REGISTRO DOCUMENTAL CINE CANDELÁRIA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Belo Horizonte, 2024

REGISTRO DOCUMENTAL:

CINE CANDELARIA

Camila Tavares e Gabriela Cruz
Cine Candelária 1960 fonte: G1
Cine Candelária 2024
autora: Cruz, Gabriela

SUMÁRIO

1. PAISAGEM CULTURAL; 2. CINE CANDELÁRIA; 3. DIAGNÓSTICO; 4. INTERVENÇÃO.

O Cine Candelária, localizado na Praça Raul Soares, está em um estado de degradação que contrasta fortemente com seu passado glorioso. Inaugurado em 1952, o cinema foi um importante centro cultural, atraindo multidões para suas sessões de filmes nacionais e internacionais.

Hoje, a fachada Art Déco está deteriorada, com pichações e vidraças quebradas. O prédio, tombado como Patrimônio Cultural em 2009, apresenta sinais severos de abandono: a marquise está sustentada por caibros, e a estrutura é afetada por lixo e mau cheiro. A parede posterior tem tijolos expostos e buracos, e o letreiro está enferrujado e desgastado.

Um projeto de restauração aprovado em 2017 ainda não foi implementado devido a alterações no Plano Diretor, exigindo nova análise. Este registro documental visa detalhar o estado atual do Cine Candelária e fundamentar a elaboração de um plano de intervenção para preservar sua importância histórica e cultural.

1. PAISAGEM CULTURAL

PAISAGEM CULTURAL

Belo Horizonte e a Ambiência Praça

Raul Soares

“Numa perspectiva contemporânea da geografia cultural de Claval, para a descrição da paisagem cultural, entende-se que a paisagem carrega a marca da cultura e serve-lhe como matriz.” BAHIA, 2022, Identidade, Lugar e Paisagem

O conceito de Paisagem Cultural integra tanto aspectos naturais, como também aspectos culturais, o que, dessa forma, considera o espaço geográfico não apenas como um ambiente físico, mas também como um reflexo das interações entre as sociedades e a natureza ao longo do tempo. Paisagem cultural é entendida como uma construção simbólica e material que reflete a interação entre a sociedade e seu espaço ao longo do tempo. É vista não apenas como um aspecto físico, mas como um produto da experiência e da identidade cultural, envolvendo a relação dinâmica entre os indivíduos e o ambiente que habitam.

Tal conceito, abrange tanto os elementos naturais quanto os artificiais, englobando construções, monumentos, traçados urbanos e as práticas culturais que ocorrem no espaço. Sendo assim, a paisagem cultural reflete a identidade de um local, servindo como um testemunho histórico das transformações promovidas pela ocupação humana.

Região Central BH - 1950 fonte: Acervo IBGE

Belo Horizonte, planejada e construída no final do século XIX para se tornar a nova capital de Minas Gerais, foi concebida com um plano urbano inovador, alinhado aos ideais progressistas da época. A cidade seguiu os princípios do urbanismo moderno, com ruas largas e bem planejadas, destacando-se por seu traçado geométrico e organização funcional. Ao longo das décadas, Belo Horizonte passou por diversas transformações para além da modernização, refletindo em mudanças significativas nos aspectos socioeconômicos e culturais.

Na década de 1950, Belo Horizonte passou por um processo de modernização que deixou marcas profundas em sua paisagem cultural. A arquitetura modernista, trazida por figuras como Oscar Niemeyer, introduziu novos elementos estéticos e funcionais ao cenário urbano.

Essa fase de modernização não apenas transformou a aparência física de Belo Horizonte, com a construção de edifícios de concreto, mas também alterou a maneira como os habitantes se relacionavam com a cidade. As avenidas, como a Afonso Pena, foram ampliadas e modernizadas, refletindo a expansão econômica e a crescente urbanização.

Além de avenidas, as praças, como a Praça da Liberdade e a Praça Raul Soares, tornaram-se marcos da cidade e símbolos do projeto de modernidade. Nesse processo, a cidade passou a integrar novos significados culturais e sociais, como um espaço de inovação e progresso

Praca Raul Soares- 1950 fonte: Arquivo Nacional

Intervenção artística no Centro fonte: CURA
Praça Raul Soares fonte: IEPHA

A Praça Raul Soares, em Belo Horizonte, é um ponto de destaque que abriga alguns dos edifícios mais icônicos da cidade. Entre eles está o Edifício JK, projetado por Oscar Niemeyer, que se destaca como o maior prédio da capital, sendo um símbolo marcante da arquitetura moderna em BH.

Outro prédio notável na praça é o Edifício Maletta, que combina usos comercial e residencial. O prédio é um centro vibrante, com uma variedade de serviços e estabelecimentos, incluindo bares, restaurantes, sebos, livrarias, etc.

