Jornal do Comércio - Jornal da Lei 14/08/2018

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EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO/JC

Porto Alegre, terça-feira, 14 de agosto de 2018 - Nº 45 - Ano 21

O descompasso entre a legislação e as ruas Leis criadas por políticos, aplicadas por policiais e executadas por juízes: que tipo de política criminal a sociedade quer?

A

s estatísticas mostram um cenário de descontrole da criminalidade no Brasil: mais de 63 mil assassinatos e 60 mil estupros no ano passado, além de incontáveis casos de violência que não resultam em morte, mas que deixam sequelas físicas e psicológicas nas vítimas. A disseminação da cultura da violência, porém, não se restringe aos crimes contra a vida, mesmo que esses sejam os mais graves. Crimes contra o patrimônio também são ingredientes do caldo de sabor amargo que toma conta das ruas das grandes cidades brasileiras. No Rio Grande do Sul, nos 12 meses do ano passado, foram registrados 144.192 furtos e outros 87.120 roubos. Além disso, ocorreram 34.779 furtos e roubos de veículos, 207 furtos e roubos a bancos, e 12.846 furtos e roubos a estabelecimentos comerciais. Isso sem contar os casos que não foram registrados pelas vítimas. Desigualdade socioeconômica, disputas relacionadas ao tráfico de drogas, conflitos domésticos e desarranjos interpessoais. Todas essas são causas sociais da violência, e todas elas exigem um olhar dedicado e responsável por parte de quem estuda os fenômenos, de quem formula as normas legais, de quem as aplica, e de quem cria e executa políticas públicas. É quase consenso entre quem estuda o tema que a

dimensão do problema – assim como a sua solução – passa diretamente pela política criminal brasileira. O jurista René Ariel Dotti conceitua o termo “política criminal” como sendo “o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Em sentido amplo, compreende também os meios e métodos aplicados na execução das penas e das medidas de segurança, visando ao interesse social e à reinserção do infrator”. Assim, de modo sucinto, pode-se descrever política criminal como todas as ações realizadas pelo Estado – da criação da legislação até a aplicação dela – com vistas a prevenir e reprimir condutas sociais impróprias. As normas legais que regulam o que é crime no Brasil, quais são as punições a quem o comete e como se dá o devido processo legal estão prestes a completar 80 anos. O Código Penal brasileiro data de dezembro de 1940. O Código de Processo Penal, por sua vez, é de outubro de 1941. Em um país que se modifica cultural, demográfica e economicamente em uma velocidade mais rápida do que as instituições podem acompanhar, e no qual leis são criadas aos borbotões, sendo boa parte delas desnecessária, a atualização das normas legais que regram a política criminal brasileira deixou de ser uma opção. Passou a ser uma necessidade.


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Por Juliano Tatsch • Laura Franco • Suzy Scarton | Arte: Caroline Motta jornaldalei@jornaldocomercio.com.br

...a polícia?

JC

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública

967.851 mortes • por acidente: 16.010 • por suicídio: 37.953 • por homicídio: 830.420 • por causa indeterminada: 83.468

A posição é compartilhada pelo coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira. Para ele, o momento do pânico é aquele no qual se encontram saídas mirabolantes e as barreiras sociais são reforçadas. “Após um grande acontecimento, tem-se sempre a discussão sobre esses recrudescimentos. Discute-se muito sobre o aumento de penas e não se tem clareza sobre o que pode ser feito. Quando se trabalha com pânico, reforçam-se políticas de segregação, de apartheid social. Você tem medo do outro, não confia mais no outro. O pânico não vai levar a lugar nenhum”, enfatiza. Assim, reações intempestivas em razão de acontecimentos chocantes, na visão dos pesquisadores, acabam por gerar resultados nulos, mas se perpetuam por aplacar a sede social por justiça – ou por vingança.

