Revista do CBH do Rio Pará nº1 | Nov 22

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2022 01
Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará • Novembro

EXPEDIENTE

Presidente: José Hermano Oliveira Franco Vice-Presidente: Vilma Aparecida Messias Secretário: Túlio Pereira Sá Secretário Adjunto: Varlei Marra

Produzido pela Assessoria de Comunicação do Rio Pará, Tanto Expresso Comunicação e Mobilização Social

Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de Comunicação e Edição: Luiz Ribeiro

Textos: Gabriel Rodrigues, Leonardo Ramos, Luiza Baggio, Michelle Parron e Paulo Barcala

Projeto Gráfico e Diagramação: Albino Papa

Fotos: Acervo Pessoal Ernst Götsch, Bianca Aun, Felix Lima, Fernando Piancastelli, Léo Boi, Letícia Pimentel e Prefeitura de Extrema

Fotos de capa: Léo Boi

Ilustrações: Clermont Cintra

Revisão: Ísis Pinto

Impressão: ARW Gráfica e Editora

Tiragem: 600 Exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Diretos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Assessoria de Comunicação: comitedoriopara@gmail.com

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA BACIA DO RIO PARÁ P.

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Acesse o site do CBH do Rio Pará Utilize o seu celular e acesse o QR Code Versão on-line disponível em bit.ly/RevistaCBHRioPara01 ou pelo QR Code ao lado www.cbhriopara.org.br COM A PALAVRA, O PRESIDENTE P. 06 ___ ENTREVISTA: LEONARDO MITRE P. 26 ___ ÁGUA SE PLANTA? P. 20 ___ NOSSO RIO, NOSSA HISTÓRIA P. 08 ___ EDITORIAL P. 04 ___
CONFLITO PELO USO DA ÁGUA P. 36 ___ TERRITÓRIOS: ITAGUARA P. 54 ___ NAÇÃO KAXIXÓ NA LUTA PELA TERRA E PELO RIO P. 42 ___ PRESERVAÇÃO REMUNERADA P. 48 ___ ARTE NA BACIA: MÃOS QUE CRIAM P. 30 ___ SUMÁRIO

D I T O R I A L

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R E B E N T O

Todo rio se inicia por uma nascente.

O Rio Pará, em particular, se inicia na Serra das Vertentes, no município de Resende Costa. Atravessa outros muitos até desaguar no Velho Chico, em Pompéu. Viabiliza uma agricultura pujante, abastece cidades, alavanca a indústria.

Esse rio é meu. E de outras mais de 900 mil pessoas que habitam a sua bacia hidrográfica.

A Revista Rio Pará nº 01 é, fundamentalmente, uma homenagem e uma forma de jogar luz sobre esse território especial e as pessoas que lutam por mais e melhores águas aqui.

Nesse contexto, nada melhor do que contar a história de formação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará, “parlamento das águas” que há mais de duas décadas tem garantido a participação de todos em decisões relativas à correta utilização do recurso natural e na recuperação da bacia. Em reportagem especial, passado e presente dão as mãos e projetam o futuro.

O CBH do Rio Pará hoje caminha com importantes projetos para o território. Contaremos, assim, como o Programa de Conservação e Produção de Água da Bacia do Rio Pará, à luz do conceito das Soluções baseadas na Natureza (SbN), tem trabalhado nos municípios de Cláudio, Carmo do Cajuru e Pompéu para que tenhamos cada vez mais oferta de água. Revelaremos onde há conflito pelo uso da água na bacia e como o Comitê media e ajuda os usuários no processo de organização e estabelecimento de outorga coletiva. Apresentaremos, também, iniciativas de Educação Ambiental e de Pagamento por Serviços Ambientais e como o CBH do Rio Pará planeja fomentar essas práticas.

Falar desta bacia hidrográfica é falar também dos povos originários deste território. Uma matéria especial retrata o povo Kaxixó, sua história, sua cultura e sua luta.

O entrevistado da Revista Rio Pará nº 01 é Leonardo Mitre. Responsável pelo estudo de enquadramento na bacia hidrográfica, o hidrólogo explica como o instrumento pode garantir a preservação dos corpos hídricos e a melhoria contínua da qualidade das águas. Ele garante: “A forte atuação dos membros do CBH do Rio Pará é fundamental para que o enquadramento tenha resultados positivos”.

A arte na Bacia Hidrográfica do Rio Pará se faz presente aqui pelo ofício de esculpir madeiras feito por três gerações. Reconhecidos por retratarem temas regionais de forma rústica, com as mãos, sem interferência de maquinário, Geraldo Teles de Oliveira (GTO), Mário e Alex Pereira Teles levaram sua arte para o mundo, diretamente de Itapecerica e Divinópolis.

Temos também as belezas e os encantos do município de Itaguara, que inspirou o jovem escritor João Guimarães Rosa em um dos seus mais emblemáticos contos.

Mergulhe com a gente neste rio!

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COM A PALAVRA

É com satisfação que escrevo este primeiro artigo para a edição de estreia da Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará. Revelar as belezas, iniciativas e pessoas que contribuem para um território mais ambientalmente sustentável é o nosso objetivo com esta publicação.

Para chegarmos até aqui não foi fácil. Como veremos em uma reportagem especial, foram anos de amadurecimento, de dificuldades, de mobilizações e pressões contra a retenção de recursos por parte do estado – por diversas e importantes pessoas que passaram pelo CBH ou que por aqui ainda estão – para que, hoje, pudéssemos não somente materializar nossa identidade e atuação nesta publicação, mas decolar com o desenvolvimento de uma série de ações positivas na nossa bacia do Rio Pará.

Uma das principais missões de um Comitê de Bacia Hidrográfica é implementar os seus instrumentos de gestão e gerenciamento estabelecidos pelas Políticas Nacional e Estadual de Recursos Hídricos. Nesse contexto, é bom salientar que o processo de enquadramento dos corpos d’água em classes na bacia do Rio Pará, que irá estabelecer os padrões ambientais que desejamos para cada curso d’água, caminha a passos largos, com robustez, diálogo e pragmatismo. Muito em breve teremos mais essa ferramenta de planejamento consolidada na nossa bacia.

Da mesma forma, iniciamos em 2022 o processo de discussão para aprimoramento da metodologia da cobrança pelo uso da água na nossa bacia – outro fundamental instrumento de gestão, que permite a arrecadação de recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenções previstos no Plano Diretor de Recursos Hídricos, voltados para a melhoria da quantidade e da qualidade das águas.

Apostamos muito, também, no nosso Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água, que promove ações no Alto, Médio e Baixo Rio Pará com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água, alinhadas às Soluções baseadas na Natureza (SbN). Como veremos em outra reportagem especial, a iniciativa já é uma realidade: o Ribeirão dos Custódios, em Cláudio; o Ribeirão do Sapé, no município de Carmo do Cajuru, e o Ribeirão Pari, em Pompéu, receberão, cada um, investimentos da ordem de R$ 2 milhões.

A educação ambiental é outra importante ferramenta em que o CBH do Rio Pará acredita. Iniciativas de todo o tipo acontecem no nosso território, como também veremos aqui, e, por isso, Comitê e Agência Peixe Vivo contrataram em 2022 a empresa responsável pelo plano que irá delinear todas as ações, a metodologia, o diagnóstico e prognóstico para a bacia do Rio Pará.

Que esta seja, então, a primeira de muitas publicações do nosso Comitê! E que iniciativas, pautas e boas práticas não nos faltem.

Viva a bacia do Rio Pará! Viva o Comitê!

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O PRESIDENTE P. 07
José Hermano Oliveira Franco do CBH do Rio Pará

INSTITUCIONAL

NOSSO RIO, NOSSA HISTÓRIA

Com o objetivo de garantir o acesso de todos aos recursos hídricos, o CBH do Rio Pará luta há 24 anos por melhorias ambientais

Texto: Luiza Baggio Fotos: Léo Boi

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Rio Itapecerica, afluente do Rio Pará, no município de Divinópolis.

A trajetória do CBH do Rio Pará é inseparável da história de luta pela recuperação ambiental da região hidrográfica. Em 22 de setembro último, a instituição completou 24 anos. Criado para assegurar os direitos da sociedade civil, dos usuários e do poder público em torno da efetivação da Lei das Águas (Lei nº 9.433/97), o Comitê tem garantido a participação de todos em decisões relativas à correta utilização do recurso natural e na recuperação da bacia hidrográfica.

O CBH do Rio Pará foi criado na esteira do processo da redemocratização do país, quando a sociedade brasileira, sob a égide da Constituição Federal de 1988, chamou a si o direito e a responsabilidade de participar da construção e implementação de políticas públicas. Lançando mão dos recém-conquistados mecanismos de controle social, a sociedade civil passou a exercer a coautoria da institucionalidade democrática, inaugurando uma nova forma de relação com o Estado.

Considerado os “parlamentos das águas”, os Comitês de Bacias Hidrográficas agregam em sua estrutura a sociedade civil, o poder público e os usuários, ou seja, aqueles que utilizam a água do rio para sua atividade produtiva. Assim, com diferentes visões, promovem o diálogo em torno do interesse comum – o uso da água.

A primeira presidente do CBH do Rio Pará, Regina Greco, comenta que os primeiros encontros em busca da revitalização e conservação da bacia ocorreram ainda em 1985. “Iniciamos essa mobilização devido à intensa poluição do Rio Itapecerica, afluente do Rio Pará, em Divinópolis. Eu tenho uma propriedade rural na divisa do Itapecerica com o São Pedro e a poluição desse curso d´água chamava a minha atenção. A partir de muita conversa e pesquisas vimos que o melhor caminho era criar o Comitê de Bacia para buscar melhorias”, explicou.

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Um dos primeiros passos do CBH do Rio Pará foi em 2008 com a elaboração do Plano Diretor da Bacia Hidrográfica. O documento é um diagnóstico ambiental da região. “Nele há os planos e projetos de recuperação da bacia, alguns deles em andamento. Conseguimos elaborar o Plano Diretor em uma parceria com a Codevasf [Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba], responsável pelo financiamento do documento”, esclareceu Regina Greco, que permaneceu na diretoria do CBH do Rio Pará até 2018.

Outro passo importante foi dado em 2017, quando foi aprovada a cobrança pelo uso da água na bacia. A partir de então, as atividades econômicas que utilizam a água em sua cadeia produtiva começaram a pagar por esse uso. Todo o valor arrecadado deve, obrigatoriamente, ser investido em programas na própria bacia, visando à melhoria da qualidade e da quantidade de água.

