Revista Mensal Paola Rhoden abril 2016

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O Riacho


Este é um trecho do Romance Caminhos Sem Volta de Paola Rhoden, publicado em 2007, com o ISBN 978-85-366-0972-0,

adaptado

para a Revista Mensal Paola Rhoden. Inserido neste texto está o conto infantil “Pirin”, premiado em 1978.

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Trecho adaptado do Romance Caminhos Sem Volta® Revista de Paola Rhoden ISBN 978-85-366-0972-0 – todos os direitos reservados Edição – Abril/2016 Fotos de Paola Rhoden –Guarapuava/PR – Palmeirinha – PR, flores e jardins, todas de meu acervo particular – Algumas imagens de sites devidamente referenciados. Circulação Mensal

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O RIACHO

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odas as tardes eu descia o caminho da porta dos fundos de nossa casa até o riacho cristalino, que passava lá na baixada depois do quintal. Era um pequeno córrego de mais ou menos dois metros de largura, mas tinha uma água límpida que dava gosto. Podia ver os seixos do fundo do leito, e os peixinhos nadando a beira do pequeno barranco, onde sentava embevecida a olhar a água correr em seu infinito labor a procura do mar. Era meu cantinho preferido. Só não descia ao riacho quando chovia muito, mamãe não deixava. - Menina! Não desce ao riacho hoje! Sua tosse vai aumentar! - gritava ela quando me via direcionar para a porta dos fundos da casa, com essa intenção. Então, calmamente voltava para o meu quarto de brinquedos e retomava ás atividades dos dias de chuva: mudar a roupa das bonecas, ou fazer comidinha de mentira no fogão a gás de brinquedo. Afinal, mamãe tinha razão, sempre que me molhava na chuva a bronquite aguda que tinha incomodava demais à noite. O jeito era ficar dentro de casa mesmo.

Esse riacho era meu refúgio, tanto nas horas ruins como nas boas. Se levava bronca por algum motivo, descia o caminho até o barranco para no correr das águas limpinhas deixar minha raiva ir embora. Se estava feliz, ia lá para contar aos peixinhos minha alegria. Em uma árvore próxima ao riacho, árvore bem grande por sinal, meu pai fez um balanço com um pneu velho de seu carro. Como era gostoso ficar lá a balançar meus pensamentos no vai e vem do vento que formava com meu corpo. Prá lá e prá cá! Prá lá e prá cá! Num suave esvoaçar, até dona Maria, a cozinheira, chamar aos berros para o lanche da tarde. - Menina! Vem logo! O lanche está pronto! Então, sem muita pressa, saía do balanço, (ou levantava da grama, dependia de onde estava no momento), e subia o caminho de volta para a casa que ficava no alto, não muito alto, era apenas uma suave inclinação do terreno, e ia saborear os deliciosos quitutes de Dona Maria. Morávamos na fazenda. Meu pai era criador de gado, tinha "montanhas" de bois espalhados pelos pastos verdinhos. Os pastos eram uma coisa muito linda de se ver! Alastravam-se como um imenso mar 4


verde salpicado pelos belos exemplares bovinos da criação de meu pai. Da janela de meu quarto, todas as manhãs, com sol ou com chuva, eu lavava os olhos na imensidão que ficava a minha frente. Quando o sol brilhava, seus raios douravam as gotas de orvalho nas folhas das árvores dos capões de mato, (capões esses que serviam para os bois ficarem na sombra e descansar), e assim de minha janela, essas gotas de orvalho pareciam lindas contas de diamante brilhando intensamente. Também, da janela de meu quarto, podia ver perfeitamente os madrugadores peões de meu pai ao longe na sua lida com o gado, e que em minha fantasiosa imaginação dos seis anos, confundiam-se na sela com o cavalo parecendo pequenos centauros. E as flores no jardim então? Era uma festa colorida, onde os pássaros brincando de esconde-esconde faziam algazarra.

gulho de Seu Pedro, que com muito carinho mesclou duas qualidades de arbustos para dar aquele visual tão lindo.

Esse jardim ficava bem debaixo de minha janela, sempre florido, não importava se fosse verão ou inverno, era o milagre do clima tropical e das mãos de Seu Pedro, um dos jardineiros. Separando o jardim e a casa dos currais, tinha uma cerca viva, que duas vezes por ano ficava branquinha de pequenas flores, e era o or5


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róximo a casa havia um pomar. Sabe? Aqueles pomares cheinhos de frutas de todas as qualidades? Pois é. Era esse aí. Nem sei dizer quantas eram as qualidades que havia lá. Lembro bem das laranjas, grandonas e cheias de sumo doce, doce! Ah! As maçãs! Dona Maria fazia uma geleia deliciosa. Pêssegos, mamões, uvas, peras, jabuticabas. - Ah! As jabuticabas! Como era gostoso subir nos pés grandões e cheios de verrugas negras. Era uma alegria só! As crianças e os pássaros, todos unidos para fazerem da algazarra uma verdadeira festa. Aliás, tínhamos frutas o ano todo. Fruta da época, fresquinha e saborosa. Tudinho ali ao alcance da mão. E de nossos ágeis pés. O pomar era um lugar fresco e agradável no verão escaldante, e seu Pedro dizia: - “Gente! Vem brincá aqui na sombra das fruiteira. Aí o sor não arde tanto no cocuruto de ocêis”. E a "gente" às gargalhadas, corria para as sombras das grandes árvores frutíferas.

