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A CASA-eSTúDIO DE DIEGO RIVERA E FRIDA KAHLO
casa-estúdio frida kahlo e diego rivera
História
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Em meados da década de 1920, Juan O’Gorman, após alguns anos trabalhando como cartunista, se utiliza de sua primeira remuneração para aquisição de dois terrenos a baixo custo, até para os padrões da época. Com as terras adquiridas, originalmente quadras de tênis, O’Gorman viu uma oportunidade de aplicar seus estudos. O Herdeiro da Escola Holandesa de Arquitetura e aspirante à obra de Le Corbusier enxergou nesses espaços a oportunidade perfeita para experimentar uma arquitetura nunca feita antes em seu país. Destas investigações, ergueu-se a primeira casa funcionalista da América Latina, a casa feita para seu pai, Cecil Crawford O’Gorman, batizada de casa Cecil. Além de suas soluções técnicas, a construção trouxe para seu país o conceito de casa-estúdio, que abrigaria a habitação do pai e seu ateliê de artes em uma mesma edificação. O projeto da casa Cecil data de 1929. Após sua construção, O’Gorman oferece a Diego Rivera, também pintor muralista e amigo próximo, um dos terrenos a preço de custo - e como forma de compensação, um projeto de uma casa-estúdio nos mesmo moldes da casa Cecil. Rivera atende a condição e encomenda o projeto de sua casa e de sua então esposa Frida Kahlo. O projeto fica pronto em 1931 e a construção se inicia em 1932, ao passo que só foi ocupada por Diego e Frida em 1934.
Situação | implantação
O terreno em que estão alocadas as casas se encontra na esquina da rua Palmas (Atual rua Diego Rivera) com a avenida Altavista, no bairro de San Angél, da
vista da fachada sul

delegação Álvaro Obregón da Cidade do México. O lote de aproximadamente 380 m² abriga as casas de Frida Kahlo e Diego Rivera, além de um pequeno estúdio fotográfico a nordeste. Álvaro Obregón é um dos 16 municípios na qual a Cidade do México está dividida e ocupa grande extensão da região sudoeste. Conhecida anteriormente como San Angél, teve seu nome alterado após Álvaro Obregón, líder da Revolução Mexicana e presidente mexicano do início do século XX , que foi assassinado nesta área. O bairro de San Angél sempre foi conhecido por suas características provincianas, com sua arquitetura tipicamente colonial, marcada pelo uso das cores, ruas sinuosas e calçamento de pedra. A chegada das construções funcionalistas no local gerou uma grande repercussão justamente pelo descolamento com o restante do bairro. Apenas o colorido presente nas obras ajudam a suavizar o impacto visual que a arquitetura de O’Gorman causou. A implantação das construções levou em conta, mais uma vez, aspectos técnicos e funcionais. As casas são posicionadas de forma a alinhá-las com os limites do terreno e dos logradouros. Desta forma, as fachadas encontram-se paralelas com as ruas seguindo aspectos formais da relação do edifício com suas adjacências. A escolha da implantação também foi determinante para a definição de outros aspectos como a organização da planta, ventilação e iluminação natural.
Concepção
Para o projeto das três casas, Juan O’Gorman se utilizou de todos os seus conhecimentos advindos de sua formação moderna, em especial referência à arquitetura e aspirações do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. Nos projetos ficam claras as intenções do arquiteto em trazer os conceitos que estavam sendo discutidos na Europa pelas vanguardas - o uso e a exal- Vista da casa cécil com a casa de Diego ao fundo

tação de materiais frutos da industrialização, o conceito de habitação mínima, simplicidade das formas, a racionalização dos espaços buscando atender o máximo de suas funcionalidades. A forma de ambas as construções são concebidas de maneira semelhante. Consiste basicamente de volumes geométricos permeados por grandes esquadrias de vidro que fazem o fechamento de boa parte das fachadas. Na casa de Diego e Frida, esses dois volumes são independentes, intermediados apenas por uma passarela no terraço de ambas as edificações. O layout foi pensado de forma clara e totalmente racionalizada, de maneira a contemplar uma habitação mínima e um local de trabalho amplo e funcional. Para fazer o intermédio da linguagem moderna com a tradicional mexicana, fez-se o uso de elementos da cultura local, presentes não apenas no uso das cores da parte externa, no uso de materiais populares, como também na utilização da vegetação como elementos que fazem a interface entre os terrenos e entre suas mediações.
As casas
Como mencionado anteriormente, nas obras de O’Gorman desse período se fez uso dos princípios de Le Corbusier e seus cinco pontos da arquitetura moderna. Aqui, tanto as casas de Diego e Frida seguem essa lógica, ou seja, uso de pilotis, planta e fachada livre, estrutura independente e a presença de um terraço-jardim. No projeto para as casas estavam previstas duas construções, ambas com estreita ligação com a casa Cecil, mas sinalizando características próprias destinada a cada um dos artistas. Constavam, portanto, de dois volumes, quase prismáticos, um azul, destinado a Frida Kahlo e outro vermelho, a Diego Rivera. Ambos os projetos previam ambientes de vivências e trabalho, projetados pela lógica da habitação mínima, racionalização dos espaços, Vista da fachada sul

