Sollicitare n.º 34

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Rui Moreira Presidente da Câmara Municipal do Porto EDIÇÃO N.º 34 / QUADRIMESTRAL / OUTUBRO 2022 –JANEIRO 2023 / €2,50 revista da ordem dos solicitadores e dos agentes de execução ENTREVISTA Ana Bandeira Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial REPORTAGEM À espreita do crime Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica ENTREVISTA Delfim Costa Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores

SOLLICITARE

Francisco Serra Loureiro Redatores principais André Silva, Dina Teixeira, Joana Gonçalves

Colaboram nesta edição: Cristela Freixo, Daniela Serdoura, Inês Oliveira, João Salcedas, José Cardoso, José Luís Dias, Liliana Burrica, Miguel Ângelo Costa, Raquel Sá, Rita Baptista Antunes, Rosa Lima, Susana Almeida, Susana Antas Videira, Telma Afonso

Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt

Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt

Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt

Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt

Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt

Impressão: Lidergraf, Sustainable Printing Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde Tiragem: 6 500 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585

Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126

Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt

Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes.

Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

Bastonário Paulo Teixeira

Assembleia Geral Presidente: Aventino Lima (Lisboa)

1.ª Secretária: Elizabeth Costa (Lisboa)

2.º Secretário: Pedro de Aguiar Fernandes (Setúbal)

Conselho Geral Presidente: Paulo Teixeira (Matosinhos)

1.ª Vice-Presidente: Edite Gaspar (Lisboa)

2.º Vice-Presidente: Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz)

3.ª Vice-Presidente: Elisabete Guilhermino (Batalha)

1.º Secretário: Mário Couto (Vila Nova de Gaia)

2.ª Secretária: Diana Silva Queiroz (Vila Franca de Xira) Tesoureira: Alexandra Ferreira (Porto)

Vogais: João Coutinho (Figueira da Foz), Gabriela Antunes (Leiria), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira), Joana Bonifácio (Mirandela), Tânia Fernandes (Albufeira)

Conselho Superior Presidente: Fernando Rodrigues (Maia) Vogais: Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira), José Guilherme Pinto (Maia), Rosária Rebelo (Rio Maior), Valter Jorge Rodrigues (Moita), Beatriz Tavares do Canto (Ponta Delgada), Rafael Parreira (Leiria), Isabel Carvalho (Vila Nova de Famalicão), João Reduto (Guarda), Cláudia Cerqueira (Viana do Castelo), João Soares Rodrigues (Oliveira de Azeméis)

Conselho Fiscal Presidente: Lídia Coelho da Silva (Porto) Secretário: Alberto Godinho (Tomar)

Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores Presidente: Delfim Costa (Barcelos) Vice-presidente: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) Vogais: Leandro Siopa (Pombal), Carina Jiménez Reis (Linda-a-Velha), Marcelo Ferreira (Covilhã)

Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução Presidente: Duarte Pinto (Porto) Vice-presidente: Filipa Gameiro (Alcanena) Vogais: Marco Santos (Trofa), Tânia Mendes Silva (Alcobaça), Emanuel Silva (Águeda)

Conselho Regional do Porto Presidente: Nicolau Vieira (Gondomar) Secretária: Cecília Mendes (Paredes) Vogais: Marta Baptista (Santa Maria da Feira), Paulo Miguel Cortesão (Maia), Mariela Pinheiro (Barcelos)

Conselho Regional de Coimbra Presidente: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) Secretário: Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Vogais: Edna Nabais (Castelo Branco), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Bruno Monteiro Branco (Condeixa-a-Nova)

Conselho Regional de Lisboa Presidente: Débora Riobom dos Santos (Odivelas) Secretário: João Pedro Amorim (Lisboa) Vogais: José Jácome (Lagos), Carla Matos Pinto (Torres Vedras), Marina Campos (Queluz)

FICHA TÉCNICA
EDIÇÃO N.º 34 / OUTUBRO 2022 –JANEIRO 2023 REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Nesta edição da Sollicitare, rumamos a Norte e damos capa a Rui Moreira, Presidente da Câmara Municipal do Porto. Na entrevista que nos concede, o au tarca faz um balanço dos três mandatos, do que está feito e do que falta fazer, do que é ser-se um homem do Porto. Mas não só. Também são abordadas questões de âmbito nacional: turismo, Justiça, regionalização e descentralização são te mas que não poderiam faltar nesta conversa a ler com atenção.

Ainda no âmbito das entrevistas, destaque para a de Delfim Costa, Presiden te do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores. O Solicitador partilha connosco a sua visão sobre a evolução da profissão e dos desafios de que se re vestem o cargo que abraçou no início deste ano.

De elevado interesse é, também, a entrevista a Ana Bandeira, Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Para a responsável do INPI, proteger e promover a Propriedade Industrial é funda mental para o desenvolvimento do país e os Solicitadores assumem um papel essencial na prossecução desse objetivo.

As reportagens que tanto caracterizam a nossa revista não poderiam, tam bém, faltar. Nesta 34.ª edição, a nossa equipa foi conhecer os bastidores do com bate ao cibercrime. Para tal, contou com a preciosa ajuda da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica, na pessoa de Carlos Cabreiro, Diretor desta unidade da Polícia Judiciária. Conheça o que está por detrás deste fenómeno que tanto nos preocupa e saiba como se pode proteger.

Já da vida da nossa Ordem, é de salientar as notícias sobre o evento “OSAE por perto”, iniciativa que marcou a retoma dos tão aguardados encontros pre senciais depois do período de pandemia. Assim, em três dias, os associados dos Conselhos Regionais do Porto, Coimbra e Lisboa reuniram-se para discutir as profissões de Solicitador e de Agente de Execução, em momentos onde não fal tou também o tão salutar convívio.

Não poderíamos, ainda, esquecer a “Conferência sobre proteção de dados” que a sede da OSAE recebeu no passado mês de outubro, uma iniciativa inseri da no âmbito do projeto europeu FILIT (For EU law through interprofissional training) e que representou uma verdadeira oportunidade para os Agentes de Execução e Solicitadores se manterem a par das evoluções da proteção de dados da União Europeia.

Os temas são diversificados e faço votos de que a Sollicitare continue a ser uma fonte de conhecimento para todos os que a leem. Boas leituras!

SOLLICITARE 1 EDITORIAL
Paulo Teixeira Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

4 14 26

Rui Moreira

Entrevista com o Presidente da Câmara Municipal do Porto

Fotografia capa Miguel Nogueira

À espreita do crime

Reportagem sobre a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica da Polícia Judiciária

Ana Bandeira

Entrevista com a Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial

Labor Improbus Omnia Vincit

2 ÍNDICE
SOLLICITARE 34 / OUTUBRO 2022 – JANEIRO 2023

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Delfim Costa

Entrevista com o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores

Vitorino

“Todos os cantores são de intervenção”

Cortiça: na vanguarda da inovação e da sustentabilidade Reportagem sobre a Corticeira Amorim

EDITORIAL 1

OSAE

OSAE foi palco da “Conferência sobre proteção de dados” 11 Paulo Teixeira recebido em audição conjunta que debateu os projetos de lei sobre as Ordens Profissionais 22

Conselho Regional do Porto 44

Conselho Regional do Coimbra 46 Conselho Regional do Lisboa 48

PROFISSÃO

As Ordens Profissionais como garantes do Interesse Público 24

O que faz o Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial? 33

O OE2022: reflexos sobre os impostos patrimoniais 41 Incêndios e alterações climáticas levados por jovens portugueses a Estrasburgo: sinais de um compromisso do TEDH em vestir os interesses ambientais com os trajes dos direitos humanos 42

Innovation Team – Um Think Tank na “Union Internationale des Hussiers de Justice” 50 Solicitadores ilustres: Amélia de Jesus Santos 52 Poderes de Representação – Suas Vicissitudes 54 Tecnologia. Smart Contracts: Será esta a derradeira transformação tecnológia? 55 O cumprimento da obrigação de designação de Encarregado da Proteção de Dados no Ministério da Justiça 60

SUGESTÕES

Leituras 61

ROTEIRO GASTRONÓMICO

Moinho do Cu Torto 68 Restaurante Orthez  69

VIAGENS Amarante 70 México 72

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RUI MOREIRA

Nasceu no Porto a 8 de agosto de 1956. Frequentou o Colégio Alemão, o Liceu Nacional Garcia de Orta, a Universidade de Greenwich. Foi o melhor aluno do curso de Gestão de Empresas. Foi velejador internacional. É Presidente da Câmara Municipal desde 2013, mas o interesse pelas questões da cidade e da região Norte acompanha-o há muito: talvez desde sempre, tal como a paixão por esse Porto que “precisa de ser sentido mais do que compreendido”. Em entrevista, fala do seu percurso, do que está feito e do que falta fazer, das suas grandes lutas – a regionalização e a descentralização –, da Justiça portuguesa e da importância do poder local. Quanto ao futuro? Daqui a três anos logo se verá.

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ENTREVISTA
“Há uma verdadeira obsessão centralizadora no nosso país”
ENTREVISTA JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA MIGUEL NOGUEIRA Presidente da Câmara Municipal do Porto

Diz que é um homem do Porto. O que é ser-se um homem do Porto?

Agustina Bessa-Luís disse que “o Porto não é um lu gar, é um sentimento”. E o poeta Jorge Sousa Braga foi mais longe, afirmando que “esta cidade não é uma cida de, é um vício”. Creio que ambos pretendiam dizer que a cidade nos interpela, nos sobressalta, nos agarra. O Porto tem, de facto, um carácter muito próprio, que precisa de ser sentido mais do que compreendido. É da ordem das emoções e não tanto da razão. Por conseguinte, ser por tuense é sentir verdadeiramente essa natureza especial da cidade, captá-la em toda a sua complexidade. Não basta apreciar os encantos do Porto, como quem está de passagem, é necessário aquele sentimento intenso a que chamamos paixão. Sendo que a paixão comporta alegria, mas também abatimento; entusiasmo, mas tam bém angústia; euforia, mas também desilusão.

Quando surgiu o interesse pela política?

Eu sou de uma geração muito politizada, que viveu na sua juventude a transição para a democracia e os efervescentes anos que se lhe seguiram. Embora tenha estado fora a tirar a licenciatura, nunca deixei de acom panhar intensamente a vida política do país. Por isso, e como aconteceu com os meus contemporâneos, des pertei ainda jovem para a política e, consequentemente, ganhei muito cedo consciência cívica e vontade de in tervir na causa pública. Depois, veio o interesse especial pelas questões da cidade e da região Norte, que motivou o meu inconformismo perante o centralismo adminis trativo, as desigualdades territoriais e os obstáculos ao desenvolvimento local.

Afirmou, em várias entrevistas, que detesta chegar atrasado. Considera que chegou a horas à presidência da Câmara?

Sim, considero. Quando me candidatei pela primeira vez, fi-lo consciente de que, graças à minha experiência de intervenção cívica em defesa dos interesses da cida de e da região Norte, tinha atingido o reconhecimento público, a credibilidade pessoal e a preparação técnica necessários para a presidência do Município. E, sem fal sas modéstias, creio que, quando assumi os destinos da Autarquia, a cidade precisava de uma liderança, não só nova, mas sobretudo diferente. Havia que dar um novo ímpeto ao Porto, que se encontrava num impasse no que respeita ao seu desenvolvimento e afirmação. Também por isso o timing da presidência parece-me acertado.

Porquê uma candidatura independente? Não se identifica com nenhum partido?

Os partidos políticos são indispensáveis ao funciona mento da democracia, mas não devem ter o monopólio da intervenção na vida pública. Uma democracia avan çada comporta, necessariamente, o exercício do poder por cidadãos e movimentos independentes, sobretudo a nível local e regional.

Os movimentos de cidadãos independentes têm a vantagem, por um lado, de escaparem a alguns dos en quistamentos dos partidos políticos (lideranças centrali zadas, hierarquias verticais, perpetuação no poder, falta de debate interno, caciquismo e subserviência, etc.) e, por outro, de estarem mais abertos e próximos dos cida dãos, contrariando a tendência para o enclausuramento e opacidade em que os partidos muitas vezes incorrem.

A minha opção por uma candidatura independente fundou-se, justamente, nesta ideia de abertura à cida de e de proximidade com os portuenses, bem como na ausência de quaisquer outros interesses que não os da cidade. A Associação Cívica “Porto, o Nosso Movimento” tem como ponto de honra ser verdadeiramente livre de compromissos, filiações, influências ou dependências, por considerar que, deste modo, pode servir melhor o Porto e a sua população.

Está no terceiro mandato. Que balanço faz destes anos?

Faço um balanço claramente positivo, considerando os objetivos a que nos propusemos. A cultura voltou a ocupar um lugar central no Porto, como acontece nas grandes cidades europeias, graças ao reforço, qualifica ção e diversificação da oferta municipal nesta área (p. ex. Cultura em Expansão, Rivoli, Fonoteca Municipal, Museu da Cidade, Batalha Centro de Cinema, etc.). Investimos na recuperação e requalificação de espaços emblemá ticos da cidade, como o Mercado do Bolhão, o Cinema Batalha e o Matadouro Municipal. Aumentámos consi deravelmente as áreas verdes da cidade (p. ex. o Parque de São Roque, o Parque Central da Asprela, o Parque Oriental, etc.), potenciando a qualidade ambiental e o

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ENTREVISTA COM RUI MOREIRA

bem-estar urbano em linha com os objetivos de desen volvimento sustentável (Agenda 2030). Ainda na área ambiental, lançámos o Pacto do Porto para o Clima, que estabelece metas ambiciosas para a descarbonização da cidade. De resto, o combate às alterações climáticas conheceu igualmente um forte impulso com a conclu são do Terminal Intermodal de Campanhã, equipamento fundamental para a melhoria da mobilidade na cidade e para a redução das emissões de CO2. No capítulo da habitação, estamos a implementar o programa Porto com Sentido (habitações com rendas acessíveis), atribuí mos fogos em regime de renda apoiada, recuperámos “ilhas”, melhorámos as condições de habitabilidade dos bairros municipais e temos em curso vários projetos para residências estudantis. Pusemos também em marcha projetos inovadores na área da educação (p. ex. os pro gramas Porto de Crianças e Porto de Atividades), atraí mos investimento empresarial (designadamente para o nosso ecossistema de inovação) através da Associação Porto Digital, abrimos e requalificámos arruamentos com o programa Rua Direita, incentivámos as caminhadas com o programa Porto Saudável, promovemos o turis mo sem esquecer a conciliação dos interesses do setor com os da população local, criando o Mediador do Aloja mento Local… Enfim, seria fastidioso elencar aqui todas as iniciativas, projetos e estratégias que desenvolvemos

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Uma democracia avançada comporta, necessariamente, o exercício do poder por cidadãos e movimentos independentes, sobretudo a nível local e regional.

Apesar de prevista na Constituição, a regionalização parece eternamente adiada. Circunstância que faz de Portugal uma exceção na Europa, onde a organização em regiões é regra, e que reflete o centralismo anquilosado em que o país vive, com evidente prejuízo para o desenvolvimento harmonioso do território.

nestes nove anos e que me permitem afirmar, perento riamente, que estamos a cumprir o nosso compromisso com os portuenses.

E o que gostaria ainda de alcançar?

À semelhança do que acontece em muitas outras ci dades, não só portuguesas como europeias, a população do Porto debate-se com dificuldades no acesso à habita ção. Faltam casas na cidade a preços comportáveis para muitos munícipes e, em particular, para os jovens e para as famílias carenciadas. Trata-se de um problema com plexo e multifacetado, que só terá cabal resolução com um esforço conjunto a nível central e local e entre o setor público e o setor privado. Cabe em primeira instância ao Estado alavancar programas de apoio ao acesso à habi tação, criando instrumentos financeiros que permitam aos Municípios, nomeadamente ao do Porto, aumentar a oferta de habitações a custos controlados e outras inicia tivas que mitiguem as graves carências habitacionais do país. A meu ver, há vantagem em envolver o setor imo biliário neste esforço, considerando a sua experiência e dinamismo no mercado residencial.

Neste contexto, vamos continuar a trabalhar para pro mover avanços na densificação estratégica de zonas es pecíficas da cidade, tendo em vista a recuperação demo gráfica do Porto e a mitigação das carências habitacio

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nais da sua população, em especial a mais desfavorecida. É isto que, prioritariamente, gostaria ainda de alcançar.

Na sua opinião, qual é a importância do poder local na construção da democracia?

O poder local reforça a qualidade e legitimidade da nossa democracia, na medida em que possibilita a des centralização de competências, a aplicação do princípio da subsidiariedade, a aproximação do poder político aos cidadãos e o seu envolvimento na causa pública.

Graças às autarquias, temos uma democracia mais participativa, descentralizada e subsidiária. Os municí pios são as instâncias de poder que melhor representam as comunidades locais, que melhor defendem os inte resses e anseios das populações e que melhor promo vem o debate público, a participação cívica e a transpa rência governativa.

Por tudo isto, as autarquias estão sempre na linha da frente da resolução dos problemas dos cidadãos, de sempenhando um papel fundamental em áreas cruciais para o bem-estar e qualidade de vida, como o acesso à educação, habitação, infraestruturas básicas, equipa mentos culturais e desportivos, transportes, assistência social, zonas verdes e de lazer, etc.

Regionalização e descentralização são conceitos sempre muito presentes nos seus discursos. Ainda há muito a fazer nestes campos?

Está quase tudo por fazer. Apesar de prevista na Cons tituição, a regionalização parece eternamente adiada. Circunstância que faz de Portugal uma exceção na Euro pa, onde a organização em regiões é regra, e que reflete o centralismo anquilosado em que o país vive, com evi dente prejuízo para o desenvolvimento harmonioso do território.

Há uma verdadeira obsessão centralizadora no nos so país, que explica a relutância do Estado em transferir competências, recursos e capacidades para outras sedes de poder, designadamente para as autarquias. E quando finalmente o faz, a descentralização sai atamancada e ei vada de injustiças.

Falo, em concreto, do processo de descentralização de competências na educação, saúde e ação social, que não teve em conta as diferenças de escala e de recursos entre os municípios e não assegurou uma neutralidade orça mental. Ou seja, as verbas alocadas aos municípios não cobrem os custos inerentes às competências transferidas.

Em suma, o processo de descentralização de compe tências para as autarquias avança atabalhoadamente e a organização regional do país permanece uma miragem.

Qual considera ser a importância dos Solicitadores e dos Agentes de Execução no garante de um melhor acesso à Justiça?

Os Solicitadores e os Agentes de Execução são atores fundamentais do sistema judicial e garantes da qualida de, independência, transparência e eficiência do sistema judicial. Na qualidade de mandatários judiciais, os So licitadores representam, aconselham e acompanham os cidadãos na defesa dos seus direitos, nomeadamente perante as autarquias. Por seu turno, os Agentes de Exe cução desempenham um papel importante na aplicação da justiça, uma vez que lhes cabe, em nome de um tribu nal, realizar atos executivos de algum melindre, como a penhora de bens ou vencimentos.

