Catarse #02

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Editora e diretora responsável: Ana Martins Reportagem: Ana Martins, Clara Varginha, Maria Catarina Carvalho, Marlon de Paula, Martes Foina, Priscila Natany, Sarah Evelyn, Tulio Moura Revisão: Ana Clara Santelli, Júlia Prado, Vinicius Andrade Design gráfico: Kylmer Sebastian Diagramação: Ana Martins Colunistas: Byron Marques, Kylmer Sebastian, Priscila Natany Fotografia: Ana Martins, Bruna Soares, Clara Varginha, José Eugênio, Kylmer Sebastian, Marlon de Paula Divulgação: Ana Martins, Byron Marques, Kylmer Sebastian facebook.com/revistacatarse expressao.catartica@gmail.com twitter.com/revistacatarse

Aos que contribuiram com sua arte, aos que apoiaram o projeto, aos amigos, à Vespa e à equipe; a Catarse agradece.

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Ode à expressão artística

Nem que toque apenas a um ou dois, a beleza das expressões artísticas nunca passará despercebida. Eis a afirmação da arte. Ela está ali, ela toca, inocomoda, emociona e causa repulsa. A sintese de sentimentos que um espetáculo de dança ou ilustração no jornal são capazes de passar só pode ser explicada através desta mesma arte. É o indizível que matuta nossas cabeças dia após dia. E de onde vem? Como ela chega até nós? Existe algum tipo de seleção e há como fugir disto? Hoje o mundo ramifica-se, conecta-se e desconecta-se em poucos segundos. Vivemos a época da volatibilidade, do espetáculo. E a arte é diretamente afetada por este movimento e padrões que caem e se impõem tão rapidamente. É preciso começar pelos cantos, pelas cordas bambas, longe do convencional, para quebrar as tradições que achamos que devem ser quebradas, para proteger as que devem permanecer. Que as amarras cedam. Que os caminhos sejam abertos. Que o verdadeiro fique, para que aquilo que não se verbaliza ainda possa ser transmitido. Que a arte se dissemine como um vírus indomável.

Ana Martins Editora

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MĂšSICA

por Maria Catarina Carvalho

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BRUNA SOARES

“...sonho antigo, de menino, de sair por aí. Quando me tornei músico, o primeiro lugar que me vinha à cabeça era o nordeste brasileiro....”, e agora, aos 29 anos, o músico Luiz Nascimento pôde dar forma ao sonho de menino: uma aventura pelas paisagens do norte e nordeste do Brasil e países andinos. Na cabeça, a curiosidade pela imensidão de sons, cores e lugares para se ouvir, ver e explorar; e na bagagem, seu violão e dezenas de CDs que produziu e gravou em casa durante maio a setembro deste ano,como forma de sustento da jornada pela América do Sul. O roteiro iniciou-se antes da chegada da primavera, no dia 16 de setembro, rumo à Porto SeguroBA, depois a ideia é subir para Belém, pegar o barco até Manaus e de lá cruzar a fronteira da Venezuela. E a partir daí descer os An-

des pela Colômbia, Peru, Bolívia, Chile e depois subir pela Argentina, Uruguai e sul do Brasil até retornar à solo sãojoanense. O CD, gravado em casa com o objetivo de viabilizar sua aventura pela América do Sul, recebe o nome de“Luiz Nascimento - Na trilha do Sol” e tem tiragem de quinhentos exemplares, que o músico carrega consigo para divulgação de suas composições.

“A ideia de gravar o cd veio com o projeto de viagem, e eu o via apenas como mais um meio de sustentar essa jornada. Quando decidi viajar, em maio deste ano, o cd já estava nos planos, só não sabia como o faria. Aí lembrei do microfone condensador com saída USB, ou seja, pronto pra ser ligado em qualquer computador que o Léo (Leonardo Avellar) me apresentou um dia”, relembra o músico. Um microfone condesador com saída USB emprestado,

um notebook “no fim das suas forças”, o quarto com uma penca de instrumentos e um emaranhado de inspirações progressivas, literárias, assim como outros delírios sonoros e meios inusitados, deram forma ao cd de dez faixas autorais gravadas e mixadas em casa, de forma acústica, com variação na captação de acordo com o timbre e potência de cada som. Todo processo de arranjos, execução e equalização foram feitos por Luiz, que além da voz toca também: sanfona, pandeiro, zabumba, triângulo, latão de solvente, derbake (instrumento de percussão de origem arábe), apitos, caxixi, coquinho, sopro de vento, trombone e bocal no megafone. Os meios disponíveis para o registro de suas experimentações não foram muitos, o que em alguns momentos se tornou complicado para a finalização do álbum, mas não

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o bastante para que o resultado não fosse positivo. “Além

do fato de eu ter pouquíssima experiência em gravação, e ter gravado em um ambiente sem isolamento acústico, meu notebook que já não era muito bom... As dificuldades foram muitas!”, conta Luiz.

As dez faixas chamam atenção por tamanha delicadeza e leveza das canções, acompanhadas por referências e timbres diversos e inusitados. A faixa que abre o disco, intitulada “O filho da Guerra”, marca com a letra “minha lança o vento que-

brou, minha espada o fogo desfez, nem por isso luta acabou. Se precisar eu mato outra vez, filhos da guerra...”. A viagem so-

nora segue com a dobradinha de “Chápeu Panamá/Muquirana”, “Filhos do Sol”, -inspirada no Livro “As Caras e as Mascáras” de Eduardo Galeno, que de forma poética traça um panorama do período da colonização e das barbaridades cometidas contra os povos antigos da América-; “Fala Debussy”, canção com pensamentos e questionamentos oníricos, “Ode à Lua”, que nos traz calmaria e encanta com a sonoridade do sopro de vento e com a letra, uma adaptação de “Formentary Lad”, da banda progressiva King Crimson; “A Musa de Paraíso”, música que aquece o coração por sua harmonia e letra, que de tão apaixonante nos faz se apaixonar por ela; “Os Ambulantes de Deus”, com melodia leve, som do mar através do uso de reberbtécnica que simula espaços numa gravação- e com letra inspirada no livro com mesmo nome do pernabucano, Hermilo Borba Filho; e pra finalizar a viagem musical “Trovão gemeu”, “Cilada de gringo” - com menção a “Terras do Sem Fim”, de Jorge Amado- e “A Toada do Poeta”. O disco Luiz Nascimento Na trilha do Sol recebe este nome baseado na busca por sabedoria, como explica Luiz, “O nome teria