de colocar fadas entre as roseiras, gnomos entre as árvores e os canteiros do jardim, bruxas e bruxos voando em suas vassouras e disparando estrelas coloridas com suas varinhas mágicas. Era muito divertida esta atividade. Depois do pomar, o que mais me lembro, é o curral. Um curral com cheiro de leite fresquinho. Leite com chocolate, com canela, com caramelo feito em casa. Hummmmm! Delícia! Toda manhã eu corria para lá com uma caneca de alumínio em punho, na qual Dona Maria havia colocado alguma coisa no fundo. Nem olhava para ver o que era. Era melhor a surpresa quando tomava depois sentindo o sabor do leite tirado na hora, espumando, um dia com gosto de canela, no outro era com gosto de chocolate. Eu gostava muito do caramelo. Ah! Que delícia! Nossa casa ficava em frente de copadas e altas árvores onde as galinhas faziam seus poleiros noturnos, e o galo mais velho do terreiro subia para cantar seu hino matinal anunciando a aurora. Embaixo dessas árvores estava o caminho que levava ao "meu" riacho.

Quando subíamos pelos galhos das árvores a procura de alguma fruta, imaginava mil coisas. Ah! Imaginação fértil eu tinha! Gostava 6


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eu pai fez essa casa para minha mãe quando se casaram, com muito amor, ele dizia sempre.

pois de ficar velho e meio capenga, preferiu ajudar Luiz, o outro jardineiro a cuidar dos jardins e do pomar. Às vezes ele dizia:

Era muito grande. No piso inferior ficava a cozinha, a lavanderia, despensas, uma sala de jantar e uma de visitas, enormes as duas, e nos fundos uma churrasqueira muito caprichada, onde semanalmente era feito um churrasco muito gaúcho, na maior e melhor sistemática do pampa. Nesse almoço todos os peões e suas famílias participavam, meu pai fazia questão.

- “Home que é home não se aposenta. Trabaiá sempre até não podê mais! E cuidá de frô e de fruita é comigo memo”.

No piso superior da casa estavam os quartos, amplos, arejados e confortáveis. Eu amava muito essa casa, embora em minha infância ficasse muito pouco tempo dentro dela. A amplitude do ar livre me chamava logo cedo para fora, e ali ficava até o escurecer, entrando somente o tempo suficiente para me deliciar com a comida saborosa de dona Maria.

- “Cê pega a enxada e o estrume e vamo lá. Tá na hora sô”.

Às vezes, quando estava subindo em algum galho mais alto que o costume, lá vinha Seu Pedro: - “1Cuidado minina! Desce daí que o gáio quebra e ocê cai que nem fruita madura. Seu pai vem aí!” – ameaçava carrancudo. Seu Pedro tinha sido peão na lida do gado em sua juventude. Mas de-

E era verdade. Tinha um cuidado tão especial com os jardins e o pomar, que deixava Luiz, o profissional de jardinagem no chinelo. Estava sempre dando ordens para o indignado Luiz:

E lá iam os dois para cuidar das florzinhas e das frutas com todo carinho das mãos calejadas. De vez em quando, Seu Pedro ia ajudar no curral com as vacas leiteiras, ordenhando, apartando os bezerros das mães, colocando o milho nos coxos de madeira onde as vacas se alimentavam. E dizia como se desculpando: - “Mata saudade! Esse bicho pega a gente!” - explicando que viciava lidar com gado e que sentia saudades do tempo de peão. Era casado com Dona Maria, a cozinheira, e os dois tiveram toda a sua vida trabalhosa ligada a nossa 7


família. Desde seus dezoito anos que Seu Pedro trabalhava com meu pai, e Dona Maria desde que se casou com Seu Pedro, isso já há vinte anos. Os dois se pertenciam, como dizia Dona Maria, sempre que alguém falava na felicidade deles. Nunca tiveram filhos, era a isso que ela se referia, os dois viviam sós, na casinha que lhes foi destinada próximo ao "meu" riacho. De meu posto na barranca vendo os peixinhos, ou no meu balanço de pneu, eu via a minha frente a casinha branca com janelas vermelhas. Seu Pedro e Dona Maria estimavam muito toda nossa família, mas tinham um amor especial por mim. Diziam sempre: - “Essa minina é nosso dodói!” Todo doce mais caprichado, ou bolinho da graxa mais rechonchudo, com canela e açúcar, era reservado para mim, e quando aparecia na porta da cozinha lá vinha dona Maria aos berros: - “Tá aí, minina! Toma e não recrama! Guardei pra tu!” Assim, minha infância ia de vento em popa, e se não fosse a bronquite que às vezes me incomodava, era muito feliz.

