Toponímia LX - Francisco Salgado Zenha

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Francisco Salgado Zenha ADVOGADO

1923 – 1993

Francisco Salgado Zenha, paladino na defesa dos valores da Democracia, notabilizou-se na Justiça e na Política.

Magnânimo e íntegro, lutou com dignidade pelos nobres princípios que pautaram a sua vida pessoal, profissional e política.

A Vereadora, Ana Sofia Bettencourt

Filho de um médico e no seio de uma família católica com mais 5 filhos, Francisco de Almeida Salgado Zenha nasceu em Braga, no dia 2 de Maio de 1923, e nesta cidade concluiu os seus estudos liceais, sendo considerado o melhor aluno do seu ano.

Rumou a Coimbra, onde terminou a sua licenciatura em Direito, no ano de 1948, com a média de 17 valores. Em paralelo com a sua actividade curricular, Salgado Zenha dinamizou e democratizou a vida académica, chegando a ser eleito presidente da Associação Académica de Coimbra, numa Assembleia Magna de estudantes, em Dezembro de 1944, numa lista impulsionada pelas juventudes comunistas e católicas, quando contava 24 anos e frequentava o 4.º ano. Também dirigiu o jornal da Associação , o "Via Latina". Mas o facto fulcral para o seu prestígio e influência no meio estudantil foi ter convocado uma Assembleia Magna para discutir um convite do reitor para se deslocarem a Lisboa, a fim de agradecer a Salazar a neutralidade durante a guerra, o qual acabou por ser declinado, numa renhida disputa de 248 votos contra, 204 a favor e cinco abstenções. O Governo respondeu a esta tomada de posição, demitindo a direcção da Associação em Maio de 1945.

Ainda em Coimbra, em 1940, Zenha aderiu ao Partido Comunista Português e chegou a ser responsável pela organização estudantil de Coimbra das Federações das Juventudes Comunistas Portuguesas. Assim, participou nas reuniões que concluíram pela necessidade de extinguir esta organização, determinação que o II Congresso ilegal do PCP tomará, substituindo-a por uma vasta organização juvenil de massas: o MUD Juvenil

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Com os irmãos (Francisco Salgado Zenha está sentado) Cartão de dirigente da Associação Académica de Coimbra

(Movimento de Unidade Democrática), lançado em Julho de 1946. Já em Novembro de 1945, em entrevista ao Diário de Lisboa, Salgado Zenha tinha apoiado publicamente a constituição do MUD e, assim, integra a sua primeira Comissão Central, com Mário Soares, Octávio Pato, Júlio Pomar, Mário Sacramento, António Abreu e Rui Grácio.(1) Nesta qualidade será também. pela primeira vez, preso pela PIDE, em 1947, juntamente com Mário Soares, Júlio Pomar e Rui Grácio, situação a que a Academia de Coimbra respondeu com oito dias de luto.

Em Fevereiro de 1949, como delegado juvenil na reunião das Comissões Central e Distrital de apoio a Norton de Matos, defendeu vibrantemente a desistência do general à boca das urnas, como preconizava o PCP e, no rescaldo destas eleições presidenciais, conheceu a prisão pela segunda vez, no Aljube, tendo como companheiros de cela Mário Soares, Jorge Alarcão e Manuel Mendes, só obtendo a liberdade condicional, em prisão domiciliária, em 1953, situação que se arrastou até 1958. Esta segunda prisão assinala, também, o início do processo de afastamento de Salgado Zenha do Partido Comunista Português, acabando por aderir à Resistência Republicana e Socialista, criada em 1955 por Mário Soares.

Aliás, o ano de 1958 marca Zenha triplamente: pelo casamento com Maria Irene da Silva Araújo, que lhe conferiu direito a escolta de um agente da PIDE, durante a lua-de-mel no Algarve; pelo fim do seu regime de residência fixa e da proibição de se ausentar do país que lhe estava imposta desde 1947; e pela participação como activista da campanha do General Humberto Delgado.

