Catarse #01

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EXPEDIENTE Editora: Ana Martins Direção de arte: Ana Martins e Kylmer Sebastian Fotografia: Cecília Santos, Clara Varginha, Tulio Moura, Kylmer Sebastian e Ana Martins. Fotografia da capa: Cecília Santos Reportagem: Sarah Evelyn, Marlon de Paula, Maria Catarina Carvalho, Tulio Moura, Ana Martins, Clara Varginha e Byron Marques Colunistas: Kylmer Sebastian, Byron Marques e Priscila Natany Divulgação: Ana Martins e Kylmer Sebastian www.facebook.com/revistacatarse catarserevista@gmail.com

AGRADECIMENTOS À todos os artistas que se dispuseram a doar um pouquinho de sua arte para que este projeto fosse iniciado. À todos os amigos que apoiaram, em qualquer proporção, este projeto. À República Dona Vespa, que sediou a produção desta revista, E à todos da equipe colaborativa Catarse que deram o melhor de si para esta realização.

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CATARSE

Quando falamos sobre arte, o próprio termo acaba provocando certa estratificação. Isso talvez aconteça porque ela ainda é considerada intocável e inacessível ao cenário imaginário popular. Com o tempo, passamos a acreditar que o mundo artístico está separado de nossa vida. Mas está mesmo? Será que a tão falada cultura está somente exposta em museus ou trancada em nossas abandonadas bibliotecas? A arte não está somente dentro dos teatros e nas pinacotecas. Ela pode estar em um sinal, estampada em um poste de luz ou nos muros da cidade. O que nos falta é um pouco de atenção. Vivemos em um mundo distraído e nos tornamos distraídos com o tempo. Acredito que é preciso sair desta condição e, inclusive, transformá-la. Desta forma perceberemos o que deixamos passar pelos cantos dos olhos. Notaremos que nosso cotidiano está repleto de uma arte que grita pela atenção de nós, os descuidados. É necessário, assim como fazem os artistas de rua, trazer a arte àqueles que, por algum infortúnio, não puderam ter contato com ela em outros momentos. É necessário disseminar a produção cultural que acontece ao nosso redor. É necessário escancarar para o mundo que arte não tem regras, não tem horário, idade ou condição social. Que ela simplesmente acontece e que isto não pode passar despercebido, nem mesmo no caminho do trabalho ou da faculdade. Vamos deixar a arte invadir nossos dias, nossa vida e nossos corações. Vamos rir a cada nariz de palhaço ou clave que cruzar, casualmente, nossos caminhos. Tentar refletir a cada verso encontrado no chão, ou embelezando uma fachada triste. Vamos exercer essa catarse juntos.

ns i t r a Ana MEDITORA

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AFA

O mundo

de

por Marlon de Paula

VASQUEZ

Ouço Oceanos - Afa Vasquez

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Existe um estado em que a reclusão é responsável pela acumulação de energia criativa e pela construção de um mundo próprio em que só reina fantasia. Esse era o mundo do artista plástico Afa Vasquez, que menciona sua infância como a parte da sua vida mais quieta e contida. Foi essa fase, talvez, a grande responsável por direcionar a vida de Afa rumo a arte. O contato da criança com o papel e o lápis que se converteu em um ritual muito além dos traços. Estava ali o inicio de uma vida que se apoiava na arte para expressar o seu delírio diante da realidade. Nascido em São Paulo, Afa Vasquez formou-se na Faculdade Paulista de Artes e, por um desejo que ele afirma ser do coração, reside em terras mineiras desde 2012. São João del-Rei lhe pareceu fornecer um ambiente propício para sua produção artística, além da aura de acolhimento que percebeu na cidade. Através da curiosidade, ele conta que sempre sentiu admiração pelos pintores clássicos como Rafael Sanzio e Leonardo da Vinci e que todas as produções desses artistas despertava a pergunta: “Como estes

artistas conseguiram isso?”. A dúvida o levou a tentar produzir da mesma maneira que observava e, nessa tentativa, já passou por vários suportes como a pintura a óleo, a acrílica e a produção de xilogravura, que o impulsionou a também produzir fanzines. Para Afa Vasquez, a arte é ato de resolver sua própria mente: “Eu não tenho uma visão

de arte muito maior que isso, eu nunca entendi como funciona mercado (...) A única coisa que sei é que tenho fantasia, tenho imagens na minha cabeça e coloco para fora, e esse é meu jeito de me relacionar com o mundo”. O

mais que a manifestação de seus porquês através do seu trabalho.

