LIVRO música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

FICHA TÉCNICA Textos: Lenildo Gomes Ilustrações: Raisa Christina Supervisão editorial: Nádia Sousa Diagramação: Carlos Weiber

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva CRB – 1051

G 633m

Gomes, Lenildo

Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca.. / Lenildo Gomes; ilustrações de Raisa Christina. – Fortaleza: [s.n], 2017.

90p. 14x21cm

ISBN: 978-85-923889-0-4 1. Conto Cearense. 2. Conto Brasileiro. 3. Christina, Raisa I. Título. CDD B 869.3

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ENTRE OS OLHOS…

Nos anos 1980, ainda morando em Manaus, havia uma quantidade enorme de sentimentos formados a partir da música, do cinema, da literatura marginal e dos escritos anarquistas. Havia um mistura de raiva, amor e desejos infinitos/indefinidos. Havia o punk rock, os muros pixados e um grupo de pessoas que pensava sempre em fazer algo contra a caretice e o lugar comum que cercava suas vidas. Nos anos 1990, já em Fortaleza, pouco ou quase nada mudou, efetivamente. Ainda havia a música, os filmes, os livros, os desejos, a raiva.. Os textos deste livro foram escritos nos últimos 30 anos e publicados entre novembro de 2006 e dezembro de 2015 no blog Entre Os Olhos (https://entreosolhos.blogspot.com.br/). Adelino, Armando, Ivan, Cida, Marcos Animal, Dado, Fausto, Jorge e tantas outras pessoas… vocês fizeram parte dessas histórias. Vancarder, Luis Marcos, Gervásio, Grace, Lenira, Wágner e tantas outras pessoas… vocês fizeram parte dessas histórias. Nádia e Gabriel: vocês são a história que quero contar e recontar, no “modo repeat”, para que tudo seja de novo exatamente como tem sido. Dona Raquel, obrigado por ter tentado entender tudo que eu quis fazer. Sobre as palavras que serão lidas com a música ao fundo, os poucos acordes e a voz rouca, parafraseio Cioran: “escrevo, porque não tenho outra forma de vingança”.

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DE FRAGMENTOS DE LEMBRANÇAS, AMORES CORROSIVOS E CACOS DE TEMPO: A INTENSIDADE DE UMA MÚSICA AO FUNDO

Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca.. A cena nos propõe já no título do livro de Lenildo Gomes o envolvimento do leitor com sons que estarão sempre presentes nas páginas seguintes, construindo ambientes que nos desafiam ao ato prosaico, heroico e cada vez mais fora de moda de experimentar o incerto das paixões, o ambíguo, o limite, a dor e o ridículo do erro. As músicas ao fundo emolduram o recorte noir da rua, como também estão presentes à meia luz de quartos e casas vazias, na mesa do bar, onde se pode encontrar a solidão da sinceridade extrema frente aos nossos próprios e confusos sentimentos. Não, não se trata de um livro sobre certezas. Sugiro não continuar a leitura quem espera encontrar daqui em diante algum conforto. Não é disso que Música ao Fundo trata, e sim de perda. Não é um livro para vencedores. O conjunto dos textos compõem um mapa afetivo, confessional e ao mesmo tempo cortante do ato de perder-se, arte em esquecimento, relegada cada vez mais a um plano inferior diante de experiências de vida cosméticas, superficiais e mecanicamente ajustadas ao acerto e ao sucesso. No desenvolvimento dessa cartografia de sensações propõe situações e personagens que desafiam a norma da sobrevivência, dos bons modos, da decência dos finais felizes. Aqui a figura do herói da modernidade, como na interpretação Benjaminiana de Anjelus Novus, de Klee, contempla a sua obra no passado, as várias possibilidades de escombros de amores, planos e verdades distorcidas enquanto se desloca arrasado, de forma inexorável rumo ao futuro. Não há o que possa ser feito, em todas as direções apontadas por este mapa, o futuro estará sequestrado pelo passado que escorre entre os dedos, nas lembranças confusas de últimos momentos, do forte batom vermelho, do sangue que escorreu entre os olhos enquanto no toca-discos rolava Love will tear us apart. Lenildo compõe cenas marginais nas quais o amor e os restos lenildo gomes

