comportamento sexual, as mulheres agredidas estão muito mais suscetíveis a contrair infecções sexualmente transmissíveis, HIV e AIDS. Elas são, também, as pessoas que menos vão usar preservativos com os seus parceiros; 5 - as mulheres agredidas entram nos programas de pré-natal mais tarde. E os filhos de mulheres agredidas são os que menos são vacinados. E como a maioria de vocês já deve saber, é comum essas pessoas viverem sob um nível de estresse; elas são incapazes de cuidar das responsabilidades com suas próprias vidas. 6 - as mulheres agredidas também não dispõem de alimentação adequada. Comem muito e mal. E isso pode levá-las à obesidade. Esse é um problema gigantesco nos Estados Unidos. (para se ter uma noção do problema, minha filha está tendo aula de educação alimentar na escola, sobre a questão da obesidade). The family violence prevention fund (fundo de prevenção à violência familiar) O Fundo de Prevenção à Violência Familiar, é considerado referência nacional na produção de materiais para serviço de saúde e proposições de leis sobre violência doméstica. O programa que está sob a responsabilidade de Debbie Lee desenvolve materiais educativos e de treinamento e modelos de protocolos domésticos e de identificação, para ajudar as profissionais da saúde a melhor atenderem mulheres vítimas de violência doméstica. Um de seus projetos é desenvolvido em dez Estados Norte Americanos. O Fundo de Prevenção à Violência Familiar teve início em 1981. Somos uma ONG em “advocacy”, com a mulher que vai à polícia e ao sistema de saúde. Trabalhamos com mulheres que retornam da polícia e do sistema de saúde. Essa palavra inglesa “advocacy” é muito importante para o nosso movimento de violência doméstica, porque a nossa crença é que, para trabalhar com

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mulheres que são agredidas, temos de falar de vários assuntos. “Advocacy” inclui os aspectos legal, social, econômico, política e psicológico. Durante o ano passado, na minha organização, tentamos levar essas questões para a comunidade médica: que a violência doméstica tem impacto muito grande na vida dos pacientes. Estamos começando a incluir em nossas discussões de trabalho o impacto da exposição das crianças na violência doméstica, o abuso de crianças, a negligência e também agressões sexuais contra crianças. No começo eu era uma das quatro pessoas deste time, incluindo minha diretora e eu. Agora, somos as únicas remanescentes originais da equipe. É uma equipe diversificada, com mulheres e homens de várias etnias trabalhando comigo, heterossexual, homossexual e lésbica. Comecei trabalhando em um hospital com mulheres agredidas. Eu era responsável pelas mulheres hospitalizadas, incluindo aquelas que estavam no pronto socorro. No começo, eu só via duas ou três mulheres por dia. Os médicos não as identificavam, ou não eram questionadas sobre violência doméstica. Naquele tempo, a gente teve muita sorte em receber apoio financeiro, em forma de doações. Em 1991, nós recebemos uma verba governamental que designou minha organização como o Centro Nacional de Recursos em Violência Doméstica e Saúde. Naquela oportunidade, o governo também designou um centro de recursos para assuntos criminais e civis, custódia da criança e proteção infantil e um grupo para outros assuntos. Em nosso site, na Internet, www.endabuse.org temos muitos materiais e livros que podem ser baixados diretamente da internet. Somos uma organização sem fins lucrativos, e estamos interessados em deixar materiais disponíveis para as pessoas gratuitamente. Então o que nós fazemos é proporcionar treinamento e aconselhamento para ajudar as pessoas da área da saúde. Nós temos pôsteres, como por exemplo: “Ninguém merece ser agredida”. Mas, porque temos tantos Serviços de saúde nos Estados Unidos, nós desenvolvemos materiais educativos para ajudar outras pessoas que trabalham nessa área. Então nos últimos dez anos, desenvolvemos projetos em parcerias com outros. E por três anos, fizemos parcerias com dez estados americanos. Em cada estado, eles formaram uma comissão de consultoria com representantes da área de saúde, pessoas ligadas à violência doméstica, oficiais do governo, médicos muito importantes como Dra. Ângela Mariano, que vieram juntos para aprender sobre treinamento em hospitais e clínicas. Nos últimos quatro anos, nós trabalhamos com quinze15 estados, promovendo treinamentos, legislação estadual e reformas administrativas no departamento de saúde pública, que é onde nos Estados Unidos servimos aos pobres e as minorias. Também trabalhamos com vinte clínicas comunitárias do meu Estado. Essa experiência tem nos ajudado a desenvolver nossa especialidade em trabalhar com vítimas mulheres de várias culturas. E recentemente, temos trabalhado com nove comunidades indígenas, porque a relação entre o governo e os índios americanos é que eles têm um regime independente. Quando começamos, pedimos aos profissionais da saúde para identificarem as mulheres agredidas, prestando atenção nos sintomas e nos sinais que estão presentes nesta mulher. Em outras palavras, nós estávamos pedindo para os profissionais de saúde, olhar para ela e tentar descobrirem por si mesmos se esta mulher foi vítima de agressão. Agora dizemos que nós mudamos, e pedimos aos profissionais de saúde que perguntem diretamente às mulheres, a todas as mulheres. Então, há muitas mulheres que vão para o pronto socorro com ferimentos muitos específicos, e é muito óbvio que elas foram agredidas, óbvios para nós, mas não para os médicos. Mas no local onde se dá os primeiros socorros e também nos centros ginecológicos e obstétricos, elas vêm ao Sistema de Saúde talvez não especificamente porque foram agredidas. Pensamos que esta é uma oportunidade muito importante para fazer perguntas para estas mulheres. E a pergunta que nós encorajamos os profissionais de saúde a fazer é: alguma vez você foi agredida ou machucada? Ou ameaçada por