visando o desempenho máximo com mínimo de custo e esforço.
Casa Cécil
A casa Cécil foi a primeira sinalização de uma Arquitetura funcionalista no México. O’Gorman já havia mencionado, nesse momento, a arquitetura de Le Corbusier, mas não de forma plena, como visto nos pilotis que mencionam a questão de um térreo livre ou na ausência de um terraço jardim na parte superior da edificação. Com relação à fachada oeste o que chama a atenção são as janelas, que são dobráveis e de guia lateral. Fechadas formam uma espécie caixa de vidro composta por caixilhos quadrados pintados de laranja ocupando o vão entre as lajes e margeando os pilares pelo lado externo, referência aos ateliês do edifício da Bauhaus, de Walter Gropius. Ao se abrirem, configuram um grande terraço, em contato direto do interior com o exterior. A ausência de qualquer tipo de proteção horizontal, como guarda-corpos e peitoris reforçam ainda mais essa ideia. O programa da casa conta com 4 dormitórios, áreas de vivência como salas de estar e de jantar, um terraço coberto no térreo além de áreas de serviços e trabalho como o grande estúdio projetado para seu pai porção oeste do terreno.
A casa Azul | Frida Kahlo
A casa de Frida é composta por 2 pavimentos e um térreo praticamente livre, comportando serviços, dormitórios e o ateliê de pintura. Conta ainda com um terraço que permite o acesso à casa de Diego por meio de uma passarela. As duas construções possuem características em comum e únicas de cada uma. Com relação à casa azul, o desta-

Casa Cécil - vista para a fachada do estúdio

que vai para as escadas, as quais fazem a articulação de todos os ambientes, do térreo ao segundo pavimento por meio de uma escada helicoidal interna e deste para o terraço através da escada externa, localizada na fachada norte. O desenvolvimento desses elementos exigiu conhecimento de execução precisos, com ênfase para a escada externa, cujos os degraus engastam diretamente sobre mísulas na parede; a chegada ao primeiro patamar se dá mediante à janela ao norte, que se abre parcialmente. Outro aspecto a se levar em conta nesta obra são os caixilhos, grandes panos de vidro que compõem as fachadas da casa. A posição e a dimensão dessas aberturas foram muito bem pensadas de maneira a conseguir a iluminação mais adequada para cada cômodo. Exemplo disso são as enormes janelas, que vão de piso a laje e compõem o estúdio de Frida, muito parecido com a solução que O’Gorman usou para o estúdio na casa Cécil.
A casa vermelha | Diego Rivera
A casa de Diego também é composta por 2 pavimentos e um térreo praticamente livre. Esses três níveis comportam os serviços, dormitórios, ateliê de pintura e uma galeria, sendo a entrada mediada por uma escada caracol na parte externa, a oeste do terreno. O terraço se dá no mesmo nível do terraço da casa azul e seu acesso é através do mezanino presente no segundo pavimento da edificação. Além do próprio mezanino, outras características próprias dessa obra são importantes ressaltar. A primeira delas foi a atenção que O’Gorman deu para os locais de trabalho de Diego, mais especificamente, seu estúdio. Nesse cômodo, chama a atenção o grande pé direito duplo que se estende ainda mais devido ao formato do telhado, em dente de serra, que comportam sheds com placas de fibrocimento - semelhantes a brises-soleis - para o