O que gostaria de ver acontecer no nosso país no campo da Justiça?

A meu ver, a Justiça precisa de mais meios e recursos de forma a poder resolver o seu grande problema: a mo rosidade. O penoso arrastar dos processos é um peso sobre a Justiça, que põe em causa a credibilidade do sis tema judicial e, consequentemente, do Estado de direito democrático. Todavia, a principal responsabilidade está no poder político. Caberá ao poder político investir e, eventualmente, reformar o que não funciona bem.

Como encara o crescimento do turismo no país e, em particular, no Porto?

O turismo é um dos setores que mais contribuem para a criação de riqueza e emprego no país. Foi, aliás, muito importante na recuperação económica e social após a in tervenção da troika e está a sê-lo, igualmente, na retoma pós-pandemia e neste contexto de instabilidade geopo lítica. Por isso, encaro com satisfação e otimismo o cres cimento da procura turística, em particular no Porto, uma cidade onde o setor revela grande dinamismo e apresen ta uma oferta de qualidade, cada vez mais especializada e segmentada.

Tenho consciência, no entanto, de que o crescimento do turismo traz desafios acrescidos à cidade. Mais turis tas significa maior pressão humana sobre as infraestru turas básicas, os serviços municipais, o ambiente, a rede viária e pedonal, os transportes, o parque habitacional, etc. Consequentemente, o Município do Porto tem pro curado conciliar os interesses do setor com os interesses dos residentes, de forma a salvaguardar o bem-estar ur bano e a sustentabilidade ambiental, sem deixar de de senvolver a economia local.

Esta conciliação de interesses passa pelas ações já aqui referidas ao nível da política habitacional, da mobi

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lidade, do ambiente e dos serviços municipais, em par ticular os que se prendem com os resíduos urbanos e a limpeza pública. Por outro lado, foi criado o Mediador do Alojamento Local com o objetivo de centralizar, facilitar e conciliar os interesses e necessidades dos residentes e dos visitantes da cidade que ficam nesses estabeleci mentos de alojamento temporário.

Recentemente, a Assembleia Municipal do Porto aprovou, por proposta do Executivo, a suspensão da au torização de novos registos de estabelecimentos de alo jamento local no centro histórico e no Bonfim. A medida vigora nos próximos seis meses e cria, pela primeira vez, áreas de contenção ao crescimento do alojamento local da cidade. Entretanto, está a ser ultimado o regulamento municipal para o crescimento sustentável do alojamento local do Porto.

Mas temos todos presente o que era o Porto sem tu ristas e não queremos que isso volte a acontecer. Lem bramo-nos bem, não só da degradação do edificado e da insegurança nas ruas antes do boom turístico, como da desertificação da cidade durante os dois anos de pan demia, em que ficaram evidentes as vantagens económi cas, sociais e culturais de receber turistas no Porto.

Isto não significa a defesa de um turismo massificado. Com o nível de procura turística que o Porto alcançou, temos hoje a oportunidade de promover um turismo de maior valor acrescentado e mais sustentável do ponto de vista ambiental e social. E é isso que o Município do Porto está a fazer com a sua nova estratégia para o setor do turismo.

O que vai dizer de si a História do Porto?

Espero que diga bem… e, desculpe, mas não trabalho para ficar na História.

E por onde passa o futuro?

Ainda tenho pela frente três anos de mandato e não costumo fazer planos de mais longo prazo. Sei, por expe riência própria, que a vida é capciosa e facilmente escapa ao nosso controlo, para o bem e para o mal.

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Joymsk140
Com o nível de procura turística que o Porto alcançou, temos hoje a oportunidade de promover um turismo de maior valor acrescentado e mais sustentável do ponto de vista ambiental e social.

OSAE foi palco da “Conferência sobre proteção de dados”

Asede da Ordem dos Solicitadores e dos Agen tes de Execução, em Lisboa, foi, no passa do dia 13 de outubro, palco da “Conferência sobre proteção de dados”, uma iniciativa in serida no âmbito do projeto europeu FILIT (For EU law through interprofessional training), que contou com a participação de uma centena de pessoas, que estiveram a assistir presencialmente e online a este evento. Esta conferência pretendeu ser uma oportunidade para os Agentes de Execução e Solicitadores se manterem a par das evoluções da proteção de dados da União Europeia (UE) e para partilharem as suas melhores práticas.

O evento teve início com um discurso de abertura de Francisco Serra Loureiro, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE e Solicitador, que começou por deixar uma mensagem de boas-vindas a Portugal e de agrade cimento pela presença de todos os participantes. “Nes ta iniciativa será analisado o regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, sobre a proteção das pessoas singulares relativa mente ao tratamento de dados pessoais e sua livre cir culação, e que revoga a Diretiva 95/46/ CE (Regulamento Geral de Proteção de Dados)”, revelou. Além disso, tam bém “serão dados exemplos de como os países imple mentaram este regulamento na sua legislação nacional e de como os Solicitadores e Agentes de Execução se adaptaram para cumprir esse regulamento no seu traba lho diário”, referiu ainda.

De seguida, foi a vez de Rute Couto, Professora do Ins tituto Politécnico de Bragança, fazer uso da palavra, intro duzindo a questão do “Regulamento Geral de Proteção de Dados”. Para Rute Couto, “esta é uma Regulação que pode ser adaptada aos vários países e que vem assegu rar, entre outras coisas, que os dados pessoais devem ser claros, transparentes, fiáveis e confidenciais”. A acres centar a isto, “devemos recolher o mínimo de informa ções possível para o tipo de procedimento que estamos a realizar”. “Alcançámos muito com este Regulamento, mas ainda há muitos desafios pela frente”, rematou.

Já sobre o tema “Jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)”, Guillaume Payan, Professor da Universidade de Toulon, chamou a atenção para alguns aspetos do Regulamento Geral de Proteção de Dados e para a forma como foram interpretados pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente os artigos n.º 2, 4, 5, 6, 9, 10, 55 e 58.

Após uma breve pausa para recuperar energias, fez -se a introdução ao Painel I “O RGPD e os DPO’S: análise e comentários”, que contou com a moderação de Fran cisco Serra Loureiro. Participaram como oradores neste painel João Ferreira Pinto, EPD do Supremo Tribunal de Justiça, Filipa Calvão, Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados em Portugal, e Duarte Pinto, Res ponsável pelo tratamento de dados da OSAE e Presiden te do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE.

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OSAE
REPORTAGEM DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA OSAE

Para João Ferreira Pinto, “cada EPD é unico. Este é um trabalho muito especial, mas desafiante, pois no siste ma de Justiça temos de lidar com regulações muito dife rentes”, acrescentando ainda que “neste sistema é feito todo o tipo de recolha de dados e o controlo sobre esta informação é fundamental”.

Duarte Pinto, por sua vez, realçou: “a minha função é controlar os dados na OSAE. A OSAE tem muitos da dos de cidadãos e esta é uma matéria muito sensível. Por isso, com os ataques informáticos constantes a que te mos vindo a assistir, decidimos fechar o acesso ao site da OSAE a partir de outros países do mundo. Esta foi uma solução encontrada para responder à ameaça atual do cibercrime.”

Já Filipa Calvão, referiu que “o trabalho do EPD é um tanto ou quanto agridoce. A sua função foca-se em veri ficar se na organização tudo está a ser cumprido no que toca à proteção de dados e isto não é uma tarefa fácil”, mencionou, salientando que “a maior dificuldade com que um EPD se defronta hoje é criar uma cultura de res peito de proteção de dados dentro da organização”.

Francisco Serra Loureiro chamou ainda a atenção para o facto de que “o roubo de dados é um negócio. Ven

de-se a informação para ganhar dinheiro. Porque, acima de tudo, informação é poder”. Portanto, “a sensibilização para esta questão da proteção de dados é imprescindí vel”, destacou João Ferreira Pinto. “Devemos usar a tec nologia a nosso favor”, afirmou Filipa Calvão.

Depois de uma intervalo para almoço, repleta de con vívio e de partilha de saberes, retomaram-se os trabalhos com o tema “O projeto de Regulamento de Inteligência Artificial e o seu impacto na proteção de dados”, anali sado por Matthieu Quiniou, Advogado em Paris, Mestre de Conferências em Ciências de Informação e Comuni cação e Co-titular da CHAIRE UNESCO ITEN, e Michèle Dubrocard, Oficial de assuntos legais EPD (Controladora Europeia de Proteção de Dados, Unidade de Política e Consulta).

Matthieu Quiniou procedeu à explanação da tipologia funcional da Inteligência Artificial, assim como à sua re lação com a proteção de dados, elencando que “quando é feita a recolha e o processamento de dados por meio de Inteligência Artificial, esse procedimento deve estar sempre de acordo com o Regulamento Geral de Prote ção de Dados”. É importante, para isso, recordou, “defi nir um propósito e uma base legal, estabelecer uma base

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de dados, minimizar os dados recolhidos, definir um pe ríodo para retenção desses dados, assegurar melhorias contínuas, identificar possíveis riscos associados a mode los de Inteligência Artificial, entre outros”.

Já Michèle Dubrocard deu continuidade a este tema, fazendo alusão às funções do Conselho Europeu de Da dos Pessoais (EDPS) e do Supervisor Europeu de Dados Pessoais (EDPD), bem como fundamentando as suas perspetivas relativamente ao Regulamento: “De acordo com as opiniões do EDPS e EDPD, o Regulamento Geral de Proteção de Dados tem um impacto importante na proteção de dados, mas há algumas imprecisões a serem melhoradas”, disse.

A parte da tarde foi ainda preenchida com o Painel II “Melhores práticas de RGPD nos diferentes Estados -Membros”, que contou com as intervenções de Fran cisco Serra Loureiro, Patrick Gielen, Oficial de Justiça e Secretário da UIHJ, e Mathieu Bourgeois, Advogado em Paris na kleinwenner.

Francisco Serra Loureiro, tomando a palavra, destacou que este painel pretendeu realçar as diferenças do Regu lamento em Portugal, França e Bélgica.

Para Mathieu Bourgeois, “as profissões legais, como

advogado, jurista, solicitador, têm de ter particular dili gência no processamento e tratamento de dados, algo que este regulamento veio assegurar”. Em França, “esta Lei foi, regra geral, bem recebida e implementada”, dis se, lançando a seguinte questão: “sente que este Regu lamento foi bem compreendido e facilmente inserido no panorama legal português?”. “Sim, em Portugal a imple mentação foi boa, mas poderia ter sido mais antecipa da”, respondeu Francisco Serra Loureiro. “O que mudou nos nossos escritórios foi, acima de tudo, que passámos a adotar um maior cuidado e consciência relativamente aos dados dos nossos clientes”, acrescentou.

“Na Bélgica, houve também um esforço positivo de todos para incluir este Regulamento”, afirmou Patrick Gielen, adicionando ainda a ideia de que “com a digita lização, foi necessário evoluir em muitos campos e este Regulamento é fruto dessa evolução, tão importante e necessária”.

Francisco Serra Loureiro concluiu o dia de trabalhos, agradecendo o contributo de todos os participantes e, em particular, de todos os oradores que acrescentaram muito ao tema aqui apresentado.

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OSAE FOI PALCO DA “CONFERÊNCIA SOBRE PROTEÇÃO DE DADOS”
"A sensibilização para esta questão da proteção de dados é imprescindível"
João Ferreira Pinto

À ESPREITA DO CRIME

A tecnologia é o seu melhor aliado. O computador, o seu esconderijo. O silêncio, a sua maior arma. E os sistemas vulneráveis, o seu principal alvo. O que se procura é informação. O motivo pode ser um de muitos: lucro, protesto, vingança ou até curiosidade. Mas os impactos, esses, são imensamente nefastos. Falamos do cibercrime. Venha conhecer connosco os responsáveis pela resposta preventiva e repressiva a este fenómeno: a UNIDADE NACIONAL DE COMBATE AO CIBERCRIME E À CRIMINALIDADE TECNOLÓGICA (UNC3T) da Polícia Judiciária (PJ).

REPORTAGEM
REPORTAGEM DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE

Cibercrime,

crime digital, crime informático... São muitas as expressões utilizadas para descrever a atividade ou prática ilícita que envolve um computador, quer este seja o alvo do crime, ou o meio usado para o praticar. Mas será que sabemos tudo sobre a Unidade operacional da PJ especializada em lidar com este tipo de crimes?

A nossa equipa de reportagem deslocou-se até à sede da PJ para lhe desvendar tudo sobre o trabalho desempenhado pela UNC3T. Quem nos recebeu foi o Diretor desta Unidade, Carlos Cabreiro, que começou por nos falar do seu surgimento: “A partir do momento em que começaram a aparecer alguns fenómenos ilegítimos relacionados com a internet no início da década de 90, a PJ rapidamente percebeu que existiriam crimes que podiam transitar para o espaço virtual e, por esse motivo, logo em 1992, criou um pequeno grupo de investigação da chamada criminalidade informática. Era necessário criar uma Unidade com valências, conheci mentos e especialização, que pudesse ombrear com as responsabilidades que o combate a este tipo de crime nos exige”. Assim nasce a UNC3T. E nasce de uma in quietação que veio a provar-se, e bem, tinha muita ra zão de ser: “Olhamos para o cibercrime com uma grande preocupação. Hoje, temos cada vez mais aquilo a que eu chamo de «vinho velho em garrafas novas», pois aquelas práticas criminais a que assistíamos no passado, e sem o uso da internet, transferiram-se para o espaço digital. Em particular, aqueles crimes que eram de interação com as vítimas. Essa interação passou a ocorrer no espaço di gital, porque facilita o contacto, uma vez que o criminoso deixa de ter de encarar a vítima”, revela, assinalando que “a Unidade nasceu em 2017 e o balanço destes anos de atividade é bastante positivo. Temos evoluído, de modo a adaptarmo-nos à realidade, e temos criado capacidades que não tínhamos antes”.

Prevenção, deteção e investigação de crimes pra ticados com recurso ou por meio de tecnologias ou de meios informáticos, assim como dos crimes previstos na Lei n.º 109/2009 – Lei do Cibercrime (entrou em vigor em Portugal no dia 15 de outubro de 2009 e estabelece as disposições penais materiais e processuais, bem como as disposições relativas à cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte eletrónico). É esta a missão da UNC3T. E para a cumprir, conta a PJ com uma equi pa de investigação digital especializada e em constante formação. Diz-nos Carlos Cabreiro que “a PJ não tem a possibilidade de fazer um recrutamento específico para uma Unidade deste tipo, pese embora possa optar por licenciaturas que se adequem mais. A aposta que tem sido feita é na formação ao nível das organizações inter nacionais (Interpol e Europol)”.

Percorrendo os corredores, um tanto ou quanto labi rínticos, fomos observando o ritmo acelerado dos que aqui trabalham. Quisemos, por isso, saber como é um dia habitual dos profissionais da UNC3T. “O dia-a-dia de um Investigador desta Unidade é muito imprevisível. Implica, por um lado, cuidar das investigações que tem a seu cargo, no sentido de realizar diligências e, por outro, estar constantemente preparado para reagir a novas in vestigações que possam surgir. Ou seja, até podemos ter um esquema mental planeado de naquele dia ir tratar de uma investigação e, a certo momento, temos de acudir a crimes que estão a decorrer”, explica o Diretor da UNC3T.

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E se já percebemos que os crimes tradicionais migra ram em força para a internet, a verdade é que outros fe nómenos também proliferaram no ciberespaço. “O dano informático, a falsidade informática, a burla informática, o acesso ilegítimo, a sabotagem, entre outros, são alguns dos novos crimes que nasceram com a internet”, esclare ce Carlos Cabreiro.

E por falar em crimes, não poderíamos perder a opor tunidade de descobrir quais os que são mais praticados na internet. “Nós temos assistido a um conjunto de cri mes relacionados com o Phishing, que é a captura de credenciais, ou com o malware, que é distribuído como software malicioso, podendo ser colocado aos utilizado res com variantes de ransomware, quando há, por exem plo, roubo de dados em que se impede os utilizadores de acederem ao seu sistema ou ficheiros, exigindo-lhes o pagamento de um resgate para devolver esse acesso”, menciona o Diretor. Mas não é tudo. “Outros crimes que se têm verificado muito no espaço digital são os relacio nados com meios de pagamento eletrónicos – tudo o que tem a ver com cartões de pagamento (de crédito ou débito) e criptoativos (moedas virtuais) – e a pornografia de menores.”

Depois de esclarecido todo este panorama, dúvidas não restam de que a investigação no mundo virtual traz

“O dano informático, a falsidade informática, a burla informática, o acesso ilegítimo, a sabotagem, entre outros, são alguns dos novos crimes que nasceram com a internet.”

seguramente mais desafios. “A internet trouxe-nos mais desconhecimento e mais potencialidades, dividiu e des multiplicou as capacidades de acesso. Basta pensar no tipo de aparelhos que permitem o acesso à internet, nas plataformas de conversação, nas redes sociais. Tudo isso potenciou, por um lado, vantagens para todos nós, mas também trouxe alguns fatores negativos, uma vez que a internet usada de forma mal-intencionada pode se constituir um fator de insegurança”, alerta o Diretor da UNC3T, o que nos leva à seguinte questão: podemos di zer que a internet pode ser mais perigosa do que a “vida real”? Para Carlos Cabreiro, “estamos a falar de um peri go diferente. Na vida real há o contacto imediato, mas a internet veio potenciar também esse contacto, se neces sário, o que se pode tornar perigoso”.

Certamente o leitor estará a questionar-se se é mais difícil apanhar um criminoso na internet do que «nas ruas». O Diretor responde: “Não é mais difícil, é dife rente. Temos um espaço distinto – um ciberespaço sem fronteiras. Note-se a facilidade que alguém tem de co municar com outrem do outro lado do mundo, utilizan do mais do que um operador de comunicação”. Há, no entanto, uma dificuldade acrescida na recolha de prova. “É mais volátil, isto é, mais difícil de estabilizar. Estamos,

por vezes, a falar de um simples clique no rato que é peça única de um determinado facto.” Tudo isto obriga a uma grande cooperação internacional. “Este tipo de crimina lidade não é localizada, nem sazonal. Por isso, temos de estar em constante evolução naquilo que tange à trans nacionalidade do crime, à cooperação internacional que possamos ter com os nossos parceiros e também com as entidades que organizam e que estão na génese de grupos de trabalho, como são a Interpol e a Europol”, menciona.