A Lei das Águas prevê os instrumentos de gestão e implementá-los foi um dos primeiros desafios do Comitê. “Iniciamos com o Plano Diretor, em seguida fizemos o cadastramento dos usuários de água da bacia, implementamos a cobrança e realizamos o estudo de enquadramento. O que faltou foi desenvolver o sistema de informações sobre os recursos hídricos da bacia. De 1985 a 2018, dediquei muito tempo da minha vida ao CBH do Rio Pará. Considero que a minha missão está cumprida!”, afirmou Regina Greco.

ANOS DIFÍCEIS

Os anos de 2017 a 2020 foram difíceis, marcados por contingenciamento de repasses. Essa situação trouxe atraso na execução dos programas e instabilidade na execução das ações do Comitê, pois a instituição ficou completamente sem recurso para implementar ações na bacia.

Decreto de criação do CBH do Rio Pará. Enquadramento dos corpos de água da bacia do Rio Pará em classes (Lei nº 9.433/97).

1998 2005 2000

Cadastro dos usuários.

Início dos convênios com o Governo Federal e o Estado (FHIDRO).

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Regina Greco ajudou a fundar e foi a primeira presidente do CBH do Rio Pará

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) firmou Termo de Compromisso com o Estado de Minas Gerais e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) visando a regularização dos repasses relativos à cobrança pelo uso de recursos hídricos aos Comitês de Bacia Hidrográfica de Minas. O termo foi celebrado em julho de 2021 como forma de solução consensual de duas ações civis públicas que tramitavam na comarca de Belo Horizonte.

As ações foram ajuizadas após a constatação de que os valores oriundos da cobrança pelo uso de recursos hídricos nas bacias dos Rios Pará e Doce não eram repassados às agências executivas para aplicação no fortalecimento e na proteção da bacia hidrográfica em que foram gerados, permanecendo retidos no caixa único do estado. No acordo, foram pactuadas obrigações envolvendo o pagamento escalonado dos valores atrasados, bem como a regularização contínua e permanente dos repasses pela cobrança em todas as bacias hidrográficas do estado de Minas Gerais, com o compromisso de que não ocorrerão novos contingenciamentos.

José Hermano Oliveira Franco assumiu a presidência do CBH do Rio Pará em 2018. Ele explica o quão difícil foi o período com recursos contingenciados. “Foram anos de luta para que conseguíssemos colocar o Comitê funcionando novamente. Sem os repasses ficamos um tempo sem condições de exercer as funções do CBH. Mas, agora, temos conseguido consolidar a instituição e colocado em prática projetos antigos em prol do meio ambiente”, afirmou.

O real recebimento dos recursos da cobrança permitiu ao CBH do Rio Pará impulsionar sua atuação no território. “Projetos de recuperação ambiental de microbacias, a discussão sobre o saneamento rural, a proposta de

enquadramento das águas superficiais e subterrâneas [em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco], o início do Programa de Comunicação Social e Relacionamento, o Programa de Conservação e Produção de Água, o planejamento da Expedição pelo Rio Pará ‘Esse Rio é Meu’ e o Programa de Educação Ambiental são provas disso. A efetividade dos programas, somada aos desafios superados, consolida o nosso propósito”, declarou José Hermano.

Equiparação da Agência Peixe Vivo como Agência de Bacia do CBH do Rio Pará.

Criação das Câmaras Técnicas do Comitê.

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Conclusão do Plano Diretor de Recursos Hídricos. Presidente desde 2018, José Hermano Franco vê no fim da retenção dos recursos a possibilidade de o Comitê impulsionar a sua atuação.

Sobre as perspectivas para a bacia do Rio Pará, o atual presidente José Hermano afirma que o Comitê está vivo e se consolidando no exercício de seu papel. “Estamos cheios de novidades e buscamos a parceria de todos da bacia na nossa luta por um rio com mais água em quantidade e qualidade. Contamos com os membros antigos e os novos que estão chegando e que acreditam na gestão participativa e descentralizada das águas por um rio melhor. Com todas essas iniciativas temos construído o nosso legado e propiciado um cenário de recuperação ambiental na região”, declarou.

Para André de Lima Rufino, representante da Prefeitura de Pará de Minas no CBH do Rio Pará há dois anos, o desafio para o futuro é construir um Comitê de cara nova. “Precisamos de um envolvimento maior das entidades da bacia e, principalmente, da comunidade para aumentar a visibilidade do CBH. Um grande passo nesse caminho são as ações de comunicação que temos desenvolvido. Despertar na população a consciência de que ‘esse rio é nosso’ é de fundamental importância”, acrescentou.

Já Varlei Marra, secretário-adjunto do CBH do Rio Pará, aponta que para uma bacia sustentável é preciso mudar a relação com os cursos d´água. “Buscamos um rio de qualidade e a falta de saneamento básico tem dado uma má qualidade às águas do nosso rio.

Por isso, trabalhar a conscientização ambiental das pessoas tem sido importante. Ainda temos muito a conquistar, mas somente com a união e o esforço de toda a população, dos usuários de água e do poder público é que conseguiremos avançar”, finalizou.

Definição da metodologia de cobrança dos recursos hídricos da bacia.

Varlei Marra aposta na união de todos os segmentos como forma de melhorarmos a qualidade das águas da bacia do Rio Pará.

Início da arrecadação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia.

Assinatura do primeiro Contrato de Gestão com o IGAM e a Agência Peixe Vivo.

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FUTURO
2013/14 2017 2016

CURIOSIDADES SOBRE A BACIA DO RIO PARÁ

Possui uma área de drenagem de aproximadamente 12.300 km², estendendo-se desde as nascentes na Serra das Vertentes, no município de Resende Costa, até a sua foz no Rio São Francisco, em Pompéu.

É constituída por 35 municípios. O Rio Pará corta as cidades de Desterro de Entre Rios, Passa Tempo, Piracema, Carmópolis de Minas, Itaguara, Cláudio, Carmo do Cajuru, Divinópolis, São Gonçalo do Pará, Conceição do Pará, Pitangui, Martinho Campos e Pompéu.

É um dos principais contribuintes do reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Marias.

Possui 535 afluentes diretos. Destes, cinco são os afluentes diretos principais, que formam as maiores sub-bacias da Bacia Hidrográfica do Rio Pará: Rio Itapecerica, Rio São João, Rio Lambari, Rio do Peixe e Rio Picão.

Conselheiro há dois anos, André Rufino acredita que envolvimento da comunidade e das entidades é chave para aumentar visibilidade do CBH na região.

2021

Início do Programa de Comunicação Social e Relacionamento do CBH do Rio Pará. Início do Programa de Conservação e Produção de Água. Novo estudo de enquadramento dos corpos de águas superficiais e subterrâneas.

Fim do contingenciamento dos recursos da cobrança pelo uso da água.

2020 2022

Início dos estudos técnicos para o aprimoramento da metodologia de cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

Início da construção do Plano de Educação Ambiental da Bacia do Rio Pará.

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“TUDO ESTÁ RELACIONADO AO NOSSO FUTURO E ELE DEPENDE DO AGORA”

Estudantes, professores, poder público, catadores de recicláveis e produtores rurais formam um elo de cuidado com a cidade e as águas da bacia do Rio Pará e mostram a importância da educação ambiental

Texto: Michelle Parron

Ilustração: Clermont Cintra Fotos: Léo Boi

Era para ser para sempre, mas, feito um golpe, lá se foi a Forever. O nome que batizou o pé de manga foi dado por Lucas Felipe Santana Soares, que cuidou da muda da árvore frutífera desde que ela era apenas uma semente. Cumprindo uma atividade da escola, a missão do estudante de 14 anos, que está no 9º ano do ensino fundamental da Escola Estadual São Francisco de Assis, em Carmo do Cajuru (MG), era acompanhar cada etapa do desenvolvimento da mangueira. Quando a Forever ganhou corpo, era hora de ir para o solo.

O lugar escolhido foi ao lado da linha do trem da cidade de pouco mais de 20 mil habitantes do Médio Rio Pará. Edna Aparecida Santana Soares, mãe do estudante e professora aposentada, fez questão de acompanhar o dever de casa do adolescente. Por mais que o nome dado à mangueira mostrasse o desejo dela durar “para sempre”, o pé não resistiu à ação do homem e foi cortado, queimado ou, sabe-se lá como, deixou de ocupar aquele pedaço de terra. Mas isso não abateu mãe e filho. “Sabe o que fizemos? Produzimos a Forever 2. Se a muda não vingar, já temos a nossa Forever 3. “Quando o Lucas passar perto da linha do trem e ver o pé de manga, vai lembrar que foi ele quem ajudou a plantar a árvore que vai dar sombra pra gente descansar, que vai dar a fruta pra gente comer, e isso tudo começou dentro da escola”, explica a mãe. Para Lucas, plantar árvores é construir um mundo melhor, mais verde. “Eu quero plantar mais árvores. Muitas. Meu sonho é plantar uma macieira”, conta o estudante.

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“Na escola, os alunos fizeram uma atividade de recolhimento do lixo que fica nas ruas. Quando a gente chegou em um condomínio onde passamos os fins de semana, o Júlio pegou um carrinho de mão e andou por todas as ruas para recolher o que encontrava pelo chão. Ele fez, sem que ninguém falasse nada, porque aprendeu com a escola a não deixar o lixo no chão”, conta Joviane Rabelo, mãe do estudante, professora de informática e assistente social.

As atitudes do estudante, segundo Joviane, ensinam quem está por perto. “Do jeito que pode, ele cuida das coisas. Quando ele percebe que aqui no quintal de casa uma planta não está muito legal, ele coloca água por conta própria. O Júlio consegue expressar como é importante cuidar do meio ambiente”, conta a mãe.

Segundo a Política Nacional de Educação Ambiental, instituída pela Lei nº 9.795/1999, a educação ambiental compreende os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. É um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.

É exatamente esse trabalho que o Eduardo de Souza Batista, diretor da Escola Estadual São Francisco de Assis, promove com o Lucas, o Júlio e com os outros alunos do ensino fundamental e ensino médio. Desde que está na gestão, foram feitas ações como o Vetores do Bem, que ensinou crianças e jovens sobre a importância de não deixar água parada para evitar o mosquito da dengue, a conscientização sobre o cuidado com o lixo na escola, além das visitas técnicas que são feitas na associação de catadores do município e na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). “A importância de trabalhar a educação ambiental com as crianças e jovens é para que a gente tenha uma sociedade mais sustentável”, explica o diretor.

