O fim de uma era: o convento e a extinção das ordens religiosas
A casa do século XIX
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Introdução
Fundada em 1570 no sítio onde existia uma ermida da Senhora da Luz, pertenceu ao Convento dos Religiosos Calçados. O templo era muito elegante, conservando ainda exteriormente o aplendre ou galilé formada por arcos de volta redonda com colunas de granito e respetivos cunhais. O teto da galilé é todo ornamentado com nervuras e fechos. O pórtico principal, de mármore, é no estilo dos meados da Renascença, com bustos nos cantos, em medalhões e rematado por um pequeno frontão concheado; o lateral, também de mármore, é, porém, mais simples, conservando ainda das janelas das sacadas as primitivas grades de ferro forjado. A torre sineira é de forma cilíndrica rematada por uma pequena cúpula. O interior da igreja, de uma só nave, com capela-mor e duas capelas laterais está completamente desmantelado.
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A fundação do convento
A fundação da instituição monástica surgiu por iniciativa de frei Hilário de Jesus, clérigo da Ordem de Santo Agostinho, natural de Portalegre. Assim, o concelho de Arronches escreveu a D. Sebastião, pedindo autorização para erigir um convento na vila. O rei autorizou, e no dia 10 de janeiro de 1570 escreveu a D. André de Noronha, bispo de Portalegre, para que ajudasse na sua edificação. No dia 24 do mesmo mês, o prelado ordenou ao vigário da igreja de Arronches que entregasse a Igreja de Nossa Senhora da Luz - juntamente com toda a prata, ornamentos e escrituras a ela pertencentes - a frei Diogo de S. Miguel, provincial da Ordem de Santo Agostinho, que viria a ser o primeiro prior do convento. Pouco
tempo depois, em abril, a câmara de Arronches doou um chão que ia desde o adro da igreja até à ribeira, para edificação do cenóbio. Durante as obras de construção do convento os religiosos residiram numas casas situadas no castelo, até que em 1574 se mudaram para uma casa que era simultaneamente o antecoro da igreja. Aí residiram até 1578, quando se terminaram as seis celas do dormitório, na ala virada a norte, passando a residir permanentemente no convento, que ainda assim viria a sofrer obras de ampliação e reformulação nos anos seguintes.
Largo da Cadeia (atual Largo Serpa Pinto). Década de 60 do séc. XX.
Arronches representada na obra «Piante d’Estremadura e di Catalogna», de Lorenzo Possi (1687).
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Carta de D. Sebastião enviada a D. André de Noronha, bispo de Portalegre, para que este ordene a construção de um mosteiro da Ordem de Sto. Agostinho, na vila de Arronches. Arquivo Distrital de Portalegre, Convento de Nossa Senhora de Arronches, cx. 01, mç. 1, n.º 3, de 10-01-1570 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Portalegre).
As dependências
Os vários espaços do convento articulavam-se em torno do claustro, a partir do qual se organizavam as várias áreas da vida comunitária. Sabemos que num primeiro momento foram edificados dormitórios da banda do Norte, virados para a ribeira, na direção de Portalegre. Estas acomodações foram ladrilhadas durante o período de governação do prior João de Jesus (1579-1580). Contudo, toda essa ala foi demolida em período incerto, possivelmente relacionado com a construção da fortificação abaluartada da vila, ainda no século XVII, que acabou por privar os frades agostinianos de parte da cerca do conven-
to. Deveriam ainda existir, possivelmente no exterior, estruturas relacionadas com o apoio à atividade agrícola, bem como estábulos onde se guardavam os animais que serviam como força de trabalho, mas também como meio de transporte. No interior, para além da área do dormitório, onde se encontravam as celas dos religiosos, estaria a portaria, o refeitório, a cozinha, a sala do capítulo, a adega, a despensa, entre outras dependências.
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Parede tardoz do convento, sendo percetíveis algumas das fases de reformulação a que o imóvel foi sujeito.