Em Portugal, os ciberataques têm tido um aumento deveras exponencial, situação que não passa desperce bida aos olhos de quem todos os dias se debruça sobre esta área de investigação. “No que diz respeito aos ci berataques sobre organizações/ entidades, como tem vindo a ser noticiado desde o início do ano, é um fac to que tivemos várias circunstâncias que colocaram no espectro dos criminosos um conjunto de entidades que foram atacadas”, afirma Carlos Cabreiro, destacando que “durante a pandemia tivemos um incremento significa tivo de uma determinada franja de criminalidade infor mática, porque as pessoas estavam a trabalhar a partir de casa, mais ligadas ao online e usavam plataformas de acesso às empresas/ organizações (VPN). E tudo isso

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pode ter criado fragilidades que estão a ser, ou podem vir a ser, exploradas pelos criminosos”.

E para combater este crescendo de criminalidade, vá rias medidas têm sido tomadas pela UNC3T. “Para além dos recursos humanos terem aumentado na Unidade, temos também investido na especialização e formação contínua dos nossos profissionais”, indica o Diretor, jus tificando que “o mundo da internet é vasto e tem várias componentes, desde a parte da cifragem, a Dark web, as plataformas de comunicação e não podemos esperar que um Inspetor da Polícia tenha essas valências todas”. Nesta Unidade, andar a par e passo com o desenvolvi mento tecnológico é imprescindível. Para isso, “temos aderido a algumas ferramentas específicas associadas à investigação, sejam elas para análise forense ou para a investigação de casos concretos”.

Mas será que alguma coisa pode ser feita para garan tir uma maior prevenção destes ataques informáticos? “Ainda não encontrei ninguém, mesmo da área da se gurança da informação ou da engenharia informática, que me dissesse que há sistemas totalmen te seguros”, confessa-nos Carlos Cabreiro, enaltecendo, contudo, que “as empresas têm feito uma evolução muito positiva, ao apostar em cibersegurança. Esta passou a ser claramente um ativo das empresas e organizações, sejam elas estatais ou priva das”.

Apostar numa cultura de segurança é, pois, mais que obrigatório nos tempos que correm. Devem as empresas ter esse cuida do. E não só. Também as pessoas singulares têm de o fazer. O Diretor da UNC3T admi te que os portugueses estão cada vez mais conscientes dos perigos subjacentes ao uso das novas tecnologias, mas que devem ter muitas precauções. “É importante perce berem que os acessos, as potencialidades e as oportunidades que a internet lhes dá também são capazes de ofender a sua vida, o seu património e a sua honra. Por isso, a prática que temos, no mundo real, de pro teger os nossos bens, de não mostrar a nossa carteira, ou seja, de estarmos precavidos e atentos tem que ser transportada para a vida digital”, recomenda.

Quase a terminar a nossa passagem pela sede da PJ, chegamos finalmente a uma das salas onde grande par te da investigação acontece. Servidores. Cabos. E outros tantos equipamentos de rede. Mas apenas um único computador. Aqui se escreve, todos os dias, a história da investigação criminal. “Nesta área, nós temos a perce ção de que os criminosos são rápidos a aderir às novas tecnologias, da mesma forma que são rápidos a recrutar pessoas com muito conhecimento e a componente da

investigação também é essa: encurtar o passo que pode mediar entre o conhecimento que o crime tem e o co nhecimento que a polícia tem que rapidamente adquirir para o combater”, explica Carlos Cabreiro.

Num mundo cada vez mais conectado pela tecnolo gia, o cibercrime tem ganhado muito terreno e não há dúvidas de que esta ameaça veio para ficar. “A tecnologia não para e nós também não podemos parar no que con cerne à adoção e ao conhecimento das potencialidades que a tecnologia nos traz”, conclui o Diretor da UNC3T. É este o caminho. É este o desafio. E, assim, segue a inves tigação… à espreita do crime.

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“A tecnologia não para e nós também não podemos parar no que concerne à adoção e ao conhecimento das potencialidades que a tecnologia nos traz.”

Carlos Cabreiro

OSAE presente na cerimónia de apresentação da Plataforma de Atendimento à Distância

Decorreu, no passado dia 28 de outubro, em Lisboa, a cerimónia de apresentação da Plataforma de Atendi mento à Distânca. Este evento contou com a presença da Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, do Secretário de Estado da Digitalização e Modernização, Mário Campolargo, do Secretário de Estado da Justiça, Pedro Ferrão Tavares, assim como de Edite Gaspar, 1.ª Vi ce-Presidente do Conselho Geral da OSAE, e de Maria dos Anjos Fernandes, Vice-presidente do Conselho Pro fissional do Colégio dos Solicitadores.

De salientar que a Plataforma de Atendimento à Dis tância, desenvolvida pelo Instituto dos Registos e do Notariado e disponibilizada pelo Ministério da Justiça, permite a realização de atendimentos e atos autênticos à distância, com recurso à videoconferência, colocando uma nova ferramenta de prestação de serviços, com ele vado impacto no comércio jurídico, à disposição de cida dãos, empresas e profissionais.

Edite Gaspar, na sua intervenção, salientou que “os Solicitadores, na sua função social de representação e defesa de empresas e cidadãos, estão e estarão sempre ao lado de soluções que visem simplificar a celebração de negócios jurídicos, sem nunca prescindir, como é evidente, da segurança e da certeza jurídica e, claro, da transparência”. A 1.ª Vice-Presidente do Conselho Ge ral acrescentou, ainda, que “a OSAE foi parte ativa des te projeto e fará sempre parte deste tipo de projetos de modernização e de plataformas que possibilitem a reali zação de atos de forma simplificada para o cidadão. Con tinuamos sempre disponíveis para participar naquilo que for o seu melhoramento, desenvolvimento e otimização.”

Paulo Teixeira recebido em audição conjunta que debateu os projetos de lei sobre as Ordens Profissionais

AOrdem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), representada pelo seu Bastonário, Paulo Teixeira, participou, no passado dia 29 de setembro, numa audição conjunta da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Notários e da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução para discutir os projetos de lei que propõem alterações nas Ordens profissionais.

Começando por agradecer a oportunidade de par ticipar neste grupo de trabalho, o Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, confessa que “enquanto cidadão, estou perplexo e preocupado por termos de estar a discutir este tema.”

Primeiramente, o Bastonário da OSAE salientou duas matérias dos Diplomas que, apesar de carecerem de alguma revisão, não representam uma grande difi culdade para a OSAE: a questão do estágio e do Pro vedor. No que concerne à duração do estágio, realçou que “a Ordem dos Solicitadores teve já a preocupação de encurtar o período de estágio, uma vez que um ano se tem mostrado suficiente”. Já no que diz respeito ao Provedor, “nós não temos ainda um Provedor identifi cado como tal, mas o nosso Estatuto já prevê a sua exis tência. Para além disso, temos serviços de Provedoria que disponibilizamos aos cidadãos”.

“Aquilo que nos preocupa de sobremaneira é a cria ção de um órgão de supervisão, que quase parece vir assumir que não é preciso uma Ordem profissional, porque o Órgão de Supervisão fará tudo”, realçou Pau lo Teixeira, sublinhando ainda: “É bom não esquecer que o Estado entendeu que a regulação das atividades profissionais devia ficar a cargo das Ordens, por consi derar que estas estão melhor preparadas para aquilo que é a regulação da profissão, por um lado, e a defesa intransigente dos interesses dos cidadãos, por outro. Portanto, não me parece que seja razoável que essa re gulação seja feita por alguém externo”.

Mas há mais preocupações que foram aqui levanta das pelo Bastonário da OSAE, nomeadamente “a per da, quase que em absoluto, da capacidade de autor regulação da Ordem profissional”. Para Paulo Teixeira, “a qualidade dos serviços prestados não pode deixar de depender de um quadro ético e deontológico es

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pecífico e estatutariamente garantido, enriquecido pelas crescentes exigências de uma sociedade em permanente mudança. Por consequência, os Solicitadores e Agentes de Execução constituem em Portugal categorias de pro fissionais que colaboram na administração da Justiça, encontrando-se obrigados a garantir o respeito de re gras deontológicas apertadas em prol do interesse pú blico, o que fundamenta a sua configuração como pro fissões reguladas na área da Justiça, que reclamam um tratamento específico”.

E para fechar a sua primeira intervenção, o Bastonário da OSAE rematou: “A iniciativa legislativa em análise não pode deixar de ser vista com muita apreensão pela OSAE por poder comprometer o modelo de regulação que confia aos próprios profissionais a regulação, a promo ção e o acesso, a disciplina e a defesa da profissão. Se o exercício profissional não for plenamente salvaguardado não são apenas os profissionais que veem reduzida a sua atividade e suprimida a identidade da profissão, mas sim o próprio Estado de Direito democrático que é aqui posto em causa, assim como a defesa dos direitos dos cidadãos e das empresas”.

Seguiu-se a palavra final dos Bastonários. Paulo Tei xeira começou por se dirigir ao tema da remuneração dos estagiários, afirmando não se opor. Salientou, no en tanto, que essa remuneração não deve acontecer à custa nem da Ordem, nem, muito menos, do patrono. “Não será fácil impor que um Solicitador tenha de aceitar essa remuneração”, afirmou.

Já no que diz respeito aos conteúdos ministrados nes se estágio de acesso à profissão, o Bastonário da OSAE deixou claro que não existem matérias duplicadas entre

o que é ensinado nas instituições de ensino e os con teúdos do estágio promovido pela Ordem. Na sua visão, o que poderá acontecer é uma situação que resulta da especificidade do ingresso na profissão de Solicitador, que permite que o candidato tenha uma licenciatura em Solicitadoria ou em Direito: “É muito vulgar que os can didatos licenciados em Direito não tenham, ao longo do seu percurso académico, nenhuma unidade curricular relativa ao estatuto profissional dos Solicitadores. Por tanto, é normal que tentemos suprimir essa lacuna para os preparar convenientemente para o exame de acesso à profissão”, explicou.

Em resposta à intervenção da deputada Alexandra Leitão, sobre quais as características que essa supervi são deverá ter, Paulo Teixeira respondeu que “é preci so, em primeiro lugar, determinar o seguinte: qualquer uma destas competências que ao órgão de supervisão se pretende assacar já são competências exercidas pelas Ordens. O que ficou por demonstrar é se, efetivamente, estão a prestar assim um tão mau serviço que carece de um órgão que faça ingerência na sua Ordem profissio nal. Isso é preocupante. Analisar cada uma destas com petências sem primeiro descobrir porque é que o Estado tem de intervir ou supervisionar. O Estado tem um mo delo que, pelos vistos, quer mudar. O que não ficou de monstrado é porque é que o quer mudar e qual é a real motivação dessa intervenção do Estado.”

Terminando a sua intervenção, Paulo Teixeira deixou a seguinte mensagem: “Se há Ordem profissional que tem, ao longo destes 20 anos, colaborado de uma forma ativa com a administração da Justiça em Portugal, essa Ordem é a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução”.

OSAE
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As Ordens Profissionais como garantes do Interesse Público

Foi recentemente aprovado, na generalidade, o Projeto de Lei 108/XV, que vem alterar o regime jurídico da criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, bem como o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais, que estejam sujeitas a associações públicas profissionais, com o denunciado propósito de reforçar a salvaguarda do interesse público, a autonomia e a independência da regulação e promoção do acesso a atividades profissionais.

Com efeito, subjaz ao projeto em apreço o entendimento de que a concretização daquele objetivo de reforço depende, também, de reforma na regulação das profissões jurídicas, assentando no pressuposto de que o modelo de autorregulação enquadrado pela lei das associações públicas profissionais na sua versão em vigor carece de ser “reforçado” através de medidas que garantam uma maior independência e isenção da sua função regulatória e a eliminação de restrições não justificadas pelo interesse público, conforme se lê na nota preambular. Por isso, acrescenta, é objetivo deste diploma reforçar as competências regulatórias do órgão de supervisão e garantir a sua independência e isenção.

Esta proposta apenas se compreende num cenário de “incompreensão” ou mesmo “desconsideração” do papel que a ordem jurídica interna, enformada pela Constituição, atribui às Ordens Profissionais.

À luz da jurisprudência constitucional portuguesa é inequívoca a sua natureza: são associações públicas, de natureza profissional, representativas dos diplomados que exercem as profissões em referência, com as atribuições consagradas nas respetivas normas estatutárias.

Neste contexto, as Ordens Profissionais configuram entes jurídicos de base associativa, criados pelo Estado e por ele chamados a colaborar na realização do interesse público, para o que os dotou de certos poderes públicos.

Logo, as associações públicas, previstas nos artigos 165.º, n.º 1, alínea s) e 267.º, n.º 4 da Constituição (CRP), apesar da sua estrutura associativa, situamse no âmbito da Administração Pública, constituindo uma especificidade do exercício da função administrativa.

Por consequência, como qualquer associação pública, as Ordens Profissionais são constituídas para satisfação de necessidades específicas, não podendo favorecer outros interesses que não o interesse público. Dispõem elas, por isso mesmo, de poderes para regular o acesso à profissão, de atribuições regulamentares para fixar o respetivo código deontológico e de competência disciplinar.

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PROFISSÃO
Susana Antas Videira Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Como corolário, é dever dos seus órgãos prosseguir as atribuições que lhes são legalmente cometidas e que não se prendem com a salvaguarda dos “direitos corporativos” dos seus associados, mas essencialmente com os seus deveres, zelando pela sua função na estrita observância das normas legal e estatutariamente aplicáveis e pela defesa dos direitos e interesses dos destinatários dos respetivos serviços.

Por isso, - e sem prejuízo de muitas outras dúvidas que o projeto é de molde a suscitar, até de conformidade constitucional, atenta a autonomia das associações públicas profissionais que a Constituição protege enquanto objeto de uma garantia institucional - a proposta de criação de um órgão “independente” que exerça a função regulatória da atividade regulada, ainda que criado dentro da Ordem Profissional, em que os associados podem não ser a maioria, desconsidera a própria função e natureza do modelo regulatório assente na associação pública profissional, revisto em 2015.

Tal não invalida, naturalmente, que as Ordens devam incorporar, como a respetiva disciplina estatutária revela, soluções institucionais de abertura e de transparência.

Mas, prosseguir no sentido proposto pela disciplina normativa que se visa criar, prevendo um novo órgão, que pode ser maioritariamente composto por não associados, para exercer as funções de supervisão, não só desvaloriza o papel que o próprio Estado reserva às Ordens Profissionais como replica a atribuição de poderes públicos e de competências [necessariamente] confluentes com as que as associações públicas profissionais exercem a participantes potencialmente desprovidos de conhecimento profundo da atividade a regular e das reais

necessidades de ajustamento dos respetivos profissionais à legislação e à sociedade.

Particularmente, os solicitadores e os agentes de execução constituem em Portugal categorias de profissionais que colaboram na administração da Justiça, encontrando-se obrigados a garantir o respeito de regras deontológicas apertadas em prol do interesse público, que subjaz a estas profissões, o que fundamenta a sua configuração como profissões reguladas na área da Justiça, que reclamam um tratamento específico.

Nestes termos, a iniciativa legislativa em referência - a par de outras que preconizam a reforma regulatória das associações públicas profissionais e cujo processo de aprovação parlamentar está, igualmente, em curso - não pode deixar de ser vista com apreensão pelas Ordens Profissionais, em particular as da área sectorial da Justiça, por poder comprometer o modelo que confia aos próprios profissionais a regulação, a promoção do acesso, a disciplina e a defesa da profissão.

Ora, se o exercício profissional não for plenamente salvaguardado, não são, sobretudo, os profissionais que veem reduzida a sua atividade e suprimida a identidade da profissão.

Numa palavra, não são os interesses pessoais ou corporativos que relevam nem é a defesa desses interesses o papel das Ordens Profissionais.

É o próprio Estado de Direito Democrático que é posto em causa e a defesa dos direitos dos cidadãos e das empresas que é ultrapassada.

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Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial

ANA

BANDEIRA

“Os Solicitadores assumem um papel essencial na promoção da Propriedade Industrial junto dos cidadãos e das PME”

Incentivar e apoiar a inovação em Portugal são dois dos objetivos primordiais do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), entidade que também procura promover a competitividade, o combate à contrafação e à concorrência desleal. Para conhecer melhor esta instituição pública, falámos com Ana Bandeira, Presidente do Conselho Diretivo do INPI, que nos dá a sua visão não só do Instituto que representa, como do setor em que se insere. E a conclusão é uma: proteger e promover a Propriedade Industrial é fundamental para o desenvolvimento do país.

ENTREVISTA JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE

É Presidente do Conselho Diretivo do INPI desde fevereiro de 2019, mas a sua carreira neste instituto iniciou-se há cerca de três décadas. Começo exatamente por lhe perguntar como é que o INPI surgiu no seu percurso e porque não mais o largou?

O meu percurso profissional no INPI é, sem dúvida, um livro com muitos capítulos. Apenas descobri a Proprieda de Industrial (PI) no último ano da licenciatura em Enge nharia Química no Instituto Superior Técnico, em 1989. Sucedeu por mero acaso, pois tive que consultar umas patentes de invenção para o meu projeto final de curso.

Os engenheiros, por defeito, têm um espírito mui to pragmático, voltado para a resolução de problemas. Como é, no essencial, também nisso que assenta o siste ma de patentes - que não são mais do que novas solu ções para problemas técnicos específicos – foi logo uma área que me fascinou. Soube, nesse momento, que este era o meu caminho.

Comecei então a escrever este meu livro quando me candidatei a um lugar de examinadora de patentes na sequência de um concurso aberto no INPI, por indicação de um dos meus professores do Técnico.

Durante cinco anos trabalhei como examinadora de patentes e, desde então, fui assumindo diferentes ní veis de responsabilidade no INPI, começando por Chefe do Departamento de Design e depois do de Patentes e Modelos de Utilidade. Posteriormente, fui Diretora de Marcas e Patentes e desde fevereiro de 2019 que exer ço o cargo de Presidente do Conselho Diretivo. Acredito que foi este percurso de 33 anos que me permite hoje ter uma ampla visão de todas as áreas envolvidas nas mi nhas atuais responsabilidades.

Nessa altura, no final dos anos 80, Portugal já estava suficientemente sensibilizado para a importância de proteger e promover a PI? Que caminho tem vindo a ser feito?

Em 1989, a cultura de PI era quase inexistente na so ciedade portuguesa e, mesmo entre profissionais da área de engenharia, o tema era distante. Nos estabelecimen tos de ensino superior não se lecionava ou falava desta matéria e as invenções geradas em contexto académico aí permaneciam, não tendo impacto efetivo no merca do. Atualmente o panorama está diferente, mas ainda há muito caminho a percorrer.

A mudança de paradigma associada à sensibilização da sociedade para a importância da proteção dos ativos intelectuais, muitas vezes tomada por complexa, é, por ventura, a nossa mais importante missão.

Colaboram connosco nesta missão uma rede alargada de parceiros fundamentais no ecossistema de inovação do país, como os Agentes Oficiais da Propriedade In dustrial (AOPI), os Gabinetes de Apoio à Promoção da PI (GAPI), as entidades do sistema científico e tecnológico,

as agências públicas e privadas e, claro, todos utilizado res do sistema de PI (SPI).