CONHEÇA O TRABALHO E O ATUAL PROJETO DO ARTISTA EM: afavasquez.com correntedodesenho. blogspot.com.br

artista transmite em seu trabalho o mundo que lhe é próprio, procurando devolver de forma subjetiva para a realidade o que ele arrancou dela mesma. Afa busca i ns t i n t i vamen t e ampliar sua relação com o mundo. Diante disso, surge as mais belas obras assinadas por um artista que busca nada

Modelo - Afa Vasquez


ARTES PLÁSTICAS O Resistente - Afa Vasquez Reação 03-Vasquez

EIA - Afa Vasquez

“Eu tenho muitos porquês e tento manifestar isso na pintura.”

Ex-pera - Afa Vasquez

NS. Panda - Afa Vasquez

O Artista Afa Vasquez, por ele mesmo.

It was my valuable thing - Afa Vasquez

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OPINIÃO

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Fotografia: Salmanski Bartosch

e onde vem a magia de um filme? Desde sua criação pelos irmãos Lumière, foram muitas as opiniões acerca do cinema: Adorno via-o como um mecanismo reprodutor ideológico; Benjamin, na contra-mão, tomava-o como prática emancipatória; os teóricos da Sétima Arte até hoje dividem-se em tratar um filme como uma unidade artística, ou em sua relação com o contexto em que foi feito. Os encantos do cinema sempre foram analisados a partir de suas referências na sociedade e dos efeitos que nela causa. O que pretendo aqui é pensar algo diferente: a relação dos filmes com o que há de mais íntimo e singular em cada um – a fantasia. Thomas Edison, quando da criação do cinetoscópio, enxergou nele um potencial documentarista e cientifista. Em menos de cinco anos, porém, o cinema já rendia muito mais adeptos nas ruas e praças do que nos laboratórios e jornais. Os Lumière, à ocasião, não enxergaram futuro para a cinematografia, e abandonaram-na para sempre. Um outro francês, no entanto, viu na recém-criada Sétima Arte a oportunidade de, pela primeira vez, realizar os desejos da humanidade, nem que fosse através de uma tela. Georges Méliès apaixonou-se pela projeção de imagens animadas desde seu primeiro contato com ela: depois de insistentemente tentar comprar uma câmera de Auguste e Louis Lumière, acabou montando a sua própria. E é com ele que nasce o cinema, nos seus moldes e encantos atuais.

Méliès filmou 531 filmes num tempo de 16 anos. Neles, parecia manipular a realidade ao seu revés: foi à Lua, conquistou o Pólo Norte, derrotou monstros, transformou uma mulher (a sua?) em borboleta; enfim, realizou sonhos: os dele e de quem mais se interessasse por seus filmes. E não foram poucos: seus fãs, após a falência de Méliès e seu petenso desaparecimento durante a guerra, encontraram-no trabalhando em uma estação de trem, e, junto a ele, conseguiram resgatar cerca de 200 de seus filmes. Desde Méliès, o cinema se desenvolveu muito. Roteiros aumentaram, técnicas evoluiram, mas a estrutura se manteve: por meio de uma narrativa mais ou menos elaborada - e assim, mais ou menos direcionada a um certo público; males do capitalismo! – um filme realiza desejos, sejam aqueles que conhecemos (a paz mundial, o fim das guerras, a vitória do bem sobre o mal), ou aqueles que preferimos ignorar. A principal lição da psicanálise é a de que, para além do que supomos como sendo “eu”, há uma instância que, mantendo-se oculta a nós, dita a nossa vida. Essa instância surge quando de um encontro traumático com a falta de sentido da experiência humana, e tem a função de dar uma via simbólica para organizar a vida em torno de um desejo que seja capaz de esconder o absurdo do