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orávamos nessa casa, meu pai, minha mãe, meu irmão e eu, além dos empregados necessários para ajudarem minha mãe no andamento perfeito dos serviços da casa. Meu pai era um homem muito bonito. Alto, 1,90m de altura, louro, olhos tão azuis que pareciam um pedaço de céu, magro sem exagero, andava sempre muito bem vestido, mesmo quando estava montado em seu belo cavalo negro para rodear o gado. Era um homem bondoso, com um coração sempre cheio de carinho por quem quer que fosse. Seus peões eram tratados como filhos, e a nossa família como joias raras. Minucioso em seu trabalho, caprichoso com sua casa e sua vida, e seus preciosos ensinamentos estão até hoje em minha memória, sendo símbolos para meu caminhar. Minha mãe, muito bonita, morena clara, olhos negros, sempre vestida em seda e salto alto. Sua imagem ficou para sempre como símbolo de limpeza e capricho. Era enérgica com os empregados e com os filhos, mas muito carinhosa se tudo corria bem. Ela queria sempre tudo muito em ordem e sua autoridade não era contestada por ninguém, porque meu pai assim o exigia. Era imensamente amada por meu pai, e sua palavra sempre foi lei para àquele homem que não sa-

bia dizer um não a qualquer de suas vontades. Desde que me lembro, a única coisa que meu pai não permitia a ela, era maltrato a empregados e aos filhos, podia exercer sua autoridade, desde que fosse com respeito ao ser humano. E assim, os dois viveram uma vida muito feliz, e isso nos fazia ter uma vida feliz também. Morava conosco, minha avó materna, muito bondosa, muito velhinha, mas principalmente, muito avó. Sempre tinha histórias para contar, sempre estava disposta a brincar conosco. Como eu a amava! Aliás, amava muito minha família toda. Íamos a Igreja todo Domingo. Era uma obrigação. Meu pai não abria mão de jeito nenhum da missa dominical. Naquele Domingo, levantei cedinho e fui para o curral tomar meu leite quentinho antes de irmos para missa. Meu pai já estava de terno e gravata e minha mãe nos trinques. Voltei correndo do curral a tempo de subir no carro com a família. Chegamos à Igreja bem adiantados, era costume de meu pai chegar cedo para jogar conversa fora com os conhecidos. Desci do carro, e ia entrar com minha mãe na Igreja quando vi uma menina sentada na 9


escadaria olhando para nosso lado. Era uma menina morena, com longos cabelos e lindos olhos negros. Larguei da mão de minha mãe, e me aproximei da garota. - Como é seu nome? - perguntei. - Orizaba! - disse ela. - Meu nome é Laura! - disse sentando-me a seu lado. - Eu sei! Conheço você, meu pai trabalha na fazenda de seu pai. - Mesmo? Como nunca vi você lá na fazenda? - Fico mais em casa ajudando minha mãe. Mas tenho vontade de ir brincar com vocês debaixo das "fruiteiras" quando estão lá. - Fruiteiras! - disse rindo - parece seu Pedro! - É! Aprendi com ele, Seu Pedro vai com Dona Maria jantar em nossa casa algumas vezes. - Então venha brincar comigo essa tarde, espero você no pomar! Você vem? - Vou pedir para minha mãe. Acho que ela vai deixar. - Então vou esperar você, Orizaba! Meu pai já vem vindo para a escadaria da Igreja, já é hora de entrar. Vejo você mais tarde. Saí correndo para encontrar meu pai e entrar, pois a missa ia começar. Mas estava ansiosa para chegar a tarde e poder ir brincar com a nova amiguinha.

Quando a missa terminou, como todos os domingos, as pessoas paravam para conversar no átrio, com os convites de: "chega lá depois para o chá com bolinhos" ou "venha para ver meu novo crochê", etc. Depois dessas conversas, fomos para casa. A manhã passou depressa. Almocei com a família, mas com os olhos no relógio da parede. Até que enfim todos levantaram e eu pude escapulir para o pomar. Sentada embaixo de uma mexeriqueira esperei Orizaba chegar. Ela veio pelo caminho do riacho e quando me viu correu para onde eu estava. - Olá! Vamos brincar de quê? - disse ela - Sei lá! Vamos ver quem sobe antes naquela guabirobeira? - Vamos! - falou - e saiu correndo em direção à árvore. Daquele dia em diante, Orizaba e eu ficamos amigas inseparáveis. Um dia, Orizaba e eu estávamos sentadas rodeadas de bonecas quando vovó entrou no quarto. - Vovó! Que bom que você veio aqui. Orizaba e eu queremos ouvir uma historinha. Conta! Vai! - Tudo bem minha querida! Lembra aquele dia lá na floresta perto aqui da fazenda? Vimos um pássaro construindo seu ninho, não foi? Pois bem, a historinha 10


tem a ver com esse pássaro. - e com as mãos cruzadas no colo e os olhos perdidos na chuva que escorria lá fora começou: "PIRIN" - Era uma vez, um anãozinho que morava em uma linda floresta, cheia de flores e lindos pássaros. O solo era coberto de uma relva verde e macia. Sua casinha ficava embaixo de uma frondosa árvore, onde os raios do sol pincelavam de ouro o pequeno telhado vermelho. De sua pequena janelinha, o anãozinho, que se chamava Pirin, olhava o seu jardim, onde borboletas coloridas esvoaçavam alegres pelos canteiros perfumados. De repente, começou a ouvir um ruído muito estranho! Era um barulho que Pirin nunca ouvira antes. Parecia o som de um trovão. Mas não. Isso não poderia ser um trovão, pois o céu estava azul, azul, desde manhãzinha, e era certeza que chuva não viria hoje. Então, que barulho era esse? Curioso, Pirin saiu de sua casinha para verificar o que estava acontecendo. Andou um pouco pela floresta, e uau! Que coisa esquisita! A sua frente estava um monstro enorme, roncando como um dragão faminto, derrubando árvores e cipós como se fossem plumas. Credo! O ronco desse