Vista da escada externa; acesso ao terraço

controle de uma iluminação no estúdio. O controle da iluminação é outro aspecto a ressaltar. O’Gorman, ao projetar o estúdio, necessitava minimizar a entrada de luz direta no recinto. Para contornar esse problema, fez-se uma inclinação da fachada para que sua orientação ficasse perfeitamente alinhada com o norte magnético. Dessa forma, independente do horário do dia, toda luz que adentra por essa abertura incide de modo difuso, mantendo a integridade das pinturas. É importante verificar as semelhanças contidas com a obra Maison Ozenfant, 1922, de Le Corbusier. A transposição das soluções é clara, não só em aspectos formais, visto a escada caracol e o telhado em serra, como funcionais, a exemplo da preocupação com a iluminação nos ateliês de pintura.
Estrutura e materialidade
A estrutura foi uma das grandes inovações trazidas para esses trabalhos. Pela primeira vez fez-se uma estrutura em concreto armado e totalmente independente. Aqui vemos, sem dúvida, os princípios básicos do Maison Domino (1917) sendo integralmente aplicados, assim como fez no anteprojeto para as Habitaciones Obreras (1929) e a proposta para o Concurso para la Vivienda Obrera (1932). A adoção dessa nova tecnologia possibilitou não apenas o uso dos pilotis, proporcionando um pavimento térreo livre, como as grandes esquadrias que tomam conta de determinadas fachadas, a viabilidade de manter os materiais aparentes e a planta livre que permitiu, simultaneamente, espaços de habitação austeros com generosidade e funcionalidade dos ambientes de trabalho. Para tanto, a estrutura de todo o conjunto é feita de concreto armado com fechamentos em blocos cerâmicos locais, revestidos de argamassa tingida para obtenção da cor, no caso


Vista da fachada sul/inclinação da janela do estúdio
das paredes. As lajes foram construídas de forma análoga, constituídas por uma grelha em concreto armado, preenchidos com os mesmos blocos, sistema semelhante às atuais pré-fabricadas encontradas no mercado. Ademais, todas as escadas, tão icônicas dessas obras, também são feitas a partir do concreto, algumas revestidas de madeira tingida de congo, tradicional pigmento amarelo, como é no caso das escadas internas da casa de Frida. Diferentemente do tratamento dado às paredes, as lajes não tiveram qualquer tipo de acabamento, o que deixou sua estrutura exposta, pois O’Gorman desejava exaltar ao máximo esses materiais e deixar à mostra seu processo construtivo. Esse gesto é incorporado na estética do arquiteto a partir da década de 1930, podendo ser evidenciado também pelas caixas d’água, tubulações pintadas de vermelho e pelas instalações elétricas aparentes. Seguindo as premissas de economia de gastos e funcionalidade, todas as portas se configuram com uma estrutura metálica com fechamentos em amianto. Para os guarda-corpos foram utilizados tubos hidráulicos, e suas conexões pintados de vermelho.
Tradição mexicana
“(...) a arte mexicana não poderia ser inventada por meio da utilização de historicismos artificiais, mas que a “mexicanidade” deveria de fato emergir por iniciativa própria. A estrutura arquitetônica é, mais ou menos, não específica do lugar além da orientação, e o projeto muito mais próximo ao da casa estúdio de Le Corbusier na França do que qualquer coisa no México, mas muito de seus materiais e técnicas construtivas são, de fato, adaptações das tradições dos artesãos mexicanos para os novos requisitos. Essas casas podem dar a impressão de terem sido feitas como unidade pré-fabricadas, como defendido pelos teóricos, mas é claro que elas não foram. “ (FRASER, 2000: 44-45)

Vista da escada helicoidal externa em concreto armado

Mesmo que as casas sejam reflexo de uma arquitetura moderna européia, não poderiam se apresentar de forma autônoma e independe de toda a cultura e tradição tão marcante do México. Juan O’Gorman tinha consciência do descompasso de sua atual arquitetura com a da cultura construtiva local, no entanto, em momento algum projeta sem incorporar a tradição mexicana nas diversas etapas que constituem essas obras. Desde as cores, que procuravam um diálogo com o bairro de San Angél, o uso de materiais vernaculares, como os blocos de barro, as cerâmicas que revestem o terraço e a passarela são tentativas de O’Gorman para conciliar uma arquitetura totalmente descolada de seu contexto. O uso da vegetação que cria um muro entre as construções e faz o intermédio com as vias públicas foi uma grande solução para delimitar os espaços sem que com isso criasse barreiras visuais. Essa permeabilidade formada pela fileira de cactáceas trouxe características locais e permitiu a visualização do terreno praticamente livre possibilitado pelo emprego dos pilotis. Além disso, a preocupação de O’Gorman para com os trabalhadores locais era sempre levada em consideração, a exemplo da produção das estruturas de ferro, tanto das portas quanto dos caixilhos, advindas da mão-de-obra local. Nenhum elemento ou estrutura, apesar de seguir a lógica da pré fabricação preconizada pelas vanguardas européias, era de fato industrializado, tudo era produzido de forma artesanal.
Após a morte de Diego Rivera em novembro de 1957, as casas foram herdadas por suas filhas Ruth e Guadalupe Rivera. A propriedade foi adquirida pelo Estado me-