real. Esse desejo é de um objeto inalcançável, que se disfarça de objetos reais para que o sujeito novamente não se depare com o trauma. À ilusão criada pelo desejo dá-se o nome de fantasia. O que um bom filme faz é tocar a nossa fantasia. Seja realizando-a tal como imaginamos, seja subvertendo-a para nos mostrar sua inconsistência, o cinema tem o poder de realizar, na tela, o desejo de que tanto almejamos dar conta. Quando nos sentimos revigorados depois de Clube da Luta, é porque satisfizemos com ele o desejo pelo caos; quando nos emocionamos com Titanic, é porque nós mesmos almejamos um amor perfeito do começo ao fim; quando evitamos filmes de terror, é porque temos medo de gostar do que viremos. Os filmes vivem pra nós tudo que, outrossim, seria impossível – seja pelos limites materiais, seja pelos morais. Assim, antes de medir um filme por sua influência ideológica na sociedade, deve-se talvez considerá-lo na relação íntima que cria com cada um que o assiste. Isso possibilita que escapemos, ao mesmo tempo, do preconceito a filmes ditos ideológicos, e da idealização do filme como vias de emancipação. Todo filme pode ser um e outro: não é o intento do diretor ou o alinhamento do roteirista que define sua mensagem; essa é plural: dependerá, antes de mais nada, da poesia que desperta naquele que senta-se frente à tela.


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MÚSICA

FOTO: ELLIE MAJOR

É uma tarde de sexta feira, Nini Gallon (22) prepara duas xícaras de chá preto em seu apartamento e está pronta para falar sobre suas experiências musicais na Inglaterra. Nini é nascida em Alfenas-MG e se mudou para São João del Rei após passar no vestibular para o curso de educação musical na UFSJ. Hoje estuda canto popular e é dona de uma voz marcante e de um talento incrível ao lidar com música.

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entre suas referências musicais estão Gilberto Gil, Caetano Veloso e Elis Regina. Suas paredes cheias de fotos revelam uma grande paixão pelos Beatles e pela música. Quando perguntei sobre seu estilo musical ela se mostrou despreocupada e contou que se inspira e compõe sem se incomodar em caber dentro de um rótulo: “Acho que as musicas que eu componho têm uma mistura de várias coisas”. E tem. Seu som possui na maior parte letras tropicalistas com influências de música pop que fazem disso um estilo único que Nini mostra não somente através do som mas de suas performances. Quando Nini sobe no palco é difícil não ver as pessoas curtindo a performance risonha e descontraída em contraste com sua voz suave e talentosa. Sem dúvidas ela carrega consigo uma personalidade marcante e consegue passar isso para a música e para quem está ouvindo. Seja através do cabelo rosa ou pelo talento, Nini não se deixa passar por despercebida na cena musical independente de São João del Rei.

inglaterra O talento de Nini atravessou oceanos devido a um convite vindo do Dr. Matt Warnock, professor da Universidade de Chester, na Inglaterra. Em março de 2014 ela, seu professor Guilherme Vicens e seu colega [também estudante de música] Lucas Batista foram até a universidade para participar da Semana de Estudos Profissionais em Música. Sendo parte da programação do evento ela teve a oportunidade de apresentar seu trabalho aos estudantes ingleses. Com um repertório brasileiro, ela comenta que foi bem recebida pelos alunos mesmo existindo uma barreira linguística. “Quando você não compreende a letra, acaba procurando outros meios para compreender a música” afirma. Nini conta que a troca de experiências a enriqueceu muito. Ela e Lucas participaram de ensaios com alguns grupos formados por alunos da univer-

sidade. Para aprender a música brasileira de Nini alguns alunos quiseram aprender português para aperfeiçoar a compreensão musical. “Muitas das coisas que eles ensinaram a gente ja sabia, mas tudo que ensinamos era novo para eles” diz Nini. A música de Nini foi parar na rádio universitária de Chester. Ela, Guilherme e alguns amigos gravaram um programa com músicas brasileiras e conversas com temática voltada para o Brasil, como a questão da Copa do Mundo e a vida de estudante no país.

Plinky Plonky A experiência musical foi muito além da universidade. Nini e seus amigos Matt Kerr e Amy Freeman formaram uma banda chamada Plinky Plonky. Os amigos se conheceram em 2013 quando Amy e Matt vieram para o Brasil, “Logo que nos conhecemos já nos entendemos bem tanto como amigos quanto musicalmente”, conta Nini. O grupo começou com a amizade e a troca entre letras e harmonias. Dessa brincadeira de amigos saiu a banda. Eles tocam um som animado feito por um violão, ukulele, xilophone e vozes que brincam com as composições. As músicas inspiram o lado bom da vida; aos olhos de Nini as pessoas estão tão preocupadas em trabalhar, estudar, serem doutores que acabam se esquecendo das coisas mais simples da vida. O Plinky Plonky já tem algumas faixas gravadas no Blueprint Studios, por onde também passaram artistas como o ex-Smith Johnny Marr e Justin Timberlake. Tudo foi feito de uma forma muito espontânea, eles levaram o que já tinham e na hora acrescentaram coisas novas. Sobre os planos para a carreira com a banda Nini diz que pretendem lançar o material gravado em breve juntamen te com vídeos descontraídos e viajar pelo mundo para apresentar o trabalho em diferentes países.