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alguém em casa? Então, em segundo lugar,queremos que eles/as tenham acesso para verificar se a pessoa está em perigo imediato, o histórico desse abuso e o que ela pretende fazer em relação a isso. Queremos que as enfermeiras ou médicos também façam uma pequena intervenção. Em outras palavras, não somente identificar e encaminhar para o serviço psicológico e o assistente social. Quando eu falo em intervenção, estou querendo dizer, valorizar a auto estima dela. Planejamento de segurança, encaminhamento, serviço de apoio, aconselhamento, polícia e ajuda jurídica. É muito difícil às vezes para os médicos e as enfermeiras lidarem com esse problema, porque eles sempre querem consertar coisas, porque eles sempre querem lidar com coisas concretas, que podem ser consertadas. Mas em violência doméstica, o nosso trabalho não é consertar a violência doméstica, ou dizer às mulheres o que elas devem fazer, nós podemos ajudar as vítimas com a nossa compreensão e reconhecendo que o abuso pode causar impactos sobre a saúde e comportamentos de risco. E o sucesso é medido pelos esforços para reduzir o isolamento e pela melhora nas opções de saúde e segurança da mulher no trabalho de prevenção da violência. Então esta filosofia, nós acreditamos ser muito importante para dizer aos médicos sobre violência doméstica e ajudá-los a entender. O papel do sistema de saúde inicia-se através da triagem a fim de identificar e oferecer ajuda às mulheres nos estágios iniciais da agressão. Fortalecer as mulheres e defendê-las em seu benefício, o que elas querem e o que estão preparadas para fazer. Eu digo aos profissionais de saúde que eles estão andando em uma delicada linha, porque se você empurrar com muita força a mulher não retornará. O sistema de saúde, os profissionais de saúde tem um papel importante se a mulher foi agredida ou não, porque como eu disse antes, nós queremos que os médicos e as enfermeiras façam perguntas, perguntem a todas às mulheres sobre violência doméstica. Então desta maneira eles estarão enviando uma mensagem de que ninguém merece apanhar. Vou dar alguns exemplos do que temos feito em termos de prevenção e cuidados com a saúde. Há outros nos Estados Unidos que estão fornecendo serviços de maneiras diferentes e como vocês sabem, há vários abrigos e programas de violência doméstica nos Estados Unidos, mais de dois mil. Mas a maioria deles, não trabalham com o sistema de saúde. Muitos trabalham com a polícia, promotores e a área judicial, mas poucos trabalham com o sistema de saúde. Mas há alguns abrigos de violência doméstica que podem ter uma relação com hospitais ou clínicas e enviarão um representante desses programas quando forem solicitados pelo hospital. E em alguns lugares, clínicas contratam pessoas treinadas para trabalhar com mulheres sobre violência doméstica. Por exemplo: protocolo de São Francisco e também aqui há materiais para ajudar as clínicas a fazerem seu trabalho, então tem documentos de planejamento. Eu também acredito que uma das coisas que minha agência tem realmente contribuído de maneira única, mais do que só treinar individualmente os profissionais de saúde, é ajudar as clínicas a pensar sobre como eles podem transformar suas instituições. E com isso podem modificar seus formulários, mudar os procedimentos de como podem ter certeza que possuem materiais em suas clínicas como pôsteres, ter certeza que as equipes novas sejam bem treinadas assim os que são admitidos, e discutirem casos difíceis que cheguem até à clínica. Porque como nós sabemos, nós podemos ter um líder, mas quando esse líder sai, todo o programa também se vai. Então no nosso treinamento, nós pedimos que as equipes vão até as clínicas, assim quando essas equipes voltam para suas instituições, elas irão trabalhar juntos para implementar um programa que durará por um longo tempo. Nós também temos parceiras com pessoas da política, formadores de opinião. Nos seis anos passados nós temos tentado passar leis

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federais e não temos tido sucesso nessa tentativa. Mas em nível estadual, nós temos tido muito mais sucesso. Em uma de nossas publicações fizemos um quadro de avaliação para cada Estado, então para cada um dos cinqüenta, nós damos uma nota que vai de A até F. De qualquer forma, foi muito interessante, mas algumas pessoas não gostaram deste sistema, porque é óbvio que eles não gostaram de receber a nota F. Até mesmo os advogados que trabalham com a violência doméstica, sentiram que isto estava refletindo neles, ao invés do que esperávamos, que eles usariam isso como alavanca para ajudá-los a pressionar os legisladores. Entretanto, alguns deles gostaram. Em nosso trabalho isto tem sido muito importante para estabelecer parcerias entre ONGs, profissionais de saúde, legisladores e administradores. Voltando em 1997, nós nos associamos com a Associação Americana de Médicos e foi uma experiência muito especial, porque nós acabamos dando um impulso ao assunto da violência doméstica entre os médicos. E eu me sinto muito afortunada porque em breve haverá um novo presidente na Associação Americana de Médicos em 2004 e é uma pessoa entusiasmada com a questão da violência doméstica. É um senhor branco que possui muita credibilidade dentre a classe médica. Eu acho muito importante ter uma organização aqui no Brasil e em cada Estado que podem fornecer assistência técnica e desenvolver materiais para os profissionais de saúde, porque o sistema médico é muito científico. Nós sentimos a necessidade de criar treinamentos, programas com fortes elementos de avaliação, e isso é algo em que nós estamos trabalhando. Como ONG eu não gostaria de entrar nessa questão de avaliação e pesquisa, mas agora eu estou achando que preciso fazer isto. Nós estamos trabalhando com muitos parceiros como um grupo, e como um grupo temos força para introduzir a matéria violência doméstica nas universidades públicas de saúde, de enfermagem e de medicina. E o que nós estamos tentando fazer é conseguir dinheiro para rever esses estudos do impacto da violência doméstica na saúde da mulher e os efeitos disso em longo prazo. Os pesquisadores só farão esse tipo de revisão nos estudos, mas não fazem o trabalho de comunicação. Mas eu sei que a Casa de Cultura faz de uma maneira muito forte. Então nós podemos ter estudos por aí, informações por aí, mas o quadro acaba não sendo pintado, então nós esperamos juntar um comitê de lideres importantes e campeões da área da saúde e da política, para examinar essas pesquisas que existem e fazer recomendações onde mais pesquisas precisam ser feitas e levar esta mensagem em frente e também fazer recomendações políticas. Minha agência faz muitos trabalhos na educação pública, nós temos feito alguns trabalhos na TV, rádio e também na imprensa escrita e a nossa campanha atual diz o seguinte slogan: “Ensine cedo e ensine freqüentemente” e está direcionada aos homens, aos pais, aos técnicos de futebol, beisebol e outros esportes direcionados à crianças. Então eu gostaria de destacar alguns dos maiores sucessos que ocorreram nos Estados Unidos. Algumas dessas coisas aconteceram devido a nossa ajuda e suporte e outros, porque outros líderes contribuíram muito. Mas é óbvio que é muito importante para a comunidade médica que se comunique entre si, e um médico diga para o outro ou uma enfermeira diga para a outra. Então cada uma dessas associações tem produzido declarações e materiais muito importantes. Existem vários outros tipos de associações de médicos e enfermeiras que fazem declarações, mas isso não significa que houve muita mudança, mas um avanço muito importante que aconteceu, foi que o Instituto de Medicina recomendou que os profissionais de saúde fizessem treinamento e isso é muito importante porque o Instituto de Medicina geralmente não discute ou direciona assuntos de cunho psicossociais e este Instituto é uma associação governamental. E ele recomendou que nosso currículo seja usado. E como vocês sabem, os senhores que participam das conferências