CORRENTE PELA RECICLAGEM

Mas a ação que mais mobiliza a turma é a Gincana Sustentável. “Ela acontece entre as escolas, que competem para ver qual delas consegue arrecadar o maior volume de recicláveis durante um período. Esse material a gente manda para a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Carmo do Cajuru (Recicarmo)”, conta Jéssica Bolina, Superintendente de Meio Ambiente e Fiscalização da Prefeitura de Carmo do Cajuru.

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Aluno do Ensino Médio da E. E. São Francisco de Assis, Júlio César Camargos supera limites e dá exemplo na preservação do meio ambiente. Diretor da escola em Carmo do Cajuru, Eduardo Batista aposta na educação ambiental para termos uma sociedade mais sustentável.
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Carmo do Cajuru, no Médio Rio Pará.

Educação ambiental em Carmo do Cajuru uniu elos de uma grande corrente, como Halim Gontijo e outros produtores rurais beneficiados pelo Programa Produtor de Água.

O CAMPO TAMBÉM ENSINA

Um dos “produtores de água” do projeto que o Eduardo menciona é o Halim Gontijo. Aposentado, há mais de 40 anos ele comprou sua terra na zona rural de Carmo do Cajuru com a venda de uma moto. Era o sonho de voltar às raízes. Quando chegou na roça, viu que o terreno estava todo erodido e não tinha água. “Cheguei aqui e comecei a fazer algumas coisas como curvas de nível, plantei capim para tentar segurar a água e não deixar ela escorrer. Tudo isso sem técnica. A gente vai no sentimento, na intuição. E não é que deu certo? O capim foi segurando toda aquela massa que descia com a terra e formou um terraceamento natural. Também fiz sistemas de calhas para a água escorrer e ir para o terreno. Plantei árvores em volta da casa, cerquei a nascente e, em quatro ou cinco anos, a água começou a aparecer”, conta Halim.

Desde 2016, o Projeto Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), atua no município com apoio técnico e financeiro para implementação de práticas conservacionistas no campo. Segundo Jéssica, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a “prefeitura já está partindo para o pagamento dos produtores e, há dois anos, o município foi contemplado com outro programa de apoio aos produtores de água, que é do CBH do Rio Pará”, explica ela, em referência ao Programa de Conservação e Produção de Água do Comitê, que atuará no Ribeirão do Sapé.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente, onde a Jéssica trabalha, movimenta não só as escolas, mas diversos parceiros para que eles destinem o material reciclável à associação, gerando renda para as famílias, como a da Aparecida de Fátima Santos. “São 11 pessoas trabalhando aqui com a gente. Com a reciclagem, nós aprendemos também a cuidar do meio ambiente para salvar o nosso planeta. Além da coleta do material nas casas do município, feita com o caminhão da prefeitura, nós também recebemos material reciclável das granjas e das escolas”, conta a integrante da associação.

Nessa rede que une alunos, educadores, catadores de material reciclável, empresas e a prefeitura, a cidade e a natureza saem ganhando. “Tudo está relacionado com o nosso futuro e ele depende do agora. Não é só se preocupar com o lixo, mas se preocupar com o lixo que a gente produz. Também precisamos nos preocupar com a alimentação. Na escola a gente fomenta a agricultura familiar, ao adquirir dos produtores rurais que, de certa forma, são grandes atores nessa educação ambiental. Alguns deles estão envolvidos com projetos como o Produtor de Água, que reconhece os proprietários rurais que preservam as nascentes. Isso tudo acaba unindo vários elos de uma grande corrente em prol do meio ambiente”, diz Eduardo.

P rodutor de Aguas

Logomarca do Programa, feita por Taís de Oliveira, de 17 anos, venceu concurso de desenho entre as escolas do município.

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Durante a Semana do Meio Ambiente deste ano, foi feito um concurso de desenho com alunos das escolas do município para escolher a logomarca do Projeto Produtor de Água. O melhor desenho foi feito pela Taís Alves de Oliveira, 17 anos, que está no 3° ano do ensino médio na Escola Estadual Vigário José Alexandre. “Fazer um símbolo que representasse isso foi uma experiência única e eu fico feliz que as pessoas gostaram. Por mais que seja uma coisa que faz parecer pequena é de grande importância para mim, que sempre convivei em áreas rurais e sei da importância das nascentes. Na escola, a gente aprende que é preciso cuidar da natureza, se preocupar com os problemas ambientais, com recursos naturais e muito mais.”

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA BACIA DO RIO PARÁ

Para estruturar a educação ambiental em toda Bacia Hidrográfica do Rio Pará, diagnosticar as ações que já existem, como as que são feitas em Carmo do Cajuru, e reunir as necessidades e oportunidades em cada município, o CBH do Rio Pará está no processo de elaboração do Plano Continuado de Mobilização e Educação Ambiental.

O primeiro passo já foi dado. Após alinhamento com a Câmara Técnica de Educação, Comunicação e Mobilização (CTECOM) em torno do termo de referência, Comitê e Agência Peixe Vivo formalizaram a contratação da empresa que desenvolverá o plano.

“Nossa proposta é que, paralelamente ao trabalho de desenvolvimento do plano, possamos atuar com ações. Porque se a gente for esperar um projeto, fazer a estruturação dele e só depois começar as ações, seria um tempo muito grande”, explica Beatriz Ferreira, presidente da CTECOM do CBH do Rio Pará e professora da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Campus Centro Oeste, em Divinópolis.

A presidente da CTECOM acredita que é fundamental acontecer um processo de educação ambiental na bacia. “Temos que ter conhecimento, informação, conscientização, e todo esse processo perpassa a educação. Quando falamos em educação ambiental, essa importância vai muito além da escola. Claro que lá tem uma estrutura para passar esse conhecimento. Mas a educação ambiental também está dentro de casa e na gestão pública, porque ela está relacionada com a nossa própria existência enquanto humanidade. Se continuarmos a tratar a Terra da forma que tratamos, a gente vai esgotar os recursos do planeta que mantém a nossa vida.”

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Beatriz Ferreira coordena a CTECOM do CBH do Rio Pará, que este ano inicia o seu Plano de Educação Ambiental. Pôr do sol em Cláudio, no Alto Rio Pará.

ÁGUA SE PLANTA? CONSERVAÇÃO E PRODUÇÃO DE ÁGUA

Agricultores podem produzir água unindo técnicas de conservação ambiental e manejo adequado do solo para infiltração da água da chuva

Infográfico:

Enquanto secas intensas quebram safras Brasil afora, um agricultor suíço, o Ernst Götsch, ensina a “plantar água”, recuperando nascentes e fazendo com que suas plantações bombeiem mais água para a atmosfera. No sistema dele, todos os seres, sejam humanos, animais silvestres, sejam microrganismos, têm papéis igualmente importantes.

Quando o suíço chegou à Bahia nos anos 1980, o cenário de sua propriedade em Piraí do Norte, no sul do estado, era devastador. Quase todos os 510 hectares haviam sido desmatados e os animais silvestres eram raros. Os donos anteriores passaram anos criando porcos e cultivando mandioca de forma convencional, o que esgotou o solo e assoreou 14 riachos que cruzavam a fazenda. “Dentro de pouco menos de dois anos, eu tinha reflorestado tudo”, conta o suíço, que também viu todos os riachos renascerem no processo.

Um dos primeiros desafios de Götsch foi recuperar os riachos assoreados, o que ele fez abrindo valas nos cursos originais e reflorestando o entorno. As raízes protegeram o solo da erosão e permitiram que a água da chuva voltasse a infiltrar, fazendo os cursos d´água voltarem a produzir água. A recuperação dos riachos embasou uma das principais máximas que o suíço difunde em cursos e palestras: a de que “água se planta”.

Hoje, a maior parte da propriedade virou uma reserva ambiental privada e somente cinco hectares, menos de 1%, lhe geram receitas. A transformação na fazenda chamou a atenção de governos, agricultores e empresas que nas últimas décadas começaram a contratá-lo para consultorias. Ele também passou a rodar o Brasil dando cursos, levando seu conhecimento para diversas pessoas.

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Sub-bacia do Ribeirão do Sapé, em Carmo do Cajuru, é uma das áreas beneficiadas pelo Programa de Conservação e Produção de Água do Comitê do Rio Pará.

O CAMINHO DA ÁGUA

O que Ernst Götsch ensina é basicamente o ciclo hidrológico da água. É fazer com que a água infiltre no solo ao invés de formar enxurradas e causar enchentes e alagamentos. E isso não é nada complicado. A cobertura vegetal do solo e as raízes das plantas são os principais agentes responsáveis pela infiltração da água no solo.

O meio rural é composto pelas áreas naturais, que são os campos e as florestas, e pelas lavouras e pastagens. Em áreas naturais, principalmente em florestas, a natureza se encarrega de colher a chuva através da densa vegetação, que impede a formação de enxurradas, dando tempo suficiente para que a água possa infiltrar no solo e assim garantir que as nascentes tenham água o ano todo.

Uma das formas de se fazer isso é cercando as nascentes e preservando as matas ciliares por meio de sistemas agroflorestais. Mas há outras estratégias, como a implantação das bacias de contenção de água das chuvas (as barraginhas) e a preparação de taludes para armazenar água no lençol freático que depois volta a brotar nas nascentes. Evitar o assoreamento dos cursos d´água pelas estradas vicinais também é uma ação importante.

Para garantir água de qualidade e em quantidade no futuro, o Brasil e outros países têm investido nas chamadas Soluções baseadas na Natureza (SbN), baseadas no fortalecimento das “infraestruturas verdes” da própria natureza.

As SbN imitam processos naturais para proteger, gerenciar e recuperar ecossistemas, incluindo os de água doce, de forma sustentável. Em tempos de mudança climática, elas podem ser usadas para gerenciar inundações, secas e outros eventos extremos. Estudos mostram que essas soluções podem fornecer 37% da resposta para manter o aquecimento abaixo de 2°C e ajudar o mundo a evitar os piores efeito da crise climática.