monstro era mesmo ensurdecedor, e sua atitude aterradora! Pirin parou, pensou, e como era muito corajoso, correu para a frente daquela coisa enorme e feia e gritou: - Pare! Pare! Sou um morador dessa floresta e não permito que destrua essas árvores, que são o lar de tantos bichinhos meus amigos. Mas o monstro não lhe deu ouvidos e continuou a roncar e derrubar árvores! Pirin, corajoso, não saiu da frente. Então, como por mágica o monstro parou, e dele saiu um gigante, - parecido comigo, pensou Pirin - mas enorme, muito grande mesmo! E o gigante falou: - Não posso parar, porque estou cumprindo ordens, e devo continuar porque por aqui passará o progresso! - Progresso? O que é isso PROGRESSO? Nunca ouvi nada parecido e nem ouvi falar em Progresso. Pode explicar? - Progresso, Senhor, são enormes edifícios cheios de gente; casas e ruas, carros e fumaça por todos os lados. Por isso, Senhor, devo continuar com meu trabalho. Então Pirin desesperado, saiu correndo para o interior da flo11


resta, e aos gritos começou a chamar seus amigos moradores daquele lugar, e explicou o que estava acontecendo. A cada instante chegava animaizinhos de todos os cantos e ficavam ouvindo com atenção a explicação de Pirin sobre o monstro. Então se reuniram e seguiram para o local onde estava acontecendo o desastre. Seguia na maior algazarra, o leão urrava, o tigre rugia, o macaco guinchava, os pássaros chilreavam, até que chegaram ao local. Colocaram-se em frente ao monstro, e foi tanta a barulheira que o ronco do motor do monstro foi abafado, e o gigante foi obrigado a ouvir o que eles tinham a dizer.

O tempo foi passando, Pirin continuava em sua linda casinha na floresta debaixo da mesma árvore frondosa. Pelos caminhos abertos pela máquina infernal do homem, já começavam a despontar alguns brotinhos verdes, pois a sábia natureza começava a se recompor. Certo dia, porém, Pirin ouviu novamente um ronco estranho! Parecia um trovão, mas não era! O que seria esse barulho vindo do alto? Correu para fora da casinha, e erguendo os olhos para o céu viu um enorme pássaro, mas seria mesmo um pássaro? Era brilhante como o sol, rugia como um leão e voava como uma ágil águia!

Pirin falou:

Então, daquele estranho pássaro começou a cair uma chuva de flores e sementes, no local onde antes aquela outra máquina havia destruído tudo.

- Senhor Monstro! Nós moradores da floresta não deixaremos mais esse tal Progresso tomar conta de nossas moradas, enchendo de grandes prédios, casas, gente e carros, enchendo tudo de fumaça tirando e nosso ar. Nós todos morreremos se isto acontecer. Pense nisto! Então, o homem ficou calado, pensou e pensou! E como era um ser humano bondoso, subiu na máquina, virou a direção e foi embora. A população da floresta toda explodiu em vivas e hurras enquanto ele se afastava.

E o tempo passou. Aquelas sementes jogadas foram nascendo com as chuvas que caíam, e a floresta naquele local, voltou a ser exuberante como antes. E os moradores da floresta, continuaram felizes para sempre." - Puxa vovó! Que lindo! E Pirin e os demais moradores, nunca mais precisaram preocupar-se com monstros destruidores? 12


- Olha minha querida! Todos os dias, muitos outros Pirins estão às voltas com monstros destruidores. A ganância do homem está destruindo tudo de bom que existe nas matas. É uma pena. - Quando eu crescer vovó! Vou fazer tudo para preservar a natureza. Acho que o mundo depende da gente, não é mesmo? - Claro, querida! Vou torcer para que ainda haja o que salvar quando você crescer. E vovó levantou da poltrona e saiu do quarto, deixando Orizaba e eu pensando como fazer para salvar a natureza.

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empre há um dia em que acontece algo para as pessoas, que muda toda a trajetória de sua vida. Assim foi com Orizaba. Ambas tínhamos seis anos quando isso aconteceu. Orizaba era filha única, mas sua mãe ficara grávida sem esperar. E o pior, foi que a gravidez teve complicações desde o início. E como todos na fazenda já estavam esperando, numa manhã ela faleceu não tendo tido tempo para salvar nem o bebê. Então, o pai de Orizaba que ficou muito abatido, pediu a meu pai para a menina ficar em nossa casa, porque ele não teria condições para criá-la como se deve. Continuaria trabalhando para meu pai na fazenda, e veria todo o tempo a filha. Meu pai e minha mãe conversaram sobre o assunto e decidiram ficar com a menina, pois ela era minha melhor amiga, e com certeza em uma casa daquele tamanho, uma pessoinha tão pequena não faria diferença. Assim, Orizaba passou a morar no quarto ao lado do meu. No início dormíamos muito tarde, porque ela ficava triste sem a mãe, e vinha para meu quarto conversar. Isso durou alguns dias, até que meu pai decidiu que a noite fora feita para dormir e não conversar, e proibiu nossos serões.