Em Março do ano seguinte, subscreveu uma petição a Salazar, sugerindo-lhe que se afastasse da vida política. De igual modo, assumiu um papel importante na constituição da Frente Patriótica de Libertação Nacional, no âmbito da qual integrou as Juntas de Acção Patriótica de Lisboa e, a partir de 1962, a Junta Central de Acção Patriótica.

Na vida profissional, como advogado, primeiro em Coimbra e depois com escritório na Rua Augusta, assumia causas polémicas, como as dos católicos que criticaram, publicamente ,Salazar e a "Revolta da Sé". Aliás, desde inícios do anos 60 do século XX que Salgado Zenha desenvolvia uma acção de ligação aos católicos que se distanciavam do regime, nomeadamente

4 5 (1) Também estão inseridos na toponímia de Lisboa, Octávio Pato (1925 – 1999) e Rui Grácio (1921 – 1991).
Manuel Mendes, Salgado Zenha, Jorge Alarcão e Mário Soares após a saída do Aljube (tinham combinado deixar crescer o bigode na prisão e só o retirar após a libertação). Maria Irene Salgado Zenha no local onde costumava acenar para a prisão de Caxias Salgado Zenha discursando no comício sobre a Unicidade Sindical

através da sua colaboração redactorial na revista "O Tempo e o Modo" , nascida em Janeiro de 1963.

Defendeu o dirigenteda Frelimo Domingos Arouca e, com Fernando Luso Soares e Manuel João Palma Carlos, foi defensor do processo da ARA (2) ,o último julgado pelo Tribunal Plenário de Lisboa.

Em 1961, subscreve e colabora na redacção do Programa para a Democratização da República e, nesse mesmo ano, pela quarta vez, volta a ser preso. O circuito de prisões que termina com a quinta e última em 1970, encarcerou-o durante 3 meses em Caxias, sem mandado de captura e sem culpa formada. Acabou por ser libertado, após uma onda de protestos, incluindo o dos deputados da ala liberal da Assembleia Nacional e um conjunto de pinchagens nas paredes de Lisboa com o slogan "Libertem Zenha".

Ainda no decorrer dos anos 60 e início dos 70, Francisco Salgado Zenha publicou diversos textos de carácter jurídico que ele considerava, também, como armas contra o regime, a saber: As Medidas de Segurança do Decreto-Lei n.º 40350 (1964), Universidade- Processo de Uma Expulsão Disciplinar (1967), Notas sobre aInstrução Criminal (1968)(3), A Quinta Causa- Os Católicos e os Direitos do Homem (1969), Justiça e Política com Duarte Vidal (1969)(4), O Direito de Defesa e a Defesa do Direito em colaboração com Abranches Ferrão (1971), A Prisão do Dr. Domingos Arouca (1972), A Constituição, o Juiz e a Liberdade Individual (1973), O Caso da Capela do Rato no Supremo Tribunal de Justiça (1973).

Com a transformação da Resistência Republicana Socialista em Acção Socialista Portuguesa, em Genebra, no ano de 1964, Salgado Zenha, embora inicialmente se mostrasse relutante à transformação, acaba por aderir e chegará mesmo a ser o seu representante no II Congresso Republicano que decorreu em Aveiro, em 1969.

Nos anos de 1965 e 1969, foi candidato a deputado nas listas da Oposição, pela CEUD – Comissões Eleitorais de Unidade Democrática. Em Abril de 1973,na então República Federal Alemã, junto com Maria Barroso, votou inicialmente contra, mas aceitou a decisão que transformou a ASP em Partido Socialista, e nele se tornou um dos mais destacados dirigentes após o 25 de Abril de 1974.