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que remeter a algo relacionado a caminho, viagem, daí a ‘trilha’. E o ‘sol’ é o nosso astro-rei, é a luz

e o fogo que nos mantém vivos. Os índios, por exemplo, possuem uma relação muito sábia com o sol, faço isso tentando buscar essa sabedoria.”. E esta busca por fatos e lugares desconhecidos de outras culturas e povos foi o que despertou a vontade do músico de colocar o pé na estrada pela região norte e países vizinhos do Brasil. “Acho que como

demorei muito a ir, acabei logo optando por estender a viagem pela América do Sul a fora”, con-

ta Nascimento, e reflete sobre a sua ligação com estes territórios: “A riqueza cultural, as pais-

agens, o folclore e o misticismo do nosso continente me atraem bastante, atiçam minha curiosidade. E visitá-las e conhecê-las


Toda a trajetória é pretendida ser percorrida entre seis a noves meses, e para a volta, planos com a banda Martelo de Pano, a qual Luiz é vocalista há dez anos, continuam. “O projeto solo foi a

MÚSICA

como músico e compositor popular, apimenta ainda mais essa curiosidade”.

opção mais viável de fazer essa viagem, e será assim só por agora. O Martelo de Pano continua sua peleja, tocar nessa banda é transcendental, e às vezes, até sobrenatural!”, enfatiza Luiz.Depois de trilhar um bom caminho, Nascimento pretende poder voltar e levar o Martelo de Pano pelo mesmo caminho e por outros tambéme ter trago junto a si muito conhecimento, sabedoria, amizades e um punhado de raízes na bagagem.

BRUNA SOARES

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Ouvi outro dia uma frase que muito me impactou. Um amigo confessou que gostaria de usar saias com mais frequência (Ele usa vez ou outra dentro da universidade). Curiosa, procurei saber a razão, motivo pelo qual, não o faz. Fui surpreendida com a resposta: “Tenho medo”. Medo? Por que alguém deve ter medo de colocar qualquer coisa que seja sobre o seu próprio corpo? Apesar de considerar um disparate, digeri aquilo como uma via de fuga da violência, do preconceito e da descriminalização. Não é difícil imaginar os olhares reprovadores voltados para ele ao sair de casa trajando uma saia. Mas qual é o problema de um homem usar saia? Ele não passará a ser menos homem por isso. Pressuponho que os sanjoanenses mais conservadores, aqueles dos olhares indiscretos, temem por isso. Todavia, esquecem ou desconhecem que até a Idade Média as saias faziam parte tanto do vestuário feminino quanto do masculino. Com o passar do tempo é que foram sendo estabelecidas diferenciações entre os trajes dos homens e das mulheres. Entramos aqui numa questão de gênero, pois, a partir de então, os gêneros foram divididos visualmente. Esse universo simbólico criado pelas roupas gerou/gera uma diferenciação que pareceu/parece importante

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para as relações sociais. Entretanto, há que se ter cuidado para que essa articulação não coaja nenhum indivíduo. Pode sim existir um modelo, o que não se pode é deixar que os padrões ignorem a diversidade humana. Se as peças de roupas são direcionadas para homens ou mulheres é porque, obviamente, foram estudadas e confeccionadas para melhor se ajustar a determinada anatomia. Apesar disso, cada pessoa tem o direito e a liberdade de vestir o que melhor lhe convier sem sofrer qualquer tipo de repreensão. Ademais, ao se tratar das saias, não há dúvida de que se remete a uma vestimenta altamente confortável para ambos os sexos. Posto isso, caro e cara sanjoanense, peço que repensem seus conceitos. Controlem seus pré-conceitos, e acima de tudo, saiam deste conservadorismo que ameaça e intimida as nossas vontades.

HOMENS LIBERTEM-SE Homens Libertem-se/Men Get Free é

uma campanha artística e social criada pelo coletivo mo[vi]mento-MG/RJ e pelo grupo The Living Theatre, de Nova Iorque. A intenção do projeto é questionar os valores patriarcais, mostrando que o machismo prejudica não só as mulheres como também os homens. O movimento já tem mais de 2.500 curtidas na página do facebook e defende o direito masculino de chorar, brochar, falir e ser sensível. Saiba mais em: www.homenslibertemse.com