No passado, o Cine Candelária também contribuía para a vitalidade da região. No entanto, após o incêndio que o destruiu, a área perdeu uma parte importante de sua vida cultural. Isso destaca o grande potencial arquitetônico, urbanístico e social do Cine Candelária e a necessidade de uma intervenção para revitalizar o local e restaurar seu dinamismo.

Edifício Maletta fonte: SouBH
Praça Raul Soares antigamente fonte: ASCOM/APCBH 1975
Edifício JK fonte: VivaJK
Vista aérea Praça Raul Soares fonte: CURA
Cine Candelária

2. CINE CANDELÁRIA

PESQUISA HISTÓRICA

O primeiro contato de Belo Horizonte com o cinema ocorreu em julho de 1898, com uma exibição ao ar livre. Desde então, o cinema se tornou uma prática de lazer popular, e a cidade, com pouco mais de uma década, passou a contar com diversas salas.

No início do século XX, o cinema passou de um entretenimento elitista para um passatempo acessível a todos, transformando-se em um negócio rentável. Em Belo Horizonte, essa mudança acompanhou a evolução da cidade de um ambiente pacato para um centro econômico dinâmico, com crescimento industrial e comercial. O cinema, que antes era uma atividade social de prestígio, tornou-se parte integral da vida urbana, refletindo e contribuindo para a modernização e formação da identidade cultural da cidade.

“O primeiro filme ninguém esquece. Foi A Noviça Rebelde. Havia um cinema, havia uma praça. Havia domingos ensolarados e uma fonte de águas dançantes depois dos filmes. Havia tapetes vermelhos e corrimões dourados. Havia o Cine Candelária e a vitalizada Praça Raul Soares. Era um programa de domingo.”

TOLEDO, Júlio. Cinema de Rua BH

filme: “Paraiso Roubado”

filme: “A Noviça Rebelde”
filme: “O vento Levou”

(...) A população apropriava-se definitivamente do espaço público, deixando sua vida pacata e caseira num passado distante(...).

1930

FASE DA NOVIDADE

cinema surgiu como uma forma inovadora de entretenimento, com a construção de imponentes palácios de cinema que transformaram a paisagem urbana.

1940 - 50

FASE DA DIFUSÃO

consolidou o cinema como um pilar da cultura popular e da vida urbana

1960 - 70

FASE DO DECLÍNIO

o cinema enfrentou a concorrência da TV e desafios econômicos, resultando no fechamento de muitos cinemas

1980 - hoje

FASE DO CONSUMO

marcada pela ascensão dos multiplexos, avanços tecnológicos e globalização dos blockbusters, transformando o cinema em uma experiência mais diversificada e acessível, mas preparando o terreno para a popularização do streaming e outras formas de mídia digital.

Inaugurado em 11 de dezembro de 1952 na Praça Raul Soares, com a exibição do filme “Paraiso Roubado”, o Cine Candelária, destacou-se como o maior e mais avançado cinema que Belo Horizonte havia conhecido, simbolizando a fase de popularização do cinema na capital.

Projetado por Nicola Santola, o Cinema Candelária trouxe várias inovações tecnológicas, desde as poltronas até os projetores. O cinema contava com 2.000 poltronas estofadas e reclináveis, sendo algumas delas numeradas, o que permitia a compra antecipada de ingressos. Os projetores, importados da Inglaterra, eram considerados os mais modernos da época, com inovações significativas em imagem e som, garantindo uma exibição clara e nítida. A instalação da cabine de projeção foi feita pelo Sr. Orion Jardim de Faria, especialista em obras cinematográficas.

Durante quase duas décadas, o cinema destacou-se por sua programação de qualidade e conforto, mantendo um público fiel. No entanto, no início dos anos 1970, Belo Horizonte passou por mudanças significativas, e o cinema enfrentou dificuldades. A chegada da televisão, as melhorias técnicas e a deterioração do centro da cidade contribuíram para a decadência dos cinemas tradicionais

O Cine Candelária, em particular, resistiu por um tempo, mas começou a exibir filmes pornográficos e cenas explícitas, refletindo sua decadência. Em 1º de outubro de 2004, um incêndio destruiu o cinema, que, após ser abandonado e descaracterizado, passou a ser usado como moradia para mendigos e, posteriormente, como estacionamento As causas do incêndio nunca foram esclarecidas, e o Cine Candelária sucumbiu devido a interesses financeiros e especulação imobiliária.

Cine Candelária antigamente fonte: Pedro Graeff/EM. Brasil)
Cine Candelária antigamente fonte: Arquivo EM/D.A Press
Cine Candelária antigamente fonte: Estevam Musso/ Arquivo Estado de Minas
Fachada atualmente autoria: Gabriel Werneck
Fachada atualmente fonte: ARQ BH

LEVANTAMENTO FÍSICO

fonte: BH Maps

Implantado em lote de formato irregular, com frentes para a Praça Raul Soares e Rua dos Goitacazes, o Cine Candelária foi projetado acompanhando o formato do terreno, volumetria em bloco único e implantação junto aos alinhamentos frontais. A horizontalidade presente na composição da fachada voltada para a praça Raul Soares é reforçada pela existência da marquise que se desenvolve ao longo da fachada principal e divide a composição em duas partes, inferior e superior.