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mortais dos amantes podem gritar sem pudores que viveram. Os marcos cartográficos desse portolano não escondem nada, não há lugar para o cinismo, o ato de viver nas páginas que seguem é papo reto, intenso como o corte preciso de uma lâmina afiada. Ora Bukowski, ora David Lynch. Beth Gibons ou Cat Power. Smiths ou Joy Division. Ninguém aqui está aqui à toa, muito menos para trazer conforto. A melancolia e nostalgia de Alice no banco da praça vendo o tempo passar ou de Ruth enquanto verte sua última gota de vodka são as mesmas de qualquer um que ousou olhar a vida nos olhos e sobreviveu para contar como foi, com detalhe do alerta de spoiler, de que todos morrem ao final. O autor, com a audácia dos que sempre quiseram pouco, mas ao mesmo tempo, feliz ou infelizmente, como ele evoca, sempre souberam usar bem a palavra, nos oferece a oportunidade de reconstruir por nossa conta e risco os desdobramentos dos encontros e desencontros aqui narrados, de elaborar saídas mentais, como num filme, para o que não deu certo e nunca dará, para ser mais feliz ou, menos amargo. Como ele poderia dizer aqui: mas foda mesmo é essa música ao fundo.. Vancarder Brito http://desonsetempos.blogspot.com.br/

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ĂŠ assim que ela me faz bem ele, ela, deixara um bilhete e a porta aberta: "fui comprar cigarro, demoro pouco. por mim, melhor encontrar a casa vazia na volta porque ĂŠ assim que ela me faz bem. beijos".

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o ventre veio de repente. tão de repente quanto o som. coração saltitando. descompasso. transpiração acelerada. sombra do delicado corpo. luz penumbra cúmplice. correr. desistir de tudo. estranhamente feliz. só. com força me segurou. boca no meu pescoço. língua no meu ouvido. som. repugnância. já não pensar em nada. ele me consumir. eu, consumir. agressão. troca mútua de empurrões e pontapés.. e socos.. e jogados nas paredes que não eram mais verdes. perder a consciência. acordar. ido embora.

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doze suspiros 1. agora somente histórias mais calmas, a voz de hope sandoval e a lembrança distante quase sumindo do último olhar. 2. havia um tênis pendurado nos fios da energia elétrica e próximo a ele galhos de uma árvore com pouco tempo de vida. 3. na quadra velha, sempre vazia, água da chuva acumulada. 4. ao longe, uma antiga canção de odair josé e alguém provavelmente feliz. 5. com ela, a velha estante repleta de filmes dos anos 40, vinis de cantoras negras um tanto tristes e livros de virginia wolf. 6. sentia falta. 7. saudade. 8. sabia que não voltaria. 9. então as lembranças vinham aos poucos, imprecisas. 10. e as músicas não eram mais suficientes, os comprimidos não surtiam efeito e o tempo passava sempre com maior lentidão.. 11. sempre lento, lento.. 12. . . até parar de passar um dia.

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uma lembrança indolor pelos melhores dias colocou 40 gotas na dose de gim e a melhor música dos smiths. disse que o amava e que seria pra sempre o seu único amor. acariciou os cabelos, preferiu primeiro fazê-lo dormir. cantou baixinho, cada palavra, cada verso.. sussurrou.. queria que assim fosse, uma lembrança indolor pelos melhores dias. não duvidava do seu amor e aquilo era tudo que a fazia feliz. mas a felicidade meu bem, nos momentos difíceis, era algo suspeito e complicado de se lidar. … algo suspeito e complicado.

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audrey hepburn na janela de baixo sonhava assim, audrey hepburn na janela de baixo. moon river, whider than a mile.. do amor, queria que fosse eterno, único e indivisível. .. os passos da dança no salão, o gole de cerveja quente, a marca do batom vermelho no copo, a respiração egoísta entre a nuca e a omoplata. .. moon river / wider than a mile i'm crossing you / in style some day oh, dream maker, you heartbreaker. tocaria a campanhia e o entregador de pizza esboçaria o sorriso de sempre, simpático, sarcástico e definitivo.