Se já éramos inseparáveis, imagine agora morando juntas. Íamos a todos os lugares, missa, catecismo, brincar, sempre lado a lado. Quando ficamos em idade escolar, fomos ao mesmo colégio e tínhamos as mesmas coisas. Em todos os dias de sol descíamos para o riacho onde ficávamos a conversar, balançar no balanço de pneu e olhar os peixes. Assim o tempo passou tão depressa que nem Orizaba nem eu percebemos. Já estávamos ficando moças. Mas, mesmo crescidas, continuamos a ir ao nosso riacho até completarmos 15 anos. Deitada na grama olhando pelo barranco do riacho abaixo, Orizaba muito pensativa disse: - Sabe Laura, estava conversando com vovó ontem, e ela disse algumas coisas que não entendi muito bem. - Que foi que vovó falou? - Quando perguntei a ela o que era pecado, ela respondeu: - Cada pessoa tem dentro de si o que considera verdade, erro ou pecado. O que é certo para mim pode não ser certo para você. Por exemplo, no Japão escreve-se da direita para a esquerda, o que para nós é errado, porque escrevemos da esquerda para a direita. Qual de nós está errado? Na Índia não se come 14


carne bovina, porque a vaca para eles é sagrada. Em nosso país na maioria dos estados o prato principal é a carne bovina. Quem está errado? Acho que todos estão dentro do conceito de sua cultura, então todos estão certos, não acha? Então como vou julgar o que é ou não é pecado? Cada pessoa deve sentir dentro de seu coração o que é certo ou errado para si mesmo. Cada um deve reger sua própria vida dentro de seus erros e acertos, sem se preocupar em julgar os outros. - Nossa! A vovó está certa, nunca havia pensado nisso. Como vou saber agora se estou pecando? Acho que vendo se o que faço me deixa mal comigo mesma ou perante os outros. Ora essa! É tão simples, não é mesmo Orizaba? - Pois é! Agora que você falou, também acho. - Meninas! O lanche está pronto! era Dona Maria. Enquanto subíamos para o lanche, pensei que Dona Maria, tão velha já, ainda forte fazendo lanche para todo mundo. E Seu Pedro então? Mais velho ainda e lá no jardim, firme cuidando das suas roseiras. Acho que o trabalho além de dignificar a pessoa, deixa-a mais forte também. - Sabe de uma coisa Orizaba? Vou trabalhar logo, logo! Ora se vou!

Quero ser forte para enfrentar esse mundo de meu Deus como Seu Pedro e Dona Maria. - Sei lá no que você está pensando, mas acho muito bom trabalhar. Aliás, vou trabalhar agora mesmo, ajudar Dona Maria com o lanche. - LAURA! Onde está meu livro de matemática? - Na mesa do escritório - gritei de onde estava. Esse era meu irmão mais velho, nunca encontrava nada, pois estava sempre com tudo fora de lugar. Aliás, ser desleixado era seu lema. Se bebia um copo de água, este ficava no assoalho ao lado do sofá; se comia um bombom, o papel ficava enroladinho ao lado dos cadernos, que por sua vez estavam sempre em desordem em cima da mesa de estudos. E era assim em tudo. Por isso estava sempre gritando para alguém, perguntando sobre alguma coisa que precisava e não encontrava no lugar. Papai era um homem exigente nesse sentido, por esse motivo estava a toda hora tendo que falar com meu irmão, lembrando da necessidade de ser mais organizado, mas acha que adiantava? Ledo engano! Sempre que chegava de sua lida diária, tropeçava em algo que 15


estava em algum lugar que não deveria estar.

caderninho e foi tomando notas das medidas que tirava.

- Papai, cuidado com os patins.....tarde demais..... - Onde está o Junior? Porque esses patins estão aqui? - gritou papai, sabendo que não haveria resposta, como sempre.

Enquanto fazia isso, entabulou uma conversa, quase um monólogo:

Mais uma vez concordo com vovó sobre cada um ter que ser aquilo que quer ser, seja o que for. Por isso vou desviar os patins de meu irmão, ou pular por eles quando estiverem em meu caminho quando sair para o colégio. No dia seguinte Orizaba e eu saímos cedinho de casa para ir a costureira, levar uns tecidos que papai nos dera para fazer umas roupas para o final de ano. Nós não a conhecíamos, estávamos indo por indicação de uma comadre de minha mãe que era sua cliente. Chegamos ao local. Nossa! Como tudo era limpo e aconchegante. A casa era pobre, mas com uma aparência tão agradável que dava gosto entrar nela. Entramos e fomos atendidas por uma jovem senhora, alegre e sorridente. Logo nos colocou a vontade. Explicamos a ela o que queríamos, e como boa profissional, puxou seu

- Meu trabalho faço ele com muito carinho. Cada roupa é especial. Faço tudo com amor, e dedico a mesma atenção para um vestido de gala ou uma blusinha. Afinal, embora precise muito do dinheiro, trabalho porque gosto. Além disso, trato todas as peças como se fossem obras de arte, trabalhando uma de cada vez, só após terminar uma é que inicio a outra. Assim satisfaço a todos os clientes e consigo sobreviver com dignidade. Parou de falar, pois havia terminado de tirar as medidas e fazer as anotações necessárias. Marcou o dia da prova desculpando-se que não podia ser antes, porque havia muito trabalho a ser feito de clientes que já estavam com provas marcadas há mais tempo. Dissemos a ela não haver problemas, que só precisávamos da roupa para o final do mês. Saímos da casa da moça pensando em suas palavras, pois se todas as pessoas tratassem seus respectivos trabalhos como obras de arte, fazendo tudo com amor, não haveria lugar para o desemprego. Nesse 16