CONSERVAÇÃO E PRODUÇÃO DE ÁGUA NA BACIA DO RIO PARÁ

O Programa de Conservação e Produção de Água em execução pelo CBH do Rio Pará é um caso que busca a aplicação das SbN. Criado em 2021, o programa vai implementar ações de conservação e recuperação da vegetação nativa, construção de barraginhas e de terraços em propriedades rurais. Não tem mágica no processo: a recuperação de matas nativas e o resgate de nascentes evita que sedimentos se acumulem na bacia hidrográfica e diminuam a capacidade de vazão.

Assim, para dar início ao programa, o CBH do Rio Pará escolheu três microbacias: o Rio Pari, em Pompéu, no Baixo Rio Pará; o Ribeirão do Sapé, em Carmo do Cajuru, no Médio Rio Pará, e o Ribeirão Custódio, em Cláudio, no Alto curso do rio. Cada uma delas receberá investimentos na ordem de R$ 2 milhões. Os primeiros projetos técnicos já foram licitados e a execução das obras ocorrerá ao longo de seis anos.

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Ernst Götsch é suíço e, desde 1982, vive em Piraí do Norte, região do cacau na Bahia, onde aplicou seu método de agricultura. Foto: Felix Lima

Resiliência climática

Diferentes Soluções baseadas na Natureza (SbN) podem trabalhar juntas entre os ecossistemas

MONTANHAS, FLORESTAS E BACIAS

RISCO:

Perda de vidas e ativos devido aos incêndios intensos

SOLUÇÃO: Manejo florestal para reduzir o risco de megaincêndios

RISCO: Deslizamentos, perda de solo e assoreamento decorrentes de chuvas intensas

SOLUÇÃO: Proteger e restaurar as florestas para estabilizar o solo e desacelerar o escoamento de água

RIOS E ZONAS ÚMIDAS

RISCO: Perda de ativos, redução das safras e contaminação devido às inundações

SOLUÇÃO: Restaurar as zonas úmidas para que possam absorver e filtrar a água.

RISCO: Rios com a vazão reduzida ou intermitente em decorrência de secas

SOLUÇÃO: Proteger e restaurar florestas e zonas úmidas para regular a vazão

TERRAS AGRÍCOLAS CIDADES ÁREAS COSTEIRAS

RISCO: Quebras de safra e perda de gado devido às secas SOLUÇÃO: Implementar agroflorestas para usar melhor a umidade do solo e reduzir a evaporação

RISCO:

Perda de ativos, redução das safras e interrupções no transporte devido às inundações

SOLUÇÃO: Proteger e restaurar as florestas para desacelarar o escoamento da água

RISCO: Inundações urbanas em decorrência de chuvas intensas

SOLUÇÃO: Restaurar cursos d’água, ampliar as áreas verdes e implementar drenagem natural para reduzir os riscos de inundações

RISCO: Estresse por calor excessivo devido às ilhas de calor urbanas

SOLUÇÃO: Ampliar as áreas verdes dentro e no entorno das cidades

RISCO: Perda de terras, ativos e meios de subsistência devido ao aumento do nível do mar e à erosão costeira

SOLUÇÃO: Restaurar as zonas úmidas costeiras, inclusive desenvolvendo novas soluções de engenharia

RISCO: Perda de vidas e ativos devido às tempestades e inundações

SOLUÇÃO: Proteger e restaurar as áreas de mangue, pântanos e recifes para criar uma área de proteção na costa e absorver água.

Fonte: Bapna et al, 2019

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A microbacia do Rio Pari, em Pompéu, sofre há anos com a escassez hídrica. A região possui dois assentamentos e um quilombo que já chegaram a ser abastecidos por caminhão pipa. Breno Henrique da Silva Ramos, representante da prefeitura de Pompéu no CBH do Rio Pará, conta que a bacia sofre com a degradação. “O desmatamento é grande e de uns anos para cá tem aumentado para dar lugar à produção de soja, além da abertura de novas áreas de pastagens”, diz.

Para ele, conservar e recuperar as áreas degradadas é de fundamental importância. “Acredito muito no Programa de Conservação e Produção de Água. Com ações simples traremos resultados significativos para a microbacia que resultarão em melhorias para a qualidade de vida da população”, afirmou.

Já o Ribeirão Sapé, em Carmo do Cajuru, é um dos cursos d’água mais bonitos da bacia. Ele nasce na Jacuba, passa por Olhos d’Água, forma lindas cascatas pela Serrinha, até desaguar no Rio Pará.

Crispim Júnior, secretário de Meio Ambiente de Carmo do Cajuru, afirma que o município é preocupado com as ações de conservação e preservação dos recursos hídricos. “Sofremos os reflexos da estiagem e da crise hídrica e ações como o Programa de Conservação e Produção de Água nos ajudarão a aumentar a produção de água no nosso município”, declarou.

Em Carmo do Cajuru também é desenvolvido o Programa Produtor de Água da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) com o pagamento por serviços ambientais a produtores que adotam técnicas adequadas de manejo do solo com o objetivo de aumentar a produção de água.

Breno Ramos espera que projeto do CBH em Pompéu traga resultados significativos para a microbacia. Para Crispim Júnior, secretário de Meio Ambiente de Carmo do Cajuru, Programa ajudará a produzir água no Ribeirão do Sapé.

A microbacia do Ribeirão Custódio, em Cláudio, também é uma área explorada pela agropecuáriA. “Desenvolver ações de conservação e produção de água é de fundamental importância para a nossa região. A iniciativa servirá de modelo para os municípios replicarem as ações. Somente com planejamento e ações efetivas conseguiremos de fato melhorar a quantidade e qualidade das águas do Rio Pará”, garante o conselheiro do CBH do Rio Pará, Marcelo da Fonseca, representante do Sindicato dos Produtores Rurais de Claúdio.

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Marcelo da Fonseca, de Cláudio, acredita que iniciativa servirá de modelo para municípios replicarem as ações. Em menos de dois anos, Ernst Götsch reflorestou todo o seu terreno de 510 hectares, na Bahia.

O RIO QUE PODEMOS TER

Responsável pelo estudo de enquadramento na bacia do Rio Pará, hidrólogo Leonardo Mitre explica como o instrumento pode garantir a preservação dos corpos hídricos e a melhoria contínua da qualidade das águas

Texto: Luiza Baggio

A Política Nacional de Recursos Hídricos estabelece como um de seus fundamentos que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas que requerem diferentes requisitos de qualidade. O enquadramento dos corpos de água em classes é um dos instrumentos de gestão que visa assegurar às águas, superficiais e subterrâneas, qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas bem como diminuir os custos de combate à poluição, mediante ações preventivas permanentes. O estudo é realizado na bacia do Rio Pará por meio de uma parceria entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e o CBH do Rio Pará.

Entrevistamos o hidrólogo responsável pelo estudo de enquadramento, Leonardo Mitre, para saber mais sobre esse instrumento de gestão. Ele é engenheiro civil, mestre e doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e acompanha o enquadramento de outras três bacias na região do Alto São Francisco.

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ENTREVISTA
LEONARDO MITRE
Foto: Bianca Aun

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O que é o enquadramento e como as classes de um corpo d’água são definidas?

O enquadramento estabelece metas de qualidade da água, a partir dos usos mais restritivos. Para isso, são avaliados os usos de água existentes em cada trecho de curso de água e são definidos pelo Comitê os usos pretendidos. A partir disso é verificada a qualidade da água necessária para atendê-los.

As classes são definidas a partir de um pacto acordado pela sociedade. Para chegar à proposta de enquadramento, que trata do rio que podemos ter, foi preciso conhecer a fundo o Rio Pará, suas condições atuais de qualidade, as diversas finalidades de uso de suas águas, as comunidades às quais seus cursos de água servem. E, principalmente, seu estado de preservação e degradação. O rio que podemos ter representa uma mediação entre a vontade da sociedade, que na maioria das vezes é um cenário idealizado, e a realidade com o melhor resultado possível, considerando os limites técnicos sociais e econômicos existentes.

A partir da definição desse rio que podemos ter, em que é determinada pelo CBH a qualidade que se deseja para cada trecho, é possível propor as ações que deverão ser executadas para que sejam atingidas as respectivas metas de classes de enquadramento.

Qual é o maior desafio para a efetivação do enquadramento na bacia do Rio Pará?

O maior desafio é a implementação propriamente de todas as ações propostas e o cumprimento dos prazos previstos. De uma forma geral, o que se vê é que são propostas as ações necessárias com seus detalhamentos e como devem ser executadas, mas não é feita uma pactuação com os respectivos responsáveis. Observase que as ações previstas no enquadramento têm responsabilidade principal de entidades ligadas ao setor de saneamento, mas também demandam ações dos órgãos ambientais para o licenciamento das soluções, do órgão gestor de recursos hídricos relacionadas às outorgas de lançamentos de efluentes, de órgãos financiadores para a disponibilização dos recursos e de prefeituras para desapropriação de áreas, quando necessário, dentre outras entidades. Finalizado o estudo de enquadramento será essencial uma pactuação entre todas essas instituições.

Como o CBH do Rio Pará pode atuar para apoiar o processo de implementação das ações do enquadramento?

A forte atuação dos membros do CBH do Rio Pará é fundamental para que o enquadramento tenha resultados positivos para a bacia. Inicialmente, é fundamental que seja feita a internalização dos resultados do enquadramento entre os membros do Comitê. Assim, para cada ação proposta no Programa de Efetivação do Enquadramento, o CBH do Rio Pará deve atuar no sentido de proporcionar em sua Câmara Técnica de Planejamento e Projetos (CTPP) um fórum para discussão de prazos e viabilidade de execução entre todos os atores responsáveis por atividades necessárias, incluindo a verificação de pré-requisitos.

Outra ação fundamental do Comitê é o monitoramento contínuo com os responsáveis por cada ação, no sentido de verificar o cumprimento dos prazos e se há alguma dificuldade ou questão que esteja prejudicando ou atrasando sua execução. Nesse sentido, a CTPP deve proporcionar discussões periódicas com cada um dos responsáveis por ações e, com isso, verificar e divulgar continuamente os resultados para a bacia.

Como o enquadramento é integrado aos outros instrumentos da Política de Recursos Hídricos?

O enquadramento tem relação direta com os outros instrumentos e pode levar a melhores resultados para a bacia. Para isso, podem ser destacadas, inicialmente, as outorgas de direito de uso de recursos hídricos para lançamentos de efluentes que não são, ainda, analisadas e emitidas na bacia do Rio Pará. Nesse sentido, a partir da aprovação do enquadramento, as condições de qualidade referentes à classe de cada corpo de água passam a ser o critério de outorga para os lançamentos de efluentes. Com isso, só poderão ser autorizados lançamentos de efluentes que não alterem a classe de enquadramento legal do corpo receptor.