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que nós realizamos, já falaram sobre a Organização Mundial da Saúde. A Organização Mundial de Saúde declarou que a violência é um assunto de saúde pública mundial, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Atualmente, nós como uma organização, e no nosso trabalho, recentemente desenvolvemos um novo protocolo que é menor que o de São Francisco. Então a importância deste protocolo, e que nós juntamos vários experts do assunto. Representantes de grandes e pequenos Estados, enfermeiras, psicólogos, pessoas que trabalham na área social, médicos, governo e ONG e também associações profissionais. Este é um processo muito comum usado na profissão médica, quando há um problema de saúde que não é cientificamente provado ou quando ainda não existem estudos suficientes na literatura médica. O que acontece é que nós juntamos os especialistas da medicina para recomendar o que nós pensamos sobre qual é o mais efetivo modelo de prevenção. Então este é um protocolo pequeno porque nós aprendemos que as pessoas não gostam de ler coisas longas e por este motivo surte mais efeito. Eu tenho uma amiga que mora do Estado de Iowa que é a diretora da Saúde da Mulher naquele Estado e ela disse: “Depressa, depressa, me envie este protocolo!”. Porque ela está no Comitê e já sabia que nós já o havíamos terminado e em duas semanas, ela já começou a dizer para as pessoas: “Nós temos que seguir este protocolo porque ele é muito importante”. E eu perguntei: “você já teve a chance de lê-lo”? Ela disse: “não, não é importante porque todo mundo conhece este processo”. Esta é uma ferramenta para nossos líderes e amigos, mas ainda nos Estados Unidos não é largamente aceito. Então eu gostaria de parabenizar todas vocês, a Casa de Cultura e o trabalho que desenvolve porque muitas de vocês vêm desenvolvendo este trabalho há muito tempo, mas vocês são também líderes que poderão causar impacto na política inclusive em nível governamental. Porque até para nossa organização, quando nós começamos este trabalho nós não fazíamos idéia que atuaríamos como experts neste assunto. E estar envolvido em debates muito complexos sobre o sistema de Saúde, sobre ética, negócios e sobre o sistema de saúde como um todo, porque nos Estados Unidos ele é muito mais regido pelos negócios. Mas porque vocês fazem um verdadeiro trabalho com mulheres, esta perspectiva é um guia muito importante para guiar os trabalhos dos legisladores, os pesquisadores e outros oficiais do governo a irem para a direção certa.

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Oficinas

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A Construção da Mulata e a Linguagem Simbólica. Discutiu através de fragmentos de textos de autores como Jorge Amado , Aluísio Azevedo e Gilberto Freyre o mito/figura da mulata no imaginário social dos brasileiros. As participantes puderam ler e refletir trabalhando com textos de forma lúdica., chegando-se a conclusão de que a relação entre a mulata e a violência simbólica é vista como uma das formas de aprisionamento da identidade e subjetividade da mulher negra. Facilitadoras : Fabiana Malha e Raquel Andrade Grupo de Estudos de Gênero e feminismo-NEC ( Núcleo de Estudos Contemporâneos e LCP Laboratório Cidade e Poder da UFF-Universidade Fluminense/RJ E-mail :estudo_genero_feminismo@hotmail.com

Ateliê de Colagem e Pintura “ Imagens e representações” Utilizando a técnica de colagem e pintura a oficina se estruturou em três temas: Os Outros, Nós e Eu mesma, levando as participantes a rever imagens que servem de pretexto para atitudes discriminatórias no cotidiano. Facilitadora: Profa. Inês Oludé da Silva - brasileira radicada em Bruxelas - Bélgica Profa de português/francês e Kinesiologia – ( técnica terapêutica que tem por base o movimento para reequilibrar, reforçar a energia vital e a capacidade de auto-cura). E-mail: mis1953be@yahoo.com

Um telefone amigo- 102-Uma Linha para uma vida livre de violência Glória Baez Assistente Social,diretora do Depto.de prevenção da Violência Familiar do Ministério do bem estar Social, da Mulher e da Juventude/província de Missiones/Argentina. E-mail: gloriabaez@arnet.com.ar Glória Baez relatou às participantes seu trabalho na Argentina: Linha 102- Serviço telefônico gratuito através da linha 102, com extensão em todo o estado de Missiones, na República Argentina. O serviço foi inaugurado em 23 de agosto de 1996 e é dirigido por Gloria Baez. O serviço telefônico gratuito se constituiu como uma “linha da vida”, pois através dele se fazem denúncias e a violência familiar representa e 90% das denúncias. O telefone toca de 400 a 500 vezes por dia. As ligações são distribuídas em: ligações interrompidas, trotes, solicitações de informação e chamadas de casos reais. Dos casos reais, 90% corresponde a casos de violência familiar, assim distribuídos: 60% são de mulheres maltratadas; 35% dizem respeito a maltrato ou abuso sexual de meninos, de meninas, de deficientes ou de pessoas idosas, por parte dos próprios familiares; 5% corresponde a denúncias por maltrato ou perda de animais de estimação; solicitações sobre “que horas são”, sobre números de telefones, acidentes em via pública, denúncias de casos de venda de drogas, pessoas em depressão ou com intenção de suicídio. Como o serviço telefônico cobre toda a extensão do estado de Missiones, há um trabalho de capacitação permanente para que, em cada cidade, se organizem, comprometam e capacitem

Violência contra a Mulher e Saúde - Um olhar da Mulher Negra

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pessoas na temática da violência familiar, visando responder a esse grave problema que se constitui num flagelo social. Foi firmado um Convênio de Colaboração Recíproca com os Ministérios da Saúde Pública, da Cultura e Educação, com o Ministério de Governo ao qual está vinculada a Polícia, com o Poder Judicial do Estado e com a ONG Instituto Mulher e Família. Hoje, se está trabalhando para que cada município do Estado possa contar com uma área especializada na temática, a fim de trabalhar de modo coordenado com a equipe central que tem sua sede na cidade de Posadas. De modo permanente, o serviço recebe telefonistas estagiárias/os de outros estados, visando levar para suas cidades a experiência do Estado de Missiones.

Práticas de Atendimento para Mulheres em Situação de Violência Dra. Silvia Mara - Psicóloga da Casa de Cultura da Mulher Negra - silvia_psi@ig.com.br Drª Angela Cuofano Mariano - Médica - CCMN - E-mail: ccmnegra@uol.com.br

OBJETIVO

Estabelecer um padrão para melhorar a qualidade do atendimento dado individualmente por profissionais de saúde e a resposta global dos Serviços Públicos e Privados de Saúde da comunidade à Violência Doméstica. DEFINIÇÃO Entende-se por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. De uma forma mais ampla é uma violação dos direitos humanos sendo considerado um fenômeno mundial que se faz presente em todas as camadas sociais, sem fazer distinção de idade, sexo, etnia, religião ou escolaridade.