nosso mundo, tem pessoas que nunca estão satisfeitas com o que tem ou como vivem. Estão sempre reclamando de tudo. Às vezes penso como Deus faz para administrar a vida dessa gente. Deve ter um trabalhão danado, e por certo algumas vezes deve ficar muito bravo com todos eles. Um mês depois, em um Sábado que amanheceu com um sol lindo, toda a peonada de meu pai estava reunida nos currais onde uma imensa massa branca de bovinos estava esperando a castração. Duas vezes por ano, os novilhos de um a dois anos ainda inteiros, eram reunidos para o ritual de deixar de ser macho para ser apenas um boi de corte. Era a festa da castrada, muito esperada pela peonada, não só por ser de grande luta e demonstração de força, mas pela comilança dos testículos assados na brasa após a castração. Era um prato que todos na redondeza vinham apreciar. Por isso, cada boi que passava no tronco deixava dois objetos de desejos na bacia com salmoura que ficava do lado de cada tronco. Essa comilança tinha tradição, vinha dos mais remotos tempos onde na imensidão dos pampas, os antigos gaúchos faziam seus rituais de castração nas fazendas de então. Tinha também uma lenda: os testículos dos bois

eram afrodisíacos! Sei lá. Até podem ser. Mas, credo! Orizaba e eu estávamos olhando a faina sentadas em uma das cercas que separava os bezerros do pasto, apertados dentro do curral. Olhamos ao mesmo tempo para uma figura que chegava montado em um cavalo preto, todo vestido de preto, botas reluzindo de tão limpas, chapéu curvo na testa, olhar de gente ruim, parecia uma assombração. - Credo, parece uma assombração! - disse Orizaba de boca aberta. Sorri pela interpretação verbal de meus pensamentos por minha amiga. Coisa engraçada. O homem mostrava na fisionomia um ar malvado e cheio de ódio. Seria ódio? Oras! O homem só estava vestido de preto. Isso não queria dizer nada menina boba! Embora estivéssemos muito interessadas no trabalho do curral, onde bezerros entravam e saíam dos troncos destituídos de seus bens íntimos com uma rapidez impressionante, de vez em quando olhávamos para o cavaleiro sentado na sela meio de lado, com o olhar fixo na boiada. - Parece que está vigiando! Acho que não gostei desse sujeito! disse Orizaba. 17


- Nem eu! Ele olha para o trabalho como se estivesse maquinando alguma coisa ruim. Cruz credo! Os homens continuavam trabalhando sem perceber a presença do sujeito de preto, que não perdia um movimento sequer do pessoal que trabalhava. Coisa estranha! O tempo passou rápido, e a castrada chegou ao fim. Os bezerros já estavam no pasto, todos devidamente esterilizados, saltando como se sentissem mais leves sem os testículos, que mais tarde serviria de orgia na comilança do pessoal que trabalhou duro, e dos vizinhos que vinham para saborear a iguaria tão apreciada da gauchada. Junto com a comida, chegava o vinho, a cerveja e uma sanfona. Ah! A sanfona! Quando o sanfoneiro abria o fole e soltava na tardinha o som tão gaúcho, a peonada ficava acesa e começava a dançar e cantar, e essa festa ia madrugada a dentro no melhor estilo do pampa. Nessas festas da castração, Orizaba e eu ficávamos meio escondidas em um canto, apenas vendo e ouvido a festa, pois papai não nos deixava participar. Era festa de homens, dizia, menina não pode entrar. Mas lá de nosso canto, assistíamos tudo! Isso desde bem pequenas. Ficávamos ali até altas ho-

ras, sem ninguém dar conta disso. Também, não víamos nada demais. Só peões brincando como crianças. Era divertido. Naquela noite, já passava da meia noite, quando vimos o homem de preto entrar pelo portão da frente, e dirigir-se ao galpão onde os peões se divertiam. O chapéu baixado na testa, a cara amarrada, tudo dizia que o homem procurava encrenca. Orizaba e eu ficamos quietas em nosso canto, como se não quiséssemos que o homem nos visse. Ele passou perto de onde estávamos. Nossa! Como era alto! Os canos compridos das botas pareciam não ter fim! Ele passou e dirigiu-se ao local onde estavam servindo bebida, apoderando-se de uma garrafa de vinho que meu pai fabricava, e deixando o líquido escorrer pela garganta, como se estivesse morrendo de sede. -Que coisa! - disse Orizaba - parece o coisa ruim! -É! Parece mesmo! Veja como olha para os peões. Será que ele tem raiva deles? -Acho que tem é inveja! Aposto que gostaria de estar no lugar deles. Ora se não! Orizaba parecia estar com medo. Acho que eu também estava. Aí começou tudo. 18


O homem aproximou-se de um dos peões e lhe puxou pela camisa, falando alto e dizendo palavrões. Outros peões entraram na briga, e não durou muito tempo, pois o homem de preto era só, e a multidão de peões da castrada era muito unida. Bobagem do homem! Que lhe deu de puxar briga assim, sem mais nem menos, justo no meio de tanto peão que nem conhecia? Foi logo posto para fora aos empurrões. Bem, pensei, decerto tudo vai ficar bem agora. Mas qual! Não demorou nem quinze minutos, o homem entrou pelo portão com uma arma de fogo, e foi atirando a torto e a direito, e as balas foram encontrando destinos, aqui uma perna, ali um braço, e uma mais certeira, o coração de Seu Pedro! Assustadas com o tiroteio, Orizaba e eu saímos correndo para dentro da casa grande, onde as mulheres estavam conversando sobre costuras e chás. - Mamãe! Mamãe! – eu gritava Estão atirando nos peões! - Meu Deus! E todas as mulheres saíram correndo para o galpão. Nós fomos atrás. Meu irmão que estava em seu quarto desceu as escadas aos saltos, e também foi para o galpão.