Alvará de D. Filipe II, concedendo licença ao Mosteiro de Nossa Senhora da Luz, para que a barbacã possa ficar dentro da cerca do mosteiro, com a condição de darem um caminho e serventia tão larga quanto a dita barbacã. Arquivo Distrital de Portalegre, Convento de Nossa Senhora da Luz de Arronches, cx. 04, mç. 28, n.º 5, de 25-09-1604 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Portalegre).
O claustro
Mais do que uma galeria geralmente porticada com um pátio interior, o claustro representava a pouca liberdade propiciada pela reclusão da clausura, um espaço simultaneamente público e privado. Constituía, assim, o coração da comunidade religiosa. O claustro é composto por vinte e quatro arcos de volta perfeita, divididos em quatro tramos, cada um com cinco colunas de granito. As galerias encontram-se cobertas por abóbodas de berço, sendo que a galeria do lado norte se encontra entaipada. No centro deste conjunto, encontra-se um
poço que alimenta uma cisterna subterrânea, de planta quadrangular. A água era vital para as comunidades monásticas, configurando-se como um bem fundamental para a sua sobrevivência. Por outro lado, a existência de um ponto de abastecimento dentro da comunidade monástica ajudava a preservar a sua clausura, na medida em que os seus elementos não necessitavam de contactar com o mundo exterior. O terceiro prior do convento, o padre Domingos da Trindade, mandou fazer as abóbodas do claustro durante o seu
mandato (1574-1576), tendo os priores que lhe sucederam continuado este empreendimento. Assinala-se ainda o sítio onde foi identificada outra cisterna [1] durante os trabalhos arqueológicos, desconhecendo-se a proveniência das águas aí recolhidas. Também é possível observar as várias transformações sofridas por este espaço, através dos testemunhos deixados nas suas paredes [2].
Vista geral do claustro antes dos trabalhos de requalificação do edifício.
Durante os trabalhos de escavação arqueológica e respetivo levantamento antropológico, foram identificadas 27 estruturas funerárias de inumação primária, dois ossários e posteriores níveis de aterros e de nivelamentos. Registou-se ainda uma utilização do espaço enquanto “despensa”/armazenamento, durante um período muito mais recente, imediatamente anterior à colocação do piso, em tijoleira. Apesar da pouca potência estratigráfica, foi possível contabilizar pelo menos quatro momentos de ocupação funerária,
pelas relações de corte entre as diferentes sepulturas. Esta intervenção tornou-se essencial na compreensão deste espaço sagrado pré e pós implantação do Convento, recentrando o debate nos limites e importância da ermida aqui existente e na dinâmica das dependências do próprio convento, que foram sendo muito alteradas ao longo dos anos. A população inumada era maioritariamente adulta (sobretudo homens, dividindo-se os restantes pelas mulheres e indeterminados), numa relação de dezanove indivíduos adultos
para apenas seis indivíduos não adultos, dos quais cinco correspondiam a crianças entre os dois e os cinco anos de idade à altura da morte. Das patologias identificadas destacam-se as marcas de sobre-esforço nos membros inferiores. O espólio arqueológico conta com vários alfinetes, elementos metálicos associados às inumações (pregos) e alguns numismas do século XV, destacando-se um dado em osso que poderá tratar-se de um brinquedo.
O convento foi sofrendo alterações ao longo dos séculos, algumas delas destinadas a adaptar o edifício e as suas divisões às novas funcionalidades que foram adquirindo. Alguns dos vãos, hoje entaipados, serviam de comunicação entre o espaço monástico e a igreja, permitindo a circulação dos religiosos pelo interior do edifício, sem a necessidade de contactar com a vida secular. Podiam, assim, assistir à eucaristia e exercer os seus ofícios litúrgicos na privacidade da sua reclusão. Uma das divisões viu a sua entrada ser alargada, correspondendo esta intervenção a uma
reformulação do espaço, em finais do século XIX ou, com maior probabilidade, já durante o século XX. Nesse sentido, foi construída uma manjedoura para animais que ainda se conservava no início dos trabalhos de reabilitação do convento. Outros locais evocam o carácter eminentemente agrícola dos antigos proprietários do imóvel, com uma das salas a servir como área de armazenamento de cereais.