A cobrança pelo uso da água também pode ser utilizada como um incentivador para a melhoria da qualidade dos corpos de água da bacia, podendo ser utilizados parâmetros de cálculo diferenciados em função da condição atual e da necessidade de melhoria. Assim, no caso dos lançamentos de efluentes, o pagamento de valores mais altos para cursos de água que ainda não se apresentam na classe legal prevista podem induzir ao usuário uma melhoria em seus sistemas de tratamento.

P.

No que se refere ao Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Pará, apesar de já ter sido aprovado há alguns anos e estar com seu plano de ações em implementação, é possível verificar que uma série de atividades lá previstas poderão também levar a benefícios para a qualidade das águas da bacia.

O estudo de enquadramento prevê um custo para efetivação? Qual a instituição responsável pelos investimentos?

Os custos estimados dependem da alternativa de enquadramento a ser selecionada pelo CBH do Rio Pará. De toda forma, o montante total de ações previstas para a Bacia gira em torno de R$ 700 milhões para os próximos 20 anos, principalmente voltadas ao setor de saneamento, considerando necessidade de melhora na qualidade das águas. Há, ainda, ações de responsabilidade de usuários de outros setores como o industrial e agrícola que tiverem efluentes sendo lançados

Estudo de enquadramento é realizado por meio de parceria entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e o CBH do Rio Pará.

nos cursos de água e que deverão ter seus sistemas de tratamento adequados de forma a atender às respectivas classes de enquadramento. Essas ações não têm custos mensurados neste momento, uma vez que dependem de informações sobre os sistemas de lançamento atuais, como ponto de disposição, vazão, concentração e regime de operação, o que não é disponível de forma sistematizada no momento.

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Foto: Léo Boi
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ARTE NA BACIA

MÃOS QUE CRIAM

A arte esculpida na madeira seguida por três gerações

A arte de entalhar na madeira seguida por três gerações. Com o auxílio de um canivete e um formão, pai, filho e, agora, o neto esculpem em blocos de madeira sua arte. Reconhecidos por retratarem temas regionais entalhados sobre a madeira, o trabalho desses três grandes artistas traz grande precisão simétrica e detalhes ricos, o que transmite uma sensação rítmica pela sucessão de figuras representadas.

Geraldo Teles de Oliveira, conhecido como GTO, foi um artista brasileiro de grande expressão. Nascido na bacia do Rio Pará, em Itapecerica, passou a infância e a juventude em Divinópolis. Com suas esculturas internacionalmente conhecidas, o homem simples criado com pouco aprendeu a entalhar nos fundos da casa onde morava, tendo como ferramenta o canivete que usava para cortar fumo e peças de madeira.

“GTO viveu no mato toda a vida. Quando veio para a cidade, não tinha habilidade para muitas tarefas e, para sobreviver, trabalhava com o serviço braçal, o que debilitou sua saúde. Na década de 1960, sofreu um desmaio e, quando acordou, disse que o Divino [Espírito Santo], em sonho, intercedeu por ele e que gostaria que ele fosse seu instrumento”, conta o neto Alex Pereira Teles.

Foi a partir de então que, ao final de um longo dia de trabalho na construção do Hospital São João de Deus, GTO recolheu um pedaço de madeira jogado na obra e, ao chegar em casa, pegou o seu canivete e entalhou o que viu nos sonhos. A partir disso, começou a fazer peças maiores, obras que ele via em sonhos e concretizava sob a madeira.

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TRADIÇÃO

Sua primeira peça, e a única a receber um nome, foi a “roda da vida”. Presente em diferentes tradições, a roda da vida representa os ciclos da vida e o círculo, também marcante em sua arte, que traz o sentido de unidade, em que todos os povos se encontram entrelaçados.

Das referências da obra de GTO, o filho Mário Pereira Teles e o neto Alex Pereira Teles deram sequência ao trabalho do escultor autodidata. Mário aprendeu o ofício ao lado do pai e, após a morte dele, deu continuidade ao seu legado, hoje repassado ao filho Alex, que segue com maestria o trabalho de transformar madeira em arte.

“Meu avô dizia que fazemos parte de uma trindade artística que iniciou na década de 1960, através de GTO, e repassado para o meu pai, Mário, e agora eu como a terceira geração faço parte desse processo criativo, nomeado por GTO como um dom Divino”, conta Alex Teles.

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Alex Pereira Teles define o trabalho da família como uma arte única, de sensibilidade: “É a madeira crua e nua entalhada pelas mãos”. Mário Pereira Teles herdou o talento do pai, GTO, e o repassou ao filho, Alex.

ARTE

MUNDO

Grande amigo da poetisa Adélia Prado, do músico exMutantes Túlio Mourão, do historiador Lázaro Barreto, do artista plástico Heraldo Alvim, todos esses naturais da bacia do Rio Pará, e de outros de renome como o escritor Carlos Drummond de Andrade os integrantes do Clube da Esquina, Geraldo Teles de Oliveira ganhava admiradores por onde passava. Ficou conhecido internae cionalmente pelas suas esculturas que ganharam o mundo e que hoje encontram-se em 144 países.

O artista participou de importantes coletivas no Brasil e no exterior, como Biennale Formes Humaines - Musée Rodin (Paris,1974), 13ª Bienal Internacional de São Paulo - Sala Especial (1975) e a Bienal de Veneza (Itália, 1980). De acordo com o neto, GTO foi premiado em diferentes lugares do mundo pela singularidade de sua arte.

“Hoje suas obras estão espalhadas por 144 países, consideradas como uma obra única. Seguimos esses sonhos que ele deixou e continuamos trabalhando da mesma forma primitiva, com as mãos, sem interferência de maquinário, lixas, cola e pintura. É a madeira crua e nua entalhada pelas mãos. Uma criação única, de sensibilidade”, ressalta Alex Teles.

POR GERAÇÕES

Com o aprendizado continuado por Mário, e hoje por Alex Teles, as referências das obras de GTO permanecem vivas. Motivo de orgulho para Alex, que vê no ofício uma forma de escrever sua história. Assim como o avô, em um sonho percebeu que chegou a sua hora de começar a esculpir. Foi então que abandonou sua carreira em uma grande empresa e se dedicou à arte.

“Tenho um orgulho e uma gratidão muito grandes. Apesar da minha formação superior, também ouvi esse chamado e recebi das mãos do meu pai as ferramentas que meu avô deixou, sabendo que um dia eu daria continuidade a esse trabalho. Meu pai reviveu sua história quando me viu dar sequência no que meu avô começou. É a perpetuação da nossa história, que ele viveu na mesa de entalhar junto ao pai dele, e agora vive ao lado do seu filho”, conta.

Um dos trabalhos mais emblemáticos da família é a ‘Roda da Vida’, que traz o sentido de unidade, em que todos os povos se encontram entrelaçados.

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SEGURANÇA HÍDRICA

EM CASA ONDE FALTA PÃO

Os conflitos pela água escassa encontram na participação democrática o caminho para as soluções

Texto: Paulo Barcala

Fotos: Léo Boi

As agruras pela falta d’água em Pará de Minas, região central do estado, a cerca de 80 km da capital, não vêm de hoje. Era ainda fevereiro de 2009 e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) foi levado a emitir, para a bacia do Ribeirão Paciência, única fonte de abastecimento da cidade até 2015, a Declaração de Área de Conflito (DAC), instrumento legal empregado quando a demanda pelo uso dos recursos hídricos de uma porção hidrográfica é superior à quantidade de água superficial disponível.

Face à inexistência de metodologias e processos legalmente definidos para tais situações, o caso só viria a ter avanços dez longos anos depois, com a edição do Decreto Estadual nº 47.705 de 2019, que enfim estabeleceu procedimentos para a regularização do uso de recursos hídricos em quadros de escassez. Estava criada a figura da outorga coletiva, concedida por meio de portaria que encampa as outorgas individuais vigentes e as que se encontram em processo de análise.

“A região vinha sofrendo com secas e escassez severas, até racionamento houve”, lembra Cynthia Cardoso, advogada de profissão e atual secretária executiva da Comissão Gestora Local (CGL) Ribeirão Paciência, novidade instituída pela Portaria IGAM 26/2020.

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A Comissão Gestora Local, composta pelos usuários de recursos hídricos superficiais consuntivos, outorgados ou outorgáveis, em territórios com Declaração de Área de Conflito (DAC), tem a missão de representar seus integrantes perante o Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) e o IGAM, propor Termo de Alocação de Água e gerenciar a alocação dos usos de recursos hídricos em sua esfera.

No caso do Paciência, ribeirão em cujas margens nasceu o povoado de Patafufo, futura Pará de Minas, hoje com 95 mil habitantes, o processo que culminou na CGL teve início em abril de 2020, em reunião convocada pelo CBH do Rio Pará, por intermédio de sua Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC). O CBH responde pela bacia hidrográfica na qual se insere o ribeirão, por sua vez afluente do Rio São João, sub-bacia apontada como a mais crítica pelo Comitê, consideradas todas as atividades presentes na área e os diversos usos da água. Em novembro daquele mesmo ano, a CGL era instalada com 12 usuários.

“Aos poucos, fomos amadurecendo os laços de confiança no processo de gestão da escassez, em que cada um tem que ceder um pouco, construir o entendimento para chegar a uma proposta”, analisa Cynthia. Para ela, a importância da CGL está em “adotar o sistema de diálogo e cooperação e superar a cultura do ‘comando e controle’, com as partes diretamente afetadas fazendo composição e chegando a um acordo. É um passo adiante em gestão participativa”.

A CGL Ribeirão Paciência já deu muitos passos. Após a contratação de consultoria técnica para análise de dados secundários, estudos de vazão e instalação de estação fluviométrica, o Plano de Alocação está sendo finalizado e será apresentado ao IGAM e ao CBH do Rio Pará para aprovação. “Em seguida vamos criar a Associação de Usuários”, diz Cynthia, que acredita que a proposta “será fruto do consenso”.

MAIS ESCASSEZ

No município de Bom Despacho, nas proximidades do povoado do Garça, nasce o Rio Picão, sub-bacia notável pela fertilidade do solo e produção agrícola de alto padrão. O uso intensivo da água sem maiores controles e cuidados, no entanto, deslanchou para a decretação, em 2015, de uma segunda área de conflito na bacia do Rio Pará.