VIOLÊNCIA NO RIO GRANDE DO SUL 2017 FONTE: SSP-RS

Furto e roubo de veículos

O Judiciário cumpre um papel decisivo no processo criminal. Embora a prisão seja efetuada pelas forças policiais, quem define o destino final de cada pessoa que acaba em uma delegacia é o Judiciário. Muitas vezes considerado injusto ou ineficaz, o poder está irrevogavelmente vinculado às leis penais, que são criadas, por sua vez, pelo seu par, o Legislativo. Sem a autonomia para alterá-las, resta aos juízes, portanto, aplicar as normas da maneira mais justa, interpretando-as conforme suas posições pessoais, quando for o caso, mas sem desrespeitá-las. Para quem atua diretamente com o resultado das decisões judiciais e trabalha, diariamente,

34.779

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207 Posse de drogas

10.270 Furto e roubo a estabelecimentos

12.846

Tráfico de drogas

9.2015

mais gravidativa de liberdade. “Para que de se dá como a pena de uma resposprisão serta aos anve? Para que seios sociais. crimes deve “A socieser utilizadade não vê da?”, questioas outras pena. No caso dos nas como punipresos provisóção. Acha que a rios, o estudiopunição tem de so defende um Rodrigo Ghiringhelli, sociólogo ser sofrimento, uso mais amplo e professor da Pucrs e o sofrimendas penas alterto só é possível nativas e do monitoramento ele- em presídios superlotados, em trônico, com o indivíduo respon- más condições. Nenhum goverdendo ao processo em liberdade, nante irá mudar isso, pois, de mas sob vigilância. alguma forma, responde a uma Azevedo aponta que as demanda social”, observa. normas que definem penas alSem poder contar com a ternativas, criadas em 1984 e vontade política, como mudar aperfeiçoadas em 1998, mesmo um cenário como o brasileideficientes, poderiam ser mais ro? O professor da Pucrs aponutilizadas. Entretanto, a seu ver, ta que a mudança precisa vir o uso sem limites da pena priva- de dentro do sistema, a partir

do reconhecimento de que esse modelo está falido. “Precisamos ter, sim, a pena de prisão especificamente para crimes violentos, complexos, de formação de grupos organizados, no qual a prisão tenha, de fato, o papel de contenção que precisa ter, especialmente no caso dos homicídios”, ressalta. No que diz respeito a outros tipos penais, Azevedo acredita que o encarceramento não é a melhor opção, pois, além de não resultar na redução da criminalidade, acaba por aumentar a mão de obra disponível para as facções criminais. “Cito sempre a questão do tráfico, do pequeno vendedor de droga. Não muda nada em relação ao mercado da droga e, ao mesmo tempo, cria essa massa de manobra em presídios. Isso me parece que precisaria ser repensado.”

...o sistema de Justiça?

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Furto e roubo a bancos

Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 8% entre 2006 e 2016, a de mulheres negras subiu 15,4% em todo o País. Um total de 60.018 mulheres foram vítimas de estupro em 2017. O número, porém, tende a ser muito maior devido à subnotificação. No Rio Grande do Sul, foram 4.372 – o quinto estado com mais casos.

FONTE: MAPA DA VIOLÊNCIA 2016

ITO

Entre 2007 e 2017, observa-se um crescimento de 20,1% no total de mortes. No Rio Grande do Sul, foram 280 mulheres assassinadas em 2017 – um aumento de 45% no período 2007-2017.

DE 1980 A 2014

CL A

Em 2017, 4.539 mulheres foram assassinadas no País, o que representa uma taxa de 4,3 homicídios para cada 100 mil brasileiras.