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Local: praça da Biquinha, Tejuco. Proposta: levar a arte, na sua forma mais pura, para lugares não-centrais. E cumprindo exatamente o que propõe, a terceira edição do Sarau Palavra de Rei aconteceu no dia 17 de setembro, apesar de ter sido abrutamente interrompida por uma chuva que resolveu cair fora de hora. O evento teve início pouco depois das 18h com uma apresentação do músico e estudante de filosofia da UFSJ, Bruno Fittipaldi que trouxe um repertório com músicas de artistas como Coldplay, Tiago Iorc e Cícero, além de suas próprias autorias. Ao som de Fittipaldi, não era preciso ser o melhor dos observadores para perceber a quadra, na qual o palco fora montado, enchendo-se pouco a pouco. Logo, os tapetes disponíveis

no chão já não davam lugar ao público inteiro, que foi espalhando-se pelo local formando uma plateia empolgada, que ovacionava cada artista ou aventureiro que tomava o palco singelo, mas confortável. Depois de Bruno, o espaço para declamação de poemas e poesias foi concedido e os textos falados de Manuel de Barros deram lugar à critividade regional, onde artistas como Igor Alves, assumidamente poeta, puderam expor seus escritos. Mas as atrações não se resumiram ao palco: as telas de metal que rodeiam a quadra viraram galeria, e presas em seus grossos fios acizentados encontravam-se ilustrações colorindo a noite agora iluminada por pequenas lâmpadas e velas em potinhos. No chão era possível observar também pequenos artesanatos sendo vendidos e, quase em composição com as ilus-

trações que citei, coloridos filtros dos sonhos também eram expostos para venda, como uma tradição do evento. No final das contas, o sarau me pareceu quase uma confraternização entre as pessoas que ali estavam e o estado mais simples da forma de fazer arte: na praça, de graça e com muita qualidade. E além de uma confraternização, também uma oportunide para músicos como Lucas, Geovane e Marcos que se apresentaram logo antes da chuva pela primeira vez não só no sarau, mas também como o trio que recém-formaram, a fim de produzir covers de bandas como O Rappa e nomes como Tim Maia. “São joão del-rei é uma cidade de músicos, a cidade está cheia de bons músicos. E o sarau é uma grande iniciativa para dar espaço para pessoas que não têm oportunidade de aparecer sempre”, constata Marcos, percussionista do trio.

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NA FOTO: BRUNO FITTIPALDI

FOTOGRAFIAS POR ANA MARTINS E KYLMER SEBASTIAN

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IGOR ALVES, O POETA

MARCOS, NO CAJÓN

TRECHO DA APRESENTAÇÃO DE LUCAS, GEOVANE E MARCOS

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Galeria de fotos da terceira edição do sarau Palavra de Rei


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Felicidade era como traduzia seus movimentos e expressava seu olhar. Dançava com os primos desde criança, mas a carreira cênica é dificilmente encorajada no contexto familiar. A sensação do palco não lhe fugiu, nem a liberdade que a dança lhe proporcionava. Assim o pa de deux, passo de dois, executado com sua preceptora mostrou a Gabriel Rodrigues onde pertencia. A graduação em Geografia mesclou-se ao estudo da corporalidade, o espaço que interage é mensurado pelo próprio corpo e como se relaciona com o ambiente. A dança é intrínseca ao homem, seu conhecimento e contato com o corpo são naturais, a sociedade define padrões e qualifica comportamentos que normatizam a expressão genuína do corpo. No ballet metodologia e técnica são tidos em alta conta, delineiam gestos e compõe seu decurso A mercantilização da dança, segmenta seu público, seleciona e elitiza. Figurino, manutenção e formação, estratificam por meio do financeiro. Cultura, meio e “posição social” determinam a arte a que o sujeito terá acesso.

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DANÇA


DANÇA

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os seus primórdios na Itália, o ballet era executado unicamente pelo sexo masculino, que representava ambos papéis. O rei Luis XIV apreciava profundamente a dança, a praticou enquanto possível e manteve-se grande mecenas após. Na atual conjuntura o uso da sapatilha de ponta não é usual entre bailarinos, do mesmo modo que os trajes de antes eram considerados inadequados para mulheres, se deve em grande parte a isso sua ausência. A atividade estética, sensível e criativa no imaginário social situase fora das habilidades aceitas em um homem. No âmbito escolar os exercício físicos são reproduzidos a partir de estereótipos e tradição, futebol para os meninos, vôlei para as meninas. As escolinhas de futebol não continham o que Guilherme Carvalho buscava, aos 13 anos se considerava uma criança reprimida, encontrou sua linguagem no ballet, suas ansiedades dialogaram com o mundo. A comunicação também é necessidade humana, expressar-se em sua essência, dançar e transmitir o que não lhe cabe, o que falta constantemente e impossibilita a completude, fala pelos músculos, pelos poros, pelas articulações que se dobram e as formas que assumem. A sexualidade do garoto é questionada diversas vezes, conforme pressupõe a dominação, as supostas fraquezas e características que fogem ao conceito excludente de masculino, férreo e estável. A subjetividade expressa artisticamente dialoga com o arredor e a sociedade em que se insere. Nas aulas de História da Escola Municipal Pio XII o funk presente na cultura a que os alunos pertencem foi levado para as aulas, a comunicação fluiu como nunca antes, por que o conhecimento não deve ser transmitido em uma linguagem comum aos alunos? Gabriel vê a presença de homens no ballet e na dança em si como ato político, resistência ao parâmetro imposto e integrado de modo a ser tradição. Passos, funções e movimentos integradas, naturalizadas e restritas a um sexo, há segregação dentro e fora das academias, presente nos métodos e práticas de ensino e apresentação. Ao experienciar o reconhecimento de seu aluno do PIBID em entrevista à TV, a admiração e curiosidade do garoto demonstra mudanças no paradigma estabelecido. A convenção social se quebra vagarosamente no apoio aos novos alunos e participação nos múltiplos lugares restritos pela tradição, onde eram vistos como estranhos expõe que seu aprendizado e contato não é distinto, por meio da dança revelam que compartilham da mesma paixão. Dança é a interação entre corpos, autoconhecimento destes e sua percepção espacial. Guilherme compara a participação masculina em escolas de dança à entrada das mulheres no mercado, quanto à superação de conceitos pressupostos e da visão unilateral de gêneros. Nem mulher, nem homem são puramente racional ou emocional, seu conflito os individualiza e provoca o novo no humano.