“É uma região de muitas pequenas propriedades e algumas grandes que, na inconstância das chuvas, precisam da irrigação, mas o volume [retirado] começou a ficar maior do que a capacidade. Infelizmente, a água está acabando”, aponta Antônio de Souza, secretário da CGL Rio Picão, produtor de milho, aveia e hortifrútis e criador de gado Girolando.

Instituída pela Portaria IGAM nº 1126, de dezembro de 2021, a CGL Rio Picão teve sua primeira reunião em janeiro deste ano, após convocação pelo CBH do Rio Pará. Segundo Souza, a CGL é “altamente necessária e importante, pois dá benefício e responsabilidade”. E alfineta: “Hoje a água está dando para atender porque, com a criação da CGL, acabaram os privilégios e a concentração de uso. Tudo ficou mais democrático”.

Em Bom Despacho, sub-bacia do Rio Picão foi decretada como área de conflito pelo uso da água em 2015.

Áreas de Conflito Declaradas em

Minas Gerais e na bacia do Rio Pará

Sede Municipal

Circunscrições Hidrográficas Áreas de conflito 2021 Bacia Hidrográfica do Rio Pará

Circunscrições Hidrográficas Áreas de conflito 2021

Fonte: Igam (2021)

Bacia Hidrográfica do Rio Pará

Fonte: Igam (2021)

UMA TRANSPOSIÇÃO PARA CHAMAR DE MINHA

Uma das medidas pleiteadas pelos produtores da sub-bacia ganhou o nome de “derivação”, captação de água do Rio São Francisco, onde deságua o Pará, e bombeamento para um lago com 2 milhões de m2 de área, a 15 km de distância, a ser construído na cabeceira do Rio Picão. A intervenção controversa, com custo estimado em R$ 100 milhões, permitiria a irrigação de 10 a 15 mil hectares para a produção de grãos e hortifrútis.

O chefe de gabinete da prefeitura de Bom Despacho, Francisco Amaral Cardoso, informa que “parte dessa água irá direto para abastecimento humano, pois o Ribeirão Capivari não está dando conta do abastecimento. Quase toda seca tem faltado água”. Cardoso garante que “em torno de 90% da água [da derivação] voltará para o leito (do rio)” e que “a prefeitura já identificou mais de 200 nascentes que serão revitalizadas no projeto”.

MOBILIZAÇÃO E SUPORTE

“Quando temos uma Declaração de Área de Conflito, o papel do CBH é mobilizar os envolvidos para a discussão da outorga coletiva. O Comitê acompanha todo o processo e dá suporte, mas, com a criação da CGL, são os próprios usuários que ficam à frente”, explica Túlio de Sá, secretário do CBH do Rio Pará e representante da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais).

Segundo ele, a Expedição ‘Esse Rio é Meu’ que o Comitê promoverá pelas águas do Rio Pará em meados de 2023 pretende “mobilizar a população da bacia para a necessidade do cuidado e da preservação”. Túlio acredita ainda que o CBH tem dado o exemplo, como com o Programa de Conservação e Produção de Água que é bancado com recursos próprios e objetiva maximizar o potencial de produção de água em sub-bacias de cada

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Sede Municipal
Formoso Januária Manga Janaúba Rio Pardo de Minas Almenara Araçuaí Teófilo Otoni Carlos Chagas Governador Valadares Diamantina Curvelo Pirapora Bonfinópolis de Minas Paracatu Unaí João Pinheiro Bom Despacho Belo Horizonte Divinópolis Passos Poços de Caldas Pouso Alegre Lavras Viçosa Ipatinga Muriaé Juiz de Fora Varginha Frutal Uberaba Patrocínio Gurinhatã Santa Vitória Ituiutaba
Bom
Picão Paciência
Despacho Pará de Minas
Formoso Januária Manga Janaúba Rio Pardo de Minas Almenara Araçuaí Teófilo Otoni Carlos Chagas Governador Valadares Diamantina Curvelo Pirapora Bonfinópolis de Minas Paracatu Unaí João Pinheiro Bom Despacho Belo Horizonte Divinópolis Passos Poços de Caldas Pouso Alegre Lavras Viçosa Ipatinga Muriaé Juiz
Fora Varginha Frutal Uberaba Patrocínio Gurinhatã Santa Vitória Ituiutaba
de
Bom
Picão Paciência
Despacho Pará de Minas

região fisiográfica da bacia: Ribeirão dos Custódios, município de Cláudio, no Alto curso do rio; Ribeirão do Sapé, em Carmo do Cajuru, no Médio curso; e Ribeirão Pari, município de Pompéu, no Baixo Pará.

Túlio ressalta ainda o trabalho, desenvolvido pela Fiemg, de orientar seus associados a identificarem “a real necessidade de água em cada empresa, opções de reuso, melhoria de processos”, deixando “maior disponibilidade e evitando a declaração de áreas de conflito”.

PANORAMA ESTADUAL

Segundo a revista oficial do Centro Universitário Augusto Motta, do Rio de Janeiro, Minas tem o privilégio de possuir “3,5% da disponibilidade hídrica brasileira, com 17 bacias hidrográficas federais, que banham quase 67% do território, e mais de 10 mil cursos de água”. No entanto, “o cenário hídrico também é preocupante, frente à intensificação da demanda hídrica e alterações no ciclo hidrológico”.

De acordo com o IGAM, o estado tem 111 outorgas coletivas em 64 DACs, 25 delas com portarias de constituição da CGL publicadas e 21 instaladas. A maior concentração de DACs está no Triângulo Mineiro, na bacia do Rio Paranaíba, e no Noroeste de Minas, na bacia do Rio São Francisco – sub-bacias dos Rios Paracatu e Urucuia.

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Secretário do CBH do Rio Pará, Túlio de Sá crê que a Expedição “Esse Rio é Meu” em 2023, irá mobilizar a população da bacia para a necessidade do cuidado e da preservação. Na sub-bacia do Ribeirão Paciência, em Pará de Minas, a Comissão Gestora Local (CGL) foi instituída em 2020.

Uso intensivo da água culminou na decretação de conflito pelo uso da água na sub-bacia do Rio Picão, em Bom Despacho.

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POVOS ORIGINÁRIOS

NAÇÃO KAXIXÓ LUTA PELA TERRA E PELO RIO

Grupo indígena busca na OIT o amparo que por aqui

anda em falta

Texto: Paulo Barcala

Fotos: Léo Boi

Reunidos em três pequenas aldeias – Capão do Zezinho, na margem esquerda do Rio Pará, município de Martinho Campos; Fundinho e Pindaíba, na margem direita, município de Pompéu –, o povo Kaxixó segue em luta pela demarcação de suas terras originais.

Otávio Junior da Costa, o Otávio Kaxixó, 28 anos, no 8º período do curso de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), é quem fala: “O nosso Rio Pará é o pilar principal da nossa luta, porque dele a gente extrai alimento, diversão, prazer; nele fazemos nossos rituais. Um rio que corta a nossa comunidade, uma vida que atravessa outras vidas. A poluição do rio entristece a gente. Tem quem jogue dejetos de suínos no rio, que também sofre com os eucaliptos à beira das nascentes”.

Otávio lamenta os “montes sagrados dilapidados, como o Cruzeiro do Urubu, onde os antigos faziam seus ritos e trocavam ideias, mas a prefeitura vai lá tirar cascalho, dilapidando o monte, destruindo tudo que é marca do nosso povo”.

O futuro médico, primeiro do seu povo na profissão, ressalta: “Antigamente podíamos nos banhar nus, hoje temos medo de que nossos corpos sofram. Canoas, anzóis, acidentes, motores. Já sofremos ataques, agressões. Pensam que nossos ritos são bruxarias. Um momento de festa vira guerra. Não fazemos mais os rituais na beira do rio. Porteiras ficam trancadas para impedir nosso acesso”.

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Com 28 anos e cursando Medicina na UFMG, Otávio é uma das novas e potentes lideranças do povo Kaxixó.

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Foto: Letícia Pimentel

DIREITO VIOLADO

O Cacique Nilvando José de Oliveira, da maior das aldeias, Capão do Zezinho, confirma: “Não podemos largar mais nada lá na beira do rio; antes deixava barco, até motor. Podia deixar até dinheiro, agora não”. O vizinho Rio Paraopeba “não tem data para voltar ao normal” e o Rio Pará sobrou como único ímã a atrair pescadores, loteamentos irregulares e a fornecer a água que já não pode ser captada do rio comprometido pela tragédia de Brumadinho.

A batalha pela demarcação segue enfrentando toda sorte de obstáculos. Reconhecidos oficialmente pela Funai (Fundação Nacional do Índio) como grupo indígena em 2001, viram os 54 mil hectares reivindicados encolherem para 27 mil, depois para 13 mil e agora para cerca de 5,5 mil hectares, embora até hoje não homologados. Na prática, as três aldeias juntas não ocupam mais do que seis hectares, mesmo assim como posseiros. O restante das terras está na mão de fazendeiros e condomínios.

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão e a Defensoria Pública Estadual propuseram a realização de audiência pública, ainda sem data definida, para a qual serão intimadas as prefeituras de Martinho Campos e Pompéu e o governo do estado, autores de processo que pede a anulação da demarcação.

Liderjane Gomes da Mata, a Jane Kaxixó, revela outra preocupação: “Vamos perder muitas espécies de peixe; os ovinhos ficam na lagoa, um berçário para fugir do peixe grande. Na hora que ela enche de novo, eles voltam para o rio já mais crescidos. Não vai ter vazão para encher e vamos ficar sem muitas espécies”. Ela denuncia: “Estamos ficando doentes aqui sem o contato com o rio”.

Essa constatação não vem de hoje. Em 2017, o Ministério Público Federal (MPF) registrou: “Os Kaxixó, atualmente, vivem em um contexto em que veem paulatinamente seu território tradicional ser tomado por empreendimentos ligados ao cultivo do eucalipto e à pecuária e por loteamentos ilegais nas margens do Rio Pará”.

No mesmo documento, o MPF pediu à Justiça Federal que obrigasse os dois municípios a implementarem política pública de promoção e prevenção de saúde mental dos Kaxixós, “devendo, inclusive, prestar atendimento psicológico e de assistência social permanente aos membros da etnia, que ora enfrentam situação de sofrimento e adoecimento psíquico”.