VÍTIMAS POR ARMA DE FOGO NO BRASIL

Menos prisões e mais foco na prevenção e na recuperação. Se as ações devem ser tomadas serenamente, sem influências do clamor das ruas, tampouco de interesses político-partidários, o papel das universidades – e dos estudos e pesquisas produzidos pela academia – acaba ganhando importância. Doutor em Sociologia pela Ufrgs, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo defende a necessidade de que a pena de prisão seja revista. Para o professor dos programas de pós-graduação em Ciências Criminais e em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), em um país no qual mais de 700 mil pessoas estão presas e pelo menos 153 mil mandados de prisão aguardam cumprimento, a detenção deveria ser direcionada a crimes de

CL

Acadêmicos, juristas e profis- regime, prisão perpétua ou pena sionais que atuam diretamente no de morte, flexibilização do porte combate à violência convergem de armas –, e há quem defenda quando se destaca a necessidade uma aplicação mais enxuta das de alterações na política criminal leis, com menos encarceramento, brasileira – mesmo que apontan- maior aplicação de penas alterdo caminhos diversos para se- nativas e foco na prevenção, não rem tomados. na repressão. Atualmente, tramita no SenaNa academia, os pesquisado Federal um Projeto de Lei (PL), dores do tema tendem a, quase de autoria do senador José Sarney que unanimemente, posiciona(PMDB-AP), que cria um novo Có- rem-se de forma contrária a pudigo Penal. O texto está parado na nições mais severas. As justificaComissão de Constituição e Justiça tivas se baseiam, de modo geral, da Casa desde novembro passa- nos resultados ruins que iniciatido, sem previsão de ter as discus- vas nesse sentido obtiveram em sões retomadas. outros países e até no Brasil, e, Já na Câmara dos Deputados, mais ainda, pelo fato de isso ataa proposta debatida pelos parla- car as consequências e não as caumentares é a de um novo Códi- sas do problema. go de Processo Penal. José Vicente TavaO texto já foi aprovado res dos Santos, doutor no Senado, mas sofreu em Sociologia pela Unimudanças na Câmara. versité de Paris X e proO projeto oriundo do fessor do Programa Senado (PL 8.045) é de Pós-Graduação 1.101.495 carros de 2010. A ele, foi em Sociologia da foram roubados ou apensado um ouUniversidade Fefurtados no Brasil tro, com modificaderal do Rio Granentre 2016 e 2017 ções promovidas de do Sul (Ufrgs), (um a cada minuto) pelos deputados salienta que políti(PL 7.987). Atualcas de segurança não mente, ambos estão na podem ser baseadas comissão especial criada em emoções ou opiniões. para analisá-los antes de serem le- “Uma política precisa ser baseavados à votação em Plenário. da em diagnóstico, em um sistema Momentos de crise sempre re- de informações, em propostas de sultam no surgimento de uma en- coordenação setorial e intersetoxurrada de ideias. No caso da vio- rial. Tem de ter medidas de avalência no Brasil, não é diferente. liação de desempenho, monitoraHá quem peça recrudescimento de mento. Nenhuma política pública punições – redução da maioridade pode servir a um momento de pâpenal, penas de prisão por mais nico social. Os efeitos disso são os tempo, fim das progressões de piores possíveis”, afirma.

Juíza Sonáli da Cruz, titular da 1ª VEC da Capital

com o sistema presidiário, as leis atuais são ineficazes. Prende-se muito, mas prende-se mal. Essa é a principal conclusão dos juízes Sidinei Brzuska, que atua na 2ª Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre desde 2013, e Sonáli da Cruz Zluhan, que assumiu, em outubro de 2017, a 1ª VEC. Sónali atua, hoje, na fiscalização dos presídios, antes feita por Brzuska. Por terem passado boa parte da vida profissional lidando com presidiários, os magistrados estão acostumados a ver o outro lado, e acreditam que a legislação penal é seletiva. Para alguns crimes, branda demais – como no caso do porte de armas, do roubo, do estelionato e de algumas fraudes. Para outros, é dura em demasiado, como na questão que envolve tráfico, porte e consumo de drogas. Essa reflexão é corroborada pelo lado que acusa. O promotor Luciano Vaccaro, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e da Segurança Pública do Ministério Público do Rio Grande do Sul, também vê problemas na resposta que a legislação penal dá a alguns crimes. Ele critica, ainda, a aplicação dessas leis por parte dos magis-

trados, uma vez que muitos condenados ao regime fechado são liberados antes do previsto para o sistema semiaberto ou aberto. As falhas existem em todo o Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018,