FOTOS: CLARA VARGINHA E JOSÉ EUGÊNIO

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Minha tarefa, esse mês, é falar de política. Talvez ilustrando, quase que num ato falho, aquilo que Zygmunt Bauman magistralmente definiu como o caráter líquido de nossos tempos, passei por muitos temas até chegar no que acabava por permear a todos: a ideologia. Explico: Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês que enxerga a sociedade contemporânea como faltosa de desejos e líderes clássicos – se antes cultivávamos um sonho para a vida toda e um modelo mais ou menos geral de moralidade, hoje buscamos a satisfação imediata e somos dispostos (obrigados, talvez?) a nos covencer de qualquer nova solução para os problemas do mundo. Essa conjuntura, enquanto gera maior mobilidade social, nada faz à nossa liberdade: o engodo comum é que, carente de uma referência máxima socialmente reconhecida, o ser humano teria que finalmente tomar as rédeas de sua própria vida, e decidir sobre seu futuro; mas não é o que acontece: a humanidade, no mundo pósmoderno, não faz senão acreditar na queda da ordem; a autoridade, se antes ancorava-se na imponência, hoje sustenta-se nas sombras – tão mais exerce sua opressão quão mais for capaz de fingir-se inoperante. Freud, em O Mal-Estar na Civilização, conta que a vida em comunidade – ainda que elemento imprescindível para a sobrevivência do gênero humano – é um fardo quase

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insuportável. Afinal, os homens são egoístas, e a vida comunal requer penosas renúncias a esse aspecto tão originário da subjetividade. Assim, teoriza o pai da psicanálise – continuando uma ideia introduzida em O Futuro de Uma Ilusão – que, para que os homens não desintegrem a sociedade e voltem-se uns contra os outros, é necessária uma ilusão – da fraternidade completa dos homens, da vitória da humanidade sobre a natureza, e do fim da desigualdade material. Essa ilusão, porém, não é inocente. Se ela consiste numa tentativa de fazer com que contrariemos nossos impulsos mais primitivos (“O instinto é uma série indefinida de pequenas recusas que se opõem a toda vontade alheia”, diz Foucault) para poder estabelecer relações, precisa, com sua narrativa, dar um destino a tais impulsos – afinal, não se pode simplesmente abandoná-los. A raiva do homem à sociedade deve ser voltada a dado fator, que, tornando-se objeto da violência dos homens, expurga a sociedade. É aí que reside o importante papel da ideologia. Para Slavoj Žižek, a ideologia é uma mentira que fundamenta um pacto social. O filósofo esloveno trabalha, entre outros temas, a sociedade “pós-ideológica” sob a luz de Hegel, Marx e da psicanálise. Ele aponta que o fim da guerra fria criou uma nova ilusão para sustentar nosso pacto social e evitar a dissolução da sociedade: a de que o capitalismo é o fim mesmo da humanidade (Francis Fukuyama, filósofo americano, situou “o fim da história” na queda da URSS) – sua única forma de, mais ou menos bem, eventualmente prosper-

ar democraticamente. Ora, o capitalismo encontra-se bem próximo de sua ruína: a crise ecológica agrava-se a cada dia e as divisões e exclusões sociais encontram-se em crescimento explosivo. Maior sintoma da falência do sistema são as manifestações que, desde o fim dos anos noventa, eclodem no planeta inteiro e que, em locais diferentes e com os mais diversos estopins, trazem sempre a mesma demanda: uma democracia real. O campo de ação da ideologia são as inconsistências do pacto social e sua função é dar à sociedade um sentido que a justifique e que possibilite que a violência dos homens seja direcionada de forma a evitar o colapso da civilização. Sob esse ponto de vista, fica fácil perceber que a ideologia permanece bem presente no Século XXI. Se o capitalismo é uma fábrica de distinções sociais, iludimo-nos com uma meritocracia que, pretensamente justa, nada faz senão reforçar as desigualdades; se a consequência é uma inevitável explosão da violência, culpamos as pessoas de “má índole” e jogamo-nas nas cadeias cada vez mais cedo; se vamos às ruas sem sequer entender bem o porquê (o que ilustra a eficácia da ideologia capitalista em se ocultar), a mídia torna-nos vândalos – papel que prontamente aceitamos. Sobre o meio-ambiente, enquanto dá a gente vai empurrando com a barriga. Quando começar a feder, a gente escolhe um culpado, e segue a vida.


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arte se afirma, mas quem a determina? É preciso esclarecer, em primeiro lugar, que temos indagações e questionamentos em duas vertentes ao falar de arte. A primeira aparece muitas vezes quando nos deparamos com uma obra e perguntamos “Isso é arte?” e a segunda surge na atribuição de valor: “Quanto vale?”

Desde os primórdios da humanidade o ser humano se manifesta e constrói rastros de sua existência. Um exemplo nítido disto são as pinturas e desenhos nas cavernas, que apesar de primitivos, já traduziam cotidianos, crenças e perspectivas. “A arte é uma coisa inerentemente humana, está na gênese da nossa capacidade de criar”, diria Patrícia Martins, artista plástica, residente em São João del-Rei. Quando conversamos com alguns artistas da região pudemos sintetizar que, para eles, arte é essencialmente um instrumento

de comunicação entre o indivíduo e o seu entorno. Através dela pode-se exprimir os mais profundos conflitos, dizer o indizível e transpor a sociedade.

“É um terreno de liberdade. Ela abre esse espaço para a expressão do sentimento e para falar sobre o que é tabu”, completa Patrícia. Em termos técnicos, arte também pode ser considerada um conhecimento. Segundo Vanessa Maia, professora do curso de Comunicação Social da UFSJ, esse conhecimento gerado a partir das sensações foi por muito tempo deslegitimado pela

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visão academicista. De acordo

com a professora viemos de uma tradição que separou a emoção do saber: “a arte é tão conhec-

imento que você sente, seu coração dispara, mas você não sabe verbalizar. Então podemos dizer que é tudo aquilo que provoca o estético”, afirma.