a Sinais da adaptação dos espaços a novas funcionalidades, através da abertura, encerramento e estreitamento de vãos, prefigurando novos horizontes de utilização do edifício, consoante o período cronológico. 2 3
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Cozinha
O teto desta sala encontra-se dividido por quadrifólios de grandes dimensões, cercados por outros que lhes conferem harmonia. Na parede oposta à atual entrada exterior encontra-se uma cruz esgrafitada encimada pelo acrónimo INRI (Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum). Dentro daquilo que é o processo construtivo dos esgrafitos que encontramos em Portugal, e em particular nesta região fronteiriça, verificamos que os elementos são constituídos por duas tonalidades: uma primeira argamassa composta por cal e areia de rio ou ribeira, e outra de composição idêntica à qual se adicionaram pigmentos naturais e carvão em pó. A Igreja do Espírito Santo, também localizada na vila de Arronches,
apresenta esgrafitos com a mesma técnica e constituição material, uma solução decorativa que era bastante utilizada no território nacional pelas ordens mendicantes. Devido às sucessivas alterações que o edifício sofreu, na sua maioria indocumentadas, não é possível atribuir uma funcionalidade concreta a este espaço. Contudo, a sua ligação e proximidade com o refeitório, bem como o acesso ao exterior, permitem considerar que, em determinado momento, poderá ter funcionado como cozinha. Antes dos trabalhos de reabilitação e conservação e restauro este espaço encontrava-se dividido em dois pisos, por intermédio de um sobrado improvisado.
Pormenor dos trabalhos de limpeza dos esgrafitos, durante as ações de conservação e restauro.
Aplicação de levantamento fotogramétrico ao teto da sala: registo métrico tridimensional que permitiu a obtenção de informação gráfica da forma e estado do suporte.
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Vista geral dos trabalhos de conservação e restauro dos esgrafitos do teto abobadado.
O refeitório
O refeitório era o local onde os monges, em silêncio, e com leitura, tomavam as suas refeições. Ainda é visível o local onde se localizaria o púlpito do reitor; restantes irmãos comiam em mesas corridas, em silêncio. Certamente existiria um “refeitoeiro”, o monge encarregado do refeitório e das refeições dos seus congéneres. A sua alimentação era bastante variada e o que não conseguissem produzir na sua horta, adquiriam no exterior. O teto do refeitório contém parte da regra de Santo Agostinho relativa aos cuidados a ter com o corpo, onde se apela à frugalidade e ao jejum,
e assinalando que não deve ser apenas a boca a comer, mas também o ouvido, alimentando-se, através da palavra de Deus, simultaneamente o corpo e a alma («Non solum vobis fauces sumant cibum sed et aures esuriant verbum Dei»). Também no teto estão presentes motivos vegetalistas e outros ligados à Ordem de Santo Agostinho, como o coração perfurado por uma seta, o báculo e a mitra. O espaço foi concluído em 1579, durante o governo do prior frei Jorge de Santa Maria, como se verifica pela data que se encontra inscrita numa cartela junto ao monograma IHS
(«Ihesus»). O seu sucessor, o padre frei João de Jesus, foi responsável por ladrilhar o refeitório, adquirir ou mandar fazer o seu mobiliário, e construir o crucifixo que se pode observar na parede sul, encimado pela inscrição «Satiabor cum apparuerit gloria tua» (Ficarei satisfeito quando a Tua glória aparecer), retirada do salmo 16 da Vulgata (pré-1979). Entre este espaço e a sala de De profundis existia um lavatório onde os clérigos lavavam as mãos, antes e depois da refeição.
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a Pormenores de vários pontos do teto, captados previamente aos trabalhos de reabilitação do edifício.
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Vista da porta que ligava a cozinha e o refeitório, antes dos trabalhos de conservação e restauro.