Princípios Orientadores Prática I – Triagem - Fazer a triagem de todas as mulheres e garotas adolescentes que apresentem sintomas ou sinais de violência doméstica. - Histórico sugerindo violência doméstica; - Lesão traumática; - Tentativas ou idéias de suicídio; - Overdose; - Sintomas físicos relacionados com stress; - Queixas vagas ou não específicas; - Demora para procurar auxílio médico; - Visitas constantes ao médico. Pistas comportamentais - Relutância em falar na frente do parceiro. - Evasivas. - Parceiro super protetor ou controlador. Pistas Verbais - Levanta o assunto de violência de modo direto ou indireto.

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Violência contra a Mulher e Saúde - Um olhar da Mulher Negra


A mulher em situação de violência, em geral, manifesta medo, insegurança, desconfiança, dor, incerteza, além das lesões físicas. Diante de tal situação, ela deve ser atendida com respeito e solidariedade e precisa receber orientação que a ajude a resolver ou diminuir seus problemas. A violência doméstica deve ser investigada em um ambiente seguro. Separar qualquer criança ou acompanhante adulto, quando estiver fazendo a identificação de violência doméstica. Se não for possível uma entrevista de modo seguro, não entreviste. Combine uma consulta de retorno. O ideal é usar perguntas diretas e específicas e de fácil compreensão, por exemplo: - o seu companheiro alguma vez feriu você ou a machucou de alguma maneira? - você já sentiu medo de seu companheiro? Contextualizar as perguntas também é uma prática que pode ser usada, por exemplo: - Eu pergunto a todas as mulheres sobre violência em seus relacionamentos. O seu companheiro feriu ou machucou você de algum modo? Importante: - Entrevistar oralmente, além de preencher por escrito qualquer questionário usado. - Documentar que a triagem foi feita. - Documente se a violência doméstica está presente, nunca ocorreu, ou suspeita-se que ocorra embora a paciente negue. - Documente a data e os resultados da triagem no prontuário da pasta da paciente e também nas observações sobre o progresso da mesma. Importante: Se a paciente foi identificada positivamente como violência doméstica suspeitada ou confirmada, proceda baseando-se nos seguintes parâmetros:

Prática II – Avaliação Nos serviços de saúde uma mulher que sofreu violência deve ter seu “motivo de atendimento” classificado segundo os seguintes critérios: ( ) violência física (detalhar)* ( ) violência psicológica (detalhar)* ( ) violência sexual (detalhar)* * ver em notificação.

Importante:

Médicos precisam estar conscientes de que um prontuário onde a violência física, doméstica ou sexual consta do “motivo de atendimento”, representa um documento de grande valor legal para a mulher, pois trata de um registro importante da violência sofrida. Logo preenchê-lo adequadamente demonstra o grau de compromisso do profissional ao combate da violência. O prontuário deverá conter a descrição exata da lesões e dos encaminhamentos realizados. - Obter o histórico da queixa atual; - Exame físico para verificar as evidências, outras lesões e cicatrizes; - Uma avaliação adicional poderá ser feita imediatamente ou nas visitas posteriores; - Poderá avaliar a visão geral do paciente com relação a sua situação (estado psicológico) fazendo as seguintes questões: “Como o abuso afetou você?” e “O que você faz para enfrentar o abuso?”

Importante:

• Perguntar que estratégias de segurança que a paciente tem usado, como por exemplo: - Atualmente como você tem se protegido e as crianças? - Você já havia procurado ajuda antes?-

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- Você tentou sair anteriormente? - O que aconteceu quando você tentou? • Histórico de lesões anteriores? - Você já foi hospitalizada? - Você já foi medicada por lesões relativas à violência? - A polícia já foi chamada? - Qual foi o resultado? • Medir o grau de controle do agressor sobre a paciente: - O agressor tentou controlar você ameaçando ferir você ou a sua família? - Tentou restringir sua liberdade ou não fazer coisas importantes para você? - Você tem seu próprio dinheiro? • Efeitos sobre a saúde: - Que tipo de efeitos clínicos e psicológicos resultaram do abuso? Por exemplo: sintomas de dores crônicas – condições clínicas estão piorando – angústia, ansiedade, distúrbio do sono, aborto, uso abusivo de substâncias ou medicamentos. • Efeito da violência doméstica nos filhos: - Seus filhos mostram sinais de lesões físicas ou abuso sexual que pudessem estar relacionados com a violência de seu parceiro? - Seus filhos têm tido distúrbios em relação à alimentação, ao sono, queixas somáticas, pesadelos, comportamento agressivo, problemas na escola, depressão, pensamentos ou tentativa de suicídio. • Avaliação adicional de idéias de suicídio / homicídio: - Você já tentou suicídio no passado? - Você está com idéias suicidas agora? - Você pensou como iria fazê-lo? - Você já pensou em assassinar ou ferir seu parceiro? - você já pensou como poderia fazê-lo?

Prática III – Intervenção Ao diagnosticar um caso de violência doméstica, seja firme e solidário, transmita as seguintes mensagens: - Não existe desculpa para violência doméstica; - Ninguém merece ser agredida; - Você não está só, existem pessoas com quem você pode conversar e obter apoio, abrigo e orientação jurídica; - Apresentar caminhos que possa quebrar o ciclo da violência.

Importante:

É preciso ser tolerante; nunca impor o que achamos ser a “conduta certa”. Mesmo considerando que a mulher em situação de violência encontra-se vulnerável, cabe à ela decidir o que fazer. • Fornecer informações sobre violência doméstica: - A violência doméstica é comum; - Geralmente a violência continua por muito tempo, muitas vezes aumentando a sua freqüência e gravidade; - A violência doméstica dentro de casa pode ter efeitos danosos prolongados nas crianças, particularmente se forem feridas fisicamente; - Existem serviços sociais e jurídicos, incluindo aconselhamento e abrigo.

Importante:

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Quando a paciente for identificada como uma vítima de violência doméstica é importante conversar com ela a respeito de sua segurança imediata e futura. Ao ajudar a paciente a elaborar um plano de segurança, estaremos aumentando a percepção dela sobre as opções que aumentem sua segurança. Além disso, um planejamento de segurança ajudará o profissional a avaliar a situação e apoiar melhor a paciente. • Encaminhamentos: - Os encaminhamentos externos e internos devem ser feitos por escrito e registrado no prontuário. • Encaminhamentos internos: - Serviço social da Instituição de Saúde; - Registro da queixa no Posto Policial da Instituição de Saúde; - Serviço de Apoio psicológico da Instituição de Saúde. • Encaminhamentos externos: - Delegacia da Mulher; - IML; - Casas, abrigos e outros centros de apoio a mulher em situação de violência.