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"ziggy played guitar.. " ziggy played guitar enquanto ruth virava a última gota de vodka. queria dizer de novo tudo que sempre disse. como das outras vezes, acabara desistindo. sono. o peso do corpo. língua enrolada, pensamentos confusos. ziggy played.. guitar. caiu pro lado, dormiu, apagou, capotou bêbada, elegante e confusa. enquanto dormia, o telefone tocou uma, duas, três vezes.. ele queria dizer o que nunca havia dito, que queria ficar com ela pra sempre e que precisava do seu perdão para morrer em paz. o peso do corpo. língua enrolada, pensamentos confusos. ruth não disse nada do que havia pensado em falar. não ouviu nada do que ele tinha a dizer. enquanto dormia, bêbada e confusa, ele puxou o gatilho e morreu sorrindo. era sobre ela seu último pensamento.

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a mesma garrafa de vodka na mão direita ruth caiu de uma vez só. uma golada das boas, a mão sobre a boca passando pro canto, o cuspe de lado sem noção da hora nem a razão. ruth era meio assim, sempre a mesma música da cat power, a mesma garrafa de vodka na mão direita, a mesma blusa com a foto bette davis eyes. e sempre lembrava do sorriso dele, que partiu um dia, não mais voltou e escreveu um mês depois dizendo que a amava e queria voltar. naquele dia, ruth foi certeira: botou o vestido mais curto, a maquiagem mais cinza e saiu pela noite. queria alguém que fosse gentil. vingancinha simples, porém honesta.

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não era mais amor, apenas a vontade de ainda estar por perto passei a vista sobre a estante, cds, velhos vinis e uns 6 ou 7 livros empoeirados. noite em claro e a certeza de que nunca mais conseguiria dormir. 5 dias atrás, ela havia ligado e permanecido em silêncio do outro lado da cidade. depois disso, sumira novamente. não era mais amor, apenas o sentimento incômodo de terminar algo que não queria que acabasse. bom era tê-la por perto, vê-la todos os dias acordando e dormindo com a cara amassada das bebedeiras de sempre. ruth havia desistido de mim. eu sempre perdia o controle, falava o que não devia e ouvia o que não queria. quando arrumou a bolsa com algumas roupas que deixava em minha casa, ela me olhou de lado e, sem dizer nenhuma palavra, conseguiu me fazer perceber que havia terminado. bateu a porta com desprezo e nem o barulho de sempre das pisadas na escada consegui ouvir. não era mais amor, apenas a vontade de ainda estar por perto. sentia falta do seu olhar morto no meio do dia, cansada, mal dormida. sentia falta de quando ela perdia a paciência e me mandava tomar no cu, assim, do nada, sem mais nem menos. era uma declaração sincera, honesta, singela como as vezes em que ela simplesmente olhava e dizia que faltava sal na macarronada. não era mais amor, era quase nada mesmo. sempre sentava no sofá, sempre billie cantando my man. deixava a música acabar e esperava. talvez o telefone tocasse novamente, talvez ela ficasse só ouvindo enquanto eu dissesse alô. alô, alô, tá ,me ouvindo? volta meu bem. adormeci, nem lembro se sonhei.. lenildo gomes

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lynch no final do dia depois que come.. morre!! david lynch no final do dia cercado por gente que nĂŁo diz nada

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eco ao fundo da canção mórbida a canção que você fez pra mim tinha algo de melancolia e morbidez. sonoridade estranha, sentimentos idem e pouca esperança. da lágrima que correu o lado esquerdo do rosto senti o gosto da dor. sofri. de todos os tipos e formas escolhi as mais bizarras. das mulheres e homens preferi os que haviam perdido. na primeira manhã o gosto na boca não vinha de mim. noite dormida cansada que teimava em não acabar. na segunda, teu desdém cravou fundo no peito qual lâmina afiada. sentimento estranho, esperança idem e pouca sonoridade. lágrima. filete de sangue, olhar endurecido e o eco ao fundo da canção mórbida. mas amanhã eu sei, será diferente. amanhã eu sei: quebrarei o disco da canção, secarei a lágrima, cegarei a lâmina afiada e passarei tudo que perdi para você. então, finalmente, conhecerás a minha vida e se arrependerás. caminhos tortuosos: bala na cabeça, faca no coração, corda no pescoço, salto alto no asfalto quente. de mim, esperança estranha, sonoridade idem, pouco sentimento.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca 1. acordou uma música ao fundo poucos acordes, uma voz rouca talvez no andar de baixo 2. na geladeira o sentido do amor.. um vinho de quinta pela metade, duas cervejas um queijo passado talvez até conseguisse ser feliz foda mesmo era a música ao fundo 3. chão da sala, velhos papéis e um vinil da patsy cline ligou o computador escrever algo a derradeira golada 4. foda, mesmo.. era a música ao fundo 5. voltou ao quarto, acendeu um cigarro ouviu o barulho da rua havia uma briga de casal no banco da praça carros em alta velocidade

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6. quando a música acabou resolveu dormir. 7. … 8. acordou. sempre assim música ao fundo. poucos acordes, uma voz rouca.