1.046 mortes violentas não foram esclarecidas no RS no ano passado

ciclo que culmina em uma prisão. Vaccaro vê problemas, por exemplo, na execução de uma pena de prisão em regime fechado. Seja por falta de vagas no sistema prisional, seja pela viabilidade de progressão para outros regimes, o promotor identifica, nessas brechas, um estímulo para a prática de crimes. Na visão do representante do Ministério Público, uma dessas lacunas está na responsabilização penal apenas aos 18 anos, o que torna os jovens objeto de cobiça dos criminosos maiores. Ainda assim, considerando a realidade dos presídios brasileiros, Vaccaro não vê com

bons olhos a ideia de redução da maioridade penal. Ele crê que a solução mais adequada seria uma alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliando o tempo máximo de medida socioeducativa de três para dez anos. É ponto estabelecido que o modelo de política criminal que hoje vigora no Brasil prioriza a repressão. Com investimentos escassos em educação e em políticas de moradia, e com a falta de empregos dignos, não se atua com o afinco necessário na prevenção de crimes. A ênfase em uma atuação reativa, que só responde aos chamados de violência – prisão do ladrão depois do assalto, prisão do estuprador depois do estupro –, faz com que a polícia seja uma vidraça, e recaia sobre ela, por fim, a missão de resolver um problema no qual todos os setores da sociedade têm responsabilidade, em menor ou maior graus. “Não nos antecipamos e evitamos o crime, estamos deixando a vítima ser vitimada. Tem que perguntar aos secretários da Educação, da Saúde, da Cultura, qual é a política deles de segurança pública. Eles estão envolvidos e fingem que esse tema não é com eles”, aponta Brzuska.

Ao contrário de teóricos que estudam o tema, representantes de órgãos atuantes na prevenção e no combate à violência, como a Brigada Militar (BM) e a Polícia Civil, apresentam posicionamentos divergentes. Embora todos concordem que há uma necessidade latente de mudanças, tanto no sistema prisional como na legislação penal, as alterações sugeridas variam. Policial desde 2004, o chefe do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil, Rodrigo Bozzeto, acredita que a impunidade é um dos fatores que alimenta a violência. Para ele, prevalece, no Brasil, a cultura do malandro, que enaltece quem consegue tirar vantagens em situações adversas, e zomba de quem escolhe ser correto. “Nossa sociedade está em um nível de corrupção, tanto no setor público como no privado, em pequenos atos e fatos. Já está internalizado”, comenta. Em um cenário de violência disseminada, a polícia não costuma ser a parte mais criticada pela população em geral. Já pertence ao imaginário popular a expressão que diz que “a polícia prende e a Justiça solta”, máxima que ganha força quando um criminoso reincidente ou em regime semiaberto comete um novo ato violento. No entanto, mesmo

Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo (...) A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade. Cesare Beccaria (1738-1794)

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aqueles que são responsáveis pela captura dos criminosos apontam que quem solta, de fato, não é o juiz ou a juíza, e sim a legislação penal. “O Judiciário solta com base na lei. Talvez nossa legislação tivesse de ser mudada para manter alguns indivíduos segregados. Mas, de novo, entramos no problema. Segregá-los onde?”, questiona Bozzeto. A ideia de que essa frase não passa de “um jargão popular mal concebido” é compartilhada pelo comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC) da BM, coronel Jefferson de Barros Jacques. A Justiça, segundo o coronel, só soltará se o processo, por ventura, assim possibilitar. O problema, na visão dele, seria a relativização das leis. “Vivemos em um momento em que as pessoas relativizam o que é dever, mas sabem muito bem o que é direito. E isso traz uma sensação de impunidade muito grande”, pondera. Punições mais rígidas também são defendidas, tanto por políticos como por parte da sociedade. O tema é tão amplo e controverso, desperta tamanho envolvimento, que aparece tanto em debates acadêmicos como em conversas de bar. A indignação perante crimes violentos faz com que a ideia de que não há alternativa a não ser o encarceramento e as punições mais severas, como a prisão perpétua e a pena de morte, por exemplo, surja como a única alternativa para reverter o quadro de violência. O recrudescimento de punições é assunto polêmico e não há unanimidade entre os policiais. Bozzetto, por exemplo, é contra a pena de morte, mas considera que, em alguns casos, a prisão perpétua poderia ser aplicada. Além disso, questiona o impacto social de uma pena longa de prisão, considerando as progressões de regime previstas na legislação. “O que seria melhor: uma pena de 15 anos na qual o indivíduo, se não tiver antecedentes, se tiver bom comportamento, possa progredir do fechado para o semiaberto e ir para a rua, ou uma pena de três anos, na qual o indivíduo cumpra todo o período?” Mesmo que reconhecido pelo grande número de dispositivos legais – o Código Penal brasileiro de 1940 tem, por exemplo, 361 artigos –, o País ainda tropeça na apli-