Atenção:

Nós somos responsáveis pelo conteúdo de um documento valioso para a saúde e vida das mulheres. A omissão, a exemplo do silêncio e da impunidade, é cúmplice da violência.

Importante:

Caso haja suspeita de violência sexual, o atendimento tem os seguintes objetivos: 1. Atenção médica; 2. Registro adequado das lesões; 3. Preservação de possíveis pioras que poderão ser importantes posteriormente; 4. Prevenção de DSTs, HIV; 5. Prevenção de gravidez indesejada através da contracepção de emergência.

Orientar a Vítima - A não se lavar; - Caso tenha se trocado, recuperar a roupa que usava no momento do crime; - Procurar um Serviço de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Sexual; - Outros locais que a vítima de violência sexual deverá ser orientada a procurar: 1. Delegacia para registro da queixa; 2. IML; 3. Serviços de Saúde que realizem diagnósticos de DSTs, inclusive HIV; 4. Serviços de apoio psicossocial.

Importante:

Como para a maioria das pessoas decidir deixar um relacionamento de abuso é uma das decisões mais difíceis que ela pode tomar, fazer os preparativos do “plano de fuga” podem ajudá-la a se sentir menos necessidade de retornar para uma relação abusiva após sair. Incentivar a paciente a conservar os seguintes documentos num local seguro e de fácil acesso: - Certidão de Casamento, CIC, RG, Certidão de Nascimento dos Filhos, Talão de Cheques, Cartão de Crédito, Carteira de Trabalho, de Motorista, uma pequena mochila com roupas dela e dos filhos, chave da casa.

Prática IV – Documentação

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Incluir no relatório comentários da paciente referente as lesões; identidade do agressor suspeito, a violência doméstica passada; documentar detalhes da intervenção feita e todas as ações tomadas; fazer a descrição das lesões e o mapa do corpo; descrição de outros problemas de saúde físico ou mental que possa estar relacionada com o abuso. Esse processo de documentação pode ser feito em mais de uma visita, assim que a história toda for revelada. Profissionais da equipe de mais de uma especialidade podem captar e documentar aspectos diferentes do abuso.

Prática V – Notificação Obrigatória de Lesão Os serviços de saúde pública ou privado serão obrigados por força da lei no. 10.778, de 24 de novembro de 2003, a notificar em formulário oficial todos os casos atendidos e diagnosticados de violência contra a mulher. A notificação compulsória às autoridades sanitárias tem caráter sigiloso. Para os efeitos desta Lei, deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica e que: I- tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; II- tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar. Os dados de preenchimento dessa notificação são: I – Dados de identificação pessoa: nome, idade, cor (o recorte racial da violência é um dado essencial para o combate as práticas racistas), profissão, endereço. II – Motivo do atendimento: violência física, violência sexual, violência doméstica.

Prática VI – Continuidade de Cuidados A cada visita, para pacientes com violência doméstica, física em suspeita ou confirmado, perguntar: - sobre história de violência desde a última visita; - estado emocional; - se comunicou o fato a família, amigos; - tentou sair de casa; - se houve algum tipo de abuso contra os filhos.

Importante:

- Dar mensagens de apoio; - Reforçar as opções da paciente.

Importante:

Refazer a triagem em intervalos periódicos segundo critérios estabelecidos pelo profissional.

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Ações da CCMN

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Ações da Casa de Cultura da Mulher Negra. (Texto produzido no laboratório de redação do Núcleo de Jovens)

A nossa Casa da de Cultura Mulher Negra está estabelecida na cidade de Santos que comporta o maior porto do Brasil. Foi fundada em 30 de junho de 1990 pelo Coletivo de Mulheres Negras, grupo que desenvolvia atividades desde 1985. Optamos por estabelecer nossa sede num bairro nobre da cidade, onde só se viam negras no trabalho doméstico, não temos como proposta fazer da CCMN um museu do escravo. Possuímos um restaurante afro brasileiro com Oficinas de Culinária e Roupas.Temos uma Biblioteca onde estudamos e compartilhamos nossos saberes com a população.Produzimos e geramos renda com nossa cultura. Desafiamos os poderes constituídos denunciando a violência racial, doméstica e sexual; Baseadas na prática cotidiana do atendimento jurídico, psicológico e de resgate cultural às mulheres da região. Trabalhamos nesses anos na denúncia para dar visibilidade da violência de gênero e raça, além da prática de advocacy. Realizamos campanhas e promovemos ações para salvaguardar os direitos das mulheres além de estabelecer relações com o poder público, oferecendo capacitação para polícia, profissionais de saúde, professores, jovens e comunidades de bairros sobre a violência racial, doméstica e sexual. O problema que era considerado no âmbito da família virou um problema para todos. Em briga de marido e mulher metemos a colher antes que a morte os separe. Na Baixada Santista, a situação da mulher negra não é diferente do resto do país. Apesar dos avanços, ainda representamos um grande contingente da população que não tem acesso a educação, estando relegadas ao sub emprego e vemos na CCMN a única possibilidade de bolsas de estudo para ingressar na universidade além de direitos garantidos na CLT. Temos como meta continuar promovendo mudanças de atitudes na pressão por políticas e práticas que beneficiem a população negra. Eparrei Boletim On-line e Revista Eparrei, tem dado visibilidade às questões da mulher negra.Somos conhecidas como mulheres de coragem que enfrentam poderosos, quando se trata de práticas racistas, violência contra a mulher e defesa dos ideais feministas. Nunca demonstramos receio do confronto em qualquer instância na defesa de nossos ideais. Enquanto mulheres negras temos como filosofia no presente e futuro: “Produzir o show e assinar a direção”.

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Perfil das Usuárias do Depto Jurídico e Psicológico da Casa de Cultura da Mulher Negra “Trabalhar com violência Racial Doméstica e Sexual é aprender no cotidiano como se processam as relações humanas e sociais. As tabelas abaixo são um resumo quantitativo do nosso atendimento nos três últimos anos. Confiança que a comunidade deposita ao entregar-se em nossas mãos, não tão onipotentes quanto elas acreditam , porque também somos vulneráveis, mulheres negras sobreviventes também , de violências raciais, humanas e sociais”.

Alzira Rufino Coordenadora do Programa Violência Doméstica, Racial e Sexual.