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MARCIUS BARCELOS

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Era o Dito Popular é o nome do recém-formado trio de choro criado pelos violonistas Marcio Luiz Barcelar, Welligton de Jesus e o percussionista Nei Souza, no início deste ano, em São João del-Rei. Essa reunião resultou na gravação de um disco, intitulado com mesmo nome, com releituras de famosos choros, e músicas autorais. A ideia da gravação do álbum surgiu da necessidade que ambos os violonistas sentiam em ter um registro de áudio bem gravado para divulgação dos shows, consolidação e um apanhado de toda a experiência

que adquiriram desde pequenos, de choro e tudo mais. Parceiros desde a época que começaram a aprender tocar violão, ainda em Carmo de Minas, há mais de 10 anos, formalizaram agora essa parceria, gerindo o projeto e, enfim, entrando em estúdio. Em janeiro juntaram-se para a feitura dos arranjos, pré-produção, e em março iniciaram as gravações. A primeira faixa é a famosa Tico Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu, canção que ficou famosa na voz da “pequena notável”, Carmem Miranda, seguindo com Odeon, de Ernesto Nazareth, Amoroso

e Por Toda a Minha Vida, ambas de Tom Jobim. Melindroso, composição do trio, conta com a participação especial de Maria Clara Valle no violoncelo e Pablo Araújo no cavaquinho. Fechando com um samba autoral que tem participação de Jéssica Máximo no vocal. O nome O Era o Dito Popular surgiu devido à discussão recorrente da dupla de violonistas sobre o dualismo existente entre a música erudita e a música popular, assim como todo o distanciamento que geralmente se emprega. “Então a gente pensou que fosse


Foto: Jess Marshall

ilustrar bem esse dualismo, da música erudita e popular, não como um dualismo, mas como forma de afastar isso.”, explica Marcio Barcelar. O jogo de palavras, uma brincadeira entre o trio, retrata bem a proposta definida, de tocar canções de choro (música popular) incluindo pitadas de sons mais sofisticados, como o violoncelo (música erudita). Assim, buscaram representar esse conceito com arranjos ousados, explorando solos e combinações de timbres e arranjos não usuais. Produzido de forma independente, o disco foi gravado

no estúdio VIA 8, em São João del-Rei, e e agora está em fase final de masterização. Todo o processo e custos envolvidos foram financiados pelo trio, e a expectativa é que a venda e os shows de divulgação cubram posteriormente o investimento. “Na verdade a gente tá arcando, a gente tá botando fé nisso, e a gente tem que esperar agora, juntos, pra ver como é que vai ser.”, enfatiza o violonista. A previsão é de tiragem de 1.000 cópias e show de lançamento para final deste mês.

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O conceito de rebordose explica: “sensação de mal-estar por dentro causada por algum entorpecente.”. Discutir sexualidade, no ponto de vista de algumas pessoas, ainda é desconfortável, mesmo para quem se auto denomina “resolvido” sexualmente. A percepção que eu tenho é que as pessoas julgam como um crime o ato da redescoberta da própria sexualidade. Como assim? Explico… Falando sobre mim, quando descobri que gostava de meninas,

entrei na vibe de me relacionar com ambos os sexos, logo após passei três anos ficando apenas com meninas, realmente acreditando que era lésbica e uns anos atrás voltei a ficar com ambos os sexos. Acho desnecessário que exista, dentro do meio LGBTT, preconceito em relação à essa transição. Se nós lutamos o tempo todo pelo respeito, porque insistir em se descrever baseando-se num esteriótipo pré criado para nós? Qual o problema de não se considerar unicamente gay ou bissexual? Todos nós levantamos a mesma bandeira contra o preconceito, galera, não se esqueçam disso. Em relação aos héteros, não é porque um indivíduo beijou alguém do mesmo sexo que, automaticamente, denominar-se gay ou bissexual, esqueçam os rótulos! O mal de parte da sociedade é viver insistindo em ser mente fechada, não se permitir