ANÁLISE TIPOLÓGICA, IDENTIFICAÇÃO DE MATERIAIS E SISTEMA CONSTRUTIVO

O Cine Candelária foi construído no estilo Art Déco, alinhando-se à mesma estética dos demais cinemas da época. Características do estilo Art Déco presentes no projeto incluem:

Horizontalidade e Geometria: A fachada da Praça Raul Soares tem uma forte horizontalidadeacentuadapelamarquise,comlinhasgeométricaseformassimétricas.

Detalhes Ornamentais: Usa acabamento em falso rusticado, estrias verticais e esquadriasmetálicasdecorativas

Formas e Simetria: Apresenta colunas semicirculares e de seção quadrada, além de frisosdecorativos,quecriamumritmovisual.

Design de Fachada: A divisão da fachada em seções superior e inferior com detalhes volumétricosrefleteaestéticaelaboradadoArtDéco.

Em relação ao projeto original, diversas modificações foram observadas no tratamento das fachadas voltadas para a Praça Raul Soares e a Avenida Bias Fortes. Essas alterações provavelmente ocorreram na mesma época em que o cinema foi construído. A parte inferior da fachada recebeu um acabamento em mármore preto, um elemento característico da arquitetura daquela época. Um volume semelhante a um balcão foi adicionado na porção voltada para a Avenida Bias Fortes. As colunas semi-embutidas e aquelas de seção quadrada do primeiro pavimento foram removidas, enquanto as janelas superiores tiveram seu design alterado e passaram a contar com um tratamento contínuo.

Na fachada da Rua dos Goitacazes, os painéis de alvenaria foram trabalhados com um falso rusticado. O avanço do volume central, que abriga a sala de projeção e a escada de acesso, junto aos dois volumes posicionados nas extremidades, conferiu uma movimentação volumétrica ao conjunto. Para a vedação dos vãos, todos com verga reta, foram projetadas esquadrias de malha quadriculada nas janelas, metálicas de enrolar nas lojas e portas de fechamento das saídas de emergência com malha geométrica. Além do falso rusticado, a ornamentação incluía quatro quadros em rusticado, previstos nos volumes das extremidades, e painéis aplicados na parte inferior do volume central. Para o acabamento do conjunto, foi planejada a execução de uma platibanda finalizada com cimalha.

Frisos autoria: Camila Tavares
Esquadrias autoria: Camila Tavares
fachada fonte: Twitter

detalhes ornamentais

F1: Fachada rua Goitacazes
Autoria: Camila Tavares
F2: Fachada Avenida Bias Fortes
Autoria: Camila Tavares
E1: Elevação 1
Autoria: Camila Tavares
E2: Elevação 2
Autoria: Gabriela Cruz
Detalhe 01: marcas do piso de taco
Detalhe 02: Revestimento interno
E2: Elevação 2
Fonte: Dossiê

F2: Fachada Avenida Bias Fortes Fonte: Dossiê

Detalhe 03: Deterioração do revestimento na marquise

Detalhe 05: Revestimento inicial em pó de pedra cinza e aplicação posterior de pastilhas

Detalhe 04: Janela em vidro canelado

Detalhe 06: Frisos Art Deco na fachada

F1: Fachada rua Goitacazes Fonte: Dossiê

Detalhe 08: Deterioração na construção em função da umidade

Detalhe 10: Azuleijo da mesma cor da fachada nos ambientes de área molhada

Detalhe 09: Ornamentos Art Deco na decoração

E1: Elevação 1
Autoria: Camila Tavares

2.4 LEVANTAMENTO DE DANOS

E2: Elevação 2
Autoria: Gabriela Cruz
F1: Fachada rua Goitacazes
Autoria: Camila Tavares
E1: Elevação 1
Autoria: Camila Tavares
E1: Elevação 1
E2: Elevação 2
Autoria: Gabriela Cruz
E2: Elevação 2

G1 Era de ouro do cinema, filmes adultos e decadência: tombado pelo patrimônio, Cine Candelária está caindo aos pedaços. G1, 14 abr. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/04/14/era-de-ouro-do-cinema-filmes-adultose-decadencia-tombado-pelo-patrimonio-cine-candelaria-esta-caindo-aos-pedacos.ghtml. Acesso em: 8 set. 2024.

BAHIA, Cláudio Identidade, lugar e paisagem Belo Horizonte, Brasil [s d] 2022

ESTADO DE MINAS. Cinemas de rua morreram, mas não se apagaram no imaginário de BH. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2023/09/03/interna cultura,1555659/cinemas-de-rua morreram-mas-nao-se-apagaram-no-imaginario-de-bh shtml Acesso em: 10 set 2024

SOUZA, Françoise, GONÇALVES, Karime. Registro Documental do Cine Candelária. Belo Horizonte, 2002.

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