Sexo

Renda Mensal

Residência / Cidade

Estado Civil

Feminino

862

Sem Renda

338

Santos

668

Casada

413

Masculino

057

01 Salário Mínimo

157

São Vicente

099

Solteira

356

02 a 03 Salários Mínimos

228

Guarujá

039

Divorciada

049

03 a 05 Salários Mínimos

120

Vicente de Carvalho

067

Desquitada

12

05 a 07 Salários Mínimos

055

Praia Grande

023

Viúva

044

07 a 10 Salários Mínimos

020

Cubatão

013

Separada

045

Acima de 10 Salários Mínimos

001

Outras

010

Totais

919

Totais

919

Totais

919

Totais

919

Idade

Cor (auto declaração)

Naturalidade/Origem

Escolaridade

00 a 10 anos

0

Negra

404

Baixada Santista

469

Sem Instrução

025

11 a 20 anos

044

Branca

384

Região Sudeste

096

1º Grau Incompleto

283

21 a 30 anos

232

Afro descendente

130

Região Norte

106

1º Grau Completo

277

31 a 40 anos

256

Outras

001

Região Nordeste

224

2º Grau Incompleto

079

41 a 50 anos

202

Região Sul

017

2º Grau Completo

167

51 a 60 anos

118

Outras

007

3º Grau Incompleto

042

61 a 70 anos

047

3º Grau Completo

046

Acima de 70

002

Totais

919

Totais

919

Totais

919

Totais

919

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Profissão

Encaminhada por

Do Lar

254

Delegacia da Mulher

304

Doméstica

181

Outras Delegacias

038

Faxineira Diarista

124

Ex-usuárias

140

Comércio

066

Associações de Bairros

057

Prestação de Serviços

068

Legislativo / Judiciário

012

Indústria

019

Meios de Comunicação

077

Serviço Público / Educação

068

Serviços de Saúde

021

Autônoma

037

Serviços de Educação

007

Aposentada / Pensionista

033

Outras / Amigas

267

Outras

069

Totais

919

Totais

919

Quantidade de Filhos

Totais de Fluxo de Mulheres no Departamento Jurídico

Menores de 21 anos

717

Maiores de 21 anos

259

Totais

Retornos / Consultas

Violência Doméstica

259

Violência Racial

066

Violência Sexual

003

Direitos Trabalhistas

096

Outros

069

Vara de Família

426

Totais

919

976

Processos 2000/2003

Depto. Psicológico

Processos no Período

945

Psicológico

Processos Concluídos

849

Usuárias(os)

874

096

Terapia Individual

736

Sessões Grupo

036

Processos em Andamento em 31/12/03

3346

Motivo da Consulta

Orientação Telefônica

Sessões Psicodrama Participantes 36 Sessões

9360

Média por Sessão 26 pessoas

Dados coletados do arquivo do Departamento Jurídico/Psicológico da CCMN. Para divulgação dos dados acima, solicitar autorização da diretoria da CCMN. Santos, 31 de dezembro de 2003 Equipe da Casa de Cultura da Mulher Negra

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Tecendo a Rede

Rede Saúde e Violência contra a Mulher Entidades que trabalham na área de Saúde e Violência contra a mulher Casa de Cultura da Mulher Negra Rua Professor Primo Ferreira, 22 - Bairro Boqueirão - Santos - SP Telefax: (13) 3221-2650 / 3223-2493 Cep: 11045150 - E-mail: ccmnegra@uol.com.br Site: www.casadeculturadamulhernegra.org.br Centro de Educação e Assessoria Popular Av. Campos Sales, 2.749 sala 4 - Centro 78900-700 Porto Velho/ RO CEPIA Rua do Russel, 694, 2º and – sala 201 – Glória 22210-010 - Rio de Janeiro - RJ CES- Centro de Educação para a Saúde att. Therezinha de Jesus Rosa - Presidente Rua Dr. Cesário Mota, 470 - conj. 01 09010-100 - Santo André - SP Cfemea SCN - Quadra 6 - Ed. Venancio 3000 - bloco A - sala 602 70718-900 - Brasília - DF Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde Rua Bartolomeu Zunega, 44 – Pinheiros 05426-020 - São Paulo - SP Fórum Popular de Mulheres de Curitiba Rua Alexandre Feleming, 72 - Bacacheri 82600-410 - Curitiba - PR MMCC- Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade Av. Bernardo Sayão - Radional II - Quadra B - casa 24 66030-120 - Belém - PA Movimento do Graal no Brasil- Centro da Mulher Rua Pirapetinga, 390 – Serra 30220-150 - Belo Horizonte - MG Musa-Mulher e Saúde Rua Prof. Galba Veloso, 290 - Santa Tereza 31015-080 - Belo Horizonte - MG

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SOS Ação Mulher / Família de Uberlândia Rua Olegário Maciel, 1515 – Saraiva 38408-384 - Uberlândia - MG CAISM-Centro de Atenção Integrada à Saúde da Mulher UNICAMP Rua Alexandre Fleming, 101 13083-970 - Campinas - SP GEM - Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia Vale do Canela, s/nº Campus Universitário do Canela 40110-060 - Salvador - BA Casa de Apoio Viva Maria att. Ana Lucia Dagord / Coord. Rua Porto Seguro, 261 - Vila Ipiranga 91380-220 - Porto Alegre - RS Casa Eliane de Grammont att. Graziela Acquaviva Pavez Rua Dr. Bacelar, 20 04026-000 - São Paulo - SP Secretaria Especial da Mulher Prefeitura do Município de Londrina Av. Duque de Caxias, 635 86015-901 - Londrina - PR Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande Projeto Mulher, Saúde Mental e Cidadania Rua Siqueira Campos, 605 - Prata 58108-540 - Campina Grande - PB Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro Espaço Mulher Rua Afonso Cavalcanti, 455 - sala 823 - Cidade Nova 21211-110 - Rio de Janeiro - RJ

Relação - Casas Abrigo Nome: Casa Abrigo “ALAÍDE APARECIDA KURANAGA” Mantida por: Secretaria De Governo Municipal Endereço: Rua São Bento, 840 – Centro – CEP 14801-980 Araraquara- SP Fone fax: (16) 201-5260 / (16) 222-2839 E-mail: cmsferrari@araraquara.sp.gov.br - Fone fax-: (16) 236-6618 / 235-8884