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Jane Kaxixó teme pela biodiversidade e saúde ambiental das lagoas marginais. Cacique Nilvando diz que nação Kaxixó busca internacionalmente o amparo institucional que aqui lhes tem faltado.

OIT

Recentemente, as três aldeias aprovaram o Protocolo de Consulta Prévia do Povo Kaxixó, baseado na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Essa Convenção resguarda o direito à consulta livre e informada antes de qualquer ação de governos, empresas ou particulares em suas terras.

O Cacique Nilvando sabe o que desejam: “É um instrumento de autodeterminação. Não queremos mais que os governos e latifundiários tomem decisões sem nos ouvir e negociar. Tudo que for feito nessa terra eles terão que nos consultar”. A medida abre caminho para que a nação Kaxixó busque internacionalmente o amparo institucional que aqui lhes tem faltado.

A QUEDA DO CÉU

Resultado da luta coletiva em busca do reconhecimento como atingidos pelo rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, o povo Kaxixó foi uma das últimas comunidades a serem inseridas no contexto da reparação e a primeira a receber o cadastramento do Programa de Transferência de Renda na chamada região 5, em que o Paraopeba deságua na represa de Três Marias.

O que sobrou dos Kaxixó soma hoje aproximadamente 400 almas, das quais apenas 108 vivem dentro das aldeias. O restante se dispersou por cidades da região e mesmo por outros estados.

A nação do tronco macro-jê habitava, segundo o cacique Djalma, falecido em 2011, desde as imediações da Serra do Curral, em Belo Horizonte, até “Pará de Minas, Pitangui, Pompéu e Três Marias”.

Otávio aposta na transmissão da cultura e das tradições: “Se nossos mais jovens não entendem de onde vieram, tudo se acaba. Se a gente perde o nosso rio, perde a força da luta. Queremos proteger. A gente não é o regresso, como dizem por aí. Nós somos o progresso”.

À moda do líder yanomami Davi Kopenawa, Otávio ensina: “A terra está sangrando, e eles estão deixando a terra sangrar. Se não ouvirem isso, vai tudo acabar. É preciso fortalecer a terra para o céu não cair”.

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Vista aérea da comunidade indígena Kaxixó, pertencente ao município de Martinho Campos.
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Vista aérea do Rio Pará próximo à reserva indígena Kaxixó.

Kaxixós estão hoje reunidos em três pequenas aldeias: Capão do Zezinho, na margem esquerda do Rio Pará, município de Martinho Campos; Fundinho e Pindaíba, na margem direita, município de Pompéu.

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AMBIENTAIS

PRESERVAÇÃO REMUNERADA SERVIÇOS

Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) torna a preservação e recuperação ambientais uma atividade rentável

Texto: Leonardo Ramos Fotos: Prefeitura de Extrema e Léo Boi

Produtores rurais, principalmente aqueles que possuem cursos d’água em suas propriedades, frequentemente esbarram na seguinte dúvida: maximizar a produção ou conservar os recursos naturais? Embora esse pareça ser um impasse cuja resposta implica escolher entre o lucro e a preservação ambiental, iniciativas como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) oferecem uma alternativa através da qual o produtor rural é remunerado por cada hectare de sua terra que, por exemplo, esteja reservado para produzir água, eliminando o dilema.

Recuperação de áreas e pagamento ao agricultor em Extrema, no Sul de Minas, inspira programas Brasil afora.

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“CONSERVAÇÃO RIO ACIMA, BENEFÍCIOS RIO ABAIXO”

A política de PSA é de adesão voluntária e pode ser aplicada para diversos tipos de serviços ambientais, mas é mais largamente utilizada para incentivar o produtor rural a produzir água. O programa “Produtor de Água” da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) surgiu de uma demanda da sociedade há cerca de 20 anos diante dos desafios de escassez hídrica.

Quem explica como tudo começou é Henrique Chaves, professor da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília e ex-assessor técnico da ANA. Ele é um dos responsáveis por implantar a política na agência e conta que o que a ANA buscava era “uma compensação financeira por melhorias ambientais realizadas por produtores rurais que protegessem cursos d’água e nascentes, uma vez que a conservação rio acima se converte em benefícios rio abaixo. Os principais beneficiados por esse tipo de incentivo são a população, tanto rural quanto urbana, o saneamento e o próprio produtor, desde que o pagamento seja proporcional ao benefício gerado e que o produtor receba a compensação apenas após a mensuração do produto.”

A ANA oferece o aporte financeiro, mas ela não é a única. Prefeituras municipais e a iniciativa privada também investem no pagamento já que, ainda segundo Henrique, o retorno, tanto ambiental quanto financeiro, é significativo. “Fizemos um estudo para o ‘Programa Água Brasil’, fruto da parceria entre o Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil), Banco do Brasil e ANA, e o resultado foi espantoso: para cada R$ 1 investido no Pagamento por Serviços Ambientais, o retorno é de R$ 2 a R$ 8, a depender do projeto e do tipo de obra. Por exemplo, obras de terraceamento retornam mais de R$ 5 por real investido”, celebra.

O EXEMPLO DE EXTREMA

O primeiro projeto de PSA no Brasil foi em Extrema, cidade mineira na divisa com o estado de São Paulo. Alguns dos cursos d’água que nascem em Extrema contribuem para o Sistema Cantareira, responsável por abastecer a Região Metropolitana de São Paulo. Iniciado em 2005, o programa “Conservador das Águas” é exemplo não só para o Brasil, como também para o Mundo. Foi reconhecido pelo Prêmio Internacional de Dubai de Melhores Práticas, em 2012, de iniciativa do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e se expandiu para outras cidades brasileiras através do programa “Conservador da Mantiqueira”, em 2016.

Extrema tornou-se um centro de referência na política do PSA, e o ex-secretário de Meio Ambiente da cidade, Paulo Henrique Pereira, idealizador do programa, conta quais foram as dificuldades e os resultados. “No início tivemos muita resistência. Naquela época não tínhamos atravessado grandes crises hídricas. Ainda que a essência do PSA seja a remuneração pelos serviços ambientais prestados, há uma desconfiança por parte do produtor quanto a se o pagamento será honrado após ele fazer as modificações na sua propriedade, bem como da permanência da política para além das alternâncias de governos. Mas, passado esse primeiro período de resistência, o programa ganhou fôlego e já contamos com mais de 2 milhões de árvores plantadas e mais de 1000 hectares de áreas degradadas recuperadas. Hoje vem gente de todo o Brasil para conversar conosco e ouvir nossas experiências”, conta.

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Em Pará de Minas, onde o presidente do CBH, José Hermano Franco, é secretário municipal, PSA já é realidade.
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Alguns dos cursos d’água que nascem em Extrema (MG) contribuem para o Sistema Cantareira, responsável por abastecer a Região Metropolitana de São Paulo

O PSA NA BACIA DO RIO PARÁ

Na Bacia Hidrográfica do Rio Pará já há municípios que aderiram ao PSA. Em Pará de Minas, por exemplo, o pagamento por serviços ambientais ainda é tímido, beneficiando hoje quatro produtores rurais que serão pagos pela primeira vez este ano. Mas a perspectiva, segundo o Secretário de Agronegócio, Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente e presidente do CBH do Rio Pará, José Hermano Franco, é de que, até o fim do ano, esse número chegue a 15.

Em Nova Serrana, outros 15 produtores já recebem por serviços ambientais prestados. Érica Santos, Diretora de Agricultura da Prefeitura e Coordenadora do PSA do município, informa que o Programa Produtor Rural se apresentou como uma alternativa para o processo de urbanização acelerado que acabou descuidando dos recursos hídricos. “O projeto ainda está em andamento, mas, em conversas com os produtores beneficiados, já sentimos os resultados positivos na quantidade e qualidade da água. Foi realizado um levantamento de vazão em alguns pontos das microbacias antes do início das obras, e será realizado novamente ao final do projeto para se ter um comparativo. O projeto visa o cercamento de 65 nascentes e, até o momento, foram cercadas 19”, conta.

Um desses beneficiados é o produtor Antônio Laes Barbosa, conhecido como Laércio. Nos 27 hectares de sua propriedade em Nova Serrana está a nascente do Córrego Padilha. Foi no entorno dessa nascente que o programa se instalou, com 1400 metros de cerca e reflorestamento desde o início deste ano. E ele já tem experiência com cercamento de nascente. “Aqui na minha terra tem duas nascentes, uma cercada e outra, não. A nascente que não foi cercada possui maior vazão e, mesmo assim, secou durante um período de estiagem que tivemos na região há cerca de quatro anos. A que estava cercada, mesmo com menos água, permaneceu”, conta o apicultor e agricultor familiar.

Agora Laércio irá receber quatro parcelas anuais do programa a partir de dezembro deste ano por ter cercado a segunda nascente, e já celebra os resultados futuros baseado no que teve anteriormente. “Minha terra faz divisa com uma fazenda que tem pesca esportiva e depende da água de boa qualidade que sai daqui para os pesqueiros que frequentam lá, e o cercamento vai proporcionar isso. O benefício não será só para mim!”, concluiu.

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Produtor rural Antônio Laes Barbosa é um dos beneficiados pelo PSA de Nova Serrana.

COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA E PSA NO CBH DO RIO PARÁ

O presidente José Hermano Franco confirma que o CBH do Rio Pará pretende utilizar os recursos da cobrança pelo uso da água na bacia para disseminar o PSA entre outros municípios da região. Ele entende que, ainda que o Comitê possua programas de recuperação e preservação ambiental, o pagamento por serviços ambientais é um “uso nobre dos recursos de cobrança pelo uso da água”. Para Hermano, o momento agora é de debate. “Precisamos discutir em Plenária como operacionalizar o pagamento e como ampliar os parceiros, seja da iniciativa privada, seja do poder público”.

José Hermano acredita que a valorização do produtor de água é uma questão de justiça e de sustentabilidade, uma vez que quem tem uma nascente em seu território arca com os ônus da diminuição da área produtiva e da

preservação do manancial. “A nossa Constituição afirma que a água é um bem comum. Agora, a produção de água tem um custo, já que quem tem em sua propriedade uma nascente precisa reduzir sua área de produção em virtude da Área de Preservação Permanente [APP] em torno do manancial. Então, é justo que o ônus da produção de água seja compensado. É uma questão de justiça e de sustentabilidade. Com o pagamento, nós estamos garantindo que aquela água seja abundante e de boa qualidade para o uso comum, além de remunerar aqueles que produzem essa água”, finaliza.