Logo no I Governo Provisório foi Ministro da Justiça, cargo que desempenhou até ao IV, inclusivé, tendo conseguido o êxito da negociação com a Santa Sé para revogação do artigo 24.º da Concordata que permitiuo direito ao divórcio para os casamentos religiosos, assinado no Vaticano, em 15 de Fevereiro de 1975. Deveu-se, também, à sua acção e determinação a criação, em Portugal, do Provedor de Justiça (Ombudsman), figura destinada a aproximar os cidadãos do Estado, enfrentando este em defesa daqueles, pelo Decreto-Lei n.º 212/75, de 21 de Abril.

Ainda em 1975, o Dr. Francisco Salgado Zenha foi empossado como Ministro do VI Governo Provisório, escolhido por Pinheiro de Azevedo(5), desta vez para a

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Na
tomada de
posse do I Governo Provisório Em Washigton, em 16 de Março de 1975
Com o Papa Paulo VI (2) Acção Revolucionária Armada. (3) Esta edição executada em Braga, foi apreendida pela PIDE. (4) Foi apresentado no Congresso de Aveiro da Oposição Democrática e logo apreendido pela PIDE.

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pasta das Finanças, cargo para o qual se rodeou de nomes como Vítor Constâncio, Artur Santos Silva, Sousa Gomes, Medina Carreira, Manuela Morgado e Sousa Franco, para seus secretários e subsecretários, bem com de um jovem assessor chamado António Guterres.

Igualmente no decorrer deste ano, Salgado Zenha junto com Mário Soares, distinguiu-se pelo seu combate à unicidade sindical, galvanizando os populares, em momentos como o do Pavilhão dos Desportos (em 16 de Janeiro) e o da Alameda (em Julho)(6), defendendo que "Se por via de decreto se impõe uma confederação sindical única, pela mesma lógica amanhã se pode impor um partido único, uma Imprensa única (...) uma lista de candidatos única para a assembleia legislativa, etc."(7) O slogan, então surgido, de "Soares e Zenha não há quem os detenha", manifestou a condução bicéfala do Partido Socialista que se prolongaria nos anos seguintes.

A partir de 1976, Salgado Zenha, que teve como máxima da sua vida "Só é vencido quem desiste de lutar"(8), então com 53 anos, liderou a bancada socialista na Assembleia da República.

Em 1980, divergências sobre o apoio à candidatura de Ramalho Eanes à Presidência da República abriram a ruptura com Mário Soares. Zenha liderava o grupodo Secretariado Nacional do PS, mas perde o Congresso de 81, após o que abandona a militância no partido,em 12 de Novembro de 1985, para três dias depois anunciar a sua candidatura

Francisco Salgado Zenha foi Ministro da Justiça no I Governo Provisório (15/5/74 até 17/7/74), do II (17/7/74 até 30/9/74), do III (30/9/74 até 26/3/75) e do IV (26/3/75 até 8/8/75) assim como Ministro das Finanças no VI (19/9/75 até 22/7/76).

(6) O Comício da Alameda, em Lisboa, realizou-se a seguir a um comício realizado no Porto, no dia anterior. Organizado por António Guterres, teve como oradores Mário Pires, da Comissão de Trabalho do PS, Lopes Cardoso, presidente do grupo parlamentar do PS na Assembleia Constituinte, Luís Filipe Madeira, deputado e antigo governador civil de Faro, Alfredo Carvalho, deputado e operário da Lisnave, Marcelo Curto, também deputado, Salgado Zenha, ministro da Justiça demissionário, e a terminar Mário Soares. Foi um dos momentos mais determinantes do Verão Quente de 75, e serviu para marcar a posição do PS em relação ao “Documento-Guia” da Aliança Povo-MFA, que tinha sido aprovado em 8 de Julho, e que levara os ministros socialistas a saírem do 4.º Governo Provisório, provocando a sua queda.

(7) In ROCHA, Maria João, “Morreu Salgado Zenha”

(8) In CASTANHEIRA, José Pedro, “Zenha Indomável”.