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Aplicação de levantamento fotogramétrico ao teto abobadado da sala: registo métrico tridimensional que permitiu a obtenção de informação gráfica da forma e estado do suporte. 4
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sala do capítulo ou sala de
De profundis
A sala do capítulo correspondia ao espaço mais nobre da comunidade monástica. Aqui, os irmãos reunidos, liderados pelo prior, discutiam os assuntos mais importantes da comunidade monástica, tanto os de natureza teológica como os de cariz mais mundano, relacionados com o quotidiano da instituição. Ainda assim, não é seguro que este espaço se trate da sala capitular. A existência de uma ligação com o refeitório leva-nos a crer que, possivelmente, talvez se tratasse da sala de De profundis, lugar onde os agostinianos meditavam antes de passar ao refeitório para tomar as suas refeições. Na verdade, a primeira referência a este espaço como sendo a sala do capítulo surge na obra Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Portalegre (1943),
de Luís Keil, sem nenhuma fonte documental que o sustente. Também é possível que o acesso à mesma se fizesse através do claustro ou de um vão existente na parede tardoz, hoje desaparecido. De planta quadrangular, a sala apresenta um teto com abóboda de berço. Aí surgem representadas uma série de figuras, inseridas em cartelas emolduradas por caixotões com molduras geométricas. Identificam-se os quatro evangelistas (S. Mateus, S. Marcos, S. Lucas e S. João Evangelista), bem como Santo Agostinho entronado. As outras duas imagens são de mais difícil interpretação, parecendo representar dois monges da ordem. Sob as imagens encontram-se duas inscrições emolduradas por cartelas: INTER EVANGELICAS GVIL=/LELMVM
CONSPICE PLVMAS/EX ILLO TENVES SVMERE/ DISCE CIBOS (“Considera [o que diz] Guilherme. Aprende dele a tomar alimentos frugais de entre os indícios evangélicos”) e MIXTVS
EVANGELICIS MO=/NAC[VS] SCRIPTORIB[VS]
EXTAT/MENSAQVE EVANGELIO/CONGRVAT ILLE DOCET (“O monge Mixto sobressai de entre os escritores evangélicos. Ele ensina: adeque-se [cada um] à mesa e ao evangelho”). Como se pode observar, ambas as mensagens apelam à frugalidade e à contenção à mesa, elemento que reforça a identificação deste espaço como sala de De profundis. No centro da parede surge a imagem de Nossa Senhora da Luz, com o menino ao colo, ladeada por dois anjos que seguram um panejamento que envolve a Virgem.
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Panorâmica do teto antes dos trabalhos de conservação e restauro. 2
Pormenor dos elementos decorativos do teto da sala que foram alvo de trabalhos de limpeza e consolidação.
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TETO DA SALA DO CAPÍTULO
“O monge Mixto sobressai de entre os escritores evangélicos. Ele ensina: adeque-se [cada um] à mesa e ao evangelho”
“Considera [o que diz] Guilherme. Aprende dele a tormar alimentos frutais de entre os indícios evangélicos”
S. Mateus
Sto. Agostinho
A 2 3
Marcos
Monge
S. Lucas
O convento e a praça
A construção das fortificações abaluartadas de Arronches, em meados do século XVII, alterou significativamente o rosto da vila, e o convento não escapou à mudança. A presença, em permanência, de uma guarnição militar, alterou a dinâmica da vida local. Logo em 1676, os religiosos pedem ao rei que o convento fique isento de alojar soldados numas casas que lhe pertenciam, na vila, argumentando que se assim fosse seriam privados da renda das mesmas correspondente a 15 000 réis, soma necessária para o seu sustento. De igual modo, as novas muralhas e construções respetivas – baluartes e revelins – também tiveram um impacto direto na vida dos Agos-
tinhos. O meio-baluarte de S. Agostinho ou de Nossa Senhora da Luz, tal como o próprio nome indica, implantou-se no local correspondente ao convento de Nossa Senhora da Luz, privando-o de boa parte da sua área. Em 1737 o cenóbio solicitou ao governador militar da praça que autorizasse a reconstrução dos muros da cerca do convento, destruídos pela reconstrução das muralhas da vila, que ainda deveriam apresentar marcas da tentativa de desmantelamento que sofreu às mãos das tropas espanholas, bem como da explosão do paiol (1663), instalado no velho castelo medieval, que o reduziu a uma mera recordação do passado.