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PSA é idealizado pelo Comitê como forma de compensar produção de água no meio rural. Em destaque, o encontro entre o Rio Pará e o Rio São Francisco, no município de Pompéu.

TERRITÓRIOS

PELAS ÁGUAS DO RIBEIRÃO CONQUISTA ...

Texto: Gabriel Rodrigues

Fotos: Léo Boi

Localizada há quase 100km da capital mineira, a pequena Itaguara, no Alto Rio Pará, encanta pela beleza e cordialidade de seu povo. Desenhada por morros e pequenas serras, o município é cortado pelo Ribeirão Conquista e pelo Rio São João, além do Rio Pará, que traça a fronteira com Carmópolis de Minas e Cláudio. Circular pela cidade é respirar o ar puro do interior de Minas Gerais e apreciar os casarões antigos que enchem os olhos. As pracinhas bem cuidadas espalhadas pela cidade são convidativas para um bom papo, além da leitura atenta pelas obras de João Guimarães Rosa, que por lá viveu e registrou o município no conto “Sarapalha”, do livro “Sagarana”.

Em 1675, Lourenço Castanho Taques chegou à região central do estado, onde viviam os índios Cataguases, os quais dominou e dizimou, dando o nome ao distrito de Conquista. Em 1901, foi anexado ao município de Itaúna. Já em 1943, Conquista elevou-se a município com a denominação Itaguara, palavra de origem tupi-guarani que significa “pedra do lobo”. Hoje, abriga cerca de 13 mil habitantes que vivem pelas ruas calmas de uma cidade privilegiada por suas belezas naturais.

Para quem visita Itaguara, a passagem pelas belas cachoeiras e o museu dedicado a Guimarães Rosa são pontos que não podem faltar no roteiro. A cachoeira da Pataca, por exemplo, com seus quase 3 metros de queda d’água, está localizada há apenas 4km do centro da cidade. O acesso é fácil, feito por uma trilha. O local impressiona pelas águas limpas e pela natureza preservada ao seu redor.

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Município de Itaguara traz religiosidade e cultura em sua história, além da tradicional hospitalidade, característica do povo mineiro
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Pontilhão no distrito de Pará dos Vilela, em Itaguara.

RioPará

RioSãoJoão

Itatiaiuçu

Itaguara

Pará

RibeirãoConquista Córr . Cachoeira

Sapecado

Piracema

Cachoeira Carmópolis de Minas

Sede Municipal Principais Cursos D’água Distritos

Há pouco mais de 1km de lá está situada a Cachoeira Eldorado, local com um grau maior de dificuldade de acesso, mas de beleza impecável.

Tombado como Patrimônio Histórico e Cultural do município, o Engenho Velho está localizado em uma propriedade particular. Suas ruínas proporcionam a apresentação exuberante da vegetação e a rústica paisagem. Há 8km do centro, o local traz construções feitas em pedra, inclusive a do moinho construído por escravos. Para quem deseja passar o dia por ali, o local possui área de camping e restaurante. É o lugar para repousar e apreciar a culinária mineira com um cenário único.

Construído na metade do século XX, o pontilhão situado no distrito de Pará dos Vilelas guarda história e traz lembranças. Feito com linhas simples e de pequena largura, a pequena ponte foi construída em concreto

armado, possuindo vigas curvas engatadas através de vigas retas, que criam a amarração sustentadas por pilares vinculados na curvatura e no imenso pilar de sustentação.

A fé e religiosidade também marcam o Pará dos Vilela. O local conta com uma construção histórica: a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, erguida em pedra no ano de 1746.

O distrito, localizado próximo à cidade de Cláudio, e á 22km da área central de Itaguara, foi o primeiro povoado do município e traz as primeiras memórias do escritor João Guimarães Rosa, jovem médico recém-chegado à cidade que se chocou com um surto de malária na região, que deixou muita dor e sofrimento aos moradores do distrito. Fato que, no futuro, impulsionou o então escritor a retratar Itaguara no conto “Sarapalha”, da obra “Sagarana”, (1946).

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Aroeiras Boa Vista de Cima dos Vilela

Na cidade, um museu guarda sua história e a conecta com a do município, local pouco habitado por ele, mas que deixou grandes lembranças.

A cidade também aprendeu a amar e respeitar seus recursos hídricos. Cortada pelo Ribeirão Conquista, curso d`água com 27km de extensão, que passa pelo centro da cidade e inspira a todos a viver com qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.

“O Ribeirão Conquista e suas referências de lugar, como a própria cachoeira da Pataca, e outras, poderiam potencializar rotas turísticas e de preservação ambiental, configurando uma alternativa para o desenvolvimento econômico, cultural e social de Itaguara”, destaca a geógrafa, mestre em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, Marina Vilaça.

ESTUDO

Marina é autora de um estudo sobre o Ribeirão Conquista. Natural de Itaguara, ela percebeu através de seus vínculos afetivos com a cidade a possibilidade de contribuir com conhecimento acadêmico, analisando aspectos ambientais e de unidade de planejamento e gestão de território. “Essa escolha foi pautada, principalmente, pela identificação das características relevantes desse curso d’água, que é afluente da margem direita do Rio Pará, e tem sua bacia totalmente inserida nos limites administrativos do município de Itaguara, onde intercepta a área rural e urbana ao longo dos seus 27km de extensão”, explica Marina.

A pesquisa contou com levantamentos secundários para análise ambiental, com foco nos aspectos físicos e socioambientais da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Conquista, apoiados pelo uso de um Sistema de Informações Geográficas (SIG) para análise espacial dos dados. Marina reforça que informações disponibilizadas pelo CBH do Rio Pará também contribuíram para o estudo.

O trabalho evidencia como as bacias hidrográficas se consolidam como compartimentos geográficos coerentes para planejamento integrado do uso e da ocupação dos espaços rurais e urbanos, na busca pelo desenvolvimento sustentável.

Marina acredita que a ocupação humana e os diversos tipos de usos do solo na bacia do Ribeirão Conquista, nos perímetros urbano e rural, provocaram a supressão

da mata ciliar e mudança das características ambientais da região, o que regularmente têm impactado a própria população nos períodos de chuva, com ocorrências de inundações na sede urbana e perdas de infraestruturas e benfeitorias.

“Esse é apenas um dos exemplos de como a preservação e cuidado com o recurso hídrico têm importância direta na vida da população. Outros aspectos, como indicadores de qualidade da água e limitação de expansão das atividades produtivas, podem ser gerenciados a partir de uma unidade de planejamento”, ressalta.

Marina explica que, a partir desse entendimento de gestão territorial, a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Conquista poderia contar com a participação da população em projetos de educação ambiental, formação de agentes comunitários para vigilância dos aspectos ambientais do curso d’água, maior proximidade e parcerias com o CBH do Rio Pará, atuação da administração municipal na mediação de conflitos sobre usos da água, dentre outros.

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Natural de Itaguara, geógrafa Marina Vilaça desenvolveu estudo sobre o Ribeirão Conquista.

ÁGUA COM QUALIDADE EM CASA E NO RIO

Representado pela conselheira Cristiane Maria das Dores Freitas, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Itaguara se faz presente no CBH do Rio Pará e, na cidade, é responsável por levar água de qualidade para todas as famílias. “Nosso objetivo é entregar água de qualidade em todas as propriedades. É com muita responsabilidade e carinho que fazemos a coleta dos recursos hídricos, além do cuidado para que esse bem não venha a faltar”, ressalta.

Em relação ao saneamento no município, Cristiane conta, que a autarquia é responsável, além da captação e distribuição de água tratada para a população, pela estação de colega de esgoto, onde é feita a coleta e o transporte até a unidade para fazer o tratamento. Também administram uma unidade de transbordo de resíduos sólidos. “A coleta doméstica é feita de porta em porta e os resíduos são encaminhados para o aterro sanitário Macaúba, em Sabará, também gerenciado pelo SAAE”, explica.

Cristiane conta que diversos projetos são realizados para preservar os recursos hídricos locais. Dentre eles, o projeto “Água Fonte de Vida”, iniciativa em parceria com a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, que distribui material para propriedades onde estão localizadas as nascentes.

A conselheira conta que a educação ambiental está presente na cidade através de atividades com as escolas, em que os estudantes são convidados para um tour ao redor do rio, onde aprendem sobre a importância das águas, como acontece a captação e a chegada da água com qualidade em todas as casas.

Para Cristiane, o maior vilão na cidade são os resíduos ainda depositados ao longo dos rios. Em sua maioria, sacos plásticos e tecidos circulam pelas águas e podem entupir a rede de drenagem, esgoto e, no período de chuvas, até causar inundações. “Essa responsabilidade de descarte é muito grande e as pessoas não têm noção da responsabilidade que cada um tem. Por isso a importância da conscientização e de não jogar nenhum tipo de resíduo nas águas”, enfatiza.

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Cristiane Freitas é representante do SAAE de Itaguara no CBH do Rio Pará. Cachoeira Eldorado, em Itaguara.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONSCIENTIZAÇÃO

Comprometida com a sustentabilidade e a preservação ambiental, a prefeitura de Itaguara também é responsável por diversas ações no município. De acordo com o Secretário Municipal de Infraestrutura, Limpeza Urbana, Agropecuária e Meio Ambiente, Luan Brenner Gonçalves de Morais, o objetivo é preservar os recursos naturais e conscientizar a população.

Segundo ele, através do projeto ‘Água fonte de vida’ é possível preservar as nascentes com a colaboração dos moradores que vivem ao seu redor. Além da doação de materiais, um estudo é feito no local para preservação do curso d’água. “São entregues estacas, arames e mudas. A ideia é fazer a recomposição do terreno no entorno das nascentes e o cercamento delas”, explica.

Pontos de coleta de óleo de cozinha para destinação correta, implantação de lixeiras ecológicas em pontos turísticos da cidade e atividades de educação ambiental fazem parte de ações contínuas idealizadas pelo município. “Temos colhido frutos positivos do nosso trabalho. A educação ambiental é um ponto que tem colaborado para formar cidadãos mais conscientes e comprometidos com a causa ambiental”, finaliza o secretário Luan Brenner.

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No povoado de Aroeiras, Josafá Rabelo produz rapadura artesanal e cachaça de qualidade.
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