à Presidência da República, defendendo ser necessária "uma nova democracia e uma nova República", em competição com um seu antigo companheiro de percurso político e que acabaria por ser o eleito: Mário Soares.

Nesta campanha, que ficou conhecida pela sigla

ZAP (Zenha à Presidência), Francisco Salgado Zenha foi precursor na defesa da administração aberta, das candidaturas independentes às autarquias e da region alização. Mas na 1.ª volta das eleições, em 26 de Janeirode 1986, e apesar dos apoios de uma franja de socialistas, do PCPe do PRD (Partido Renovador Democrático), não obtém votação para passar à 2.ª volta.(9)

Salgado Zenha regressou à vida profissional de jurista, passando a reduzirao mínimo a sua intervenção política, tendo, todavia, publicado a súmula das principais ideias que defendeu na campanha presidencial, em 1988, no livro As Reformas Necessárias.

Aquele a quem José Cardoso Pires dedicou

O Delfim, após doença prolongada e uma luta pessoal estóica, encontrou a morte em Lisboa, aos 70 anos de idade,no primeiro dia de Novembro de 1993.

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Freitas do Amaral obtém 46,3% dos votos, Mário Soares 25,4%, Salgado Zenha 20,9% e Maria de Lurdes Pintasilgo 7,4%. Os dois primeiros candidatos passaram à segunda volta e foi Mário Soares o eleito.

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Campanha Eleitoral para as Presidencias (ZAP – Zenha à Presidencia)

Todos os quadrantes políticos da sociedade portuguesa classificaram Salgado Zenha como íntegro, corajoso e democrata, e os quatro Presidentes da II República marcaram presença no seu funeral, tendo os amigos oferecido um busto que assinala a entrada do seu jazigo no cemitério do Alto de S. João.

Também a Assembleia da República, em 1997, colocou um busto seu, da autoria de Carla Gonçalves, nos corredores de acesso à escadaria nobre junto dos bustos de outros deputados ilustres (Francisco Margiocchi, José Maria Alpoim e Sá Carneiro).

Em 1998, o espólio bibliográfico do Dr. Francisco Salgado Zenha integrou o fundo documental da Universidade do Minho e a Fundação Francisco Salgado Zenha instituiu o "Prémio Dr. Francisco Salgado Zenha" para galardoar, em cada ano lectivo, alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que apresentem o melhor trabalho escrito (individual ou colectivo) sobre temas de direitos do homem, direito humanitário ou direitos, liberdades e garantias, tendo sido atribuído pela primeira vez no ano 2000.

A Câmara Municipal de Lisboa presta-lhe a sua homenagem ao atribuir o seu nome a uma avenida de Lisboa, situada na freguesia de Marvila.

Francisco Salgado Zenha e sua esposa Maria Irene Avenida Francisco Salgado Zenha
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Bibliografia

CASTANHEIRA, José Pedro; “Zenha Indomável”, In Expresso, 6 de Novembro 1993, pp. 18R – 23R.

«Francisco Salgado Zenha» in Centro Documentação 25 de Abril (www.uc.pt/cd25a/aedp po/SALZENHA.HTML)

GUTERRES, António; «Tal como o Infante D. Pedro...», In Expresso, 6 Novembro 1993, pp.19R

MADEIRA, João; «Os intelectuais e o Partido - O Sector de Coimbra», In História, Ano XVIII, nº 17, Fevereiro 1996, pp. 50 - 63

RESENDES, Mário Bettencourt; «Não há quem o detenha», In Diário de Notícias, 2 Novembro 1993, pp. 6

ROCHA, Maria João; “Morreu Salgado Zenha”, In Diário de Notícias, 2 Novembro 1993, pp. 6

ROSAS, Fernando e BRITO, J. M. Brandão; Dicionário de História do Estado Novo, Lisboa: Círculo dos Leitores, 1996

“Visita Virtual” In www.parlamento.pt/visita/atrio/index.html

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