Podemos ser provocados por variadas expressões artísticas, seja na rua ao nos depararmos com muros rabiscados, numa galeria apreciando quadros ou nos teatros assistindo a espetáculos. Isso acontece, pois, há um processo identificatório entre o espetador e a obra. Este é um dos pontos chave para a questão do valor da arte. A empatia com as obras é o principal fator para a atribuição de valor. Uma pessoa ao se encon-

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trar com uma obra que dialoga com suas ideias e sentimentos estima o trabalho com toda força de sua subjetividade. Ela passa a considerar o trabalho assim como o artista. “O que eu

dou de valor ao meu trabalho é inestimável, minha vida inteira gira em torno da arte.

Dedicação total. Eu vou construindo este valor cada vez que faço um curso, crio um espetáculo ou entro em contato com a plateia. As vezes o valor que eu dou ultrapassa o valor sentimental das minhas relações pessoais, com

a minha família, por exemplo”,

diz Marcos Fonseca, ator da Cia. Teatral ManiCômicos e bacharel em Teatro pela UFSJ. Numa visão menos idealizada, a arte também sofre influências do mercado. Há pessoas que ao tentar sobreviver do seu trabalho artístico são obrigadas a lidar com outra forma de valor. Muitas vezes de forma injusta. O cenário musical é a máxima desta circunstância. Em São João del-Rei, bares e festas em geral são as alternativas mais acessíveis para os músicos difundirem seus trabalhos. No entanto, as negociações entre artistas e pequenos empresários não são muito flexíveis. “Há uma média de valor já estipulada nesses lugares. Se eu acredito que o meu trabalho é diferenciado e proponho um valor maior, ele não é aceito”, relata Rita Moreira, integrante do grupo musical À Rita. Esses impasses são frequentes na vida de grande parte do nicho


artístico. O mercado já tem uma fórmula pré-determinada do que deve ser propagado como cultura e arte. Ainda usando a música como exemplo, é possível observar que, nos canais de TV aberta, o que se transmite como música são sempre estilos e ritmos repetitivos e limitados. “Eu não acho que a arte é aquilo que a mídia diz que é, até porque, as críticas de mídia são muito rasas. A mídia é um lugar muito

prostíbulo, muito volátil, muito descartável. Não se cultua valor na mídia”, avalia Vanessa Maia. Entretanto, o poder da mídia é incontestável, ela interfere diretamente na sociedade por ser a esfera que informa e coloca em pauta o que há de relevante nas histórias das pessoas e fatos diários. O poder em questão também pode ser reconhecido positivamente. A professora ainda comenta que “embora a mídia esteja vendendo um monte de porcaria como se fosse arte, ela também faz e é preenchida com arte”. Vanessa cita a série “Hoje é dia de Maria”, exibida pela TV Globo. O papel multiplicador dos meios de comunicação também é visto como positivo. A capacidade que os veículos tem de fazer chegar um filme ou a divulgação de um

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espetáculo em um lugar que antes não chegaria é formidável. Isso é fruto da chamada Indústria Cultural que tanto transforma a obra de arte em mercadoria e retira dela seu caráter autônomo como ajuda a fomentá-la e propagá-la em todo o mundo. “A indústria p ode contribuir se o produto não for mão de obra repetitiva, se não colocarmos o dinheiro como retorno total”, comenta Marcos Fonseca. Diante desse quadro sobra espaço para procurarmos o lugar do patrimônio e da tradição das culturas regionais que são esquecidas pela grande mídia. Ela peca anulando a visibilidade dos movimentos populares que também despendem um valor significativo para a sociedade. Estes valores não aparecem mais, o que acarreta em uma luta para mantê-los vivos. “Mas a mídia nunca vai conseguir acabar com isso, pelo menos até quando existirem pessoas querendo que tal tradição se mantenha viva. Enquanto elas estiverem cantando, dançando, tocando e criando, o legado persistirá”, comenta a artista Patrícia Martins. Outro meio de driblar as imposições midiáticas é a internet, que surge como alternativa de propagação de conteúdo.

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Através da rede, é possível criar páginas e canais diretos com o público. Ela também serve de vitrine como os grandes veículos de comunicação. Muitos já descobriram esse caminho, “com a internet a gente tem a possibilidade de criar um novo campo, um novo público, uma nova mídia. Eu me sinto mais à vontade e mais livre”, menciona Patrícia. Frente a esta perspectiva, podemos reconhecer a força determinante dos veículos convencionais. Entretanto, atentamos também para as inúmeras possibilidades que surgem dia após dia, afim de provocar uma visão mais crítica em relação às manifestações artísticas, que desprenda-se desta avaliação negligente imposta à sociedade. É nítido que as formas não-convencionais de tratar assuntos como este, ainda não possuem tanta visibilidade quanto os principais meios, mas devemos encarar este fato de forma positiva e esperançosa. Desta forma, será possível abrir novas opções e caminhos para percorrermos dentro da arte e da própria mídia.


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* FOTOGRAFIAS RETIRADAS DAS PÁGINAS DE DIVULGAÇÃO DOS ARTISTAS À RITA, MARCOS FONSECA E PATRÍCIA MARTINS. FEITAS POR MARIA CATARINA CARVALHO, GUSTAVO PAVAN/ WANESSA FAGUNDES, ANA BEATRIZ PERES (RITA); NEREU JR, ABR (MARCOS); PATRÍCIA MARTINS/DIVULGAÇÃO (PATRICIA)


Me dá um blues me dá um blues e

um bom motivo pra escrever me dá uma gaita e uma estrada boa pra correr me dá uma dose de amor e dois dedos de água pra evitar a ressaca me dá a chave da porta dos fundos e um beijo de bom dia sabor café me dá a mão pra eu ver se dá pé me dá tchau e bonvoyage mas vê se volta a tempo pra janta volta logo ou não vai mais pra tão longe que o café esfria e a paixão desgasta o horizonte o tempo passa e só fica o que é real memória desejos distantes.