Como poderemos descrever a missão do INPI?

Em traços gerais, o INPI tem como missão principal as segurar a proteção da PI zelando por uma correta, eficaz e célere atribuição, manutenção e extinção de patentes, de registos de marcas e desenhos ou modelos (designs), entre outros direitos. O INPI tem também como objetivo a sensibilização para a importância da PI e para o comba te à contrafação e concorrência desleal.

Somos um instituto público integrado na administra ção indireta do Estado, dotado de autonomia adminis trativa e financeira e de património próprio e tutelados pelo Ministério da Justiça, em coordenação com o Minis tério da Economia e do Mar e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

É nossa ambição diária construir um ecossistema de PI cada vez mais inclusivo, que interaja de forma equilibra da e justa com todos os atores do sistema.

A nível internacional, temos uma participação num conjunto de projetos e parcerias internacionais de in teresse estratégico, com destaque para o trabalho que temos vindo a fazer no seio da Lusofonia, com os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Temos também uma estreita colaboração desenvolvi da com o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), com o Instituto Europeu de Patentes (IEP) e com a Organização Mundial da Propriedade Inte lectual (OMPI), essencial para que os procedimentos do INPI sejam harmonizados com as melhores práticas.

A mudança de paradigma associada à sensibilização da sociedade para a importância da proteção dos ativos intelectuais, muitas vezes tomada por complexa, é, porventura, a nossa mais importante missão.

Qual é o papel da PI enquanto motor de desenvolvimento económico do país?

A proteção dos ativos intangíveis na PI implica retorno económico para os titulares dos Direitos de Propriedade Industrial (DPI), contribuindo assim para o crescimento do PIB do país. Um estudo do EUIPO e do IEP de 2019 revela-nos que as indústrias de utilização intensiva de DPI geraram quase 45% da atividade económica total na União Europeia (UE), no valor de 6,6 mil milhões de euros.

No que diz respeito a Portugal, o relatório refere que 29,2% de todos os empregos e 42,5% do PIB são direta mente devidos às empresas que fazem uso mais inten

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sivo das marcas, patentes e design. Este mesmo estudo refere, também, que se uma PME tiver, pelo menos, um DPI protegido a nível europeu, tem 17% de maior proba bilidade de ter um alto e rápido crescimento.

Através da proteção da PI, por patente, marca ou de sign, as empresas obtêm ativos intangíveis que podem gerar proventos económicos, seja através da exploração direta ou por via do licenciamento ou transmissão dos direitos a terceiros.

Os dados estatísticos apresentados no INPI demons tram que existe ainda alguma relutância em relação à proteção nas inovações de âmbito técnico, uma vez que o número de pedidos de invenção que têm vindo a ser apresentados ronda os 1.000 pedidos por ano. Este é, sem dúvida, um indicador que gostaríamos de ver subir, uma vez que o número de pedidos de patente é, em cer ta medida, o reflexo do movimento inventivo no país.

Já relativamente aos níveis de procura para as marcas, logótipos e outros sinais distintivos do comércio, Portu gal está muito bem posicionado, com cerca de 25.000 pedidos por ano.

Quais são as principais metas apontadas no Plano Estratégico do INPI para 2020-2023? O que falta alcançar?

O Plano Estratégico estabelece para a nossa atividade cinco grandes eixos: promover a excelência na organiza ção; garantir a qualidade na atribuição e proteção dos Direitos de PI; fornecer melhores serviços ao utilizador de PI; incentivar e apoiar a inovação no país; reforçar a coo peração internacional e a harmonização.

É preciso ter em conta que este instrumento resultou de um processo de consulta bastante abrangente, envol vendo, nomeadamente, os colaboradores do INPI, as as sociações representativas dos AOPI, os GAPI, as entida des do sistema científico e tecnológico e agências públi cas e privadas, garantindo-se assim um alinhamento de ideias e prioridades. Logo, o compromisso do INPI com os diferentes atores do sistema de PI é total.

A monotorização deste instrumento de gestão permi te-nos verificar que, no final do ano passado, ou seja, a metade do percurso, tínhamos já uma taxa de realização global alinhada com os objetivos traçados.

Como é que o INPI tem procurado acompanhar a transformação tecnológica do mundo digital?

O INPI, enquanto instituição pública, tem tentado estar na vanguarda desta evolução. Prova disso são os diversos sinais de reconhecimento que temos recebido, dos quais destaco uma menção honrosa dos Prémios Europeus de Promoção Empresarial, uma iniciativa da Comissão Euro peia (CE), referente aos nossos serviços online.

O nosso dia a dia já tem uma componente digital mui to forte. Fomos pioneiros na adoção do regime de tele trabalho na Administração Pública, desde 2008.

No que que diz respeito aos serviços para os cidadãos e empresas, 100% dos atos junto do INPI podem ser rea lizados online, com a mais valia de ter uma redução de 50% nas taxas caso sejam realizados por esta via.

2022 marca também o arranque do Plano de Transfor mação Digital do INPI e a identificação das iniciativas no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que

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irão permitir o desenvolvimento de novas ferramentas de trabalho e facilitarão ainda mais a interação dos utiliza dores do SPI.

Em 2019 entrou em vigor um novo Código da Propriedade Industrial. Em traços gerais, o que mudou?

A criação de um novo código justificou-se não só pela necessidade de aproximação da legislação dos Estados -membros da UE, com a transposição de duas Diretivas da UE para a ordem jurídica interna em matéria de mar cas e segredos comerciais, mas também pela necessi dade de simplificação e clarificação de procedimentos administrativos relativos à atribuição, manutenção e ces sação da vigência dos DPI e introdução de mecanismos tendentes à efetivação do sistema de proteção dos direi tos e à repressão das infrações.

Além da cessação da obrigatoriedade de representa ção gráfica das marcas (que facilita a proteção de novos tipos de marcas menos convencionais, como as sonoras ou multimédia), uma das grandes alterações decorrentes da entrada em vigor do novo Código de Propriedade In dustrial (CPI) foi a criação de uma nova unidade orgânica na estrutura do INPI, a Direção de Extinção de Direitos, uma vez que a competência para decidir sobre a declara ção de nulidade ou a anulação de registos de desenhos ou modelos, de marcas, de logótipos, de denominações de origem, de indicações geográficas e de recompensas passou a ser do INPI, quando anteriormente essas maté rias requeriam, logo em primeira instância, recurso aos meios judiciais (ao TPI - Tribunal da Propriedade Intelec tual, mais concretamente).

De resto, foram inúmeras as alterações efetuadas ao CPI, das quais podemos destacar a utilização dos meios eletrónicos como forma de comunicação preferencial en tre o INPI e os utilizadores do SPI; a clarificação dos ele mentos que fixam a data de pedido de uma patente ou de um modelo de utilidade; a exclusão da patenteabilida de de plantas e animais obtidos por processos biológicos, à semelhança da prática acolhida na UE; a consagração expressa da proibição de se adicionar matéria nova na conversão dos pedidos provisórios de patentes e nos pe didos definitivos de patentes e nos modelos de utilidade; a interdição da alteração substancial do pedido de registo após a respetiva publicação; a introdução de novos fun damentos de recusa do registo, como, por exemplo, a má fé; a inserção da oportunidade de o requerente do pedido de registo de marca invocar a falta de uso de uma marca prioritária, seja na sequência de reclamação ou de recusa provisória, entre muitas outras modificações de relevo.

No domínio da proteção e vigilância dos DPI, vulgar mente designado por enforcement, ouvidas as autori dades que lidam no terreno com a contrafação, proce deu-se a diversos ajustamentos para reforçar a proteção destes direitos.

Sem dúvida que o CPI veio conferir maior proteção ao SPI para que os agentes económicos possam usufruir dos esforços empreendidos em inovação e diferenciação.

Que papel podem ter os Solicitadores no objetivo conjunto de assegurar a proteção da PI?

De acordo com o atual CPI, os Solicitadores integram a lista de utilizadores habilitados legalmente para a pro moção de atos junto do INPI, sendo-lhes reconhecido, a par dos AOPI e dos Advogados, a possibilidade de, mediante poderes de representação devidamente com provados por meio de procuração, intervirem nos pro cedimentos relativos aos pedidos de declaração de ca ducidade, de declaração de nulidade e de anulação dos direitos de PI a que se aplicarem.

Os Solicitadores assumem, assim, a par dos demais atores, um papel essencial na promoção da PI junto dos cidadãos e das PME, servindo de ponte, prestando um importante auxílio na desmitificação e simplificação da linguagem da PI para os respetivos utilizadores.

É muito importante para a nossa atividade diária que os cidadãos, quando não se sintam habilitados para se guir os procedimentos necessários, se façam represen tar por profissionais habilitados para o efeito, como os Solicitadores, que os orientem na sua interação com a Administração Pública.

Aliás, não posso deixar de sublinhar que foi uma preo cupação evidente nos trabalhos preparatórios do novo CPI dar voz a todos os atores da PI, tendo, neste espírito, sido consultada a Ordem dos Solicitadores e dos Agen tes de Execução, enquanto entidade ativa dentro do SPI.

O Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, na sua intervenção na conferência «10 anos do Tribunal da Propriedade Intelectual», que aconteceu no passado dia 28 de junho, afirmou que “(…) tem-se registado um decréscimo do número de decisões do INPI que são objeto de recurso para este Tribunal – e que, de resto, representam apenas 0,7% do total de decisões proferidas por aquele Instituto”. O que contribui para esta elevada taxa de eficácia?

O INPI conta com uma equipa de colaboradores es pecializada, que baseia a sua atividade em guidelines e manuais de aplicação que visam propiciar previsibilida de, consistência e coerência nas suas decisões. Estes do cumentos de suporte à decisão pretendem não só sim plificar e clarificar algumas normas e exigências legais, mas também levar ao conhecimento do público interes sado os procedimentos que resultaram dos programas de convergência e de harmonização em que Portugal participa ao nível europeu. Deste modo, todo e qualquer cidadão conhece, antecipadamente, a interpretação do INPI sobre os diferentes temas.

A própria atividade de um examinador rege-se pelo

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Os Solicitadores assumem, assim, a par dos demais atores, um papel essencial na promoção da PI junto dos cidadãos e das PME, servindo de ponte, prestando um importante auxílio na desmitificação e simplificação da linguagem da PI para os respetivos utilizadores.

cumprimento de prazos de qualidade e de validação da proposta de decisão a diferentes níveis hierárquicos, de modo a garantir uma gestão eficiente do processo admi nistrativo, bem como a produção de decisão isenta e de elevada qualidade.

O facto de pautarmos a nossa atividade com base num Sistema de Gestão de Qualidade (SGQ) para dar resposta aos requisitos da norma NP EN ISO 9001:2015, uma vez o INPI é há muito entidade certificada, reflete o esforço da organização e de todos os seus colaboradores para promover uma gestão coerente e eficaz dos proces sos que suportam a nossa atividade. Temos também uma prática de auditorias internas de produto para detetar eventuais lapsos ou desconformidades.

Tudo isto contribui para que haja maior certeza jurí dica e que, em última instância, diminua o número de decisões do INPI objeto de recurso para o TPI ou para o Tribunal Arbitral e que justifica o valor tão reduzido de 0,7% de recursos das decisões do INPI.

O INPI conta, desde 2008, com uma academia de formação – a Academia de Propriedade Industrial do

INPI. Como tem evoluído a literacia dos portugueses em matéria de PI? Consegue dar-nos números de quantos cursos e formandos já passaram pela Academia?

O plano anual de formação da Academia de PI per mite transmitir conhecimento e ferramentas para que os utilizadores de PI possam tomar as decisões certas, na hora de proteger a sua invenção, marca ou design.

O Catálogo de Formação para 2022 prevê a realização de nove cursos de formação, num total de 12 ações, divi didos em dois níveis: Básico e Avançado. Só no primeiro semestre deste ano já formámos 125 pessoas, ao longo de cinco cursos.

No ano de 2021, registámos um total de 212 forman dos. Os constrangimentos trazidos pela pandemia Co vid-19 ao ensino presencial impeliram-nos a reinventar o modelo de formação, o que possibilitou a duplicação do número de formandos e alargamento das nossas ações a outras geografias, com a integração de alunos oriundos da CPLP, por exemplo.

Tendo em conta as constantes transformações da sociedade e os diferentes mercados, como perspetiva o futuro da PI a médio e a longo prazo?

O processo de digitalização da atual sociedade trouxe, a todos os níveis, uma exigência de resposta on demand que nos desafia e nos faz crescer enquanto instituição pública. As novas tecnologias como a Inteligência Artifi cial e o Blockchain terão seguramente um papel central no futuro da PI e do INPI.

Reconhecemos também a importância da nossa ativi dade junto das PME, designadamente quando sabemos que apenas 9% das PME da UE apostam em proteger os seus ativos intangíveis através da PI. Há que continuar a sensibilizar, divulgar e promover mecanismos de apoio, como o Fundo da UE para apoio financeiro às PME, que permite um reembolso parcial dos custos tidos com os pedidos de patente e registo de marcas e design, bem como em serviços de consultoria IP Scan. Estes reembol sos podem ir desde 50% a 90%, conforme o serviço.

É determinante também apostar nas camadas mais jovens, futuros empreendedores, e dirigir-lhes, desde cedo, ações de consciencialização para a importância da PI, para que as novas gerações a possam encarar como investimento e não como um custo.

O acréscimo da importância atribuída à PI vem deter minar que seja crucial assegurar a interdisciplinaridade e a representatividade dos diversos atores intervenientes no processo, de forma a disponibilizar o suporte adequa do à tomada de decisões políticas. A inovação precisa de um Ecossistema robusto para poder prosperar.

Termino alertando para a relevância da PI também na ótica da sustentabilidade do nosso planeta e no papel determinante que poderá assumir na Agenda das Na ções Unidas 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

SOLLICITARE 31 ENTREVISTA COM ANA BANDEIRA

Açores foi o destino do primeiro encontro com associados da OSAE

Com o propósito de promover uma maior des centralização, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), representa da pelo seu Bastonário, Paulo Teixeira, pela 1.ª Vice-Presidente do Conselho Geral, Edite Gaspar, pelo 2.º Vice-Presidente do Conselho Geral, Francisco Serra Loureiro, pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Delfim Costa, e pelo Presiden te do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, deslocou-se, no passado dia 27 de outubro, até aos Açores para realizar o encontro com os associados desta Delegação Distrital.

O encontro teve início pelas 10h30, no hotel Pon ta Delgada, com a intervenção do Bastonário da OSAE, que começou por introduzir o tema das alterações à Lei das associações públicas, referindo que a OSAE já reu niu com todos os grupos parlamentares para defender a sua posição. Falou também da reunião com o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, em que se abordaram as questões do apoio judiciário para o Solicitador; e da audiência marcada com o Presidente da República, na qual se pretende abordar as questões do projeto de Lei n.º 108/XV, do apoio judiciário, do mandato Judicial e da distribuição dos processos executivos.

De seguida, foi a vez dos associados presentes enri quecerem este encontro com os seus contributos. Apre sentaram dúvidas e sugestões relevantes para a OSAE e para as profissões de Solicitador e de Agente de Exe cução. Um dos tópicos mais importantes realçado foi a retenção da fonte relativa ao Sistema Informático de

Suporte à Atividade dos Agentes de Execução - SISAAE, que nos Açores devia ser de 17,5% em vez dos 20% que constam no sistema, situação esta que foi, de imediato, solucionada pelos representantes e serviços da OSAE. Além disso, sugeriram-se melhorias no PEPEX, relativas à sua distribuição, falou-se da abertura do estágio para Agentes de Execução, assim como da formação contínua, e levantaram-se ainda algumas preocupações relaciona das com a questão da ação executiva e a distribuição dos processos e com a procuradoria ilícita. Uma das propos tas apresentadas foi a realização de Assembleias Gerais e de Representantes através de meios telemáticos, exer cendo-se o voto eletrónico.

Finda a reunião, que permitiu a partilha de problemas e soluções fundamentais para o exercício dos Solicita dores e dos Agentes de Execução, seguiu-se o almoço, pelas 13h00, marcado pelo convívio e pela partilha de experiências e saberes.

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O que faz o Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial?

Em Portugal, o Ponto de Contacto da RJECC (Rede Judiciária Europeia Civil e Comercial) é designado pelo Conselho Superior da Magistratura, de entre os juízes portugueses, mediante concurso, exercendo também funções de Ponto de Contacto, em regime de acumulação, do grupo civil da IberRede e da Rede Judiciária da CPLP.

A RJECC é composta pelo Ponto de Contacto (PC) de cada Estado Membro e pelos seus Membros Nacionais (DGPJ, DGAJ, DGRSP, IRN IP, IGEFJ IP, CJP MJ, ISS IP, CPVC MJ, OA, OSAE e ON).

Os Membros Nacionais da RJECC colaboram com o PC e participam nas soluções práticas encontradas, o que é essencial para que os pedidos de cooperação entre os tribunais de diferentes Estados Membros possam ter êxito.

Uma das principais funções do PC, e que se concretiza na sua rotina diária, é auxiliar os juízes, procuradores, funcionários judiciais e autoridades que exerçam funções judiciais quer nacionais quer estrangeiras, como, por exemplo, nos seguintes casos:

Quando é pedida a inquirição de uma testemunha, de um relatório social ou de um exame médico ou pericial ao Tribunal de outro Estado Membro e quando surgem dúvidas quanto ao modo de envio do pedido, ao Regulamento ou Convenção aplicáveis, às línguas aceites pelo tribunal estrangeiro, ao formulário obrigatório a preencher, ao direito processual aplicável no outro Estado; Quando não obtêm resposta ao pedido de cooperação enviado ou é recusado o seu cumprimento;

Quando necessitam de aplicar o direito substantivo estrangeiro e pedem informação sobre o seu conteúdo;

Quando pretendem transferir um processo em matéria de responsabilidades parentais.

Igualmente auxilia as autoridades judiciárias a: localizar pedidos de cooperação; identificar dificuldades no seu cumprimento; sugerir soluções

práticas que possam ser aceites pelas autoridades judiciárias envolvidas; ajudar a ultrapassar diferenças entre os sistemas judiciais e processuais dos vários Estados Membros; pedir (para um juiz nacional) ou fornecer (a um juiz estrangeiro) informações sobre a lei aplicável num determinado caso.

Faz parte da sua atividade resolver as dificuldades e facilitar a aplicação do direito da União, estabelecendo os contactos informais que julgue mais adequados, seja com o PC de outro Estado Membro, seja com o Tribunal ou Autoridade Central de outro Estado Membro.

Cabe, também, ao PC a redação e atualização das fichas de informação que a RJECC disponibiliza, com acesso gratuito, aos profissionais forenses e ao público sobre a legislação nacional, nomeadamente: divórcio, alimentos, responsabilidade parental, mediação familiar, sucessões, insolvência, execuções e juros (https://e-justice.europa.eu/ ejncivil).

