Catálogo da exposição Coisas de Dentro, de Adriane Hernandez e Bianca Knaak

Page 1


AdrianeHernandez

BiancaKnaak

Dentro COISAS de

Curadoria

MárioFontanive

Dentro COISAS de

Exposição de Adriane Hernandez e Bianca Knaak

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C679 Coisas de Dentro [ recurso eletrônico] : catálogo da exposição / curadoria de Mário Fontanive ; artistas Adriane Hernandez, Bianca Knaak. – Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Centro Cultural da UFRGS, 2025.

1 pdf : il

Exposição ocorrida de 9 de janeiro a 14 de março de 2025, Centro Cultural da UFRGS.

ISBN 978-65-5973-455-9

1 Arte contemporânea 2 Instalação (Artes Plásticas) 3 Exposição de arte 4 Poética I Hernandez, Adriane II Knaak, Bianca III Fontanive, Mário

CDU 7.036

Biblioteca do Instituto de Artes da UFRGS

Apresentação da exposição

Texto curatorial

Adriane Hernandez

Bianca Knaak

Vista parcial

Biografias

Créditos

Apresentação

A exposição Coisas de Dentro apresentou um recorte da produção artística de Adriane Hernandez e Bianca Knaak, ambas professoras do Instituto de Artes da UFRGS. Em função de uma semelhança conceitual entre os trabalhos, as artistas se propuseram a aglutinar parte de suas produções em uma proposta única, focando no imaginário em torno do espaço doméstico. Partindo de objetos banais, corriqueiros e presentes no interior das moradias, ambas se dedicam à exploração de suas configurações e superfícies reunindo camadas de sentidos a partir de suas interferências. Operacionalmente

Bianca parte da apropriação, examinando seu processo de trabalho em sentidos abertos pela inclinação poética na experimentação do olhar e do fazer. Já Adriane reelabora suas memórias de infância a partir do padrão de uma toalha de mesa, inventando um modo de compartilhar afetos cotidianos. O encanto, o sonho, o otimismo e a nostalgia são algumas

das possibilidades mnemônicas desse encontro interligando artistas, observadores e os trabalhos artísticos em questão.

Coisas de Dentro apresenta obras representativas de um longo período de produção poética experienciado pelas artistas, em vivo diálogo com os práticas fundamentadas em suas trajetórias. A singularidade de cada uma se preserva nas obras apresentadas e a exposição conjunta permite e amplia as possibilidades e proposições conceituais e contextuais da casa - real, ideal, mítica, fictícia, interior - como ambiente inaugural das sensibilidades que nos perpassam socialmente. A curadoria e o texto da exposição são de autoria de Mário Furtado Fontanive. A exposição foi selecionada pelo edital de ocupação 2024 do Centro Cultural da UFRGS.

SobreaexposiçãoCoisasdeDentro daBiancaKnaak eAdrianeHernandez

A arte pode apresentar o mundo sem palavras, em silêncio. A Adriane e a Bianca têm uma similitude nos trabalhos dessa exposição; as duas revelam uma percepção

estendida das coisas.

No trabalho da Bianca, um beija-flor, representado por uma porcelana branca moldada para ser seu signo, está colocado em uma gaveta, a qual, por sua vez, foi deslocada do móvel no qual se encaixava. Essa gaveta, também deslocada de seu móvel original, está agora fixada à parede, abrigando outros objetos sem relação aparente entre si. Um depósito de coisas díspares é exposto, emoldurado como uma composição que desafia interpretações imediatas. O que guiou a escolha desses elementos? Entre as inúmeras possibilidades do mundo, algumas coisas foram selecionadas e reunidas em um espaço cuidadosamente definido. Uma colheita que requereu observação e cuidado na escolha.

Em nossas casas, acumulamos objetos que materializam o tempo: lembranças de eventos, passagens e experiências que parecem conjurar memórias silenciadas. Gaston Bachelard observa que, quando um espaço é rico em diferenças, essas singularidades funcionam como ninhos para nossas recordações. Para ele, “em seus mil alvéolos, o espaço retém o tempo comprimido. O espaço serve para isso.” Assim, podemos aprender a ficar atentos às interlocuções entre ações, lugares e memórias.