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a s o R n Marvi


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TEATRO No dia 11 de setembro, o 5ª cultural contou com a apresentação da cena “Araci, quando abraço de mãe não cura”, dirigida por Alberto Tibaji, professor e coordenador do curso de Teatro da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). A peça partiu de breves relatos autobiográficos dos participantes, dentro do que podese chamar espaço da diversidade sexual. A estética da cena é formada por uma dramaturgia corporal e surreal, buscando contemplar mais a subjetividade e a emoção do que a linearidade de uma históra a ser contada. A peça faz parte do projeto Araci, desenvolvido

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por Tibaji. O trabalho, que aborda o tema diversidade sexual, a partir de um processo autobiográfico, estimulou os atores a trabalhar com suas memórias pessoais relacionadas ao tema LGBT. Para Tibaji, um bom artista de cena sabe lidar com esse tipo de memória. “Por serem memórias pessoais, ao serem exploradas no palco pode ser necessário um esforço maior do ator” diz Camélia Amada, uma das atrizes do projeto. As memórias trabalhadas englobam desde acontecimentos com os próprios participantes até fatos de terceiros que, eventualmente, foram marcantes para o ator.


MARLON DE PAULA

TEATRO

Se procurar pelo nome Araci, certamente encontrará homens e mulheres registrados assim. O mesmo acontece com Derci, Lucimar, Alcione e outros que, apesar de parecerem femininos, são encontrados com frequência como masculinos. Foi por este motivo que Tibaji escolheu o título para o projeto. O questionamento de identidades

tidas como imutáveis é um dos elementos da pesquisa realizada. A ideia central é a de que é preciso entender uma pessoa cuja identidade sexual não segue a um rótulo, e não deveriam existir limitações ou regras a serem seguidas, ou seja, é preciso que se perca a ideia de que existem identidades sexuais. Essa questão da iden-

tidade sexual é abordada pela Teoria Queer, que busca a desqualificação de conceitos tão internalizados e fixados na sociedade. Uma das principais ideias Queer é atingir uma variedade de identidades, repensando o binarismo hétero/homossexualidade, não somente considerando minorias homossexuais, mas também as maiorias que

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TEATRO

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não são tidas como transgressoras. Ao sair do binarismo da sexualidade, pode-se pensar em uma pessoa que faz parte de um grupo e não possui uma identidade específica que a caracteriza como pate de um conjunto. Na cena apresentada existem elementos claros de tais questionamentos sobre a sexualidade. Os atores usam vestuário feminino independente de as situações representadas serem relacionadas a um homem ou a uma mulher. Ao ver alguém com um vestido, cria-se uma impressão ou expectativa de que suas atitudes serão femininas. A peça, então, quebra a ideia de que o homem de vestido será afeminado ou que existem coisas ‘de menino’ ou ‘de menina’. Depois de apresentarem, os atores e participantes do grupo propõem uma discussão acerca das impressões deixadas pela peça. O resultado esperado é que os espectadores sintam-se emocionalmente tocados pela cena e que desperte, dentro de cada um, a importância do respeito às diferenças. Não há necessidade de caracterizar ações por gêneros, não existe o ‘jeito homem’ de fazer as coisas ou trejeitos e car-

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acterísticas ‘de mulherzinha’. Ser homossexual ou heterossexual não dita atitudes pela simples existência do rótulo. Rótulos inspiram o preconceito de gênero e acabam justificando outros já existentes na sociedade. Ou seja, o homem gay é visto como inferior por ter atitudes femininas, pois a mulher é tida como inferior na sociedade. Existe aí um “preconceito inicial” que é atrelado ao rótulo gay e parte de visões machistas. Um dos objetivos do projeto é levar a discussão sobre diversidade sexual para as escolas da rede pública de ensino. O grupo trata a questão de diversidade

sexual de maneira menos superficial do que a já praticada nas escolas - normalmente pelos professores de biologia. O teatro na escola é uma forma de sensibilização, já que carrega na cena elementos subjetivos de interpretação e identificação para os alunos e funcionários. Araci, quando abraço de mãe não cura passará por alterações para se tornar uma peça com mais elementos e de maior duração. O processo tem sido enriquecedor e permite que os atores desenvolvam e aperfeiçoem suas técnicas, e ao mesmo tempo mostra ao público a importância do respeito às diferenças.


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ARTES PLÁSTICAS

É

difícil explicar as origens das forças que nos conduzem a assumir determinados caminhos. Como dirá todo bom pensamento existencialista, viver é fazer escolhas. E não é possível deixar de considerar as incertezas que nos acometem nos momentos de tomar decisões. “Não é possível que não

exista certa angústia na decisão tomada.”, anunciou Jean-Paul

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Sartre em meados do séc.XX. As adversidades presentes em todos os percursos de uma vivência são grandes, e as histórias da vida do artista plástico Gedley Braga, nascido em Divinopólis, cidade do interior mineiro, nos

permitem perceber fortemente tal caráter, que permeia não só seu trabalho acadêmico como toda sua carreira artística. Mesmo tendo nascido em uma família sem tradição artística, e que acreditava que viver da arte era um tarefa praticamente impossível, Gedley Braga decidiu se aventurar no mundo da pintura, o que o moveu, posteriomente, para estudo de Belas Artes na capital mineira. Foi na década de 80, vivendo em Belo Horizonte, que conheceu um dos artista que mais admirava e que o apadrinhou em seu atelier: o pintor Inimá de Paula. Este foi, segundo Gedley, o grande