conhecer, entender, compreender, redescobrir. O problema é quando nos enquadramos no ponto de vista de mentes quadradas, é como passar pra frente um pensamento que você mesmo não acredita, mas pela maioria acreditar, acaba indo na onda. Não expressar suas emoções e visões sobre si é como apertar a própria garganta, uma forma de sufoco que gera um mal-estar. Esse mal-estar, quando afirmamos a dúvida existente nós, deve ser tratado como um ponto de vista e não como verdade. Qual a necessidade de se sentir mal por fazer algo que lhe dá prazer? O prazer não é obrigatório, obrigatório é se sentir bem. Somos sexuais, conformem-se. Amem sem medo da liberdade, expressem os seus desejos. F#$@!-se os rótulos, eu quero é beijo, toque, amasso, abraço… AMOR!


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FOTO: ANA MARTINS


A cantora paulista passou por São João del-Rei no 27º Inverno Cultural e, além de um show descontraído, deixou um pouquinho da sua visão quanto ao cenério músical aternativo em entrevista exclusiva para a equipe da Catarse.

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FOTO: KYLMER SEBASTIAN

Catarse: Trazer seu show em

a possibilidade de um público eclético para sua apresentação, um público de diferentes classes sociais, o que isso representa para um artista?

um evento como o Inverno Cultura, que também conta com artistas locais se apresentando no mesmo palco que você, é uma forma de expressar que, mais conhecidos ou não, difer- Tiê: É muito bacana. É a melentes artistas podem ser valo- hor coisa que pode acontecer. Quando o acaba sendo em um rizados no mesmo espaço? Tiê: Com certeza sim. Até por que... O que é conhecido ou não, né? Às vezes eu me acho conhecida e as vezes eu acho que ninguém me conhece. Depende do ponto de vista: eu posso ser uma artista grande como eu posso ser uma micro artista, que realmente está só começando, e é o que eu me sinto em noventa por cento das vezes. E sobre essa mistura, eu acho muito bom que aconteça. É interessante tocar no mesmo palco que os artistas regionais e poder participar de festivais de inverno como este.

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lugar onde o ingresso é muito caro, a situação é difícil para o artista. O ideal é que o shows realmente fossem gratuitos, para que todos tenham acesso. A música não tem público segmentado. Claro que há uma faixa etária que gosta mais de uma determinada música ou não, mas quantas vezes você escuta o que uma criança e uma vovozinha também gostam?

Você já realizou shows em festivais como o Planeta Terra e Rock in Rio. Por que, mesmo presente nesses grandes eventos, ainda se firmar como artista independenCatarse: O fato do show ser te no Inverno Cultural? gratuito para a população, traz Tiê: Eu me considero de alma Catarse:

FOTO: ANA MARTINS


independente, apesar de ter um contrato com a gravadora, porque é uma soma de trabalhos. Eu não deixei de trabalhar nada, aliás, eu só trabalho cada vez mais para que o processo dos meus discos dê certo. Então é um esforço diário e as vezes é muito cansativo, mesmo com o apoio da gravadora. E graças a esse tipo de festival [de inverno] nós temos a oportunidade de conhecer cidades que não teríamos a chance de conhecer em outro momento. Catarse: Qual é o papel da in-

ternet para o cenário independente de hoje? Tiê: Hoje em dia graças à internet o artista independente tem mais autonomia e ajuda do fenômeno da cauda longa que todo mundo tem falado

FOTO: ANA MARTINS

por aí: cada vez menos eventos grandes de massa e mais pequenos eventos que encontram o próprio nicho e podem dividir a arte por aí. Então é um “faça você mesmo”: você tem uma ideia e grava sua música ou seu vídeo em casa e se vira pra chegar até seu público. Catarse: Quer deixar alguma

mensagem para os artistas que ainda estão buscando seu espaço no cenário musical?

Tiê: Espero que todos os artistas que venham se apresentar neste festival, ou em outras ocasiões, vão a luta, façam sua música, tentem não desistir e sigam em frente.

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Foto: Clara Varginha


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Foto: Clara Varginha

ntre claves, bolas coloridas, instrumentos musicais e encenações teatrais surgem os Saltimbancos. Eles eram malabaristas, ventríloquos, ilusionistas e equilibristas que saltavam de cidade em cidade e sobreviviam através de contribuições espontâneas em troca de suas apresentações artísticas.