Lugares onde a função de cada objeto se lê imediatamente nos tornam eficientes, mas, provavelmente, vamos agir e pensar de forma mais automatizada. Em contrapartida, em espaços ricos e preservados de compromissos urgentes, a memória pode encontrar refúgio e se alimentar de estímulos que ativam caminhos para pensamentos imprevisíveis. Quando o lugar é padronizado, a memória e a percepção têm dificuldade em se apropriar dele; o olhar, então, opera apenas no imediato, recorrendo a pensamentos prontos, já catalogados.

Lugares monótonos, imunes às diferenças, são estéreis para a lembrança. Se o olhar não encontra o inesperado, ele atrofia, e a perda dessa capacidade mina a reflexão e o pensamento.

A perda da capacidade de ver leva ao empobrecimento do pensamento. A reflexão, para ocorrer, necessita de tempo livre, do olhar desinteressado, de não ser premido sempre pelas necessidades imediatas e de um ambiente que propicie outras leituras que não as estritas às funções imediatas.

Uma casa é o lugar da intimidade, lugar onde podemos estar despidos das formas sociais da atenção. Numa tarde qualquer, talvez não tenhamos nada para fazer, ou, quem sabe, estejamos doentes e sejamos obrigados a permanecer deitados. O quarto talvez seja antigo e, com o tempo, uma mancha tenha se formado na parede. Por estar desobrigado de maiores compromissos, o nosso olhar pode se fixar aí nessa mancha e descobrir imagens novas, um cavalo alado, um elefante magro, o mapa de um rio des-

conhecido.

Uma mancha pode abrir espaço para que o olhar se expresse e se construa. Ele não precisa buscar as respostas no catálogo instantâneo para olhares necessários, pode se deixar levar pelo desejo mesmo de ver. Esse jogo livre pode se dar em olhares, conversas, cheiros, paladares, toques, leituras. Nas trocas inesperadas e livres que temos com o mundo ao longo da vida, vai se desenvolvendo a nossa capacidade de ver e, quando olhamos no espelho, talvez possamos reconhecer o estranho, o diverso que somos nós mesmos.

Os sentidos são processos de busca ativa, não meros receptores passivos. Na fabulação íntima em uma casa, é possível que se perceba que o sofá, a cozinha, as taças, o cheiro de café, a mesa, o abajur, o amarelo, o amargo, a gaveta do meio, a campainha, possuem histórias compartilhadas, podendo interagir uns com os outros. A partir de ações de escolha e arquivamento, podemos desenvolver uma leitura própria.

Movidos pela curiosidade sobre as coisas em si, podemos vislumbrar ecos que dialogam com nossas próprias histórias. O visitante da exposição terá a oportunidade de reencontrar um antigo prazer de brincar distraidamente...

A Adriane também tem como base coisas de uma casa, ela parte da elaboração de uma pintura caracterizada pelo rigor geométrico que pode ser tomada como fazendo referência a uma toalha de mesa comum. Um grande retângulo é subdividido em pequenos quadrados iguais, formando uma grade regular. Sobre essa estrutura, uma malha azul mais destacada delimita quadrados brancos. Tanto as áreas azuis quanto as brancas apresentam falhas que revelam um tom vermelho subjacente, distribuído de forma aleatória em pequenos rasgos nas superfícies coloridas. Essa pintura é emoldurada e protegida por um vidro um pouco afastado do seu plano. Essa condição de confinamento evidencia um lugar singular para o objeto artístico.

Para preparar a dissonância que deseja apresentar frente ao olhar cotidiano, a arte precisa emergir da própria rede de atenções da qual busca se destacar. A percepção da diferença só é possível quando encontramos, ainda que sutilmente, um ponto de semelhança com aquilo de que o diferente se distingue. Esperase que a arte trace uma linha que a afaste das atenções reguladas e repetitivas. Desde sempre, sua força residiu nesse contraste: ao se posicionar à margem da assiduidade dos gestos diários, a arte cultivava sua capacidade de provocar estranhamento e abrir caminho para a crítica.

Paul Valéry considera que, a princípio, é difícil distinguir entre o fazer da arte e outro fazer qualquer. Ele escreveu: “Em todos os lares do espírito, há fogo e cinzas, a prudência e a imprudência; o método e seu contrário; o acaso sob mil formas”. Mesmo assim, no âmbito da arte, pressupomos que os gestos são pensados fora do hábito regulado.

Para alcançar essa dissonância a Adriane apresenta outra camada de pintura externa ao vidro da moldura. Essa nova camada estabelece uma continuidade parcial com a primeira: as áreas azuis preservam a conformação geométrica da que está abaixo, enquanto surgem superfícies verdes e rosas que se desfazem, escorrem e extrapolam os limites da moldura. Essa transição marca uma mudança do rigor geométrico e da separação inicial para uma expressão mais fluida, desencantada e trágica, evocando uma aparente perda de caminho.