responsável por lhe fornecer uma visão diferenciada da arte e, além disso, a pessoa que o encorajou a assumir, perante a sua família, a vontade de ser artista. Após a graduação, o artista foi convidado a trabalhar como assistente de conservação e restauração, o que o levou a participar da restauração do Palácio da Liberdade em Belo Horizonte. Posteriormente, voltou pra sua cidade natal, onde sua vida oscilava entre trabalhar como artista plástico e restaurador. Em 1997, surge a ele a oportunidade de continuar seus estudos em Belas Artes em Londres, durantes alguns


meses. Quando de volta ao Brasil, começa a trabalhar no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE). Já em 2003, inicia seu mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP) e, logo após, inicia o doutorado em Ciência da Informação, momento que retornou seu projeto de cunho artístico. Sua tese de doutorado resultou em duas exposições – Love & Hate (2005) e Obra Póstuma (2008) – na Galeria Raquel Arnaud, um dos mais importantes espaços de exposição de arte contemporânea do Brasil. Love & Hate, segundo Gedley, é uma declaração de amor e ódio ao mundo artístico, retratando um contexto da arte contemporânea, em que existe grande dificuldade de se produzir algo inédito. “O que fazer

em meio a um cenário em que parece que tudo já foi feito?” – é

o que questiona. A exposição, então, se configura como uma declaração de contradição, ao que afirma: “É comum gostar e

detestar um artista. No fundo foi praticamente uma confissão de inveja, pois gostaria de

ter feito aquilo que tal artista fez. Já que não posso fazer o que ele produziu, até porquê isso seria plágio, eu posso comprar sua obra. Diante disto, eu emito uma declaração de amor e ódio ao artista, pois o amo e odeio pela mesma causa: ele fez algo que eu gostaria de ter feito”.

O segundo trabalho, Obra Póstuma, tem forte relação com a exposição anterior. Ao conquistar o objetivo de expor seu trabalho em uma das maiores galerias do país, concluiu: “É

um espaço em que jamais pensei expor, agora já poderia morrer”. Lidando, então, com a literalidade das coisas, relacionou os dois projetos a um processo de vida e morte. Portanto, Love & Hate marca, em sentido subjetivo, sua própria morte. Atualmente, Gedley Braga é professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas na Universidade Federal de São João Del Rei. Mesmo com as dificuldades de conciliar os deveres acadêmicos com sua produção artística, ele inicia um novo trabalho,

mais intimista, e voltado para o desenho, com a série “Drawing without inspiration”. E antecipa a possibilidade de expor tal trabalho em 2015, conforme o andamento da produção. Mostrando-se bastante rigoroso com todo processo de criação, relata: “Eu sou o pior crítico de mim

mesmo. Cada linha, cada traço é resultado de uma total presença. Tem uma frase do filme do Pasolini, ‘Para que fazer uma obra de arte se sonhar com ela é muito melhor’. quando termino uma obra, eu acho que ter ficado com ela só na cabeça seria melhor”. Agindo, talvez, como um artista romântico, cita o artista americano Bruce Nauman:

“O verdadeiro artista ajuda o mundo ao revelar verdades místicas”. E Gedley completa: “Talvez eu seja romântico em acreditar que o artista ainda hoje pode ajudar o mundo, revelando verdades místicas. Mesmo que essas verdades sejam as dele próprio. Eu acho que um dos caminhos [para arte] é se voltar para o interior e tentar descobrir qual é a sua verdade”.

FOTOGRAFIAS DAS OBRAS POR GEDLEY BRAGA

UNTITLED,!999

SELF PORTRAIT (MY END IS IN MY MIND), 2013

“DRAWING WITHOUT INSPIRATION 17”, 2014.

SELF PORTRAIT [WITH PILLS “AURA”, EYE’S TARGET AND DEPICTED TONGUE]. 1993.

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onsiderado, principalmente pelos brasileiros, como o estilo mais encantador, o futebol arte encanta os fãs do esporte por várias gerações. Futebol “arte” porque é “bonito de se ver”, como diria aquele espectador no balcão de um bar assistindo à uma partida do seu time do coração. E essa é a definição mais correta do que seria o futebol arte, de fato era “bonito” ver jogadores como Pelé, Zico, Garrincha, Romário, Sócrates, Rivelino, Ademir da Guia, entre outros, construindo esse conceito a partir da forma em que eles “tratavam a bola”, como diria o mesmo espectador. O futebol pode ser considerado como arte? Sim, visto que arte é a atividade humana ligada à manifestações de ordem estética, feita por artistas a partir de percepção, emoções e ideias, com o objetivo de estimular esse interesse de consciência em um ou mais espectadores. É exatamente essa reação que esses saudosos jogadores provocavam em seus espectadores, em seu tempo. Encantavam com dribles mágicos, originais e únicos, o que prendia a atenção de um fã do esporte, visto que era diferente do tradicional. Aquele lance genial antes de um gol, uma jogada decisiva no finzinho de uma partida, o gol salvador de uma final de campeonato… Quanto mais emocionante, mel hor. Mas, no futebol nacional, a rivalidade entre os torcedores faz com que jogadores do nosso tempo não sejam reconhecidos como “artistas da bola”. Como o futebol é tratado como um sentimento pelos seus espectadores, a sua opinião sobre determinado jogador varia diante da rivalidade entre o seu time e o time em que o atleta joga. A demanda disso é que muitos são reconhecidos além do seu tempo, pois, para alguns torcedores, o reconhecimento do talento do jogador vem com o fim de sua carreira, fazendo com que o atleta só seja reconhecido além do seu tempo. O curioso é perceber que, no mundo da arte, alguns artistas foram e são tratados da mesma forma; não foram e nem são reconhecidos em seu tempo. Vincent Van Gogh foi reconhecido após à sua morte. Em vida, vendeu apenas a obra “O Vinhedo Vermelho”, conheceu a miséria, passou fome e frio. Em 1990, uma de suas maiores obras, “O Retrato de Dr. Gachet” (feita um século antes), foi avaliada e comercializada em US$ 82,5 milhões. Tudo bem, você que leu até aqui deve estar pensando “tá, mas e daí?”... E daí que, assim como Van Gogh, outros artistas também enfrentam a mesma dificuldade por conta de uma questão midiática. “Questão midiática”? Sim. O que fa-

