Silves, uma cidade em contexto corticeiro

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Silves: uma cidade em contexto corticeiro XXVIII Encontro Nacional da Associação dos Professores de Geografia Silves, 10 Abril 2014


A cidade de Silves na 1ÂŞ metade do sĂŠculo XIX, segundo uma aguarela datada de 1815.


A cidade de Silves na 1ÂŞ metade do sĂŠculo XIX, segundo uma litografia publicada em 1844.


1. Os inícios da industrialização corticeira em Silves •

O fim das guerras liberais e das guerrilhas - que em Silves com o famoso Remexido se prolongaram até aos inícios dos anos 40 do séc. XIX - proporcionam a paz social que permitiu o estabelecimento da manufactura da cortiça.

É atribuído o seu início a uma família de origem andaluza, os Garcia Blanco, que aqui se terão estabelecido fugindo da perturbação vivida na vizinha Espanha durante as guerra peninsulares.

A serra rica em matéria-prima, o porto exportador de Portimão que o rio Arade aproximava e uma mão-de-obra rural abundante, disponível grande parte do ano por uma agricultura de subsistência e de sequeiro, foram consideráveis factores facilitadores.


As primeiras notícias do estabelecimento da indústria ocorrem em catálogos de exposições universais em que empresários algarvios, designadamente silvenses, se fazem representar com produtos corticeiros. - Exposição Universal de Paris (1855) – Joaquim Júdice dos Santos (Portimão) - Exposição Universal de Paris (1878) – João Mascarenhas Netto - Mas também em diários de viagem pessoais, como é o caso do diário do escocês Cunison Rankin, negociante de cortiça que visita Silves e a família Garcia Blanco em 1862. -Em 1870 é fundada aquela que virá a ser, nos finais do séc. XIX, a maior fábrica portuguesa: a Salvador Gomes Vilarinho


A Fรกbrica Salvador Gomes Vilarinho, mais tarde Real Fรกbrica Vilarinho & Sobrinho (500 trabalhadores em 1890).


Acontecia então uma grande concentração em importantes unidades manufactureiras (Salvador Gomes Villarinho, Avern Sons & Barris), a par de pequenos “fabricos” familiares que preparam cortiça em prancha ou realizam tarefas complementares em regime de empreitada (escolha, por exemplo). Avern, Sons & Barris/Gregório Mascarenhas (Fábrica do Inglês) – em 1894 tem cerca de 250 trabalhadores


Fazendo rolhas à mão nos finais do séc. XVIII (Encyclopédie)

Rolheiros manuais na Fábrica do Inglês (c. 1910)



O tempo da manufactura, da oficina, do rolheiro manual.



Em finais do séc. XIX (embora esta fotografia seja de inícios do séc. XX, e em França) a semi-manufactura vai fazendo o seu caminho com a introdução das garlopas e outras máquinas movidas “a sangue”.


MĂĄquinas dos finais do sĂŠc.XIX

Contadora de rolhas

Garlopa

Quadradora



Silves, 1890 (Inquérito industrial) • 1004 trabalhadores corticeiros • 11 unidades industriais •População citadina: 6 000 habitantes •Silves era então a capital corticeira do país, com cerca de 40% de toda a mão-de-obra corticeira nacional.


2. Proletarização do trabalho, associativismo e luta sindical • No último quartel do séc. XIX, princípios do séc. XX, surgem os primeiros jornais em Silves. • Duas grandes famílias industriais: os Vilarinhos e os Mascarenhas (partido Regenerador e Progressista, respectivamente). • Forma-se a Associação de Classe dos Corticeiros de Silves (cerca de 1890) de tendência dominante anarcosindicalista. • Fundação de associações/cooperativas (Caixa de Socorros 1º de Março em 1907, Cooperativa de Produção Social Silvense em 1911, cooperativa operária A Compensadora em 1921)

• Luta sindical pela diminuição do horário de trabalho (então de 10 a 12 horas/6 dias na semana), pelo aumento de salários e pela proibição da exportação de cortiça em bruto ou em prancha.


A 1ª República é uma frustração no meio operário. As greves disparam, as diferenças entre os proprietários corticeiros e a maioria operária agudizam-se. Fome e miséria são palavras correntes na imprensa operária.


A cidade, em termos urbanĂ­sticos, cresce para ocidente e oriente; as fĂĄbricas optam definitivamente pela maquinofactura, voltando o espectro do desemprego.


Os anos vinte, os da mecanização industrial, viram também nascer aquela que será, por muitos anos, uma das maiores empresas de fabricação de máquinas corticeiras em todo o mundo: a Andrés Lluis Bós.


Nascem, também, novos projectos desportivos, culturais e educativos.

Equipa do Silves Futebol Clube nos anos vinte (séc.XX)

Teatro Mascarenhas Gregório (construído em 1909 por um dos fundadores da Fábrica do Inglês)


O rio Arade continua sendo a porta de saída da produção corticeira silvense. /1928


Os anos 20, inícios de 30 do século XX, continuam sendo momentos importantes do movimento operário/sindical. -Em 1924, após uma greve geral de mais de um mês de duração, abate-se a repressão sobre os corticeiros. - Em 18 de Janeiro de 1934, nova greve geral insurrecional contra a corporatização dos sindicatos pelo Estado Novo. Muitos dos elementos envolvidos são presos, alguns deles sendo levados para o novo campo de concentração do Tarrafal, Cabo Verde.


A crise dos finais dos anos 20, e posteriormente a 2ª guerra mundial, agudizam os problemas da indústria corticeira silvense. Várias fábricas fecham, outras deslocam-se para a margem sul do Tejo, o número de operários e a população diminuem.

Ainda assim, nos anos 40, inícios de 50, subsistem, entre fábricas e “fabricos”, cerca de 50 nomes comerciais em Silves.


Após os anos 50 a decadência da indústria corticeira acentua-se, desaparecendo paulatinamente da paisagem urbana, restando aqui e ali, pela cidade, os restos deste passado industrial. Em 1998 existiam, duas unidades corticeiras. Hoje existe uma fábrica, fora da cidade, de transformação em aglomerado de cortiça.


Procurando preservar esta importante memória social e industrial, nasce em 1999 o Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês.


Hoje, infelizmente, e por razões que lhe são alheias, está fechado. Honrando a memória histórica/industrial desta cidade, e das gentes que a viveram, reforçando-se a nossa identidade colectiva entre as novas gerações, é um imperativo reabri-lo.


Porque a Cortiça é nosso Património, é uma herança a preservar.


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