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Recrudescimento de O que pensa... punições é a solução? ...a academia?

Delegado Rodrigo Bozzeto, chefe do Deic

cação das próprias normas. Muito se fala sobre o caráter das punições: pune-se muito, pune-se pouco ou pune-se mal? Considerando que, em junho de 2016, a população carcerária ultrapassava os 726 mil presos, conforme o Ministério da Justiça, a ideia de que se prende pouco parece carecer de base factual. Algumas prisões, como as envolvendo a Lei de Drogas – 28% das pessoas privadas de liberdade respondem por crimes de tráfico –, por exemplo, são fortemente questionadas quanto à eficácia no combate à violência. Ainda assim, a crença de que punições mais severas são o único caminho continua existindo. “O criminoso só vai ter medo de reincidir se ele tiver certeza da punição. Isso o afastará de um novo crime, a não ser aquele que é sociopata de carteirinha. Muitas vezes, as pessoas têm a certeza contrária, de que não vai dar nada”, aponta o coronel Jacques. A redução da maioridade penal é outro ponto que causa discórdia na sociedade e entre quem atua na área da segurança. Não é difícil encontrar, nas fileiras policiais, defensores da responsabilização penal de jovens como adultos seja a partir dos 16 anos. O chefe da Polícia Civil gaúcha, delegado Emerson Wendt, porém, é voz dissonante nesse ponto. “Enquanto for adolescente, a medida socioeducativa tem um caráter de tentar trazer aquele jovem para a ressocialização. No momento em que é considerado maior de idade e vai para o sistema prisional, a lógica é de que seja direcionado a alguma facção. Ele tem de fazer escolhas que, como adolescente, não precisa”, comenta. Apesar de ter percebido, nos últimos dois ou três anos, um aumento de adolescentes envolvidos em crimes de maior gravidade, como homicídio e latrocínio, Wendt acredita que a redução da maioridade penal não é a melhor solução.


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Por Juliano Tatsch • Laura Franco • Suzy Scarton | Arte: Caroline Motta jornaldalei@jornaldocomercio.com.br

Qual o melhor modelo policial para o Brasil?

FONTE: FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Surgida, historicamente, com um duplo papel – além de cuidar da segurança, ela cumpria funções sociais, como uma espécie de prefeitura –, a polícia foi, aos poucos, assumindo caráter exclusivamente voltado ao combate ao crime no Brasil. Atualmente, as forças de segurança vivem em um cenário de dicotomia. Enquanto sua presença é celebrada por uns como garantia de combate à criminalidade, e até de heroísmo por parte de homens e mulheres que arriscam suas vidas em defesa da segurança da sociedade, por outros, é vista com desconfiança em razão de casos de excesso. Principalmente nas regiões mais vulneráveis socialmente, as polícias são, muitas vezes, reconhecidas como o Estado usando sua mão violenta para compensar a ausência de seu braço social. Reconhecido pesquisador das polícias no Brasil, o historiador Marcos Bretas aponta que a polícia brasileira, de modo geral, é intensamente repressiva. A razão disso está na própria sociedade na qual está inserida. “A sociedade lida com a resolução de problemas por meio da violência. É assim que se resolvem as questões. A força é um mecanismo a ser usado”, diz. Até mesmo os policiais têm noção de que as pessoas percebem a profissão de maneira pejorativa. “Ninguém vai para uma delegacia para festejar. É porque foi vítima de algum crime. Somos muito odiados por várias pessoas, e o que traz muita satisfação é receber um elogio, um reconhecimento”, pondera o delegado Rodrigo Bozzeto, chefe do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). No caso das regiões mais carentes, a percepção é de que polícia se dirige a esses locais, 367 policiais foram mortos no Brasil em 2017, uma diminuição de 4,9% em relação ao ano anterior