Estes artistas eram responsáveis por dar um pouco de cor nos tempos medievais e muito se assemelham àqueles rapazes que vemos pelas ruas de São João del-Rei, que trazem uma nuance de cores diferente à rotina quase cinza da cidade histórica. Os palhaços, como se denominam e são conhecidos por aqui, vivem uma relação de completa entrega a sua arte. Transformam-se em personagens que são capazes de arrancar de nós sorrisos e gargalhadas, mesmo no pior dos dias. É isto que faz deles agentes sociais importantíssimos para nossa sociedade. O artista Emanuel Arcanjo diz que, assim como aqueles que dão nome a esta matéria e apresentavam-se em épocas de festividades religiosas, começou sua carreira circense em um Auto de Natal, convidado de supetão pelo professor que estava organizando o espetáculo - no último momento, faltava um papel a ser preenchido. Ainda bem. A

partir de então, o teatro interligou-se a sua vida de forma inseparável e, em seis meses, ele já havia aprendido seus primeiros truques malabarísticos. Assim como ele, Allen Medeiros, conhecido como Maizena - apelido que ganhou desde a infância e, segundo ele “

surgiu na cidade de Ibertioga-MG” a terra de seus avós “devido a minha cor, que naquela época era muito branca. O apelido pegou e hoje é usada nas performances de palhaço” - também conheceu as graças circences na adolescência. Seu primeiro contato foi em 2007, aos 15 anos, através de uma oficina para atores e nunca mais quis parar. Maizena, ao ser questionado sobre a satisfação que seu trabalho artístico pode lhe proporcionar, respondeu a partir de sua visão poética que acredita “na transformação

psíquica/espiritual que a arte pode causar em um ser que se propõe a desenvolver qualquer técnica artistica conectado a

O artista Emanuel Arcanjo durante seu “expediente de trabalho”.

liberdade da sensibilidade humana. O circo engloba todas outras áreas artísticas e nele tudo é possível” e ressalta: “quem escolhe esta área e leva a sério desenvolve sua coordenação motora, lateralidade, superação de medos, estrutura corpórea, capacidade de criação, forca, paciência, alongamento, e muita vitalidade.”. Emanuel também nos conta sobre como se sente exercendo o papel de palhaço e afirma que, comparado à causa social que acaba exercendo através de suas performances, o dinheiro não é importante. Conforme o artista,“a grat-

ificação pelas horas que eu passo no sinal não é o quanto ganho, e sim, como consigo tocar as pessoas que estão ali.”. E esta vitalidade é visível quando separamos um tempo para reparar nas acrobacias dos artistas, seja num sinal de tráfego ou em um palco de teatro. Eles enchem nossos olhos com movimentos rápidos enquanto brincam com objetos col-

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Foto: Clara Varginha


Allen Medeiros, o palhaço Maizena, durante uma apresentação

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Foto: Cecília Santos

oridos. Como não se surpreender quando tantas clavas transitam entre o ar e as mãos talentosas dos nossos saltimbancos em uma dança sincronizada? Entretanto, a comoção não é exclusiva a nós, o respeitável público. Na verdade, esta comoção já está presente no artista quando ele entrega-se a seu papel. Emmanuel conta que quando veste-se por inteiro de palhaço e pode quebrar um pouco a realidade um tanto dura do cotidiano, sentindo-se um “ser

mágico, um ser lúdico, poético”

e pode trazer, ao menos, um sorriso sincero à uma criança que, segundo o artista, são seu público preferido devido a aceitação que provoca nelas quanto ao seu trabalho artístico. Esta possibilidade de sorrisos que os palhaços nos oferecem, esta quebra com a realidade é a principal função social do palhaço, segundo os artistas entrevistados. Maizena conta que “o palhaço trabalha o interno de cada um, é a quebra

do ego padronizado, faz política construtiva sem perceber, traz vida a este mundo cinza”. Mas a vida dos artistas que proclamaram independência do sistema econômico em que somos inseridos não é nada fácil. Além da disposção para treino de seus repertórios, tanto Emanuel, quanto Allen Medeiros, afirmam que, no início, existem os problemas financeiros. Além da “má ed-

ucação de algumas pessoas e desvalorização” que, segundo Emanuel, “todo mundo já está cansado de saber que existe”. Então, se todo mundo realmente sabe, cabe a nós mudarmos este tipo de situação. Cabe a nós, o público, tratar nossos artistas com respeito e valorizar, dia após dia, a arte que está aqui, bem perto de todos nós.