zia o reconhecimento do artista, além da interpretação pessoal de cada um, era a forma em que ele era divulgado. Isso mesmo, divulgado. A opinião de alguns interferia na caracterização de percepção do que era belo ou não em uma massa, fazendo disso uma forma de divulgação. Percebe a semelhança? Hoje a mídia esportiva, levada pela rivalidade, faz o mesmo com alguns jogadores. Deixam que suas opiniões pessoais interfiram na realidade, construindo o mesmo conceito na mente dos espectadores do esporte, sabendo-se que muitos consideram a opinião de renomados jornalistas como única e verdadeira. O que eu quero propor é o fim dessa parcialidade e polaridade, onde tanto um jogador de um time rival, consagrado pela mídia esportiva, quanto um jogador de um campeonato de várzea, possam ser valorizados e considerados. Assim como um “artista de nome” e um “artista de rua” podem ser vistos, em potencial, da mesma forma. Em questão ao futebol, a “politicagem” das grandes mídias impede que o admirador do futebol arte trate um jogador de série A do campeonato da mesma forma como um jogador de série D, tornando-o um “artista de menor potencial”. A justificativa da mídia esportiva para essa “separação” é a audiência, visto que os grandes clubes estão na série A e, assim, tendo maior atenção da população. Eu acredito que um jogador de um clube de série D possa ser tão “genial” como um jogador de série A, ou até melhor, dependendo do ponto de vista. Assim como um artista de rua pode ser tão genial quanto um que expõe o seu trabalho em um grande museu, o que os difere também é a sua exposição, a oportunidade de expor o seu trabalho. A questão aqui é a oportunidade de expor a sua que cada um tem, visto que, em questão cultural, o brasileiro segue os padrões das “grandes mídias”. Então, porque não dar oportunidade igual para ambos, para que a percepção e o ponto crítico da população evoluam a ponto de considerar as diferentes vertentes? Van Gogh, em seu período mais produtivo (1880/90), foi completamente ignorado por críticos e artistas da sua época e hoje seus quadros estão entre os mais caros do mundo. Em sua época, não teve a oportunidade de expandir essa compreenção diante ao seu trabalho por conta do bloqueio que sofreu, pois as pessoas da época consideravam apenas a opinião dos críticos e artistas, talvez um dos motivos para que, em seu tempo, não tivesse o mesmo reconhecimento do que tem hoje. Por fim, o que eu quero dizer é: reavalie seus conceitos, veja além de opiniões “consagradas”, a arte considerada “marginal” também pode ser “bonita de se ver”.


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FOTOGRAFIA

A fotografia popularizou-se tanto no começo do Século XXI que, se antes era uma forma de expressão artística restrita aos profissionais, hoje banaliza-se nas mãos dos jovens que, por meio das redes sociais, compartilham inúmeras fotos por dia. Unindo o interesse das crianças pelas câmeras à possibilidade de criação artística da fotografia, Karyna Carvalho, arte-educadora de Conselheiro Lafaiete, desenvolveu uma interessante experiência. Karyna elaborou com seus alunos de 11 e 12 anos um projeto voltado, em suas palavras, à “atuação da fo-

tográfica na ampliação de um olhar mais apurado, que favoreça uma visão crítica e analítica, despertando a criatividade no exercício do olhar” e “à necessidade de aproximar os alunos de seu espaço de vivência, possibilitando que estes passem a observar mais cuidadosamente o lugar onde vivem”. Usando a abordagem triangular – que, proposta em 1987 por Ana Mae Barbosa, considera três passos imprescindíveis para o ensino da arte: a contextualização histórica; o fazer artístico e a apreciação artística – ela foi além das aulas expositivas e, com uma série de exercícios que compreendiam o enquadramento, a luz, o domínio básico da técnica e até a utilização de uma câmara escura; despertou seus alunos para a arte da fotografia e para as possibilidades de se encontrar o belo em suas próprias vizinhanças, o que culminou na exposição “Olhares Sobre Lafaiete”. Este projeto também mostra um lado diferenciado do uso de telefones móveis: como ferramenta na educação. Karyna conta que “as

crianças ficaram muito entusiasmadas. Ficaram surpresos por poderem utilizar seus celulares (que em geral não são bem vistos no ambiente escolar) para fotogra-

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far os temas propostos”. Neste

alunos: “haviam con-

dos mecanismos que o homem, como ser atuante, utiliza para revelar sua criatividade. Sendo, através dela, capazde produzir, inventar, ressignificar”, afirma a arte-educadora.

completa. E, para que você confira o resultado do trabalho executado pela arte-educadora Karyna Carvalho e das crianças que aceitaram tão bem esta proposta, basta passar olho por estas páginas e se admirar com as fotografias destes infantes artistas.

caso, a fotografia é considerada uma “arte-tecnológica”, pois o acesso a ela é mais fácil de ser obtido, abrindo caminhos, não precisamente para a formação de artistas, mas para a elaboração de uma nova forma de expressar-se. “A Arte é um

E esta missão foi cumprida. Ao final do trabalho, as crianças que perticiparam desta experiência artística, demosntravam um progresso muito positivo, tanto no domínio das tecnicas aprendidas, quanto no olhar fotográfico estimulado. Karyna comenta que pode perceber esta mudança quando recebeu as fotografias de seus

seguido efeitos interessantes utilizando os conceitos ligados a enquadramento, planos, luminosidade e cor”,

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