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shes s lost control again

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patsy cline e o sol de meio-dia o sol quente fervia o sangue que escorria e fritava no asfalto. patsy cline em seus sonhos mais doces dizia para ele esperar mais um pouco. patsy cline e o sol do meio-dia. no bolso esquerdo um bilhete de ruth “foi bom demais querido, quem sabe outro dia”.

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palavras perdidas do velho buk porque enquanto chovia e o dia acabava, ela caminhava imponente e sĂłbria entre os carros e a lama. naquela segunda que amanheceu quente e terminou fria ruth tinha feito pouco ou quase nada. o gosto de vodka vencido, o mesmo disco arranhado de tom waits, as palavras perdidas do velho buk e o amor impossĂ­vel da noite passada.

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esquinas perdidas, o assassino, a menina numa dessas esquinas perdidas o assassino esperava. o tênis azul com listras brancas apertava. calça jeans envelhecida, camiseta preta básica tamanho p e as canções de beth gibbons. . .as canções de beth gibbons. perto de uma dessas esquinas perdidas a menina caminhava pensando no futuro amor. o tênis vermelho no tamanho certo, jeans envelhecido colado no corpo camiseta branca amélie poulain. . .camiseta branca amélie poulain a cidade anoitecia, a lua vinha aos poucos, delicada e silenciosa enquanto a menina caminhava o assassino, paciente, esperava

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sobre uma música de cat power e livros de dorothy parker ruth nem pensou duas vezes antes de arrumar algumas roupas, sapatos e partir. havia o cansaço, o fim da paciência para esperar mais uma vez que tudo ficasse normal. “vai ser melhor a partir de hoje”, sempre dizia. ele desprezava seus livros da dorothy parker, os vestidos de bolinhas e os discos da emiliana torrini. coisa de mulherzinha, dizia sempre. ruth em casa, sozinha, uma música de cat power em todo volume. “where is my love”. se aproximou, ficou um tempo parado, um olhar de contemplação. ela cantava. foi cuidadoso, delicado, tentou ser certeiro, no pé do ouvido. duvidou no derradeiro instante. fez. melhor, sussurou, assim, de primeira, sem pensar. “eu te amo!” ela abriu os olhos, a música acabou.

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closer nem se incomodou com o zunido fino da lâmina cortando o pulso esquerdo atravessando o braço todo. o sangue saiu aos poucos, singelo e verdadeiro como quase tudo que sempre acreditou. da música ao fundo apenas o refrão: love, love will tear us apart, again!! viu o papel na impressora. poderia ter escrito algo melhor, ainda pensou. naquele penúltimo instante, ainda imaginou que teria valido a pena. sorriu. por fim, pegou o telefone e discou.. uma, duas, três vezes. quando ouviu a voz do outro lado aumentou o som no controle remoto. olhou fixamente para o sangue que molhava o carpete da sala. love, love will tear us apart, again!!

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sozinha como sempre no último acorde decidiu que não queria mais saber. tirou o disco do aparelho e atirou janela abaixo. tomou a última da geladeira, fumou o último e foi dormir, sozinha como sempre. sozinha . .como sempre. acordou. desesperou-se e desceu as escadas. procurou. encontrou. beijou a foto na capa de joe dallesandro. subiu desesperada. ligou o som em toda altura e pediu perdão. pediu cerveja pelo telefone, acendeu mais um e decidiu começar tudo de novo. sozinha como sempre. como sempre.

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. .e o beijo redentor traria pra ela o momento derradeiro decidira encontrá-lo no fim do dia, depois da chuva e do cansaço, deitaria sobre o banco da praça e esperaria. não se incomodaria com o tempo, velho inimigo. apenas ficaria lá. fecharia os olhos. dormiria e sonharia. e o beijo redentor traria pra ela o momento derradeiro.

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enquanto the cardigans cantava black sabbath tinha um cara buzinando alucinado quando o sinal abriu. talvez descer e esmurrĂĄ-lo. nina: "oh, iron man.. ". .. as ruas estranhas vĂŁo ser sempre assim.