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Nome: Sara-M Mantida por: Secretaria Municipal de Assistência Social Responsável: Rita de Cássia Marchiori Endereço: Av. Anchieta, 200 – 12o. andar - Centro - Campinas Fone / Fax : (19) 3735-0569 E-mail: assistencia.social@campinas.sp.gov.br Coordenadora: Lia M. Perrella Órgão: Coordenadoria Especial da Mulher - Campinas Mantida por: Secretaria do Governo Municipal Responsável: Rosangela Rigo Endereço: Av. Anchieta, 200 – Campinas - SP Fone / Fax: (19) 3735-0722 / 3735-0730 E-mail: coordenadoriadamulher@campinas.sp.gov.br Contato: Leonilda Gorri Macedo E-mail: leogorri@ig.com.br Nome da Casa: Casa Abrigo Sol Mantida por : Secretaria Municipal de Integração Social Responsável: Neide Benassi Endereço: Praça dos Andradas, s/nº – Centro – CEP: 13201-806 Jundiaí – São Paulo - SP Fone/ Fax: (11) 4521-2900 E-mail: semis@fox.com.br Coordenadora: Miriam Rute Ferraz Gostautas E-mail: mirfgostautas@ig.com.br Nome da Casa: Casa Abrigo “Mãe Canguru” Mantida por: Secretaria do Bem Estar Social – P.M.M. Responsável: Nadir Dourado de Oliveira Hila Endereço: Rua José Anchieta, 95 – Centro – CEP: 17500-180 Fone/Fax: (14) 433-3652 / 424-6072 E-mail: sbspmm@ig.com.br Coordenadora: Neide Brito de Moura Leocci Órgão: Coordenadoria Especial da Mulher - Piracicaba Mantida por: Secretaria do Governo Municipal Responsável: Rai Ferreira de Almeida Endereço: Rua Capitão Antonio Correia Barbosa, 2233 – Chácara Nazaré – CEP: 13400-900 - Piracicaba Fone / Fax: (19) 3403-1314 / (19) 3403-1072 E-mail: rfalmeida@piracicaba.sp.gov.br raialmei@terra.com.br Nome da Casa: Casa Abrigo “Maria Otília Neix” Mantida por: ONG - Empresas Responsável: Darcy Vera Endereço: Av. Jerônimo Gonçalves, 1200 – CEP: 14010-040 Ribeirão Preto - São Paulo - SP Fone / Fax: (16) 607-4030 / 635-2923 / 635-6751(fax) E-mail: darcyvera.camara@coderp.com.br

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Coordenadora: Darcy Vera E-mail: darcyvera@uol.com.br Nome da Casa: Casa Abrigo Regionalizada do ABC Mantida por : Secretaria da Inclusão Social Responsável: Silmara Aparecida Conchão Endereço: Rua José Lins do Rego, 170 – Valparaíso – Santo André - SP Fone / Fax: (11) 4433-0183 / 4433-0174 E-mail: saconchao@santoandre.sp.gov.br Coordenadora: Janete Alves Gomes E-mail: jrosalino@santoandre.sp.gov.br Nome da Casa: Casa Abrigo Municipal Mantida por: Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania Responsável: Laerte Soares de Almeida Endereço: Av. Redenção 271 – Jd. Do Mar – CEP: 09725-680 São Bernardo - SP Fone / Fax: (11) 4332-9111 – ramal 240 E-mail: promulhersbc@ig.com.br Coordenadora: Cleide Martins Cavalcante Nome da Casa: Casa Abrigo “Gravelina Therezinha Lemes” Mantida por: Secretaria Municipal de Promoção e Bem Estar Social Responsável: Rosilene Mendes Santos Endereço : Rua Jesuíno de Arruda 2285 – Centro – CEP: 13560-000 São Carlos – São Paulo - SP Fone / Fax: (16) 3362-1133 / (16) 271-2290 E-mail: social@saocarlos.sp.gov.br Coordenadora: Keila Maria Cândido Fone / Fax: (16) 274-4442 / 274-4031 Nome da Casa: Casa Abrigo com Vida Mantida por: Secretaria de Segurança Pública – 1ª DDM Responsável: Dra. Maria Tereza Gonçalves Rosa Endereço: Rua Bittencourt Rodrigues, 200 – São Paulo - SP Fone / Fax: (11) 3241-3328 Coordenadora: Marlene Caverzan Fone / Fax: (11) 229-8005 / 227-6344 (ramal 213) Nome da Casa: Casa da Mamãe Mantida por: Fundação Francisca Franco Responsável: Elizete Aparecida Rossoni Miranda Endereço:Av. Nestor Pestana, 136 1º andar – Centro - SP Fone / Fax : (11) 3120-2342 ramal 24 E-mail: fcafranco@uol.com.br Coordenadora: Paula Licursi Prates Nome da Casa: Casa Abrigo “Helenira Rezende”

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Mantida por: Coordenadoria Especial da Mulher – S.G.M. Responsável: Tatau Godinho Endereço: Casa das Retortas – Rua Figueira, 77 – Brás – CEP: 03003-000 - SP Fone / Fax: (11) 3315-9077 ramal 2290 / ramal 2381 E-mail: coordenadoriadamulher@prefeitura.sp.gov.br Coordenadora: Márcia Valéria Pereira Fone / Fax: (11) 9632-7362 / 9339-3069 E-mail: casahelenira@ig.com.br Nome da Casa: SEAMUV – Seção de Atendimento e Acolhida à Mulher Vitimizada Mantida por: Secretaria de Ação Comunitária e Cidadania Responsável: Anamara Simões Martins Endereço: Rua XV de novembro, 195 – 9° andar Santos – São Paulo - SP Fone / Fax: (13) 3219-6769 E-mail: seac7@santos.sp.gov.br Coordenadora: Maria Francisca Henrique Silva E-mail: franciscahs@bol.com.br

Endereços Úteis - Violência contra a Mulher: Casa de Cultura da Mulher Negra Rua Professor Primo Ferreira n. 22 Bairro Boqueirão-Santos-SP Telefax: (13) 3221-2650 / 3223-2493 Cep: 11045150 - email: ccmnegra@uol.com.br Site: www.casadeculturadamulhernegra.org.br C. A. I. S. do Parto Av. José Augusto Moreira, 525 - sala 05 Galeria Casa Blanca - Casa Calada CEP 53130 410 - Olinda - PE Tel. (81) 434-1877 E-mail: cais@elogia.com.br Centro de Mulheres do Cabo Rua Padre Antônio Alves, 20 - Cabo de Sto. Agostinho - PE CEP 54500 000 Tel. (81) 521-0785/ 521-9366 E-mail: mulheres@elogia.com.br CEMINA - Centro de Projetos da Mulher Rua Álvaro Alvim, 21 - 16º andar - Centro CEP 20031 010 – Rio de Janeiro - RJ Tel:(21) 262-1704 / 262-6454 E-mail: cemina@ax.apc.org