O homem já havia fugido, e no galpão todos os peões assustados procuravam socorrer os feridos. Meu pai estava com Seu Pedro nos braços. Corri para eles, mas Seu Pedro não respirava mais. Foi uma desolação só! Todos ali amavam demais o jardineiro. O Jardineiro que fora peão! Dona Maria chegou de mansinho, olhou o povo todo, olhou o marido nos braços de meu pai. Olhava, olhava, não entendia muito bem. Que estava acontecendo? Porque o Pedro estava ali, assim sem cor deitado no colo do patrão? - Ai! Meu Deus! Pedro! Pedro! Pedro! Que lhe fizeram? Os gritos de Dona Maria invadiam a madrugada e entravam pelo pomar a fora. Os soluços eram fortes. Dona Maria era forte. Não tão forte! Com o coração trespassado pelo tiro do homem de preto, Seu Pedro morreu! Trespassado pela dor, o coração de Dona Maria não aguentou. Morreu ali mesmo. Com o braço passado no pescoço do marido no colo de meu pai. O dia seguinte foi triste na fazenda. Era Domingo. Mas papai não levou ninguém a missa. A tristeza de perder o peão e Dona Maria, presença dos dois de mais de vinte anos, isso doía! Doía muito! 19


Eu que o diga! Como viver sem ir na casinha branca do riacho? Orizaba e eu ficamos abatidas, pensamos até em não ir mais ao riacho. Lá estaria a casinha branca dos dois amigos queridos. Mas, que esperança! Lá estaríamos as duas assim que nossa juventude deixasse passar a dor. Assim era a vida. Mas papai, esse ficou muito tempo com a dor no coração. Dor maior porque nunca conseguiram prender o malvado que fez essa barbaridade. O homem sumiu como pó em dia de ventania. Nunca mais ninguém viu, e também nunca ninguém soube o porquê disso ter acontecido. O homem havia aparecido na castrada sem ser convidado, aliás, ninguém o conhecia. Surgiu assim! Veio assim! Ninguém sabe de onde! Trouxe luto e tristeza! Foi só! E foi ao mundo.

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P

assaram-se dois anos desses acontecimentos. Vovó estava particularmente alegre naquele dia.

no para manga. O garoto tentou contar em casa o namoro, mas não houve jeito. Seu pai nem quis ouvir falar no assunto.

-

- De jeito nenhum! Foi criada pelo meu amigo, mas não deixou de ser o que é: filha de peão! E caso encerrado!

Viu passarinho verde, vovó?

- Nada querida! Só estou feliz. O dia está lindo, o sol está uma beleza. Venham comigo. - Sim vovó! - Vocês sabem que depois que dona Maria e Seu Pedro se foram, ficamos todos desfalcados na casa. Não temos cozinheira, e Seu Pedro faz muita falta no jardim e no curral. Assim, estou tentando ajudar, mas com minha idade, só posso fazer coisas miúdas e sem esforço. Mas vocês duas são moças feitas, afinal já estão com 17 anos, e por isso devem ajudar nas lidas da casa. - Sabemos disso vovó! Estamos prontas para ajudar. - Então estamos combinadas! A partir de hoje as duas estarão responsáveis pela arrumação da mesa nas refeições do dia. Tratem de começar. – e apontava para a grande sala de jantar. Mas, o que vovó não sabia, nem meus pais, é que Orizaba estava namorando. Um garoto da terceira série do 2º grau, mesma série que nós, mas de outra sala. O nome dele era Roberto, filho de um amigo de meu pai. Mas isso estava dando pa-

Foi essa a reação do pai do garoto. E aí, que fazer? Continuaram namorando lógico! Já ouviram falar de adolescente que ouve o conselho dos pais? Pois é! Foi um buraco n'água! Só que agora namoravam escondido. Encontravam-se todos os dias após as aulas, atrás dos pilares ou nos fundos do prédio, até o momento em que o carro nos buscava. Eu ficava em frente o colégio para anunciar a chegada do motorista de meu pai, que todos os dias nos trazia e depois nos levava de volta para a fazenda. Bem, vovó não sabia do namoro, nem ninguém mais. Só eu! Enquanto arrumávamos a mesa naquela manhã, o dia estava tão lindo e claro, que nunca esperaria que algo ruim pudesse acontecer. Mas nossas vontades nem sempre são satisfeitas. Vovó que se sentara para fiscalizar nosso trabalho, levantou pálida, dizendo estar com uma dor no braço esquerdo. Chamamos minha 21


mãe que ficou logo preocupada, e pediu a meu pai que a levasse a um médico. Meu pai estava com bastante trabalho no pasto com o gado, e disse que a levaria logo após o almoço. Vovó disse não ser necessário, afinal era só uma dor no braço. Mas, mesmo assim, foi preparar-se para ir ao hospital com meu pai e minha mãe. Às dez horas vovó sentiu as dores aumentarem, agora se espalhava pelo peito. Mas mesmo assim, ficou para depois do almoço a ida ao médico. O almoço foi servido, vovó não quis comer, dói muito dizia ela. E para vovó se queixar de alguma dor, precisava ser muito forte mesmo.

ocorrido, Orizaba e eu ficamos abraçadas chorando, sem saber o que fazer, afinal vovó era parte de nós duas com suas estórias, seus conselhos e sua amizade sempre presente em nossos dias.