realiza a ação, prende e mata; deUm pois, vai embora, deixando total de 5.144 para trás um rastro de sangue, pessoas foram mortas por mas nenhuma solução. policiais em 2017 no País. A estratégia de enfrenNo Rio Grande do Sul, foram 135. tamento puro e simples, Entre 2009 e 2017, foram 27.036 ao ver de Bretas, professor vítimas fatais em razão de ações da Universidade Federal do das polícias no Brasil Rio de Janeiro (UFRJ), amplia o distanciamento entre os agentes do Estado e as comunidades. Mesmo iniciativas que tinham tudo para dar certo, como a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, fracassaram. O crime se movimentou, a pacificação não foi tão pacífica, e, por fim, perdeu-se uma oportunidade de quebrar enfatiza o sociólogo Rodrigo Ghio ciclo de violência. “Infelizmen- ringhelli de Azevedo. Para ele, o te, deu tudo errado, um desastre. modelo mais viável seria o da maAcho que será muito difícil recupe- nutenção das duas polícias, com rarmos isso. Vamos levar um tem- ambas realizando todo o trabalho. Já para o também sociólogo po para conseguir fazer um novo José Vicente Tavares dos Santos, experimento racional”, observa. O quadro de conflito acaba re- a quantidade de forças policiais é sultando em muitos policiais mor- irrelevante, não importando quantos e muitas mortes causadas por tas organizações existem, e sim o policiais. Mas como mudar esse tipo de trabalho que executam. “A cenário de uma polícia que mata discussão se é de um jeito ou de oumuito e, ao mesmo tempo, morre tro é secundária. O problema não muito? Para o pesquisador carioca, é se tem uma, duas, três ou quaa alteração passa, primordialmen- tro polícias. Existem vários modete, por uma mudança no modo los. O problema é qual o papel da como a sociedade pensa a sua po- polícia no Estado Democrático de lícia. “Acho que há um espaço de Direito. A quem está servindo o melhorias se deixarmos de pen- policial? Está servindo à reprodusar a polícia como um elemento de ção da violência ou à pacificação confronto. O que é polícia? Polícia da sociedade? Essa é a discussão”, é para trocar tiros em comunida- destaca o professor da Ufrgs. de? Temos de entrar com a questão Para Bretas, a existência de social, mas existe uma dimensão duas corporações é o ideal, pois a do problema que é especificamen- militar tem um alcance que a civil te policial, que é a lógica de enfren- não tem. Ele também defende, potamento”, opina o historiador. rém, a realização do ciclo compleO atual modelo brasileiro en- to por ambas. volve duas polícias – a militar, de Contrário a uma polícia única, atuação ostensiva, e a civil, respon- o comandante do Comando de Posável pela investigação. A existên- liciamento da Capital, coronel Jefcia de duas forças distintas é ques- ferson de Barros Jacques, vai além. tionada por alguns estudiosos do Para ele, o ideal seriam várias potema, os quais apontam que a divi- lícias, com jurisdições específicas, são de tarefas prejudica o alcance otimizando o segmento e tornando objetivo. Outros, porém, acre- do a instituição mais eficiente. Por ditam que o problema não está na sua vez, apesar de reconhecer a existência de duas corporações, e discussão sobre o sistema atual, sim nas atividades que elas fazem. o delegado Emerson Wendt, che“No mundo todo, mesmo em paí- fe da Polícia Civil gaúcha, acredises onde há várias polícias, todas ta que nenhuma opção funcionará elas fazem todo o ciclo, do osten- sem investimento. Para ele, o mais sivo até a investigação. No Brasil, importante, para o Brasil, é definir uma faz só uma coisa, e a outra um patamar de gastos com segufaz só a outra. Isso não funciona”, rança pública.