As duas artistas testemunham uma dupla apreensão das coisas e evocam uma condição humana mais digna daquela que apenas vê o mundo de forma imediata. "A arte delas não espera nada das vantagens do século. Reconhece-se igual à própria vida, que nada tem que justificar.”[1]

[1] Saint-John Perse.

HERNANDEZ ADRIANE

Adriane Hernandez, Dracenas. Acrílica sobre telas e bancos, 2023.

Adriane Hernandez, Série Variações com toalha de mesa: Pássaros. Acrílica sobre telas e objetos de madeira, 2023-2024.

Adriane Hernandez, Festa. Acrílica sobre papel e sobre vidro, 2023

Hernandez, Aniversário. Acrílica sobre papel, tinta acrílica e velas sobre vidro, 2022.

Adriane

Hernandez, Série Variações com toalha de mesa I, II, III e IV. Acrílica sobre papel, 2023.

Adriane

BIANCA KNAAK

Bianca Knaak, Berço. Instalação, Dimensões aproximadas: 2 x 2 m, 2025.

Bianca Knaak, A confusão das casas. Assemblagem em gaveta, 16 x 17,5 x 12 cm, 2025.

Bianca Knaak, Dor. Assemblagem, 37 X30 X5 cm, 2025.

Bianca Knaak, Breu. Colagem sobre impressão mineral em canvas, 28 X 23 X 3 cm, 2025.

Bianca Knaak, Restar. Assemblagem, 40 X 35 x8 cm, 2019.

Knaak, Pai. Colagem sobre impressão mineral em canvas, 28 X 23 X 3 cm, 2025.

Bianca

Assemblagem em gaveta, 31 X 20 X 6 cm, 2023.

Bianca Knaak, Tudo.

Bianca Knaak, Ordene. Assemblagem, 23 × 32 X5 cm, 2024.

Bianca Knaak, Primeiros poemas. Assemblagem em gaveta, 34 X 29 X 8 cm, 2023.

VISTA PARCIAL

Vista parcial da exposição (1)

Onde se vê na sequencia, da esquerda para a direita: Tudo; Ir; Verde; Foz; Primeiros poemas; Céu; Pai; Projeções I e II; Breu; Restar; Casinha; Ar; Girassol; Dor; Ordene; Ser. Todos de Bianca Knaak.

Vista parcial da exposição (2)

Onde se vê na sequencia, da esquerda para a direita: A confusão das casas; Berço; Chave; Dá; Lar; Mãe. Todos de Bianca Knaak.

Vista parcial da exposição (3)

Onde se vê na sequencia, em direção ao fundo: Aniversário, e Série Variações com toalha de mesa I, II, III e IV. Ambos de Adriane Hernandez.

Vista parcial da exposição (4)

Onde se vê na sequencia, da direita para a esquerda: Série Variações com toalha de mesa I, II, III e IV, e Dracenas. Ambos de Adriane Hernandez.

Vista parcial da exposição (5)

Onde se vê na sequencia, da direita para a esquerda: Série Variações com toalha de mesa: Pássaros, e Festa. Ambos de Adriane Hernandez.

Porto Alegre/RS. Desde sua pesquisa Do pão a toalha de mesa: uma abordagem poética por prolongamentos, defendida em 2007, a artista vem desenvolvendo trabalhos em que o padrão de uma toalha de mesa xadrez, azul e branco, está sempre presente, em fotografias, objetos e pinturas, fazendo alusão a uma memória de infância ligada ao ambiente doméstico.

É artista plástica e professora do Instituto de Artes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desde 2013 e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (UFRGS). Possui graduação em Artes Plásticas, habilitação em Pintura, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994), mestrado e doutorado Poéticas Visuais, pela mesma Universidade. Como artista e pesquisadora a sua área de interesse é no campo da pintura, da fotografia, do objeto, da metodologia de pesquisa em poéticas visuais, mais especificamente, e da arte contemporânea, em geral.

Coordena atualmente a pesquisa: Sobre a mesa: possibilidades operativas e outros jogos com o plano pictórico e o Programa de Extensão Incubadora de Projetos Artísticos.