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rocket to russia sentar em frente ao alvo segunda tentativa preparar o rifle e esperar nĂŁo errar outra vez one, two, three, four..

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never mind the bollocks dois ou três riffs e pronto. tiros para o alto e correria. sangue pra debaixo do tapete! i am an antichrist.. i am an anarchist!! .. foda-se a mancha de sangue sobre o meu casaco. ei moço educado fazendo cara de nojo: pow, pow, pow..

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um pingo de chuva reticente, quase sem força vodka na mão direita e o controle remoto na esquerda. entre um canal e outro, uma dose. enquanto isso, lá fora, um pingo de chuva reticente que teimava em correr livre do telhado até o asfalto velho e desbotado. uma vitrola, móvel surrado, decadente. “here is fruit for the crows to pluck, for the rain to gather, for the wind to suck.. ”. ela gostava da billie, como gostava de sinatra na primeira fase e dos filmes de nicholas ray. não encontrara o homem da sua vida nem lembrava seus poetas preferidos. . . entre um canal e outro, outra dose. enquanto isso lá fora, um pingo de chuva reticente, quase sem força.

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i know it’s over jeff buckey começou a cantar i know its’s over. a tinta escorreu, correu, sangrou. misturou com sangue mesmo, das marcas das agulhas, da pele recortada. a letra marcada no corpo, a dor da alma, na alma. ruth decidira tatuar suas iniciais no pulso esquerdo, ele nem saberia, melhor assim, melhor assim. talvez um dia o arrependimento, talvez um dia, a redenção. pouca preocupação, do amor e dos restos, sempre quis pouco.

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!! e da última palavra fez o último desejo.

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alice sim, alice sentia dor. mas fazia questĂŁo de ser elegante nesses momentos, ou quase sempre.. ou sempre.

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enorme, profundo, quase indolor e ela queria mesmo que o dia não fosse hoje, que a hora fosse outra, que o tempo não existisse. entre o que havia dito e o que queria ter dito havia um abismo.. enorme, profundo, quase indolor. esperou pelo sorriso que nunca veio, pelo afago sempre negado. cansou de esperar..

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queria pouco agora cada caixa com cada folha dos textos antigos, dos cartões postais e cartas que nunca foram recebidas representava um pouco menos dela em sua vida. doía.. dor sincera, lenta, arrastada e contida. depois de tanto tempo e tantos desacertos, aquele havia sido o definitivo. no fundo, a sensação de ser o melhor caminho era uma certeza que nunca queria ter tido. mas assim foi.. caixa por caixa, até deixar completamente vazio o último espaço que ainda o mantinha próximo ao que não mais existia. dali, parar no primeiro bar, escolher alguma canção que falasse de amor e dor na jukebox e beber até perder a noção e ficar entorpecido pelo passado. era assim, sempre sobre o passado. talvez a garota legal do apartamento da frente pudesse ser um sinal de que nem tudo estava perdido. queria pouco, um sorriso talvez ou no máximo um ombro macio pra adormecer em paz. lady, cante uma canção pra mim, please. .. queria pouco, agora. poderia ser feliz com pouco, só isso. (para Van, que sempre quis pouco, como agora)

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doce rotina percebeu que no final de tudo havia uma esperança ainda que tardia de ser feliz um dia. resolveu não arriscar e optou por permanecer na tristeza que vestia com elegância sua doce rotina.

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cortina velha, suja, grades enferrujadas e esperanças juvenis da janela, depois da cortina rasgada e suja, das grades enferrujadas, via fios elétricos com tênis, restos de pipas e esperanças juvenis penduradas e abandonadas. existiam árvores antigas, corroídas por cupim e paredes descascando. nos fins de tarde, quase sempre, podia ver o sol se por. com ele, a noite trazia velhos conhecidos e quase nunca sentimentos felizes. ela olhava pra baixo e agradecia, sempre, às grades enferrujadas por estarem ali nos piores momentos, quando a música ficava mais triste e os amores fortuitos da madrugada teimavam em ir embora. alguns, deixavam bilhetes de adeus, outros nem isso. nela, sobrava o hálito do vinho barato, o corpo maculado, a alma ainda mais dilacerada e as flores que nunca chegariam no café da manhã.

