Mudanças Climáticas e Água: de Crise a Colapso1 Alexandre Araújo Costa – Climatologista e professor titular do Mestrado em Ciências Físicas Aplicadas da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
1. Introdução Recentemente, o Brasil foi (e segue, apesar da estação chuvosa) assolado por condições extremas de seca, com consequente crise de abastecimento em numerosas cidades do Nordeste e do Sudeste. No início do mês de março de 2015, o ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi, admitira como “crítica” a situação dos reservatórios no Nordeste e no Sudeste. Nas palavras do próprio Occhi, "identificamos 56 cidades que hoje estão em colapso, sendo atendidas pelas prefeituras ou pelos governos estaduais. Nenhuma dessas é atendida pelo governo federal, mas como a situação está se ampliando, o governo federal pediu um levantamento e nós podemos chegar, dentro de uma avaliação, ao número de 105 cidades que estão ou poderão estar em colapso”. O levantamento daquele momento do ministério, para o Nordeste, indicava que os estados mais atingidos eram, pela ordem de número de municípios em tais condições, Ceará (23), Paraíba (15), Rio Grande do Norte (9), Bahia (5), Alagoas (2) e Pernambuco (2), conforme informações do Portal G1 [1] e da página do Jornal do Brasil na internet [2]. Mas a crise hídrica que o Brasil atravessa não é um fenômeno isolado e acontece neste exato momento ou se manifestou muito recentemente em várias partes do mundo: na Califórnia, por exemplo, o quadro permanece de seca “extraordinária” (classe D4, a mais elevada dentre as classificações de seca) em 22% a 58% do estado desde março de 2014 [3]. Evidências surgiram de que um quadro inédito de seca na região do “Crescente Fértil” potencializou, ao lado das guerras imperialistas e conflitos regionais, o desolador quadro da Síria, com sucessivas quebras da safra de trigo, morte de grande parte do rebanho bovino e depleção dos aquíferos que abasteciam grande parte da população rural [4]. O consumo de água doce é considerado uma “fronteira planetária”, dentre as nove elencadas por Rockström et al. (2009) [5], isto é, é um dos parâmetros críticos que precisam permanecer dentro de determinados limites. É no mínimo inquietante que, apesar de haver controvérsias a esse respeito, terem surgido evidências de que esse limite tenha sido ultrapassado recentemente [6], isto é, que hoje utilizemos mais água doce do que o ciclo hidrológico global seja capaz de repor. Estimativas obtidas por meio do GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment) sugerem que uma parcela significativa dos aquíferos importantes para abastecimento humano estão sofrendo depleção [7]. O aumento da demanda hídrica de maneira desproporcional ao crescimento da própria população, em virtude do uso cada vez maior de agua doce para irrigação, geração de eletricidade e produção industrial, o que se entrecruza com a questão climática, como bem apontado em relatório da UNESCO [8]. O risco de 1
ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ÁGUA PARA QUEM PRECISA: DIREITO HUMANO E SUPORTE À VIDA. MANDATO É TEMPO DE RESISTÊNCIA, DEPUTADO ESTADUAL RENATO ROSENO.