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Planta de Arronches, por Miguel Luís Jacob, elaborada na visita geral de 1755. Portugal, Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar/ Direção de Infraestruturas do Exército - 591-1-4-7 (Imagem cedida pelo Exército Português).
Carta do governador da praça de Arronches ao Convento de Nossa Senhora da Luz, declarando ter recebido autorização para mandar fazer o muro, para tapar a cerca do convento fora do limite do terrapleno. Arquivo Distrital de Portalegre, Convento de Nossa Senhor da Luz de Arronches, cx. 04, mç. 28, nº 24, de 1737 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Portalegre).
O fim de uma era: o convento e a extinção das ordens religiosas
Por decreto de 30 de maio de 1834 ordenou-se a extinção das ordens religiosas em Portugal, um processo que havia conhecido uma aceleração no ano anterior, quando se proibiu a entrada de novos noviços para as suas fileiras. Sem perder tempo, no dia 25 de junho de 1834, o juiz de fora de Arronches, João Cardoso de Sousa Pinto, na presença do escrivão da câmara e do prior do convento, frei Mariano Saraiva, tomou posse dos bens móveis e imóveis da comunidade, procedendo pouco depois à sua avaliação. As várias dependências do edifício foram, então, enumeradas:
refeitório, cozinha, dois celeiros, uma adega, uma livraria, uma hospedaria e sete celas. Na livraria encontrava-se uma quantidade impressionante de volumes em português, francês, espanhol e latim, onde se incluíam obras como o Diccionario Geografico, de António Patrício; Voyage du jeune Anacharsis en Grèce, dans le milieu du quatrième siècle avant l’ère vulgaire, de Jean-Jacques Barthélemy (publicado pela primeira vez em 1788); os Sermones Varios, de José de Aguilar, ou o Speculum Theologicum de Augustine Gibbon. Os objetos que se encontravam nos vários
espaços conventuais foram igualmente listados. Na cozinha, por exemplo, dava-se conta da existência do ferro das hóstias, de dois cântaros de cobre, «duas xocolateiras de lata em mao uzo», dois espetos, uma caçarola de ferro, uma mesa de madeira, uma estante, «huma barrica de madeira velha sem fundo», entre outros utensílios. No final, o convento acabaria por ser avaliado em 1:200$000 (um conto e duzentos mil réis).
Extrato do inventário do processo de extinção do Convento de Nossa Senhora da Luz. ANTT, Ministério das Finanças, Convento de Nossa Senhora da Luz de Arronches, cx. 2196, fl. 12-13 (Documento cedido pelo ANTT).
A casa do século XIX
Apesar da nacionalização dos bens da Igreja, imposta pelo decreto de 30 de maio de 1834, o processo de venda do convento não foi tão célere como seria de esperar. Por carta do governador civil de Portalegre, Dr. José Maria Grande, datada de 28 de janeiro de 1836, solicitava-se à Câmara Municipal de Arronches que no prazo de seis dias procedesse ao envio de uma relação de todos os prédios rústicos e urbanos, pertencentes aos extintos conventos, que pudessem ser reafectados à Misericórdia local ou a outra instituição de assistência. Juntos em vereação no dia 6 de fevereiro seguinte, os homens que presidiam aos destinos do concelho solicitaram que o Hospital da Misericórdia da vila passasse para as instalações do Convento de Nossa Senhora da Luz,
apresentando argumentos de peso: o edifício conventual evidenciava sinais evidentes de decadência, muito danificado e «chovendolhe dentro em vários lugares»; a dimensão do imóvel era adequada para a instalação do hospital, sendo simultaneamente uma forma de conservação do mesmo, através da sua utilização; e, por último, mas de extrema importância, os autarcas entendiam ser muito difícil vender o prédio, uma vez que devido à «pobreza dos moradores deste concelho he impossível haver comprador». Por uma ou outra razão, este procedimento não se terá efetivado, pelo que muito mais tarde, possivelmente no último quartel do séc. XIX, o edifício terá sido adquirido pelo dono de uma exploração agrícola, adaptando o antigo espa-
ço conventual às suas necessidades pessoais e profissionais, instalando aqui alguns dos seus funcionários. Rasgaram-se novos vãos, levantaram-se paredes, construíram-se lareiras e edificaram-se chaminés, elementos reveladores da arquitetura vernacular alentejana de finais do século XIX. O maior empreendimento terá sido a reorganização da área que correspondia à casa do proprietário, onde se criou um piso intermédio. Neste local, a cobertura dos compartimentos traduzia-se numa estrutura constituída por barrotes de madeira interligados que suportavam tijoleiras pintadas que decoravam os tetos, muito ao gosto da época e da região.
