Cecelia ahern o ano em que te conheci

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sempre foi e sempre será a professora, e eu sua aluna. Muitas vezes fica difícil entender o que ela diz, embora eu a entenda em geral, mas ela tem dificuldades com a audição e a coordenação motora, mas Heather é capaz de dizer o nome de cada personagem da Disney em todos os filmes da Disney, e os autores e cantores de todas as músicas. Ela ama música. Ela tem uma coleção respeitável de vinis — apesar de eu tê-la apresentado a iPods e iPads —; Heather é uma garota à moda antiga e prefere seus discos. Ela sabe o nome dos músicos tocando cada instrumento e quem produziu e arranjou cada canção. Ela lê as letrinhas miúdas de cada álbum e oferece essas informações a qualquer momento. Quando vi que ela tinha um apetite por isso, eu passei a alimentá-lo e continuo fazendo isso, comprando discos para ela, levando-a a shows ao vivo. Quando eu tinha catorze anos, levei Heather para brincar com um menininho chamado Eddie, que também tinha síndrome de Down. Eddie também amava música, principalmente a faixa Blue Suede Shoes do Elvis. Ao conversar com a irmã dele, aprendi que, como ele gosta dessa música, eles deixam que ele a ouça no repeat o dia todo, o que acabou irritando todo mundo na casa. No entanto, nenhum deles poderia ter se irritado tanto quanto eu; fiquei fula da vida porque eles não eram capazes de reconhecer que esse menino tinha um amor por música, e não apenas por aquela canção. Eles não estavam ajudando a encorajar o melhor que havia nele. Quando Heather compartilha seu conhecimento, as pessoas sempre se surpreendem e ficam impressionadas. E o que acontece quando ela percebe que estão impressionadas com ela? Como todos nós, ela floresce. A coisa mais admirável e mágica sobre Heather é sua consciência sobre as pessoas, especialmente a noção que ela possui sobre o que as pessoas pensam dela. Posso ver as visões das pessoas refletidas no próprio comportamento dela. Ela saca estranhos como ninguém mais que já conheci na vida. Ao falar com alguém que sente pena ou quer se afastar dela, Heather se encolhe, quase desaparece, ela se torna uma pessoa com síndrome de Down porque sabe que é só isso que eles enxergam nela. Entretanto, quando está na companhia de alguém que não está nem aí com a síndrome de Down — como crianças antes de aprenderem a provocar os outros —, ou que tem experiência com a doença dela, ela brilha, ela floresce, ela se torna Heather, a pessoa. Muitas vezes ela sente as coisas antes de mim, e aprendi a compreender estranhos, ou pelo menos as opiniões deles, por intermédio da Heather. Ela tem a habilidade de ir direto para a verdade. Isso é algo que muitas crianças têm, mas que talvez a gente perca à medida que envelhece. Mas Heather, por sua vez, vem afiando essa habilidade com a idade e tem como resultado seu “sensor” de certo e errado que funciona tão bem. Levo Heather de carro para onde meu pai, Leilah e Zara moram, um apartamento de três quatros em Sutton Castle. Construído em 1880 pela família Jameson — sem parentesco com o dr. Jameson, pelo menos que eu saiba —, é um local prestigiado em sete acres de jardins bem cuidados que dão para a Baía de Dublin. O castelo era um hotel aonde íamos almoçar aos domingos quando éramos crianças; ele foi reformado durante o boom imobiliário e a casa principal foi dividida em sete apartamentos. É uma casa impressionante, mantida lindamente por Leilah e seu estilo bohemian. Aos trinta e cinco anos, Leilah tem mais ou menos a mesma idade que Heather e eu, e mesmo assim parece muito longe de se tornar uma amiga para mim. Ela é a mulher mais nova que se casou com meu pai e, por causa disso, sempre vou me perguntar o que há de errado com ela. Não tenho nenhum problema de fato com a Leilah, mas a distância é minha amiga e é lá que a mantenho. Por outro lado, Heather gostou dela de cara, segurando a mão de Leilah na primeira vez que se conheceram, o que


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