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CEPIA - Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação, Ação Rua do Russel, 694/201 - Glória CEP 22210 010 – Rio de Janeiro - RJ Tel:(21) 205-2136 / 558-6115 Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde Rua Bartolomeu Zunega, 44 - Pinheiros CEP 05426 020 – São Paulo - SP Tel:(11) 212-8681/813-8578 E-mail: cfssaude@ax.apc.org Cunha Coletivo Feminista Rua Irene Joffily, 185 - Centro CEP 58011 110 – João Pessoa - PB Tel:(83) 222-3947 E-mail: cunha@zitek.com.br Fala Preta! Organização de Mulheres Negras Rua Vergueiro, 434 - 3º andar – Aclimação CEP 01504 000 – São Paulo - SP Tel:(11) 277-4727 / 278-8615 E-mail: falapreta@uol.com.br GELEDÉS - Instituto da Mulher Negra Praça Carlos Gomes, 67 - 5º andar - Conj. M - Liberdade CEP 01501 040 – São Paulo - SP Tel:(11) 3105-3869 / 2646 ou 3106-1499 E-mail: geledes@ax.ap.org Grupo Transas do Corpo- Ações Educativas em Saúde e Sexualidade Rua 137, esq. C/ Av. 85, 556 - sala 301/303 - Ed. Da Moda - St. Marista CEP 74170 120 – Goiania - GO Tel: (62) 241-9257/ 241-9617 E-mail: transas@zaz.com.br SOF - Sempreviva Organização Feminista Rua Ministro Costa e Silva, 36 - Pinheiros CEP 05417-080 - São Paulo - SP Site: www.alternex.com.br/~so E-mail: sof@ax.apc.org Programa de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade e Saúde – CEPESC/IMS/UERJ Av.: São Francisco Xavier ,524-7º andar- bl.D 20550-013 - Rio de Janeiro - RJ Fone(21): 2568-0599 - Fax: (21) 2234-7343 E-mail: sexgen@uerj.br

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Avanços e Conquistas

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Homens pelo Fim contra a Violência à Mulher. A Campanha do Laço Branco foi criada no Canadá a partir do trágico Massacre de Montreal, episódio ocorrido na Escola Politécnica de Montreal, em 1989. Um homem entrou em uma sala de aula e pediu para que os rapazes da turma se retirassem. As quatorze mulheres que permaneceram foram mortas com tiros à queima roupa. A campanha tem como lema principal “Jamais cometer um ato de violência contra as mulheres e não fechar os olhos diante dessa violência”. O objetivo geral da campanha é sensibilizar homens e organizações com relação ao tema e mobilizá-los para que trabalhem pelo fim da violência de gênero. A Campanha incentiva os homens a usarem no peito ou no pulso um símbolo desse compromisso, um laço branco, no período de 25 de novembro (Dia Internacional pela fim da Violência contra a Mulher até o dia 10 de dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos. Hoje, a Campanha do Laço Branco está em mais de 20 países. No Brasil, teve início em 1999. No Brasil existem diversas entidades que trabalham com homens a questão da violência contra a mulher: -Instituto PAPAI - PERNAMBUCO (Secretaria Nacional da Campanha Laço Branco); -Instituto Promundo /RJ; -Instituto NOOS /RJ; -Centro de Educação para a Saúde /SP; -ECOS /SP; -Pró-mulher, Família Cidadania /SP; -Rede Acreana de Mulheres e Homens

LEI N o 10.778, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2003

Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1 o Constitui objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, a violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados. § 1o. Para os efeitos desta Lei, deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

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§ 2o. Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica e que: I- tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; II- tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; e III-seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. § 3 o Para efeito da definição serão observados também as convenções e acordos internacionais assinados pelo Brasil, que disponham sobre prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Art. 2o. A autoridade sanitária proporcionará as facilidades ao processo de notificação compulsória, para o fiel cumprimento desta Lei. Art. 3o. A notificação compulsória dos casos de violência de que trata esta Lei tem caráter sigiloso, obrigando nesse sentido as autoridades sanitárias que a tenham recebido. Parágrafo único. A identificação da vítima de violência referida nesta Lei, fora do âmbito dos serviços de saúde, somente poderá efetivar-se, em caráter excepcional, em caso de risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável. Art. 4o. As pessoas físicas e as entidades, públicas ou privadas, abrangidas ficam sujeitas às obrigações previstas nesta Lei. Art. 5o. A inobservância das obrigações estabelecidas nesta Lei constitui infração da legislação referente à saúde pública, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. Art. 6o. Aplica-se, no que couber, à notificação compulsória prevista nesta Lei, o disposto na Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975. Art. 7o. O Poder Executivo, por iniciativa do Ministério da Saúde, expedirá a regulamentação desta Lei. Art. 8o. Esta Lei entrará em vigor 120 (cento e vinte) dias após a sua publicação. Brasília, 24 de novembro de 2003; 182 o da Independência e 115 o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Humberto Sérgio Costa Lima José Dirceu de Oliveira e Silva

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LEI Nº 10.886, de 17 de junho de 2004 Acrescenta parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica”.

O

PRESIDENTE

DA

REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 9º e 10º: “Art. 129. .................................................................................. .................................................................................................. § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. § 10º. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).” (NR) Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 17 de junho de 2004; 183º da Independência e 116º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos

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Esta publicação foi elaborada pela CASA DE CULTURA DA MULHER NEGRA Rua Prof. Primo Ferreira, 22 - CEP 11045-150 - Santos - SP Telefax: (13) 3221-2650 - 3223-2493 E-mail: ccmnegra@uol.com.br / ccmnsantos@globo.com Site: www.casadeculturadamulhernegra.org.br Programa “Violência Racial, Doméstica e Sexual” da CCMN Período: janeiro/2000 a dezembro/2003 Coordenadora do Programa: Alzira Rufino Atendimento Jurídico: Drª Tatiana Ferreira Evangelista Santos Dr. Marco Antonio Romano Drª Dayse Romano Atendimento Psicológico: (Terapia, Workshops e Oficinas) Psicóloga Silvia Mara dos Santos Silva Angela Pereira da Silva Profª Janaína Cândida Urivani de Carvalho Comunicação: Djamila Ribeiro Fernanda Marciano Grupo de Escuta e Assistentes de Secretaria: Benedita Canuto Caroline Francisco Cleonice Tereza de Freitas Dayane Candido dos Santos Flávia Monteiro Marizalea Evangelista Santos Anais do Seminário Nacional: Maria Alice Guimarães Perez Tradução: Maria Rosa Pereira Ezio Breschiani Djamila Ribeiro Degravação e Digitação: Luiza de Barros Mainard Revisão Final: Ana Maria Felippe Flávia Monteiro Projeto Gráfico, Diagramação e Edição: Ranieri Brasil / Groüp Design Coordenação Geral e Edição: Alzira Rufino Produção Gráfica: Gráfica Mazzeo Agosto / 2004

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“O impossível demora um pouco mais, o possível estamos fazendo agora !” Alzira Rufino

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Agradecimentos Aos parceiros que acreditaram nesta proposta: OPAS, Miserior, Solidariedad e War On Want Todos os direitos reservados à Casa de Cultura da Mulher Negra

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