Cópia de carta enviada ao governador civil de Portalegre sobre o Convento de Nossa Senhora da Luz, inserida nas atas de vereação do concelho de Arronches, na reunião que decorreu a 6 de fevereiro de 1836. Câmara Municipal de Arronches, Atas de Vereação (1835 – 1838), fl. 160-161.
Vista geral do piso superior, antes dos trabalhos de requalificação do imóvel.
Uma das imagens de marca da arquitetura vernacular alentejana, a lareira de chão, neste caso revestida com painel de azulejos de fábrica típico do século XX.
Pormenor da cobertura, constituída por tijoleiras pintadas ao gosto do séc. XIX, suportadas por barrotes de madeira interligados.
Valências
Além da história e do restauro do Convento, é possível também ver a exposição permanente de arqueologia, exposições temporárias organizadas pelo Município de Arronches e ainda, alugar salas para reuniões.
Exposição Permanente
A sala acolhe duas peças arqueológicas provenientes do concelho de Arronches.
Estela do Rebolo (entre o 6º e os finais do 3º milénio a.C.)
Estela em quartzito com decoração antropomórfica recolhida pelo proprietário do Monte do Rebolo Sr. António Oliveira em 2021. Seria uma estela em quartzito intencionalmente tridimensional. Trata-se de uma peça relacionada com um ritual funerário megalítico, mas parece ter sido utilizada posteriormente, em associação com uma ocupação calcolítica.
Revela um perfil antropomórfico, com o corpo retangular e faces redondas, vestida com manto, apresentando um “estrangulamento” entre o pescoço, onde surgem linhas de cinco colares e a cabeça -esta com diadema ou adorno- e com braços, mãos e um cinturão. O recorte da sua parte inferior permite supor um reaproveitamento de uma peça maior, com uma utilização anterior, mais antiga. Os dois tipos de gravação utilizadas também apontam para essa hipótese de reutilização num perío do posterior.
Lápide Votiva (Séc. I a.C.)
Classificada como Tesouro Nacional foi encontrada no Monte Coelho, por Hélder Marques, escrita em língua lusitana, relata a oferenda de sacrifícios animais aos deuses. Nesta lápide lê-se a palavra HARACVI que parede estar na origem da palavra ARRONCHES, significando local de pocilgas, claramente associado à tradicional criação de porcos nesta região.
Possível tradução:
Para (...) vinte (...). Um cordeiro de erva para Harase. Dez cordeiros para Broineia (arácua). Dez cordeiros para Reva Aharácuo. Dez T (?) AV (?) IEATE apara Banda Harácuo. AV (?) para
1 A fundação do convento
2 As dependências
3 O claustro
4 A intervenção arqueológica
5 A evolução e transformação do espaço
6 Cozinha
7 O refeitório
8 A sala do capítulo ou sala de De profundis
9 Teto da sala do capítulo
Nota: O caminho a tracejado simboliza o trajeto recomendado.
As zonas coloridas simbolizam as salas onde se pode circular.
Cozinha/ Sala do Capítulo
Refeitório
Nomes dos painéis:
10 O convento e a praça
11 O fim de uma era: o convento e a extinção das ordens religiosas
12 A casa do século XIX
Nota: O caminho a tracejado simboliza o trajeto recomendado.
As zonas coloridas simbolizam as salas onde se pode circular.