Terminada a refeição, todos saíram para o hospital. O médico já havia sido avisado, eram necessários trinta minutos de nossa casa até o hospital mais próximo. Quando chegaram, meu pai precisou carregar vovó nos braços até o consultório. O médico olhou e disse ser o coração. Minha mãe e meu pai já começaram a chorar na sala ao lado. Vovó foi examinada, mas quando o médico foi chamar meu pai para conversar sobre o estado dela, ela chamou minha mãe. Tomou a sua mão e disse: "Estou indo filha". E morreu no mesmo instante!

- Laura! Sei que devo tudo que sou a seus pais. Deram-me casa, carinho, estudos, e graças a vocês estou para entrar na faculdade. Mas, Roberto e eu decidimos ir para o Rio de Janeiro, lá ele tem emprego garantido com uns amigos, e quer que vá com ele. Aí decidi ir junto. Afinal aqui sou apenas a filha do peão, lá longe talvez se esqueçam disso, e o mais importante, é que Roberto e eu nos amamos, então vamos seguir nosso caminho. Faço 18 anos essa semana já posso me emancipar. Vou escrever sempre, e sempre que puder virei para vê-la.

Que desespero! Não havia mais nada a fazer. Vovó era muito velhinha. Quando papai ligou dizendo do

Mais um! Vovó também foi. Mais um alguém importante de minha vida que ia embora para sempre. O tempo passou. Estávamos no final de mais um ano. Encerramento das aulas, alguns passaram de a no, outros não. Enfim, era assim mesmo. Então, no último dia no colégio, com as notas nas mãos, aptas a fazer o vestibular, Orizaba veio muito séria e disse:

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- Orizaba! Você não pode fazer isso conosco! Comigo! Vou ficar sozinha! Que será de mim? - Não chore! Você tem sua mãe, seu irmão e seu pai que fazem tudo por você. - Por nós! Eles fazem tudo por nós duas! - cortei com aspereza. - Não se zangue! Nada vai fazer eu mudar de ideia! Já peguei algumas coisas, algumas roupas, poucas, só para enfrentar os primeiros dias. Vou logo encontrar emprego, e juntos Roberto e eu vamos progredir, você verá. O pai dele vai entender que tem um filho inteligente e com cabeça no lugar. O motivo dele se apaixonar por mim, não o desmerece, eu acho. - É claro que não! Você sabe o que faz. Quando vocês vão? - Agora mesmo! Vê o carro ali parado? Roberto está nele, esperando eu chegar. - Tudo bem! Só quero ver o que papai dirá quando lhe contar. Vai achar você uma ingrata. Orizaba sorriu. Sabia que não seria assim. Conhecia muito bem o Senhor meu pai, ele a perdoaria, ajudaria se necessário, e estaria sempre a favor dela. Ele considerava Orizaba como sua filha. Nós duas não tínhamos diferença diante dele. Éramos iguais. E quando soubesse da sua decisão, e o motivo dela,

com certeza apoiaria a sua atitude. Afinal meu pai foi sempre a favor da igualdade entre os homens, embora isso na prática fosse bem mais difícil do que nas utopias da vida. Aliás! Igualdade era uma coisa que todos conseguiriam, se estivessem unidos em Deus, e considerando-se todos como irmãos. Mas, alguns seres humanos se acham tão superiores! Dá uma pena! Então foi assim. Primeiro Seu Pedro e Dona Maria. Aí vovó. Agora Orizaba. Pessoas que estiveram presentes em minha infância, e que de alguma forma participaram de meu crescimento, minha vida, meus sentimentos, e agora foram embora! Alguns para sempre. Deitada na beira do riacho, olhando pela barranca os peixinhos que nadavam, (seriam os mesmos desde a minha infância? Bobagem, eram sempre novos, renovando-se todos os anos na desova), mas, olhando para a água que corria limpa e transparente, não tinha coragem de virar-me para ver a casinha branca de janelas vermelhas, onde Seu Pedro e Dona Maria viveram por tantos anos, o cantinho na grama onde vovó ficava sentada olhando-nos brincar, o balanço onde durante tanto tempo Orizaba e eu soltávamos nossos gritos de alegria. Um dia antes de ela partir, ainda 23


viemos brincar aqui. E vocês peixinhos? Vão estar aqui sempre? Nunca irão me abandonar? Sei lá! De repente serei eu mesma que os abandonarei. Só o tempo dirá. Quando voltei para casa, muito só, cabeça baixa, sabia que embora nunca mais ouvisse: "menina, o lanche tá pronto", "Desce daí, minina. O gáio quebra e ocê cai!", "Venha querida, vou lhe contar uma historinha!" ou o riso alegre e cristalino de minha companheira ecoando pelo pomar, sabia que em algum lugar, todos os quatro estariam olhando por mim, cada um a sua maneira, mas com muito carinho e fraterno amor!

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O Romance “Caminhos Sem Volta” foi escrito entre os anos de 2000 a 2006, observando as pradarias e campos do Sul do Brasil. A inspiração veio com a vida e o caminhar das pessoas pelas verdes paragens sulinas, onde as flores ficam mais vivas na Primavera fria. É a história de uma mulher que lutou com todas as dificuldades da vida de cabeça sempre erguida, sem pensar na tristeza. Um romance de ficção.

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PAOLA RHODEN ROMANCISTA CONTISTA POETISA CRONISTA

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