Instalações elétricas aparentes

xicano e, posteriormente, doada ao INBA - Instituto Nacional de Bellas Artes, com o intuito de cuidar da preservação, pesquisa e exibição da vida e obra de Diego, Frida e Juan. A partir de um decreto presidencial em 1981, as casas tornaram-se Museu Estúdio Diego Rivera e Frida Kahlo, abrindo suas portas em 1986, em celebração ao centenário de nascimento do pintor muralista. Atualmente são expostos permanentemente o estúdio de Diego e Frida, assim como seus materiais de trabalho, incluindo pincéis, pigmentos, artesanato, peças pré-hispânicas e pertences pessoais. Durante os anos de trabalho cultural do museu, foram apresentadas mais de 250 exposições temporárias, muitas delas viajando pelo México, Estados Unidos, Espanha, Nova Zelândia, América Central e do Sul. Foram publicados cerca de 70 livros e catálogos que aprofundam o conhecimento da arte e da vida de Kahlo, Rivera, O’Gorman e outros artistas. Ademais, realizam-se oficinas, conferências, apresentações de livros, visitas guiadas e suporte fotográfico a instituições e empresas culturais e editoriais.
Restauro
O INBA, consciente do patrimônio e do valor artístico das casas, restaurou entre julho e dezembro de 1995, por meio de sua Diretoria de Arquitetura, a casa de Kahlo e no mesmo período do ano seguinte a de Rivera com o objetivo de reforçar suas estruturas e recuperar suas aparências originais. Após sua construção, as casas sofreram diversas alterações ao longo do tempo, tanto pelo próprio Diego Rivera quanto por seu genro Rafael Coronel nos anos subsequentes à sua morte. Sob a tutela do arquiteto Victor Jiménez, a restauração se baseou basicamente em dois documentos: as fotografias tiradas em 1932 por Guilhermo Kahlo, pai de Frida e fotógrafo, e os desenhos de O’Gorman para as casas, a fim de trazer às obras seu aspecto original.

Interface entre os terrenos com intermédio de vegetação nativa

O museu foi reaberto pelo presidente Ernesto Zedillo Ponce de León em 28 de fevereiro de 1997 e os edifícios foram declarados Patrimônio Artístico da Nação em 25 de março do ano seguinte. O restauro da Casa Cecil ocorreu apenas em 2013, mesmo ano em que o arquiteto japonês Toyo Ito visita a obra, cujo nome é título de seu livro “Casa O’Gorman 1929”, que ajudou na difusão internacional do arquiteto mexicano assim como suas obras, em especial as primeiras três casas funcionalistas da América Latina.


Cartazes de exposições e eventos temporárias organizadas pelo museu

Desenhos técnicos
A partir das plantas, é possível perceber melhor alguns dos pontos citados, a começar pela identificação da modulação, de 7,20 x 7,20m, presente em toda a construção. A estrutura independente e a planta livre ficam claras pela colocação dos pilares. Nota-se também a extrema racionalidade e austeridade características do layout visto na adoção de um núcleo hidráulico, na minimização das dimensões dos dormitórios e áreas de serviço, em contrapartida à generosidade dos espaços de trabalho. Dos cortes e elevações nota-se novamente a preocupação com a organização dos espaços, a inserção dos pilotis, a fachada livre e o posicionamento estratégico de todas as aberturas, além da geometrização e simplicidade dos volumes das edificações. É possível observar ainda as diferenças entre a casa projetada para Cecil e o conjunto para Frida e Diego. Com apenas um térreo e um pavimento, a Casa Cecil centra seu programa em uma habitação familiar, com dormitórios e espaços de vivências generosos. Já nas casas-estúdio, por outro lado, vê-se tais ambientes sendo reduzidos ao máximo, pensados exclusivamente sob a lógica da funcionalidade.

implantação da casa Cécil

elevações casa Cécil






implantação


planta do 1° pavimento planta do 2° pavimento

planta do 3° pavimento
planta da cobertura




elevações

