Armando lucas correa a garota alemã

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que Mama deixa que eu aceite. Às vezes, é um lenço de renda; outras vezes, é um broche dourado ou biscoitos açucarados, meus favoritos. Quem sabe onde ela os consegue? Porque faz muito tempo que sumiram das prateleiras dos mercados. Nós ouvimos atentamente enquanto a sra. Adler conta a sua história. De certa forma, é a história de todos nós. “Todos nós perdemos alguma coisa”, diz a sra. Adler fazendo uma pausa com um triste sorriso. “Quase tudo.” Os Adler já viveram até os 87 anos, e por isso não têm motivo para reclamar. Oito décadas e sete anos. Pior é para nós, crianças, que temos a vida pela frente. O declínio físico do casal fica mais evidente a cada hora que passa. O velho, imóvel na cama; a sra. Adler, sozinha, vendo o amor da sua vida, o seu grande arrimo, debilitando-se lentamente à medida que navegamos rumo à ilha que será a nossa salvação, o único caminho que conseguiram encontrar na idade em que tudo que se espera é ter paz para poder dizer adeus. “Nós vivemos de ilusões e despertamos muito tarde”, disse Mama, sem esperar nenhum comentário da sra. Adler, que só ouve a si mesma. “Devíamos ter visto logo o que havia pela frente e ido embora muito tempo antes.” Eu não quero que Mama fique triste. A bordo do St. Louis, ela voltou a ser ela mesma, enquanto Papa procurou refúgio na música, a única válvula de escape que o mantém são. A velha senhora deveria guardar sua tristeza para si mesma. “Para onde, Alma?”, a sra. Adler pergunta com firmeza. “Não podemos passar a vida toda recomeçando. Passa uma geração, nos aniquila, começamos de novo, e ela volta a nos aniquilar. É esse o nosso destino?”


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