É o PC que elabora os guias destinados aos cidadãos e aos profissionais, em colaboração com os Membros Nacionais da RJECC e com a Comissão Europeia, com o que se visa reforçar a aplicação eficaz dos instrumentos da União (https://e-justice. europa.eu/content_ejn_publications-287-en.do ou https://bookshop.europa.eu).

Por fim, para não me alongar, importa referir que incumbe ao PC organizar as reuniões com todos os seus membros nacionais (por regra – trimestrais), bem assim como participar nas reuniões dos PC da RJECC (cerca de seis por ano), nas dos PC e autoridades centrais da IberRede (cerca de dois por ano) e nas da rede judiciária da CPLP (cerca de um por ano).

Esperando ter esclarecido o papel do PC português, convido-os a visitar o nosso site www. redecivil.csm.org.pt, onde podem encontrar informação mais detalhada, ou seguir as nossas contas das redes sociais no Facebook e Instagram.

SOLLICITARE 33
PROFISSÃO
Rosa Lima Juíza de Direito e Ponto de Contacto de Portugal da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial

DELFIM COSTA

Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores

De sorriso no rosto e galo de Barcelos ao peito, honra as suas origens e tradições como ninguém. E foi com esse mesmo orgulho que abraçou a Solicitadoria. Hoje, a par da formação e ensino, exerce a profissão de Solicitador na sua terra natal, em Barcelos, e é Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), cargo que encarou com determinação e, mais do que tudo, responsabilidade. Delfim Costa acredita que este é “o momento certo para contribuir para a afirmação dos Solicitadores enquanto classe, composta por profissionais competentes capazes de corresponder aos desafios que lhes são lançados” e mostra-se otimista quanto ao futuro: “A Justiça digital está a caminho e estou certo de que os Solicitadores irão continuar na vanguarda”.

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DINA TEIXEIRA
FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
“No final desta caminhada, quero olhar para trás e ter orgulho das sandálias gastas. Sentir que valeu a pena!”
ENTREVISTA
/
ENTREVISTA

Os principais objetivos para este mandato são aqueles que fazem parte do nosso programa eleitoral, dos quais destaco o mandato judicial. Iremos continuar a reivindicar junto da tutela a efetivação da intervenção do Solicitador no apoio judiciário.

Somam-se já 13 anos desde que se inscreveu na OSAE. Fale-nos um pouco do seu percurso pessoal e profissional.

Nasci em Barcelos, no seio de uma família humilde, sendo o segundo de três filhos. Aos 10 anos já pintava peças de cerâmica para ajudar nas despesas de casa. Hoje, parece-nos algo estranho, mas era normal naque la época. Pintar galos de Barcelos, diabos e o Naranjito (mascote do campeonato do mundo de futebol de 1982) até era divertido (risos).

Depois de concluir a escolaridade obrigatória (6.º ano), fiz uma formação como pintor e decorador de porcela nas artísticas, trabalho que mantive até terminar a licen ciatura em Contabilidade na Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), pois aos 16 anos voltei à escola como trabalhador-estudante e no regime noturno. Mas a contabilidade não era para mim e, em 2004, ingressei no curso de Solicitadoria da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras do Politécnico do Porto. Confesso que quando decidi licen ciar-me em Solicitadoria, o objetivo era ser Solicitador de Execução. Contudo, o Direito do Notariado conquistou -me, muito graças à forma apaixonada com que os meus professores, Dr. Virgílio Félix Machado e Dra. Sandra Brestes Vitorino, me transmitiram o seu conhecimento. A conclusão da licenciatura coincidiu com a publicação do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, pelo que fazer um curso de especialização em Registo e Notariado, com vista à titulação, foi algo natural.

Terminada a dissertação de mestrado, que versa sobre os atos notariais dos Solicitadores, o doutoramento tor na-se uma hipótese cada vez mais presente.

Desde sempre tive a consciência de que na Solicitado ria o estudo tinha de ser constante. Este estudo e busca incessante pelo conhecimento levou a que fosse convi dado para ser formador da OSAE, bem como para dar aulas no Politécnico do Porto e no IPCA.

Atualmente, a par da formação e ensino, exerço a pro fissão de Solicitador no meu escritório, sito na cidade de Barcelos.

Hoje, para além de Solicitador, é também Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Como encara este desafio?

Com grande sentido de responsabilidade. Não quero, nem posso, defraudar as expectativas daqueles que con fiaram em mim: tanto aqueles que escolhi para fazerem parte da minha equipa e que disseram SIM, como aque les que me elegeram.

No final desta caminhada, quero olhar para trás e ter orgulho das sandálias gastas. Sentir que valeu a pena!

Quais os objetivos para este mandato?

Os principais objetivos para este mandato são aqueles que fazem parte do nosso programa eleitoral, dos quais destaco o mandato judicial. Iremos continuar a reivindi car junto da tutela a efetivação da intervenção do Soli citador no apoio judiciário. Desde 2007 que a lei prevê a participação de Solicitadores no sistema de acesso ao Direito, fazendo-a depender da celebração de um pro tocolo entre a OSAE, a Ordem dos Advogados (OA) e o Ministério da Justiça. É inadmissível que, por vontade de uma das partes (OA), este protocolo nunca tenha sido assinado. Continuaremos a pugnar pela possibilidade de o Solicitador exercer o mandato judicial cível até à alça da do Tribunal da Relação, bem como para eliminar do Código de Processo Civil (CPC) a restrição à discussão das questões de Direito por parte do Solicitador e, igual mente, para que o Auto de Constatação seja aceite como meio de prova no âmbito do processo judicial.

Também gostaria que alguns regulamentos fossem alterados, nomeadamente o Regulamento de Publicida de e Imagem, e ver fomentadas sinergias entre os dois colégios da OSAE.

Outra minha ambição é a assinatura de protocolos com os países da Comunidade dos Países de Língua Por tuguesa, para que os atos praticados pelos Solicitadores possam ser validamente praticados no seu território.

Se tivesse de descrever o Solicitador, como o faria?

Muitos têm tentado definir o que é um Solicitador, as suas funções e áreas de atuação.

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SOLLICITARE 37 ENTREVISTA COM DELFIM COSTA

A busca pelo conhecimento é fundamental para uma classe que quer e deve honrar o seu compromisso para com os cidadãos. Uma classe que se deve impor pelo seu saber, conhecimento e competências técnicas.

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Face à legislação em vigor, o Solicitador é um profis sional liberal, com formação jurídica, devidamente ins crito na OSAE e, desta forma, habilitado para praticar os atos próprios da profissão, nomeadamente a consulta ju rídica e o mandato forense (além dos atos notariais), com poderes de representação para a prática de atos judiciais e extrajudiciais, em nome e por conta do seu cliente.

Podemos afirmar que hoje o Solicitador é um auxiliar indispensável à boa administração da Justiça.

Como analisa a evolução da profissão de Solicitador ao longo dos anos?

Muito positiva. Sedimentada na busca constante do conhecimento e do saber. Na busca incessante de novas competências e soluções em prol da Justiça e dos cida dãos, aproveitando as novas tecnologias.

Acha que hoje existe uma maior sensibilidade para perceber a profissão de Solicitador?

Entendo que sim, embora reconheça que ainda há al gum desconhecimento por parte dos cidadãos das fun ções e áreas de atuação do Solicitador.

Porém, felizmente, a proliferação da licenciatura em Solicitadoria pelos vários estabelecimentos de ensino tem contribuído para o aumento do número de Solicita dores e, consequentemente, para uma maior curiosida de e vontade de conhecer esta nobre profissão e as suas competências e âmbitos de atuação, que vão muito para além dos registos e da ação executiva.

A Solicitadoria tem dado passos importantes no que toca à criação e utilização de ferramentas tecnológicas. É um caminho expectável?

É inegável que vivemos numa era de transição para o mundo digital e a inteligência artificial e os Solicitadores têm estado na linha da frente nesta evolução.

Apostar nas novas tecnologias tem que ser uma prio ridade. A realização de atos através de meios eletrónicos foi o que possibilitou aos profissionais continuarem a tra balhar durante a pandemia provocada pelo coronavírus.

Em Portugal, em 9 de maio de 2021, foi promulgada pelo Presidente da República a “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”, que prevê os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos no ambiente digital. A Comissão Europeia já havia aprovado, em 20 de outubro de 2020, a “Carta Ética sobre o uso da Inte

ligência Artificial nos Sistemas Judiciais”, sinais de que o futuro passa pelo digital.

A Justiça digital está a caminho e estou certo de que os Solicitadores irão continuar na vanguarda.

Quais os principais desafios que a atividade enfrenta atualmente? Como podem ser ultrapassados?

Os desafios são muitos e a recente aprovação no Par lamento, na generalidade, da lei que visa introduzir alte rações ao regime jurídico das associações públicas pro fissionais, é prova disso mesmo.

A desformalização e desmaterialização de muitos atos jurídicos trazem novos desafios, potenciando o apareci mento da procuradoria ilícita. Contudo, temos que ter uma postura otimista e tentar encontrar novas oportu nidades.

Teremos de apostar fortemente na nossa qualificação. A qualidade do serviço prestado pelos Solicitadores deve ser uma preocupação de todos nós. A busca pelo conhe cimento é fundamental para uma classe que quer e deve honrar o seu compromisso para com os cidadãos. Uma classe que se deve impor pelo seu saber, conhecimento e competências técnicas.

Aquilo que vou dizer pode ser mal interpretado, mas teremos de ter consciência de que não adianta reivindi car novas competências se não formos capazes de as de sempenhar convenientemente. Necessitamos, enquanto classe, de nos comprometer uns com os outros pela par tilha e busca do conhecimento, que vai muito para além da partilha de minutas e ficheiros nas redes sociais. Esta partilha é de salutar, mas insuficiente se não for acompa nhada de um estudo sério e comprometido. Estou aqui para dar o meu contributo nesse sentido.

Esteve na linha da frente da proposta apresentada para alteração da norma do Estatuto da Ordem que impõe aos profissionais a inscrição na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Após a aprovação desta deliberação, que preocupações ainda restam? O que falta ainda alcançar?

Continuo a defender o que sempre defendi, com o mesmo afinco e a mesma convicção, mas o sentido de responsabilidade que o cargo de Presidente do Conse lho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE em si encerra, obriga-me a ter presente que represento

SOLLICITARE 39 ENTREVISTA COM DELFIM COSTA

Aceitei este desafio porque entendi ser o momento certo para contribuir para a afirmação dos Solicitadores enquanto classe, composta por profissionais competentes capazes de corresponder aos desafios que lhes são lançados.

todos os Solicitadores e que devo defender o interes se de todos, independentemente das suas posições. A verdade é que não me revejo nesta CPAS e, como tal, gostaria de ter a possibilidade de escolher outro sistema de previdência.

A pandemia provocada pela COVID-19 veio revelar a incapacidade da CPAS no apoio social aos seus benefi ciários. Preocupa-me a precária previdência dos Solici tadores, pois não temos um verdadeiro regime de pre vidência e apoio social. Apesar de estar plasmado no Regulamento da CPAS que esta visa assegurar fins de previdência e de proteção social aos seus beneficiários, na verdade o mesmo só garante a conceção de pensões de reformas e subsídios por invalidez. Numa situação de doença, altura em que ficamos privados de trabalhar e de obter rendimentos, qualquer apoio fica pendente das disponibilidades anuais do fundo de assistência e da vontade da direção, mas continuamos obrigados a pagar as contribuições. Não consigo entender como se pode compactuar com esta situação.

Preocupa-me o valor da inflação e a sua implicação na fixação das contribuições para 2023, caso nada seja feito em relação ao indexante contributivo. Preocupa-me que os Solicitadores, ativos e reformados, enquanto bene ficiários da CPAS, sejam constantemente excluídos dos apoios públicos do Estado.

Pergunta-me o que falta ainda alcançar. Eu respondo que falta alcançar quase tudo, mas principalmente falta alcançar o direito à livre escolha. Falta alcançar a dignida de e o respeito que todos merecemos, mas que a atual direção da CPAS demonstrou não nos dar e não ter.

Como vê o futuro da profissão?

Há ainda um caminho longo a percorrer para a plena afirmação dos Solicitadores como parceiros indispen sáveis na boa administração da justiça, um caminho de desafios que deve ser encarado com responsabilidade, aliando a ponderação e a ousadia.

Quando fui convidado para ser candidato a vogal do Conselho Regional do Porto da OSAE, cargo que exerci entre 2018 a 2022, nunca imaginei ser Presidente do Con selho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Aceitei este desafio porque entendi ser o momento certo para contribuir para a afirmação dos Solicitadores en quanto classe, composta por profissionais competentes capazes de corresponder aos desafios que lhes são lan çados.

Os Solicitadores têm futuro como classe, desde que, como já referi, apostem na sua qualificação e encarem os novos desafios com responsabilidade. Os novos desafios só serão alcançados com o esforço e sacrifício de todos. Os Solicitadores podem contar comigo, pois eu sei que posso contar com eles! Afinal, a nossa máxima é “Labor improbus omnia vincit”!

40 ENTREVISTA COM DELFIM COSTA

O OE2022: reflexos sobre os impostos patrimoniais

Com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para o ano de 2022, pela Lei nº 12/2022, de 27 de junho, além de outras alterações normativas, observámos uma alteração nas tabelas ínsitas no art. 17.º, número 1, alíneas a) e b) do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (CIMT), que definem as taxas a aplicar à aquisição de prédios urbanos para habitação.

Esta alteração, que já vinha a ser reivindicada por diversos quadrantes, peca, salvo melhor opinião, por ser manifestamente insuficiente, atendendo à evolução do mercado imobiliário que, continuamente, observa um aumento exponencial sobre os valores comerciais dos imóveis observados nas transmissões onerosas dos mesmos.

De facto, e no que diz respeito ao escalão mais baixo, que nos cumpre analisar, verificamos que estas tabelas se mantinham inalteráveis há mais de uma década, estabelecendo como limite o valor de €92.407,00€, valor esse que, em conjugação com o artigo 9.º do CIMT, no caso de aquisição para habitação própria e permanente (HPP), reflete o valor pelo qual se podia adquirir um imóvel usufruindo de isenção ou, no caso de um imóvel de valor superior, o valor ao qual é aplicada a taxa mínima de 1%.

Com a entrada em vigor da Lei nº 12/2022, o referido valor foi alterado para €93.331,00, ou seja, um aumento inferior a €1.000,00, o que, atendendo a todo o panorama socioeconómico e financeiro, não se afigura, salvo melhor opinião, como suficiente para garantir uma adequada tributação, nomeadamente nas questões de HPP.

Não obstante, e valorizando esta alteração que, apesar de parca, se manifesta como um pequeno auxílio ao contribuinte, não podemos deixar de fazer referência a uma outra situação que nos parece que carece de uma alteração adequada.

Falamos de uma isenção de Imposto Municipal sobe Imóveis (IMI), benefício fiscal atribuído ao contribuinte que adquire onerosamente um imóvel para HPP e, tendo ainda essa prorrogativa que lhe é concedida no máximo de duas vezes e em observância de determinados requisitos, observa um limite máximo de €125.500,00 no que tange ao valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel para o qual se pretende observar a referida isenção.

Ora, com as constantes alterações ao valor médio de construção, também ele sujeito a diversos aumentos nos últimos anos, verificamos que, por consideração do mesmo para a atribuição do VPT, muitos dos prédios que se enquadravam nos valores suscetíveis de serem considerados para a predita isenção estão hoje com um valor superior ao limite estabelecido, o que tem levado a uma diminuição de eventuais isenções com base no benefício sob análise.

Nesse sentido, cumpre analisar a referida norma que, com as devidas e necessárias alterações, poderá implicar um aumento de agregados familiares a usufruir de isenção de IMI durante os primeiros três anos após a aquisição de imóvel para HPP, valendo como um incentivo à procura do mesmo.

SOLLICITARE 41
Francisco Serra Loureiro
PROFISSÃO
2.º Vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Incêndios e alterações climáticas levados por jovens portugueses a Estrasburgo: sinais de um compromisso do TEDH em vestir os interesses ambientais com os trajes dos direitos humanos

Apreocupação supra-individual com a conservação ambiental estava longe de ser considerada um dos pilares da construção europeia em 1950 e, por conseguinte, o texto original da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) não prevê qualquer disposição específica dirigida à tutela ambiental e em nenhum dos Protocolos Adicionais proclamou solenemente o direito a um ambiente saudável.

Esta falta de previsão convencional não impediu, porém, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) de introduzir no sistema convencional um conjunto de princípios jurídico-ambientais. Com efeito, perspetivando a Convenção como um “instrumento vivo que deve ser interpretado e aplicado à luz das conceções atualmente existentes no espaço europeu”, o Tribunal tem realizado uma interpretação evolutiva ou dinâmica que procede a uma adaptação pretoriana do texto de 1950 às alterações dos valores e dos padrões socioculturais verificadas nas sociedades europeias. Assim, desde a década de 80 do século passado, o Tribunal tem desenvolvido uma jurisprudência que progressivamente vai cobrindo com o escudo protetor criado pelos redatores da Convenção uma realidade outrora não coberta: o meio ambiente. Efetivamente, em virtude de considerar que inúmeros problemas ambientais, como os níveis de ruído emitidos pelos aeroportos, a poluição industrial ou o planeamento urbanístico, podem ter impacto na proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos, o TEDH tem interpretado extensivamente direitos expressamente consagrados na Convenção por forma a abarcar os “direitos humanos ambientais”, que gozam, portanto, de uma proteção indireta ou par ricochet. Assim, o direito ao ambiente e as suas refrações têm sido extraídos pelos órgãos de Estrasburgo de direitos pessoais expressamente garantidos na Convenção ou nos seus Protocolos, tais como o direito à vida (art. 2.º), o direito a um processo equitativo (art. 6.º), o direito ao respeito pela vida privada e familiar (art. 8.º), o direito à liberdade de expressão e à informação (art. 10.º), o direito à liberdade de associação (art. 11.º) ou o direito à proteção da propriedade (art. 1.º do Protocolo n.º1). E com esta “defesa cruzada de direitos” se vai construindo uma normatividade de contornos jurídicoambientais, à qual os ordenamentos internos dos Estados contratantes não poderão ficar indiferentes.