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Twitter - às técnicas de produção de notícias em Ofcinas de Mídia Cidadã. Através da

Sorriso tímido, olhar profundo e jeito de menina. Por um momento até parece uma pessoa de poucas palavras, mas quem leva somente a primeira impressão em consideração não imagina o mundo que ela carrega na ponta do lápis. Dani da Gama, estudante de Comunicação Social, como a maioria, veio parar em São João del Rei devido a universidade. Já possuia curso superior em administração feito em Santa Catarina, mas sentia necessidade de deixar as palavras fluirem, ganhar o mundo descobrindo e ensinando como expressar-se, tornar a comunicação possível. A menina nascida no Rio de Janeiro e criada em Santa Catarina carrega consigo uma imensa sensibilidade, que desde pequena, através de versinhos, deram os seus primeiros passos para a literatura. Com essa infância caracterizada por fortes mudanças, Dani diz que deixar as raízes sempre causou um pouco de solidão e que aprendeu a usar a escrita como forma de

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suprir essa carência. E foi uma forma de fuga mais que eficiente para os problemas do coração. Sua escrita sinestésica remonta lembranças por sensações expressas desde a visualidade do texto até as emoções esboçadas pelo eu-lírico perturbado e não necessariamente linear em seu pensamento-sentimento. Acredita nas tecnologias digitais como meio para inovar a comunicação, quando não usados para reproduzir a situação vigente, mas sim para empoderar o cidadão de modo a contribuir com sua realidade, vivência e anseios de forma própria.A democracia informacional que idealiza com simplicidade e sonho, não é deixada pra depois. Hoje aos trinta e quatro anos, Danielle é uma das percursoras de movimentos de saraus na cidade de São João del-Rei, além dos trabalhos de educomunicação realizados em regiões carentes da cidade. Desenvolvedora do projeto Mande Notícias, busca refletir e ensinar - no contexto de blogs e

análise crítica da mídia, a busca de informação e confecção de conhecimento - o principal objetivo está em alterar o fluxo informacional, possibilitando a expressão da sociedade à margem de figuração e manifestação. Questionada sobre os novos movimentos poéticos, ela afirma que essa proximidade que está se formando com a própria cidade, em ambientes além dos campus da universidade são fundamentais para a integração da poesia no dia a dia do cidadão. Dani junto a Felipe Fernandes formou o Prosa em Cordas, onde interpreta poemas e crônicas acompanhados de um arranjo musical. A mescla de letra, emoção e som trespassa pela apresentação que trás parte da autora.Ganharam não só os palcos do 5ª Cultural ou da Biquinha, mas também o encontro de poesias no Cantinho do Carioca realizado durante as programações do Inverno Cultural.


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A ONG Anahata foi criada em 2013 em São João del Rei com a perspectiva de trabalhar com adolescentes em conflito com a lei. Focando os menores infratores, a organização tem como um dos objetivos atingir uma parceria com o Município na execução de medidas socioeducativas aplicadas à esses jovens. Ao observar a realidade dos adolescentes que cometem crime, o grupo concluiu que grande parte vive em condições marginalizadas e não se sentem parte da sociedade na qual vivem. Pensando nessa exclusão o Anahata utiliza o que a cidade tem para oferecer para realizarem atividades que promovam a interação social e também o acesso à informação. Felippe Emanuel Sena, um dos fundadores do Anaha-

ta, conta sobre um projeto chamado Rolezinho. É feita uma ocupação do espaço público para que ali sejam desenvolvidas atividades artísticas, interativas e informativas com a população. A arte é uma das formas encontradas pela ONG para despertar o interesse e agregar valor ao cidadão como membro da sociedade. A partir do projeto Rolezinho, foi criado o Sarau Livre Palavra do Rei. “O artista não está somente na TV, é artista quem sente, quem se expressa a partir de situações do cotidiano” diz Felippe, “o microfone é livre, o palco é livre. São João del Rei tem muitos artistas independentes que querem mostrar sua arte”. O Anahata também


se insere e apoia o projeto Paranauê, roda de samba que acontece aos domingos no bairro São Geraldo. Sempre buscando a interação com a sociedade, a ONG promove debates sobre temas de interesse público. Para Felippe, não é possível representar uma comunidade dentro de um escritório, é preciso entrar em contato com o povo para saber as demandas e as necessidades reais da população. A ideia é que os eventos despertem o interesse por informação e promovam a interação entre comunidades marginalizadas pela sociedade. A ONG ainda age em algumas escolas de São João del Rei. São realizadas rodas de conversa com os estudantes do ensino médio. “O modelo de educação implementado pelo Estado não permite que todos tenham uma visão crítica sobre temas importantes como a maioridade penal” diz Felippe. Os debates permitem que os estudantes sejam ouvidos e despertam tal visão crítica sobre o que acontece no cenário geral do país e faz com que os jovens tenham outro olhar sobre o que é divulgado pela grande mídia.