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as facas afiadas pelo seu osmar da bodega da esquina uma série de confissões graves, outras nem tanto. ele ouviu, ouviu e ouviu. quando ela, cinquenta minutos depois parou de falar ele deu um leve sorriso. "terminou?". "acho que sim". ficou em silêncio, pensativo. cinco minutos. "não vai falar nada caralho?". "o que tem aí para jantar?". "frango assado, arroz e salada do almoço". "legal". ela deu um leve sorriso. olhou para as gavetas das facas afiadas pelo seu osmar, da bodega esquina.

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resolveu voltar.. . .não para o mesmo lugar pois ali havia marcas de sangue ainda fresco das dores antigas que teimavam em machucar. . .não para ouvir a mesma música pois ela já havia sido ouvida pelas outras que haviam passado pela vida dele. . .para ver outros filmes, conversar outras coisas pois seus olhos haviam visto o que não gostava e dito palavras que não queria ouvir.. resolveu voltar, sim. comprara uma arma nova e dessa vez não perdoaria qualquer deslize. seria certeira, entre os olhos.

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não suportou, fechou os olhos sentou e ficou lá, parada, prendia a respiração o máximo que suportava. atingia o seu limite, tossia e tentava começar tudo de novo. aos poucos, foi cansando, cansando.. forçou, atingiu o limite, sentiu dores. os pulmões pareciam inchados, doíam. prendeu a respiração outra vez, não suportou, fechou os olhos.

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sabia usar bem as palavras ela por perto, dizendo sempre que o amava. ele, nem aí, como se estivesse morto ou coisa assim. sabia usar bem as palavras, felizmente. sabia usar bem as palavras, infelizmente. e tudo que foi dito ficou como uma lembrança ruim. e tudo que seria dito ficaria como o melhor que ele poderia oferecer. (para N, por tudo que ainda será dito)

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segunda-feira foi só uma gota de chuva caindo na parte de cima da janela e escorrendo, lentamente, se desfazendo, até a parte de baixo. depois outra, mais outra e um monte delas em sequência.. choveu, forte demais até para o calor torrencial de uma segunda-feira de verão. ruth abriu os olhos, espiou um pouco por cima do lençol e resolveu dormir por mais um tempo. não esperava tanto assim daquele dia, melhor aproveitar o sono que ainda resistia, seria mais fácil ser feliz daquela maneira.

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silêncio, do outro lado a noite passou e não conseguiu fechar os olhos um segundo sequer. lembrou das coisas boas, das coisas ruins.. a noite passou. gosto ruim de saliva misturada com cigarro. do seu lado, nem lembrava como havia chegado até sua cama. no chão, um garrafão de vinho barato pela metade, pontas de cigarro, uma calcinha suja e sua cueca com elástico vencido. lembrou das coisas boas, das coisas ruins.. resolveu ligar. tocou uma vez, duas, três, desistiu. 8:30. o dia havia começado a um bom tempo. na rua, gente indo e voltando, buzinas de carro, fumaça e asfalto quente. gente indo e voltando. esperava pouco da vida, nunca quis muito. queria contar com a pena dela no final de tudo. foi ao banheiro, nem conseguiu fazer nada. sentado no vaso sanitário, imaginou o que ela poderia estar fazendo. na pia, uma lâmina usada, meio enferrujada. perfeito pro final que nunca sonhou. o telefone tocou, ele correu.. quando disse alô, havia silêncio do outro lado. sim, ela só queria ouvir sua voz. ele desligou, voltou pro banheiro e sentiu-se um pouco melhor. mais feliz, menos amargo.

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e a vida nem seria tão ridícula assim um dia de cada vez. decidiu assim, deixar passar em gotas quase que diárias, aos poucos.. tudo seria mais lento, porém, demoraria mais a acabar. resolveu correr só pra contar pra ela, no fim do dia, com o sol morrendo lentamente, como deveria ser. então talvez um beijo sorrateiro, quase roubado.. e a vida nem seria tão ridícula assim. só às vezes. nada pode ser absoluto, nem a calma, muito menos a pressa.

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sangue do bom por debaixo da porta só um filete, vermelho, sangue do bom.. correu assim, modesto, paciente e calmo. coração teimoso insistiu em não parar.