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PROFISSÃO

Esta jurisprudência “verde” do TEDH parece estar a ganhar outra dimensão com uma queixa apresentada, em setembro de 2020, por seis jovens portugueses (Queixa n.º 39371/20, Duarte Agostinho e outros c. Portugal e 32 outros Estados-membros), que trouxe a apreciação as alterações climáticas e as ondas de calor que têm provocado os incêndios florestais em Portugal desde 2017. Estes jovens alegaram que a falta de medidas adequadas para limitar as alterações climáticas globais e, por conseguinte, a atuação inefetiva dos Estados sindicados neste particular conduziu à violação dos seus direitos à vida (art. 2.º), ao respeito pela vida privada e familiar (art. 8.º) e ao tratamento não discriminatório (art. 14.º). A queixa foi comunicada aos Estados-membros em novembro de 2020 e, recentemente, em junho de 2022, a seção do TEDH, por considerar que esta é uma temática prioritária e que levanta questões graves quanto à interpretação da Convenção, devolveu a decisão aos 17 juízes do Tribunal Pleno, conforme permite o art. 30.º da CEDH. Aguardamos, pois, com grande expectativa, os importantes postulados “verdes” que o TEDH ditará neste aresto, mas antevemos, desde logo, a obrigatoriedade de ler a Convenção à luz de outros instrumentos internacionais relevantes neste domínio e a necessidade de os Estados tomarem medidas adequadas, suficientes e efetivas para evitar a degradação ambiental e as alterações climáticas. Parece-nos que uma condenação destes Estados está iminente e esperamos que a auctoritas deste Tribunal seja efetivamente respeitada.

* Professora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico de Leiria. Investigadora do Polo de Leiria do Instituto Jurídico Portucalense. Licenciada e Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Doutora em Direito Privado pela Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca. Presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo.

Bastonário da OSAE participou no Conselho Consultivo da Justiça

A Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, reu niu, no dia 14 de setembro, o Conselho Consultivo da Justi ça, do qual o Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Paulo Teixeira, faz parte. De acordo com comunicado do Ministério da Justiça, antes do encontro, que decorreu durante a tarde no Cam pus da Justiça, a Ministra esclareceu que a sua decisão de reativar este órgão de consulta e aconselhamento estraté gico passa pela clara noção de que “a Justiça é uma maté ria demasiado importante para ser pensada na solidão dos gabinetes”. Paulo Teixeira manifestou, também, o seu re gozijo pela reativação deste Conselho Consultivo: "Aplau do iniciativas como esta que contribuam para uma melhor Justiça", elencou.

Catarina Sarmento e Castro sublinhou a relevância de ouvir os parceiros institucionais, os sindicatos e até entida des que, não estando diretamente ligadas ao setor, podem contribuir para concretizar o desígnio de uma Justiça mais célere, mais próxima e transparente, de forma a aperfei çoar os planos da equipa governativa.

A Ministra manifestou a vontade de fazer uma reforma profunda na Justiça Administrativa, agilizando-a e aproxi mando-a dos cidadãos e das empresas, lembrando que, além das alterações de caráter legislativo que venham a ser feitas, está já em curso um forte investimento em me canismos eletrónicos que permitirá uma gestão mais efi ciente do trabalho dos tribunais.

Terminou, saudando o empenho na instalação do Me canismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e referindo que é preciso olhar para os mais vulneráveis, acompanhar com atenção a justiça juvenil e investir na reinserção social dos cidadãos privados de liberdade, de forma a integrá-los na sociedade.

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OSAE

CONSELHO REGIONAL DO PORTO

Espinho foi palco do “OSAE por perto”

Foi no passado dia 30 de junho que se realizou a edi ção do “OSAE por perto” em Espinho. Uma centena de pessoas rumaram ao Grande Auditório do Centro Mul timeios para refletir sobre a atualidade e o futuro das profissões de Solicitador e de Agente de Execução. Na organização desta iniciativa, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) contou com o apoio do Conselho Regional do Porto (CRP).

Prestando uma sentida homenagem ao Solicitador de Mérito e antigo dirigente da OSAE, Silva Queiroz, antes de começarem as intervenções fez-se um minuto de si lêncio pelo seu falecimento.

Na sessão de abertura, Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-presidente do Conselho Geral da OSAE, e Nicolau Vieira, Presidente do CRP da OSAE, deram as boas-vin das aos participantes e convidados, agradecendo a pre sença de todos naquele dia de trabalho.

“Teremos um dia cheio de emoção e discussão. Se rão abordados temas de elevado interesse para a classe e espero que, no final deste evento, possamos sair enri quecidos por toda esta partilha de conhecimento”, frisou Nicolau Vieira.

Já Francisco Serra Loureiro, no âmbito da sua inter venção, sublinhou que o objetivo desta iniciativa é “vol tarmos a estar juntos e a ter um espaço de partilha, com momentos dinâmicos e interativos”. Reforçou também: “Queremos estar cada vez mais perto de todos os cole gas e espero que a discussão aqui trazida permita criar sinergias entre as duas profissões”.

O painel “A venda no processo executivo e a titulação” marcou o início do evento. Delfim Costa, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores (CPC SOL), Marcelo Ferreira, Vogal do CPCSOL, Marco Santos, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE), e Tânia Mendes Silva, Vogal do CPCAE, foram os responsáveis por explanar o tema, que contou com a moderação de Carla Barbosa, Conservado ra da Conservatória do Registo Predial de Barcelos.

Tânia Mendes Silva, agradecendo a presença de to dos, começou por referir: “Tenho a certeza de que, no fi nal do dia, todos os profissionais sentirão que este even to valeu a pena por toda a aprendizagem e convívio”. Introduziu ainda as temáticas a serem abordadas neste painel: a plataforma e-Leilões, a evolução das vendas e a venda executiva.

“As alterações já implementadas no e-Leilões pren dem-se essencialmente com o agendamento de visita com marcação online”, realçou Marco Santos, assumindo que “esta será uma ferramenta que nos irá ajudar muito em termos de organização do nosso tempo de trabalho”. Falou também das alterações ainda em desenvolvimen to: a integração da plataforma e-Leilões com o SISAAE, a emissão do título de transmissão na plataforma e-Leilões, o registo de Solicitadores com BUS/DPA (por concelho) e a bolsa de Solicitadores para funções de fiel depositário. Já no que concerne à evolução das vendas, destacou que “se antes raramente um Agente de Execução conseguia vender direitos, hoje somos um exemplo nessa matéria”.

Já Marcelo Ferreira referiu que neste painel “aborda remos o papel do Solicitador nas titulações judiciais e as sinergias que poderão ser criadas entre os Agentes de Execução e os Solicitadores”.

Centrando a sua comunicação nas titulações e na venda em execução, Delfim Costa destacou um conjun to de diplomas de relevância para o exercício da ativi dade dos Solicitadores, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 101-D/2020, de 07 de dezembro, a Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, e a Lei n.º 78/2021, de 24 de novembro. A de claração do condomínio elaborada nos termos do artigo 1424.º-A, um novo documento instrutório obrigatório do documento particular autenticado de alienação de uma fração, foi aquela que maior discussão gerou.

A terminar este painel da manhã, Carla Barbosa elen cou: “somos todos juristas e acho que estes encontros são sempre enriquecedores, porque todos aprendemos uns com os outros”.

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TEXTO DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA OSAE

Depois do almoço, que promoveu a troca de impres sões e o convívio entre participantes, teve início o painel “Família e Menores”. Este foi moderado por Delfim Costa e contou com os contributos de Maria Graça Silva, Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores de Paredes, e Helena Cardoso, Conservadora da Conservatória de Re gisto Civil de Ermesinde.

Na perspetiva de Maria Graça Silva, no que diz respei to ao divórcio, “o Solicitador pode representar ambos os cônjuges, uma vez que os interesses dos cônjuges não são divergentes”. Acrescentou também que “para haver divórcio por mútuo consentimento têm de estar de acor do em quatro pontos: os bens comuns, o destino da casa, a pensão de alimentos e as responsabilidades parentais”. Quanto a este último, “é preciso decidir a residência da criança, os convívios (as visitas), quanto é que se paga pelos alimentos e a forma de prestar esses pagamentos”, explicou.

Helena Cardoso explanou que nestas matérias “os

Solicitadores podem ajudar muito”. No que diz respeito aos divórcios, sublinhou também que “estes podem ser feitos no civil online ou nas conservatórias. Só podemos fazer divórcios na hora se não houver filhos menores”. Quanto ao nome do cônjuge nos divórcios, “este cai automaticamente, como manda a lei”.

De seguida, procedeu-se à aná lise do tema “Distribuição vs No meação”, momento que contou com a moderação de Paulo Miguel Cortesão, Vogal do CRP. Participa ram nesta reflexão Teresa Madaíl, Juiz de Direito do Juízo de Execução de Águeda, e Marco Santos.

Quanto a esta questão, Teresa Madaíl indicou que o ideal “é uma solução mista, a fim de se salva guardar os interesses de ambos os lados”. Entendo que a pessoa sin gular ou coletiva deve poder optar pelo Agente de Execução que quer nomear, preservando as relações de confiança que tenha”, expres sou. Por outro lado, “relativamente aos grandes litigantes, considero que deve haver a dis tribuição de processos”, admitiu, referindo ainda que “a minha maior preocupação em relação à distribuição alea tória reside no critério geográfico destes processos”.

“Para mim faz todo o sentido que seja o Agente de Execução a definir a quantos processos tem capacidade para responder”, revelou Marco Santos. “É importante fixarmos qual é a nossa capacidade de trabalho, assim como ter em atenção outros critérios, como seja a celeri dade ou arquivamento do processo”, mencionou. Para o vogal do CPCAE, “é o grande litigante que pode pôr em causa a independência do Agente de Execução, porque não é o pequeno exequente que nos faz pressão”.

Na sessão de encerramento, marcada pela presença de Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, Fernando Rodri gues, Presidente do Conselho Superior da OSAE, Delfim Costa e Nicolau Vieira, foram deixadas palavras de agra decimento pela participação de todos os presentes e pro cedeu-se à entrega de diplomas aos novos associados.

Paulo Teixeira dirigiu uma mensagem de muito suces so profissional a todos os presentes, não deixando de re forçar que “estes encontros têm um modelo próprio. São fundamentais para estar, pensar, refletir e trocar ideias. E esta forma de interagir é o caminho que nos vai levar à união e à criação de ideias sólidas”.

E o “OSAE por perto”, em Espinho, terminou com um convívio entre associados, convidados e familiares, num jantar repleto de boa disposição, que teve lugar no res taurante Luso Venezolano.

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CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA

Figueira da Foz acolheu “OSAE por perto”

Decorreu, no passado dia 29 de junho, o primeiro dia da iniciativa “OSAE por perto”. A Figueira da Foz foi a ci dade eleita para acolher o evento promovido pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), em conjunto com o Conselho Regional de Coimbra (CRC) e com o apoio do Município da Figueira da Foz.

Uma centena de Solicitadores e Agentes de Execução responderam à chamada e fizeram questão de marcar presença numa reflexão em torno da atualidade e do fu turo das duas profissões.

Antes de começarem as intervenções, foi feito um minuto de silêncio em memória de Silva Queiroz, numa sentida homenagem ao Solicitador de Mérito e antigo dirigente da OSAE.

Na sessão de abertura, Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-presidente do Conselho Geral da OSAE, e Anabela Veloso, Presidente do CRC, começaram por dar as boas -vindas aos participantes e convidados, desejando a to dos um dia de trabalho frutífero.

“Faço votos de que este evento seja dinâmico e, essen cialmente, que haja muita partilha de conhecimentos”, destacou Anabela Veloso, sublinhando que “os painéis foram pensados para que os Solicitadores e os Agentes de Execução estejam mais unidos nas suas funções”.

De seguida, Francisco Serra Loureiro reforçou que este evento pretendeu “criar sinergias entre os profissionais da classe” e solicitou a “participação massiva dos pre sentes, com dúvidas e sugestões, de modo a enriquecer os painéis e dignificar estas profissões”.

Foi depois tempo de dar voz aos representantes das Delegações Distritais do CRC. Lina Roque, da Delegação Distrital de Castelo Branco, Ramiro dos Santos, da De legação Distrital de Coimbra, Bruno Lino, da Delegação Distrital da Guarda, Valery Fonseca, da Delegação Distri tal de Leiria, e Eduardo A. Pereira, da Delegação Distrital de Viseu, felicitaram a realização deste evento, destacan do que aquela era uma oportunidade única para promo ver o intercâmbio de experiências e proceder ao esclare cimento de dúvidas.

A manhã foi preenchida pela análise da temática “A venda no processo executivo e a titulação”, que contou com os contributos de Duarte Pinto, Presidente do Con selho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE), Maria dos Anjos Fernandes, Vice-presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores (CPC SOL), Leandro Siopa, Vogal do CPCSOL, e Tânia Mendes Silva, Vogal do CPCAE.

“A plataforma e-Leilões, a evolução das vendas e a venda executiva serão os três subtemas aprofundados neste painel”, começou por explicar Tânia Mendes Silva.

Quanto à plataforma e-Leilões, Duarte Pinto falou da recente alteração introduzida à mesma - o agendamento de visita com marcação online - e dos objetivos para o fu turo: a integração da plataforma com o SISAAE, a emis são do título de transmissão na plataforma e-Leilões, o registo de Solicitadores com BUS/DPA (por concelho) e a bolsa de Solicitadores para funções de fiel depositário. Já no que concerne à evolução dos leilões eletrónicos, “ve rificou-se, regra geral, uma retração no mercado por for ça da invasão russa à Ucrânia”, destacando, porém, que a forte venda de direitos se manteve: “Ninguém vende direitos como nós, somos um exemplo a nível mundial”.

Para Maria dos Anjos Fernandes, “a lei é muito di versa e todos os dias estamos a receber novidades. Por isso, temos de saber interpretá-la e aplicá-la, fornecen do um serviço de excelência”. Aprofundando a temática dos atos notariais, afirmou que, quanto à competência territorial, “os Solicitadores têm uma grande vantagem relativamente aos Notários, uma vez que podem circular em todo o território nacional, enquanto que os Notários estão reduzidos ao seu município”. Em relação à venda executiva, explanaram-se quais as obrigações reais neste tipo procedimento, por exemplo no que consta ao bran queamento de capitais.

Seguiu-se a intervenção de Leandro Siopa. O vogal do CPCSOL deixou algumas notas sobre como os Soli citadores podem criar sinergias: “Podem fazê-lo dentro dos próprios escritórios, dando conselhos, tanto técnicos

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TEXTO DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA OSAE

como jurídicos. Ou fora do escritório, através das avalia ções imobiliárias, processos de localização e georrefe renciação, autos de constatação, direito de preferência, entre outros”.

Depois de um descontraído almoço, onde os profissio nais puderam conviver e recarregar baterias, deu-se início ao painel “Família e Menores”, moderado pela Presidente do CRC. Participaram neste debate Eugénia Amaral, Con servadora, André Rodrigues Ferreira, Solicitador, e David Lemos Morgado, Solicitador e Agente de Execução.

Introduzindo a temática do casamento, André Rodri gues Ferreira elencou: “É através da procuração forense que podemos organizar um casamento”. Eugénia Ama ral, concordando com o Solicitador, revelou ainda que quem presta assessoria tem um papel muito importante. Para a Conservadora, “os Solicitadores estão na linha da frente e devem saber como orientar as pessoas num pro cesso de casamento, porque isso é determinante para o seu futuro.” Na sua opinião, “o apurar da situação e a mobilização das regras de conflitos é fundamental”.

Por outro lado, numa situação de divórcio, “os Soli citadores podem representar ambos os cônjuges”, dis se André Rodrigues Ferreira. Já Eugénia Amaral reforçou

que “quando estamos num processo de divórcio em que haja menores, se estiver em causa uma situação interna cional temos de ter em atenção a lei que vamos aplicar”.

David Lemos Morgado, relativamente aos incumpri mentos, referiu que “as execuções por alimentos aconte cem não só no caso dos menores, mas também dos côn juges. Para ambos, o procedimento de execução é muito semelhante”. Enquanto Agente de Execução “eu tenho, acima de tudo, de acautelar os interesses do Estado”.

Sobre a questão da “Distribuição vs Nomeação”, ou viram-se várias perspetivas. Neste painel, moderado por Tiago Lésico Fernandes, Agente de Execução e Advoga do, Carlos Oliveira, Juiz Presidente da Comarca de Coim bra, respondeu à questão: “Se a distribuição voltasse, se riam as funções do Agente de Execução, na prática, mais céleres?”: “O sistema de distribuição, em bom rigor, não alterará a questão da celeridade. Na prática, nós sabe mos que a distribuição se destina à imparcialidade”. No seu entender, “o processo de nomeação em vigor tem-se verificado o mais eficaz”.

Também Duarte Pinto não considera que “a distribui ção possa alterar a celeridade na tramitação de proces sos”, mas mostra-se defensor desta forma de atuação, uma vez que “a garantia de quando um processo é dis tribuído de forma aleatória é diferente de quando este é atribuído através de nomeação”.

Por outro lado, Carla Taipina Marta, Solicitadora, res saltou que “é muito mais fácil trabalhar com quem já te mos confiança. Pessoalmente, prefiro escolher o Agente de Execução que vai tratar do processo. Parece-me uma via mais profícua”. No entanto, “não posso deixar de concordar que a distribuição aleatória vai dissipar alguns riscos”, assumiu.

Na sessão de encerramento, na qual participaram Carlos Oliveira, Helena Canelas, Juiz Presidente dos Tri bunais Administrativos e Fiscais do Centro, Francisco Ser ra Loureiro e Anabela Veloso, procedeu-se à entrega da placa comemorativa de 50 anos de profissão ao Solicita dor Henrique Bairrão, bem como dos diplomas aos novos associados.

Helena Canelas agradeceu o convite que lhe foi en dereçado, revelando que, no que se refere a estas profis sões, “há um nicho de mercado ainda em crescimento” e que é muito importante continuar a promover-se este tipo de iniciativas. “Os Solicitadores são uma profissão que tem, nos últimos anos, assumido uma relevância que antes não tinha”, acrescentou ainda Carlos Oliveira.

Para finalizar, Francisco Serra Loureiro, em representa ção do Bastonário da OSAE, e Anabela Veloso fizeram um balanço positivo de um dia que foi marcado por inúme ras oportunidades de enriquecimento pessoal e profis sional e por momentos vários de confraternização, como foi o jantar que se seguiu no Mercure Figueira da Foz Ho tel - Grande Hotel da Figueira.

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CONSELHO REGIONAL DO LISBOA

Sede da OSAE recebeu

“OSAE por perto”

O dia 7 de julho, na sede de Ordem dos Solicitado res e dos Agentes de Execução (OSAE), foi marcado pelo “OSAE por perto | Lisboa”, que juntou mais de uma cen tena e meia de Solicitadores e Agentes de Execução da região para pensar e debater o futuro das duas profis sões. Tratou-se do último evento integrado na primeira edição desta iniciativa promovida pela OSAE, tendo o mesmo sido organizado pela Ordem, em conjunto com o Conselho Regional de Lisboa.

O relógio marcava as 10h00 quando a sala se encheu e, antes de se dar início aos trabalhos, todos os presen tes participaram numa sentida homenagem ao Solicita dor de Mérito e antigo dirigente da OSAE, Silva Queiroz, através da visualização de um vídeo em sua homena gem, precedido de um minuto de silêncio.