Não perca a próxima

edição do sarau

Palavra de Rei 17/08-Praça da Biquinha

18h

Palavra de Rei

facebook.com/palavraderei

Grupo Anahata

facebook.com/grupoanahata

Fotos: Barbara Landau e Felippe Emanuel

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BAHMAN FARZAD

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ecentemente foi divulgado o resultado da pesquisa “Públicos de Cultura” realizado pelo SESC (Serviço Social do Comércio) e Fundação Perseu Abramo. Nele é explicito a preferência dos brasileiros pela comédia no teatro. O período da pesquisa aconteceu entre agosto e setembro de 2013 em 25 estados brasileiros alcançando 2.400 pessoas com idade acima de 16 anos. Os resultados chamam a atenção em todos os aspectos. Mais da metade dos entrevistados (58%) não leu um livro nos últimos seis meses, 71% nunca foi à exposição de arte, 62% obtém informação e entretenimento pela TV aberta, 40% predileta a música sertaneja. Quando o teatro é mencionado descobre-se que 61% dessas pessoas

nunca assistiram a uma peça e 57% nunca entrou num teatro. A pequena porcentagem que freqüenta ou freqüentou apresentações teatrais aprecia deliberadamente a comédia. Antes disso, já poderíamos constatar a defasagem do povo brasileiro no que diz respeito à arte, mas os dados recentemente divulgados espantam e reforçam a preocupação. Por que será que grande parte do público de teatro prefere o gênero do riso? Arrisco-me a dizer que a causa é a mesma que faz com que centenas de pessoas não possuam o hábito da leitura: falta de conhecimento. E não só a falta dele, mas também a carência de todo espírito pensante que é desenvolvido a partir da atribuição da informação.

A quantidade de brasileiros que não tem acesso a arte é exorbitante. Falta de interesse? Não. Falta de c o n he c i me n to. As pessoas não lêem porque não tem consciência do tanto que podem aprender e apurar o olhar diante o mundo. Elas preferem as comédias porque não encaram o teatro como ferramenta social. Isso se deve a ausência de estímulo à leitura e a falta de espírito crítico para perceber que a grande maioria das peças cômicas reforça estereótipos. A cultura do riso e ignorância prevalece no Brasil porque não são oferecidos meios e instrumentos de instrução. À população são destinados apenas os hits do momento. Produtos midiáticos avulsos a qualquer articulação do pensamento.


Penso que decidi escrever por ter me ocorrido uma súbita inspiração. Porém, não escrever como o fazem os grandes. De toda a escola de gramática que frequentei, penso que desaprendi. Desaprende-se por motivos de poesia. Certa vez, um menino desses, vestido com roupa de quinta-feira, desses de achar lagartos em buracos de teoria, disse-me: Agora virou poeta? Ficou triste? Pra desamparar o luto anterior, disse-lhe que me empenhava. Desaprendi a gramática por motivos de amor. Um amor desses que não rende, mas serve de matéria pra poesia. O póstumo Brás Cubas, conta que Marcela lhe amou durante quinze meses e onze contos de réis! Nada menos! Desprovido de apelos materiais,meu amor durou enquanto jazia meus versos. Fiz rimas baratas e custosas, li alguns poemas de Manoel *. Porém, dia desses, finda a inspiração. Me apetece um gosto especial por certas palavras: mosca, coxa, Onomatopeia. Fazem, para mim, parte de vocabulário rebuscado. Tenho inspiração em coisas poucas: o mar, um trilho do trem que nunca foi atravessado, o dicionário. Escrever é pra quem percebe a fonte ortográfica da boémia. É pro Drummond e Leminski. É pra Neruda e Rita Lee. Desaprendo.

Mariana Vieira

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*Falo aqui de Manoel de Barros- que via a evolução do bicho rã. Oficial concebedor de Bernardo. Menino árvore.


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