Campo Bom/RS. Depois viveu e trabalhou em porto Alegre/RS, São Paulo/SP, Santa Maria/RS, Goiânia/GO e novamente Porto Alegre onde é professora no Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Em Novo Hamburgo/RS licenciou-se em Educação Artística - Artes Plásticas pela Feevale e, na UFRGS, obteve os títulos de Doutora em História com tese sobre as Bienais do Mercosul e Mestre em História, Teoria e Crítica da Arte com dissertação sobre as referências populares e de massa na arte brasileira contemporânea.

Artista visual, crítica, curadora, gestora cultural, integra o Comitê Brasileiro de História da Arte, foi curadora e coordenadora dos Espaços Culturais Yázigi no Vale do Sinos/RS e Vale do Paraíba/SP .e, entre 1999 e 2002, dirigiu o Museu de Arte Contemporânea e o Instituto Estadual de Artes Visuais do Rio Grande do Sul. Participou de diversas exposições coletivas e a individual mais recente foi CASINHA, em Porto Alegre, 2023. No âmbito de seus próprios interesses artísticos investiga artes e imagens em manifestações de sentidos, condições de produção e interpretação disciplinarmente limítrofes e a recepção das visualidades ecléticas Seu trabalho plástico percorre toda essa cartografia partindo sempre da apropriação.

Mário Furtado Fontanive formou-se em Arquitetura na UFRGS em 1980. Em 1982, realizou uma exposição de fotografias no Margs juntamente com Martin Streibel. De 1986 a 1999, participou de diversas produções em computação gráfica para cinema e TV, dentre elas a minissérie “A Invenção do Brasil” da Rede Globo

Completou o mestrado em Teoria, História e Crítica da Arte na UFRGS em 2005 e publicou "A Mão e o Número: sobre a possibilidade do exercício da intuição nas novas tecnologias” em 2007. Entre 2009 e 2013, obteve seu doutorado na mesma área Em 2010, foi admitido como professor no curso de Design da UFRGS, onde leciona Teoria e História do Design e Semiótica.

Em 2014, apresentou na UFRGS e na Vila Cruzeiro a exposição "Retratos da Vila" juntamente com Bianca de Oliveira Publicou o livro de poemas "Dentro do Oco" em 2018 e o ensaio "A Margem: ensaio sobre experiência e desejo" em 2022. Em 2023, realizou a exposição fotográfica "Vinte e dois silêncios e uma alegria" no Centro Cultural da UFRGS.

Reitora

Marcia Barbosa

Vice-Reitor

Pedro Costa

Diretor do Instituto de Artes da UFRGS

Raimundo José Barros da Cruz

Vice-Diretora do Instituto de Artes da UFRGS

Jéssica Araújo Becker

Pró-Reitora de Extensão

Daniela Borges Pavani

Vice-Pró-Reitora de Extensão

Patricia Helena Xavier dos Santos

Chefe do Departamento de Artes Visuais

Daniela Pinheiro Machado Kern

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em

Artes Visuais

Teresinha Barachini

Diretora do Departamento de Difusão Cultural e do Centro Cultural da UFRGS

Lígia Petrucci

Exposição Coisas de Dentro

Curadoria

Mário Fontanive

Montagem

Rafael Derois e Victor Dalagnol

Fotografias

Adriane Hernandez, Bianca Knaak, Mário Fontanive e Nilton Santolin

Equipe DDC e Centro Cultural da UFRGS

Ana Laura Freitas, Angela Oliveira, Edgar Heldwein, Guilherme Staszak Baldez, Hodo Figueiredo, João

Vitor Novoa, Marcia Menegat, Paulo Gomes e Rafael Derois

Apoio Técnico do Centro Cultural da UFRGS

Ana Paula Silva Ramos, Demétrio Lima González, Fabiano Sampaio Ferreira, Fernanda Madruga, Margarete da Rosa Ferreira, Talita Monike da Rocha Silva, Tauana Lúcia Bandeira Santos e Verusca da Silva Nunes

Bolsistas DDC/Centro Cultural da UFRGS

Aline Rebelo, Betina Inda, Bruna Fraga, Gabriela Sardi, Ianaê Régia, João Pedro Fiuza, Joana Sagaz, Júlia Achutti, Leonardo Ramos, Larissa Lunge, Loua Pacôm Oulaï, Rafaela Caporale, Victor Dalagnol e Victor Souza

A produção artística apresentada na exposição Coisas de Dentro foi realizada com apoio da Incubadora de Projetos Artísticos.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.