Arrancou, de seguida, a cerimónia de abertura. Débora Riobom dos Santos, Presidente do Conselho Regional de Lisboa (CRL), e Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-presiden te do Conselho Geral da OSAE, agradeceram a presença dos colegas e todo o empenho da organização, salien tando o papel destes encontros enquanto oportunidades para, em conjunto, se encontrarem novas respostas para os desafios que marcam o dia a dia dos profissionais.

“Este evento tem como principal missão partilhar infor mação, preocupações e temas que interessem tanto a So licitadores como a Agentes de Execução. Espero que seja um dia muito produtivo e que sirva não só para enriquecer o nosso conhecimento, como para fomentar a união entre colegas”, referiu a Presidente do CRL, passando, de segui da, a apresentar os Presidentes das Delegações Distritais do CRL que estavam presentes: Fátima Barros Ferreira, da Delegação Distrital da Madeira, Carla Franco Pereira, da Delegação Distrital de Évora e Portalegre, e Eleonora Do mingos, da Delegação Distrital de Lisboa.

Já para Francisco Serra Loureiro, “iniciativas como esta são uma demonstração de que os encontros presenciais nos fazem falta e são essenciais, quer para partilhar co nhecimentos, quer pela parte humana, tão necessária na nossa profissão”.

Seguiu-se a apresentação subordinada ao tema “A venda no processo executivo e a titulação”, que contou com os contributos de Duarte Pinto, Presidente do Con selho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE), Delfim Costa, Presidente do Conselho Profis sional do Colégio dos Solicitadores (CPCSOL), Filipa Ga meiro, Vice-presidente do CPCAE, e Carina Jiménez Reis, Vogal do CPCSOL, sob moderação de Aventino Lima, Presidente da Assembleia Geral da OSAE.

Filipa Gameiro deu início à apresentação do tema, explicando que aquele painel iria abordar três grandes assuntos: a plataforma e-Leilões, a análise estatística e a evolução das vendas e a execução e a titulação. O primeiro começou por ser desenvolvido por Duarte Pinto, que deu a conhecer as principais alterações à plataforma e-Leilões, nomeadamente no que diz respeito ao agendamento de visita com marcação online, à integração da plataforma com o SISAAE, à emissão do título de transmissão, ao re gisto de Solicitadores com BUS/DPA (por concelho) e à Bolsa de Solicitadores para funções de fiel depositário.

Já em relação à evolução dos leilões eletrónicos, o Presidente do CPCAE reconheceu que “os últimos dois anos foram absolutamente atípicos”, mas, ainda assim, a verdade é que “Portugal continua a ter excelentes re sultados”.

Depois de uma pequena pausa para recarregar ba terias, Carina Jiménez Reis introduziu o tema seguinte –Titulação na venda executiva –, destacando que, na sua opinião, “é fundamental a existência de sinergias entre Solicitadores e Agentes de Execução”.

Chegou então a vez da intervenção de Delfim Costa. “Os Solicitadores são profissionais competentes e tecni camente muito bem preparados”, começou por referir. De seguida, elencou um conjunto de diplomas que os profissionais devem ter em conta enquanto tituladores.

O tempo avançava depressa e, sem se dar conta, já era hora do almoço, momento em que os profissionais puderem conviver e partilhar as suas impressões sobre aquela manhã tão preenchida.

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Chegados à parte da tarde, deu-se início ao painel “Família e menores”, moderado por João Pedro Amo rim, Secretário do CRL. Participaram neste debate Patrí cia Santos, Conservadora do Registo Civil, Paulo Ribeiro, Procurador do Ministério Público, e Mara Fernandes, So licitadora e Agente de Execução.

João Pedro Amorim tomou da palavra, explicando que “o objetivo é abordar temas em que o Solicitador possa exercer a sua competência como Solicitador mandatário. E esta é uma área em que existem muitas dúvidas que procuraremos esclarecer”.

Dando continuidade ao painel, Patrícia Santos dedicou a sua intervenção ao divórcio por mútuo consentimento e à regulação das responsabilidades parentais, dando uma explicação sobre todos os procedimentos necessá rios para a sua concretização. Neste âmbito, afirmou que a representação das partes é possível – embora limita da, na sua opinião –, representação essa que pode ser feita por Solicitadores. A Conservadora fez também uma abordagem ao Regulamento Europeu (UE) 2016/1103, de 24 de junho de 2016, que aplica novas regras para deter minar a lei aplicável a todos os casamentos celebrados a partir de 29 de janeiro de 2019.

Já Paulo Ribeiro abordou a competência do Ministério Público relativamente às crianças, bem como os regimes de guarda partilhada e alternada: “Deve-se sempre ga rantir o superior interesse da criança”, referiu.

A execução especial por alimentos foi o tema que cen trou a intervenção de Mara Fernandes e que, segundo explicou, “é um dos procedimentos legalmente previstos para a cobrança coerciva da obrigação de alimentos”.

No painel seguinte foi debatido o tema “Distribuição vs Nomeação. Com moderação de Eleonora Domingos, Presi dente da Delegação Distrital de Lisboa da OSAE, foram ouvidas as perspetivas do Juiz Artur Cordeiro, Presidente do Tribu nal Judicial da Comarca de Lisboa, Duarte Pinto e Carla Gil, Advogada e mandatária em processos executivos.

Artur Cordeiro considerou que “temos de avaliar a solução que melhor contribui para a ação executiva, tendo em vista a sua eficácia”. Na sua opinião, “o que real mente faria falta era que houvesse uma fiscalização mais intensa”. O Juiz deixou, também, no ar a seguinte questão “a aleatoriedade veio efetivamente resolver um problema ou mascará-lo?”. Já em jeito de conclusão, Artur Cordeiro reconheceu que “se houver formação correta, exigên cia máxima e controlo permanente, pos sivelmente a vossa profissão [de Agentes de Execução], que foi resgatada em 2003, tem todo um grande caminho para fazer”.

Foi a vez de se escutar a visão de Duarte Pinto: “Esta direção apostou na distribuição, mas esta distribuição não pode ser cega”, alavancou, acrescentando que “nós, Agentes de Execução, temos sobretudo de salvaguardar a nossa própria imagem e as nossas próprias funções”.

Já Carla Gil começou por afirmar ser um gosto partici par neste painel, cujo objetivo é “pensar em novos cami nhos e formas para atingir um melhor equilíbrio na pro fissão”. Na sua perspetiva, “há um critério que nunca se pode esquecer: somos todos diferentes e a abordagem que cada um faz aos processos é diferente, nomeada mente em relação às pessoas com quem se quer traba lhar”. Posto isto, a Advogada afirmou que, a acontecer e na sua opinião, a distribuição não pode ser cega.

A adivinhar o final, a cerimónia de encerramento de pressa chegou e com ela chegou também o tão aguardado momento da entrega dos diplomas aos novos associados.

Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, presidiu a uma mesa também composta por Aventino Lima, Presidente da Assembleia Geral da OSAE, Fernando Rodrigues, Pre sidente do Conselho Superior da OSAE, Delfim Costa e Débora Riobom dos Santos.

Após as palavras de agradecimento proferidas por Débora Riobom dos Santos, foi Paulo Teixeira quem de clarou o encerramento de mais uma sessão, relembran do, aos presentes, o que é esperado daqueles que abra çam estas profissões.

A noite continuou em clima de festa, num jantar de convívio feito de muitas conversas e gargalhadas. Che gava assim ao fim o “OSAE por perto | Lisboa”.

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Innovation Team –Um Think Tank na “Union Internationale des Hussiers de Justice”

AInnovation Team (IT) da Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ), para muitos de nós ainda desconhecida quanto ao seu papel relevante na actividade do profissional agente de execução – quer na recolha e análise de informações capazes de entender as diferenças entre os vários sistemas judiciais, assim como no desenvolvimento de ideias capazes e inovadoras dos procedimentos inerentes à actividade, com especial relevo em todas aquelas em que é exigível a prática de actos além fronteiras – é constituída por um grupo de pessoas que têm como ponto comum a sua profissão, tal como o entusiasmo pela mesma, ao ponto de dedicarem uma parte significativa do seu tempo livre à realização de actividades e desenvolvimento de projectos.

A sua história é recente, mas virtuosa, com o seu início apontado para o ano de 2012, durante os preparativos para o Congresso Internacional de Oficiais Judiciais na Cidade do Cabo, em África do Sul. O seu começo foi impulsionado por um outro projecto denominado “Grand Questionnaire” – desenvolvido com o propósito de obter e tratar dados fornecidos pelos vários países cooperantes com a UIHJ – que determinou a necessidade no surgimento de grupos de trabalho que pudessem auxiliar os objectivos desta iniciativa. Certo é que, nos anos seguintes, este projecto, o “Grand Questionnaire”, desenvolveu-se ainda mais e de uma forma ambiciosa, tanto que à medida que os trabalhos se desenrolavam, com a discussão de cada vez mais temas, foram surgindo ideias inovadoras, de tal forma que, sob a direcção da Presidente Honorária Françoise Andrieux - que identificou a potencialidade de fundar um grupo de trabalho permanente ao serviço e sob a orientação da direcção da UIHJ – fundou aquilo a que designou de “Innovation Team”.

Desde logo, a equipa de inovação de que se fala iniciou o seu trabalho com a concepção de conteúdos recorrendo às modernas formas de dar a conhecer ao mundo o trabalho e as actividades impulsionadas pela UIHJ, designadamente através das redes sociais, como o Facebook e LinkedIn, cabendo-lhe a si a gestão destas plataformas.

Mas o seu trabalho não se fica por aqui. O desenvolvimento de vídeos, também com recurso a animações, a actuação na elaboração de questões e o processamento de dados, a análise de relatórios, a colaboração e auxílio na organização dos conselhos permanentes, conferências e congressos, assim como nos bem conhecidos Webinars, têm inquestionavelmente mostrado o seu valor e o mérito dos seus préstimos.

Inicialmente, a equipa de inovação era composta por três membros. Porém, a sua importância e essência determinou a necessidade de crescimento e, hoje, este

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José Cardoso
PROFISSÃO
Solicitador, Agente de Execução e membro da Innovation Team da Union Internacionale des Huissiers de Justice

grupo de trabalho conta já com nove elementos. São eles: Jona Van Leeuwen (Holanda); Patrick Gielen (Bélgica); Elin Vilippus (Estónia); Tereza Lungova (República Checa); Malone Cunha (Brasil); Risto Sepp (Estónia); Malgorzata Pedziszczak (Polónia); Florent Mounguengui (Gabão) e, por último, eu como o seu mais recente membro.

É de salientar a importância deste grupo de trabalho não só pela realização das suas importantíssimas tarefas – maioritariamente executadas nos bastidores – mas igualmente no alcance do desenvolvimento das relações internacionais entre os vários países que compõem a UIHJ. É manifestamente evidente que vivemos num mundo cada vez mais pequeno e que estamos, progressivamente, mais próximos uns dos outros, em que a natureza das relações mantidas entre todos é cada vez mais essencial e determinante. Este será o ponto mais evidente do seu espírito, na medida em que parte das suas tarefas é a de auxiliar e potenciar as condições adequadas, através da inovação, à prática de actos entre os vários países. É também aqui que a inovação é chamada a dar o seu contributo, pela criação de mecanismos elucidativos eficazes e capazes de converter aquilo que parece difícil em algo acessível e, com isso, contribuir para que todos os profissionais consigam ultrapassar obstáculos quando se torna imperativa a prática de actos além fronteiras, contribuindo ainda mais para o fortalecimento da justiça e das relações entre os seus agentes.

Falando agora da minha breve participação enquanto membro principiante deste grupo de trabalho, parece-me justo e adequado afirmar que tudo tem decorrido de forma intensa e que a experiência, para além de extraordinariamente positiva, tem francamente superado as minhas expectativas. Mas, mais do que tudo, é de salientar a forma cordial e amigável com que fui recebido no seio deste grupo, quanto a mim um princípio básico para constituir um bom presságio. Rapidamente percebi que ouvir e ser ouvido é uma regra essencial e honrada pelos membros da IT, sendo que esta conduta facilita e proporciona o desenvolvimento de ideias e permite a construção de pontes. Muito mais haveria a contar e seguramente que o futuro permitirá apresentar novidades interessantes. Até lá, sugiro a visita ao site da UIHJ, em www.uihj.com, assim como a seguir, através das redes sociais, as suas mais recentes actividades.

Artigo escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

OSAE presente no 14.º CONOJAF, no Brasil

A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Exe cução (OSAE), representada pelo seu Bastonário, Paulo Teixeira, e pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, este ve presente no 14.º Congresso Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (CONOJAF), que decorreu entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro, no Brasil.

Este encontro teve como tema “e-xecutar: A força e a efetividade das novas tecnologias para o oficial de justiça federal”.

No passado dia 31 de agosto, o evento teve início com a cerimónia de abertura, que contou com a inter venção do Bastonário da OSAE. “Este congresso per mitirá levar, para Portugal, uma aprendizagem mui to importante no âmbito do judiciário, naquilo que é a nobre função do Agente de Execução neste tempo novo que se avizinha”, salientou Paulo Teixeira.

SOLLICITARE 51
OSAE

SOLICITADORES ILUSTRES

AMÉLIA DE JESUS SANTOS A PRIMEIRA SOLICITADORA

Atualmente, na Ordem dos Solicitadores e, concomitantemente, Or dem dos Agentes de Execução, o género feminino é muito superior ao masculino. Não sei qual a diferença entre ambos os sexos, mas nem se quer vale a pena contar, porque é mais do que evidente que a décalage continua a aumentar e sempre para o lado feminino.

No entanto, como em quase todas as profissões, principalmente as jurídicas, noutros tempos as mulheres nem sequer eram autorizadas a entrar, havendo, por isso, uma luta constante pela igualdade entre homens e mulheres. Em muitos paí ses, este desiderato ainda não se alcançou e, infelizmente, tarde ou nunca chegará.

Mas quanto à nossa classe, as mulheres, até à Primeira República, estavam impe didas de exercer quaisquer atividades jurídicas, incluindo a Solicitadoria. E foi já no consulado de Sidónio Pais, em 1918, que as mulheres passaram a ter a seguinte possibilidade: “munidas de uma carta de formatura em direito é permitido o exer cício da profissão de advogado, ajudante de notário e ajudante de Conservador” (1) .

No ano seguinte, já no Governo de João Canto e Castro, no qual prontificavam o malogrado António Joaquim Granjo (2) como Ministro de Justiça e Leonardo Coim bra como Ministro da Educação, foi retificado o Decreto anterior, pois considera va-se que o mesmo “não acabou com todas as prescrições legais que, no caso do direito privado, ainda eram feitas à capacidade da mulher” (3), pelo que “ficam revo gadas as disposições legais que inibem as mulheres de fazer parte das instituições pupilares, ou quase pupilares, de fazer parte dos conselhos de família em processo civil, de ser procuradoras em juízo, de intervir como testemunhas instrumentárias em atos entre vivos ou testamentos e de ser fiadoras” (4), não necessitando a autori zação do marido para exercer o mandato judicial (5)

Foi, pois, com base neste último Decreto e aproveitando ainda alguma indefini ção dos governos militares saídos do golpe de 28 de Maio de 1926, que Amélia de Je sus Santos, solteira, de 30 anos de idade, natural de Lisboa, inscreveu-se com base nos artigos 4.º e 5º do primeiro Regimento da Câmara dos Solicitadores de Lisboa (6) , Decreto 17.438 de 11 de outubro de 1929, fixando o seu domicílio na Travessa de São Domingos 9 - 3º, com número e cédula 45. Mais tarde, com a unificação das três Câ maras, em 1944, foi inscrita na Comarca de Lisboa com o n.º 29 e domicílio na Traves sa de São Mamede, 24 - 3.º, já casada.

52 PROFISSÃO
Miguel

provisório e reinscrições constantes até ao cancela mento definitivo em 1971, altura em que tinha o seu domicílio na Rua do Ouro, 2.º direito.

Com a instauração e solidificação do chamado Estado Novo, a vida profissional das mulheres foi sendo, passo a passo, coartada, pois o seu mentor –Salazar – idealizava a mulher como “fada do lar, edu cadora e mãe”, deixando o “trabalho e a rua“ para o homem. Tudo foi fechado às mulheres, desde as re partições públicas, carreiras diplomáticas, magis tratura e administração local. Só o sexo masculino tinha esse direito, conforme assim o decretou o Có digo Administrativo de 1936 e o n.º 2 do artigo 396.º do Estatuto Judiciário (EJ), somente alterado pelo

Decreto-Lei n.º 47.139 de 1966, no sentido de admitir aos concursos para solicitadores encartados os candidatos de ambos os sexos.

No entanto, algumas mulheres já licenciadas ou com bacharelato já se tinham, entretanto, inscrito, “fugindo” ao concurso ditado pelo artigo 396.º do EJ, pois bastava a sua inscrição. Mas foram muito poucas. Em 1962, só havia uma inscrita nestas condições (7)

NOTAS

1 – Decreto-Lei n.º 4.676, de 19 de julho de 1918;

2 – Herói de Chaves, assassinado na chamada “noite sangrenta”;

3 – Decreto n.º 5.647, de 10 de maio de 1919;

4 – Idem artigo n.º 1;

5 – Idem parágrafo único;

6 – Decreto n.º 17.438, de 11 de outubro de 1929;

7 – Bacharel Maria do Carmo Caeiro.

Por isso, foi somente a partir de 1966 que, pouco a pouco, as mulheres foram entrando na classe, sem pre com muito estoicismo e firmeza, vencendo todos os escolhos de uma sociedade feita de homens, for matados na ideia de “Deus, Pátria e Família “.

SOLLICITARE 53

Poderes de Representação –Suas Vicissitudes

Oconceito de representação, e seus efeitos, tem ínsito a realização de um negócio, porquanto o recurso a um “intermediário”, leia-se procu rador, para em seu nome praticar atos que, por sua vez, se repercutem diretamente na sua esfera jurídica e têm como premissa a atribuição voluntária desses mesmos poderes, conforme plasmado na conjugação dos artigos 258.º e 262.º do Código Civil (doravante C.C.).

Todavia, a outorga de poderes representativos terá sempre de estar limitada pela designada ética negocial e, bem assim, norteada pelo princípio da boa-fé (n.º 2 do art.º 762.º do C.C.).

Não raro se verificam diferendos, judicialmente dirimidos, concernentes à valida de do negócio jurídico, ora por excesso ou abuso de representação, ora por atuação ex cluída de tais poderes, e desacompanhada de posterior ratificação (n.º 1 do art.º 268.º do C.C.).

No que importa à representação sem poderes, não se olvida a denominada respon sabilidade do representado naquilo que a doutrina referencia por “representação tolerada”, vide Ataíde, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas - A Responsabilidade do “Representado” na Representação Tolerada - Um problema de representação sem po deres, AAFDL, 2008.