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piscando, piscando a imagem da luz forte sobre os olhos, piscando, piscando.. música alta, quase inaudível de tanto. ela passou perto assim, quase longe de tão perto. resolveu ir atrás, desceu as escadas, dobrou a esquerda e seguiu reto. uma esquina, duas esquinas.. outras esquinas. então, sem mais nem menos, ela sumiu. ele continuou, reto, sempre.. piscando, piscando. quando o dia amanheceu ele ainda tinha fôlego pra seguir em frente e continuar procurando. sol forte, calor, ruídos da rua e várias sons urbanos. muitas luzes, pessoas estranhas. quando cansou de tanto andar, já pelo meio-dia, sentou. baixou a cabeça, o sono veio, começou a sonhar novamente, com ela. decidiu que quando acordasse andaria de novo, em linha estranhas.. atrás dela, sempre.

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talvez um dia tudo pudesse ser melhor passou a mão sobre os olhos, primeiro no esquerdo, depois no direito. tinha certeza que não conseguiria mais enxergar absolutamente nada. contentou-se com a penumbra. andou dois passos, recuou. não lembrava como havia chegado até ali. não sabia onde era ali. andou mais um passo. passou a mão nos olhos, primeiro no esquerdo, depois no direito. abaixou-se lentamente, sentou-se. decidiu ouvir todos os ruídos ao seu redor. enfiou o dedo no ouvido esquerdo, depois no direito. limpou o resto da sujeira, tentou perceber melhor todos os sons. não conseguiu identificar nada, nem o que via, nem o que ouvia. resolveu esperar o tempo passar. ali, que não sabia onde era, sentado, com a penumbra e os ruídos indecifráveis. talvez um dia tudo pudesse ser melhor.

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.então.. .então percebi os imensos olhos castanhos, que me olhavam com um jeito de que não poderiam olhar algo diferente.. .então percebi a boca carnuda, que me sorria com um jeito de que não queria sorrir algo diferente.. .então percebi as macias mãos, que me tocavam com um jeito de quem queria nunca tocar algo diferente.. então percebi o tempo, esse inimigo mordaz que resolveu passar rápido demais.. então, percebi que nada mais poderia ser feito.

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um dia, o velho poeta disse que era romantismo

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cartola e alguns versos a saideira. cartola e alguns versos. o garçom que atravessa o corredor carrega consigo a fúria do touro diante do matador no último suspiro.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

sem batom, apenas sangue quem me dera a sorte: da garota mais bonita da simetria de um tiro. certeiro entre os olhos pouco acima do nariz abaixo das rugas da raiva santa depois: o sangue correria puro o caminho da boca via narina resfriada a língua, atrevida e cínica arriscaria o gosto de uma provadinha casual e a garota mais bonita: enfiaria o indicador no buraco da testa e pintaria os lábios sem batom apenas sangue.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

na frente do espelho um dia, os dois se encontraram, e como que por impulso de ódio à primeira vista, sacou a sua faca, que se chamava madalena e deu 33 facadas no jovem que acabara de conhecer, que se chamava josé. depois, se atirou na frente de um ônibus e foram felizes para sempre.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

nenhum barulho no meu quarto lâmina sem pudor penetrando meu coração.

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mĂşsica ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

a possibilidade de um crime joana via no rosto de cada um a possibilidade de um crime.. porque sempre imaginava o sentido da vida como uma incontrolĂĄvel sucessĂŁo de crimes passionais.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

crime passional nº 1 – pudim de rapariga dormia que roncava. primeiro uma, depois duas, três, quatro. na quinta se estrebuchava no sofá rasgado da sala feito peru com o pescoço torcido em véspera de natal. agora, morria aos poucos. a sexta gota do óleo cozido no ouvido esquerdo foi só pra ter certeza. e foi bem assim, sem culpa nem piedade. só por causa do pudim rejeitado na noite anterior. "garanto que se fosse da rapariga ele gostava. do meu, reclamou da pouca calda. bem feito! agora quero ver se tem pudim de rapariga no inferno."

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

crime passional nº 2 – espinha de peixe gostava sempre do peixe torrado, fritinho, tanto que ficava seco pra comer. caprichei naquele dia, traíra fresquinha comprada na bodega do seu cavalcante. ele, como sempre, chegou bêbado e fedendo da noite anterior. pegou com a mão, encheu de molho de pimenta e traçou a primeira com doses de cana. na segunda, entalou. começou tossindo.. tossindo.. e tossiu muito! espinha de peixe atravessada na garganta. foi ficando vermelho depois sem cor. caiu. terminei de ler o signo e cheguei perto pra ver se havia acabado. restava um olhar derradeiro esvaindo-se com o último suspiro. morreu, tadinho! enfiei o dedo na goela, tirei a bicha que tava atravessada. essa, haveria de guardar como lembrança. troféu singelo, porém sincero!