Editor-chefe: Guilherme Kolling

Editora: Paula Milano Sória Quedi

E-mail: guilhermekolling@jornaldocomercio.com.br

E-mail: jornaldalei@jornaldocomercio.com.br

Editores-assistentes: Daniel Sanes e Juliano Tatsch

OAB/RS lançou a Campanha Vote Consciente A união pela cidadania, pela busca de informação e, sobretudo, pela mudança do cenário político em que o país se encontra estagnado. Foram essas as vozes que reverberaram no auditório lotado do Theatro São Pedro, durante o lançamento da campanha Vote Consciente, no dia, 8 de agosto. Com 106 Subseções e participação ativa de advogados de diferentes regiões, a Ordem gaúcha quer fazer chegar a milhões de gaúchos a mensagem sobre a importância de eleger representantes compromissados com a população. O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, aponta que esse é um movimento nacional, capitaneado pelas 27 seccionais. “É pelo poder do voto que vamos realizar a verdadeira reforma política. O voto não tem preço, tem consequência”, frisou. O presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, ressalta: “Temos de atingir todos. Atingir a cidadania que está nos grandes centros, mas também aqueles que sofrem a ausência do sonhado direito fundamental. ”

Dia do Advogado e Sessão Magna Os feitos dos advogados para garantir o direito dos cidadãos são muitos, e a OAB/RS homenageou, na sua Sessão Magna, a história desses profissionais. O evento ocorreu na última quinta feira (10) no Teatro do Bourbon Country. Na cerimônia, foram jubilados 41 advogados com mais de 30 anos de profissão e/ou com mais de 70 anos de idade. Além disso, a comenda Oswaldo Vergara foi entregue a 24 advogados e advogadas que, por seu trabalho, dignificam a classe. 40 novos advogados também receberam, na solenidade, suas carteiras da Ordem em Prestação de Compromisso. In Memoriam, o ex-conselheiro seccional, Getulio Pereira Santos, foi o homenageado como Advogado Emérito. No sábado, dia 11, o Dia do Advogado foi comemorado com a banda Skank, no Pepsi On Stage, com a presença de centenas de advogados (as) do Estado.

Mês da Advocacia intensa O Mês da Advocacia está sendo intenso e festivo, com uma grande programação organizada pela Ordem gaúcha. “A cada ano, buscamos realizar atividades em sintonia com as demandas da advocacia. Ao mesmo tempo, aproveitamos este período para celebrar e reforçar a importância do trabalho das advogadas e dos advogados gaúchos”, destaca o presidente da OAB/RS, Ricardo Breier. Todos os cursos e palestras são gratuitos. Veja toda a programação: http://www.oabrs.org.br/mes-advogado

Curso capacitará profissionais para a escrita de artigos científicos A Escola Superior de Advocacia da OAB/RS (ESA/RS) realizará, no próximo dia 16/08, o curso Metodologia da Pesquisa Científica. O evento ocorrerá às 19h no OAB/RS Cubo (Rua Manoelito de Ornellas, nº 55 – Praia de Belas), em Porto Alegre. O curso será presencial, o investimento é de 1kg de alimento não perecível, e é necessário fazer a inscrição no Portal do Aluno da ESA/RS: http://portaldoaluno.oabrs.org.br . A palestrante do curso será a advogada e Doutoranda pela PUC/RS, Cíntia Guimarães. Haverá certificado de 1h/a. Departamento de Comunicação Social pauta@oabrs.org.br - www.oabrs.org.br

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