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

na velha olivetti cansada de palavras tristes "sim, veneno se toma aos poucos, sorvendo-o lentamente, retratando com elegância aquele instante onde algo se define. é quase como um bom vinho quando primeiro sente-se o cheiro para depois passar ao primeiro gole. um bom veneno não deve ser tomado de uma vez só nem ter o tratamento do tiro certeiro, entre os olhos, sempre rápido e indolor." --depois de escrever isso na velha olivetti cansada de palavras tristes o escritor dos poemas medianos levou o cálice à boca onde singelas 12 gotas temperavam o drink à base de vodka e suco de laranja.. simples assim.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

vermelha, vermelho 1. viu no rosto a lágrima vermelha que corria, escorria e borrava a maquiagem de tons azuis e amarelos.. um pouco velha. espelho partido em oito partes como o coração vencido, destroçado, vermelho, que pulsava como a lágrima que manchava o tênis all star branco, agora com detalhes em vermelho, azul, amarelo.. 2. e respirou pela última vez, com o coração destroçado e triste como um velho que olha o horizonte em um dia chuvoso.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

queria assim apressou o passo, quase correndo. na esquina, encontraria a assassina com as flores partidas e olhar piedoso. queria assim.. "oi", abraço afetuoso talvez beijo na boca depois a lâmina fria perfurando o coração.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

fim do dia e ali, perdido entre os cães sem dono, ele olhava para a frente e via o mar solitário, com sua imensidão de água e desesperança.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

sorriu antes do último suspiro . . e quando descobriu que não havia mais perspectivas e tudo caminhava para o fim olhou firme para a distância entre a porta da cozinha e o muro no fundo do quintal. calculou uns trinta metros mais ou menos. nem pestanejou. disparou em linha reta e mergulhou de cabeça, assim, direto. o crânio esfacelou-se na tinta branca do concreto recém-pintado. estrebuchou por uns trinta segundos e depois sorriu antes do último suspiro.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

o amor é uma forma estúpida de possessão egoísta.. . .ele pensou assim antes de dizer que não queria mais e precisava ir embora. ela, desesperada, puxou a arma da gaveta e disse que não aceitaria. joão olhou firme para maria e disse pode ir em frente, vai.. atira. ela não pestanejou. seis balas entre os olhos. o amor é uma forma estúpida de possessão egoísta, ela pensou e depois dos tiros disse que não queria mais.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

alice ela sentou no banco da praça em frente ao relógio começou a olhar o tempo passar. o tempo passou, não teve pena. passou e alice foi ficando. não tinha mais pressa nem motivo. queria que fosse daquele jeito, vendo a vida e a cidade se movimentando. sabia que depois de um tempo parada, olhando tudo, iria parar de respirar e morrer. assim, sem mais nem menos. o banco da praça, ela, a cidade que também morria aos poucos.

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

morri na língua ávida senti o gosto de sangue. era meu, não sei como. sorri.

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mĂşsica ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

morreu antes disso, pensou que poderia ter sido mais feliz no derradeiro instante. sorriu.

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mĂşsica ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

lĂĄgrimas lĂĄgrimas vermelhas no teto.. como gotas de sangue durante a madrugada

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música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

coisa leve assim.. pouca importância a unha crescida sem corte enterrei no mamilo esquerdo. depois girei lento só um pouquinho. coisa leve assim.. pouca importância. insatisfeito, cravei fundo até a ponta do indicador direito. sangue. desses que corre na veia, congela na alma e degela ao sinal do primeiro beijo.

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mĂşsica ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca

tiro entre os olhos as palavras, essas devem ser certeiras.. como um tiro entre os olhos. abaixo da testa e acima do nariz. simples assim. sem dĂł nem piedade.

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REALIZAÇÃO

PROJETO APOIADO PELO PROGRAMA PRODUÇÃO E PUBLICAÇÃO EM ARTES 2017 DE FORTALEZA – INSTITUTO BELA VISTA / SECULTFOR




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