Neste âmbito, salienta-se que, em qualquer das circunstâncias, o critério aferidor será sempre o da vontade do representado e, não de somenos, a salvaguarda dos seus interesses, sendo que neste último ponto enfatizam-se os casos de procurações onde sejam conferidos poderes para “em seu nome e representação celebrar negócio consigo mesmo, ficando expresso o seu consentimento ao abrigo do n.º 1 do art.º 261.º do C.C.”.

No que à práxis diz respeito, a assunção de poderes representativos, quando não consentânea com o escopo normativo, poderá inquinar a jusante o negócio, de tal sor te que o mesmo pode vir a ser declarado judicialmente ineficaz, ante o representado e/ou seus herdeiros, se assim for o caso, especialmente quando o objeto negocial é um imóvel, o que sucede na esmagadora maioria dos casos, com repercussões que se poderão vir a refletir no respetivo cancelamento de registo aquisitivo.

Pese embora as vicissitudes que a concessão de poderes representativos possa comportar, não é despicienda a proteção de terceiros que o legislador tipificou, por referência ao teor do n.º 1 do art.º 266.º do C.C., mormente no que tange à tutela de interesses de quem negociou com o representante em período temporal em que a pro curação se mantinha válida, subsistindo assim o negócio celebrado por aquele.

Em síntese, a vinculatividade dos poderes representativos tem como limite a sal vaguarda dos interesses do representado e de terceiros intervenientes na senda nego cial, traduzidos quer na imperativa figura jurídica da ratificação do representado (no caso de inexistência de poderes), quer na inoponibilidade face a terceiros decorrente de eventual modificação ou revogação pretéritas.

De resto, o vulgar recurso à concessão de poderes representativos, usual no giro co mercial negocial, requer da parte do representante o ónus do cumprimento do senti do decorrente do instrumento de procuração, posto ser este último funcionalmente dirigido à realização de fins e interesses do representado, sob pena da preclusão da validade jurídica do ato por si celebrado, a fim de obstar à verificação de vícios subs tantivos, judicialmente sindicáveis, para reposição da sempre almejada legalidade.

54
PROFISSÃO
Telma Afonso Colaboradora do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

TECNOLOGIA

Smart Contracts:

Será esta a derradeira transformação tecnológia?

Ainovação tecnológica tem assumido um papel fundamental na resolução e simplificação de processos que transformaram completamente a nossa sociedade, sendo que é cada vez mais comum surgirem novos mecanismos, cada vez mais desenvolvidos e ajustados à realização de atos que, pela sua natureza material, pressupõem um maior rigor na análise e na verificação da segurança jurídica que deve estar sempre intrinsecamente garantida.

Durante as últimas décadas, foram várias as alterações implementadas, permitindo que atualmente se efetuem negócios à distância de um clique. Exemplos disso são os “smart contracts”, que assumem uma natureza autoexecutável e que ficam depositados em “blockchain” que, na prática, são uma base de dados de registo.

Naturalmente que a utilização de tecnologia, que em muitos casos é plenamente desconhecida, levanta questões de natureza pessoal e profissional sobre o modo de funcionamento ou sobre as eventuais garantias relativamente ao grau de (in) segurança jurídica inerente.

Em ambos os casos, a resposta será sempre mais complexa, dependente do objetivo em que se pretenda ajustar esta tecnologia.

Atualmente, os “smart contracts” são utilizados na transmissão de ativos de natureza digital, com cláusulas preparadas para permitir uma mecânica autoexecução contratual, nomeadamente quanto à transação que é realizada, com a entrega do respetivo ativo e pagamento devido a cada uma das partes.

O facto deste contrato ser totalmente digital, de se encontrar realizado em linha de código, em que as cláusulas são absolutamente claras quanto à causaefeito do objeto negocial, seguro pela utilização de meios de encriptação e por se encontrar depositado numa base de dados de cariz praticamente inviolável, permite a respetiva segurança jurídica da transação e a minimização dos riscos de eventuais litígios que daí possam advir.

E se estes contratos passassem a ser utilizados para a transmissão de bens físicos como um imóvel?

Desde a entrada em vigor da lei que permite a realização de atos à distância que podemos estar perto dessa realidade. Para tal, teria de haver um reajustamento na identificação predial do prédio, com a criação de uma ficha única, na qual constasse o artigo matricial, com as áreas harmonizadas, os certificados energéticos, fichas técnicas, licenças de utilização e tudo o que fosse necessário para a transmissão do imóvel e a criação de um servidor puramente digital onde fossem armazenados esses contratos. E se eventualmente pudesse haver dúvidas quanto à legalidade dos contratos, todas as cláusulas que fossem inseridas no “smart contract” a formalizar teriam de ser indicadas por um profissional habilitado, como um Solicitador, que garantiria o necessário enquadramento legal para o efeito.

O futuro passará pelo óbvio desenvolvimento tecnológico e reajustamento dos meios atualmente existentes, mas cada Solicitador terá sempre um papel fundamental na garantia da defesa dos direitos dos cidadãos.

SOLLICITARE 55 PROFISSÃO
João Salcedas Solicitador e Presidente da Comissão de Apoio aos Jovens Solicitadores da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

“Todos os cantores são de intervenção.”

Nasceu numa família de músicos na alentejana vila do Redondo. Terceiro de cinco irmãos, traz na voz o orgulho na terra, nas gentes, no país e na língua portuguesa. De resposta sempre pronta, assim é Vitorino: o homem que canta histórias da vida, da sua e dos que o rodeiam, num inconformismo constante com o socialmente estabelecido. E com o Alentejo sempre no coração.

CULTURA
ENTREVISTA JOANA GONÇALVES © António Marinho da Silva

sempre?

As origens marcam toda a gente para sempre. As ori gens determinam a nossa vida toda. Aliás, quando temos um problema, voltamos sempre às origens e às memó rias da infância ou do tempo bom. Isso é o que nos equi libra e ajuda a ultrapassar as coisas difíceis da vida.

Como é que a música surgiu na sua vida?

A música estava em casa, desde o século XIX, com o meu avô Salomé e com o meu avô Vieira. Eram todos mú sicos. Da parte do meu pai e da minha mãe também ha via música. Os meus tios tinham uma orquestra. Não se esqueçam que antigamente, para haver música nos sítios onde se vivia, esta tinha de ser tocada pelas pessoas. Não havia rádio, que só apareceu nos anos 30. Na verdade, a música só está disponível há bem pouco tempo.

Chegou a estar emigrado em França. Como recorda esses tempos?

Não é bem emigrado. Fui voluntário. Viva-se muito mal aqui, em Portugal. Muito mal sob o ponto de vista das ideias. Havia um sufoco do quotidiano. Foi dramáti co, foi um regime muito violento. Eu tinha alguma instru ção, tinha estudos o que era muito difícil de acontecer na altura, nascendo e vivendo no Redondo. E, por tudo isso, decidi ir embora e procurar outros caminhos.

Lá [em França] respirava-se outra liberdade?

O Maio de 1968 foi um ponto alto da liberdade no mundo. Eu cheguei a Paris em outubro desse ano, quan do ainda tudo estava em pólvora. Foi maravilhoso. Sur preendeu-me aquela liberdade de protestar e a liberda de das pessoas se relacionarem como bem entendiam. A liberdade de ver um bom ou um mau filme. Portugal ainda sofre muito por causa dos 48 anos de sufoco que viveu.

Onde estava no 25 de Abril?

Por acaso, estava em Portugal. Tinha vindo de Paris para ver uns amigos. Foi uma sorte e uma felicidade po der estar cá nesse momento. Naquela altura, era novo, tinha energia e fazia muita vida boémia. Estava a sair de um sítio em Alfama que era “revirado”, ou seja, do con tra. Às 4 da manhã íamos a passar no Terreiro do Paço e percebemos que havia uma agitação muito grande. Pensámos que era um golpe fascista, mas depressa per cebemos, pelas flores, que não, que era algo diferente. Admito: não me deitei na cama durante três dias.

Considera-se um cantor de intervenção?

Todos os cantores são de intervenção. Mesmo quem diz que não, intervém nas suas músicas. Porque essa é a nossa natureza. É a natureza dos homens.

Eu gosto de ser português, tenho orgulho de ter nascido neste país. Um país melancólico e infeliz. Portugal está sempre nas minhas canções. Na melodia e no texto. Sempre.

Como descreveria a sua música?

Não consigo. Têm de ser as pessoas que a ouvem. Eu estou do outro lado da música. Agora, sei porque é que a faço. Tenho sempre um sentido social, um sentido do mundo que me envolve. Posso exercer a crítica que me inspira no momento em que faço música. Todas as mú sicas que faço têm sempre um grande sentido de obser vação do que me rodeia.

Ao longo da sua carreira tem partilhado músicas e palcos com muitos outros artistas. Como funciona a construção desses momentos de cumplicidade?

A partilha é uma coisa que eu aprendi com o meu grande amigo José Afonso. Ele partilhava tudo o que sa bia. Mas partilhava também os palcos. Aliás, o Zeca criou um conceito de “estar no palco” que surpreendeu a Eu ropa. É preciso uma cumplicidade profunda. Com o Zeca aprendi a felicidade dessa partilha de palco. Sou muito sensível a convites desse género ou mesmo para partici par em discos de outras pessoas ou compor para outros artistas. A partilha está contida na minha ação do quoti diano.

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VITORINO
Nasceu no Alentejo, no Redondo. As origens marcam para

ESCOLHAS…

Um livro: Qualquer um de língua portuguesa

Um filme: “O Reino dos Céus”

Um programa de TV: O noticiário da RTP2

Uma música: “Mulher da erva” de José Afonso

Um sítio: Cidade Velha de Goa

A língua portuguesa é a melhor matéria-prima para criar uma canção?

A língua portuguesa é sagrada. É fantástica e ajuda -nos muito. A língua portuguesa é que nos dá o ritmo e é inspirador. Mas não é só em Portugal. O crioulo-por tuguês cantado por um cabo-verdiano é lindíssimo. Ou a forma como os brasileiros organizam a língua portu guesa de uma maneira fantástica, tão tropical. A língua portuguesa é o nosso grande património.

O que o inspira?

Tudo, mas sobretudo a vivências das coisas. Cada can ção que faço é uma história e tenho uma imagem muito nítida dela. Até porque é a partir dessa imagem que eu faço a letra, a música ou até as duas ao mesmo tempo. É algo que não se explica muito bem. Sinto que a criativi dade é um fenómeno sem explicação.

Portugal é, também, uma inspiração?

Portugal é muito inspirador. Tem uma cultura fortíssi ma, coisa que muitos urbanos não conseguem vislum brar. Eu gosto de ser português, tenho orgulho de ter

nascido neste país. Um país melancólico e infeliz. Por tugal está sempre nas minhas canções. Na melodia e no texto. Sempre.

É conhecido por ser um homem do contra. É mesmo? Se sim, é contra o quê?

Não sou por sistema. Sou contra aquilo que eu acho que não está bom. Mas sou um bocado rezingão, é ver dade. Não me recomendo.

Tem mais de 40 anos de carreira. O que mais o envaidece neste percurso?

Alguma coerência. Procuro ter sempre a “espinha di reita” e promover a grande aprendizagem do grupo que o Zeca Afonso tutelava. O que mais me orgulha é manter essa escola de fraternidade e de partilha. Essa fidelidade profunda à língua portuguesa e ao falar alentejano.

E o que falta ainda fazer?

Eu acho que se vai fazendo tudo. A andar vamos fa zendo o caminho.

SOLLICITARE 59

O cumprimento da obrigação de designação de Encarregado da Proteção de Dados no Ministério da Justiça

Pelo Despacho n.º 5643/20181, Sua Excelência A Ministra da Justiça em exercício implementou no Ministério da Justiça português (MJ) um sistema de Encarregado da Proteção de Dados (EPD) único, cumprindo, assim, uma das obrigações que incumbem aos organismos públicos (cf. artigo 37.º do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados)RGPD).

Na sequência do referido despacho, a EPDMJ elaborou um plano de proteção de dados para todas as estruturas nas quais passaria a exercer funções como EPD2. Atenta a multiplicidade de estruturas, implementou no MJ um modelo de proteção de dados que integra um EPD e tantos pontos focais quantos os organismos, pontos focais estes indicados pelos dirigentes máximos, depois de reuniões havidas com todas as estruturas, em que foi apresentado o plano e modelo aludidos.

Política

Justiça (2019-2021),

No quadro deste plano e do modelo assente em pontos focais, desde 2018, a EPDMJ, em estrita colaboração com todos os organismos, respondeu a cerca de 400 pedidos de parecer por parte destes, ministrou cerca de 70 ações de formação, designadamente a trabalhadores dos organismos do MJ, respondeu a cerca de 200 pedidos de titulares dos dados e emitiu cerca de 20 recomendações e boas práticas, incluindo, no contexto da crise pandémica que eclodiu, um regulamento sobre a proteção de dados e privacidade no teletrabalho.

1 Disponível em https://dre.pt/home/-/dre/115466752/details/maximized

2 Ao abrigo da Lei Orgânica do MJ, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de dezembro, são as seguintes as estruturas integrantes do MJ, responsáveis pelo tratamento à luz do RGPD: Secretaria-Geral (SGMJ); Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça (IGSJ); Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ); DireçãoGeral da Administração da Justiça (DGAJ); Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP); Polícia Judiciária (PJ); Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ); Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN); Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF); Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P. (INPI); Conselho Consultivo da Justiça (CCJ); Centro de Estudos Judiciários (CEJ); Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes (CPVC); Comissão de Programas Especiais de Segurança (CPES); Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ); Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ).

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Inês Oliveira Encarregada da Proteção de Dados do Ministério da Justiça (EPDMJ)
PROFISSÃO
José Luís Dias Ex-Subdiretor-Geral da Direção-Geral da de Advogado of counsel na KGSA & Associados

Leituras

ENSAIO SOBRE

A CEGUEIRA

José Saramago

O autor dispensa apresentações. Uma escrita tão cheia de detalhes que nos permite ver e viver as suas narrações.

Perante o semáforo vermelho, aguardam os carros que se acenda a luz verde, até que esta se acende e o primeiro carro da fila não avança. Tinha, naquele instante, ficado cego, “como se houvesse um muro branco do outro lado”. O diagnóstico: “uma cegueira inexplicável”. Quem o tinha levado a casa também cegou.

Também o oftalmologista ficou cego e infetou todos os seus pacientes, tornando-se rapidamente a cegueira numa verdadeira pandemia.

Todos os cegos são internados num manicómio abandonado. Ali passa-se fome, luta-se pela sobrevivência, como animais, por instinto.

A cidade, aos poucos, “a ver tudo branco”, transformada num caos, numa luta pela sobrevivência.

Uma obra que, pese embora aborde a cegueira, nos permite “ver” e imaginar, cada leitor à sua maneira. Uma obra brilhante, que nos prende da primeira à última página.

“Se podes ver, repara”.

A BIBLIOTECA DA MEIA-NOITE Matt Haig

Nora vive uma vida profundamente infeliz e decide terminar com ela. Contudo, não morre e é transportada para a Biblioteca da Meia-Noite, um espaço misterioso situado entre a vida e a morte, um pórtico de oportunidades de vida, onde “pode viver todas as vidas que poderia ter vivido”. Encontra o livro onde constam os seus arrependimentos ao longo da vida e, com base nele, pode escolher um livro novo e viver uma vida diferente. Tem, assim, a chance de descobrir que rumo teria tomado a sua vida se tivesse optado por uma decisão em vez de outra.

Será que Nora vai encontrar a vida perfeita?

Como seria a nossa vida se determinada decisão tivesse sido outra? Quão incrível ou assustador seria podermos ver o rumo da nossa vida com base noutras decisões? Ou será que não existem, de todo, vidas perfeitas?

Um livro extraordinário que nos leva a refletir sobre as nossas decisões, sobre o impacto que as mesmas têm na vida que hoje vivemos e sobre o que realmente importa, o que faz com que valha a pena a vida ser vivida.

SOLLICITARE 61 SUGESTÕES

CORTIÇA

REPORTAGEM CULTURAL
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na vanguarda da inovação e da sustentabilidade

Foi fundada em 1870 por António Alves de Amorim e Ana Pinto Alves e, na altura, o abastecimento do setor vinícola foi o ponto de partida desta empresa dedicada à produção de cortiça. Hoje, tem dezenas de unidades de negócio espalhadas pelos cinco continentes. Fomos visitar a CORTICEIRA AMORIM e, nesta reportagem, mostramos-lhe todos os segredos daquele que é um dos produtos naturais mais caraterísticos de Portugal: a cortiça.

REPORTAGEM DINA TEIXEIRA

Para descobrir todo o universo desta matéria-prima, não poderíamos deixar de conhecer o maior grupo de transformação de cortiça do mundo. A Corticei ra Amorim soma mais de 150 anos de história bem -sucedida. Grupo este que se move pelos valores do orgulho, ambição, iniciativa, sobriedade e atitude. E para descobrirmos um pouco mais acerca dos seus detalhes históricos, contamos com a ajuda de Rafael Rocha, Diretor de Comunicação Corporativa da Corti ceira Amorim, que nos explica: “Para além do abas tecimento do setor vinícola, a empresa tem inscritos na sua cronologia outros cinco momentos históricos dignos de particular registo. A saber: a exportação de matérias-primas semi preparadas para a indústria da cortiça, sediada naquela altura integralmente fora das fronteiras do nosso país; a transformação de toda a matéria-prima em Portugal, como consequência do alargamento da base industrial iniciado na década de 60; o processo de internacionalização alavancado pela entrada na Bolsa de Valores em 1988; a inovação, que se torna peça fundamental do negó cio a partir de 2000, com novos produtos, melhores tecnologias e outros mode los de gestão; e, finalmente, a fase atual caraterizada pela intervenção florestal, cujo objetivo basilar é um maior conhecimento do sobreiro”. E, rumando até à atualidade, revela-nos ainda: “A empresa exporta para mais de 100 países e conta com uma rede diversificada de 29 mil clientes e com uma equipa de mais de 4.600 colaboradores, cerca de 3.200 dos quais em Portugal”. E acrescenta: “A Corticeira Amorim contribui como nenhum outro player para o negócio, para o mercado, para a economia, para a inovação e para a sustentabilidade de toda a fileira da cortiça”.

Que a cortiça é uma matéria-prima proveniente da casca do sobreiro, ou seja, um tecido vegetal 100% natural, e um dos produtos mais extraordinários da natureza, isso sabemos bem. Mas será que conhece mos todas as suas características e versatilidade? É o que vamos perceber agora. “As células da cortiça, agrupadas numa estrutura alveolar caraterística, em tudo idêntica a uma colmeia, estão preenchidas com uma mistura de gases muito semelhante ao ar, sendo as suas paredes maioritariamente revestidas por suberina (uma espécie de cera natural) e lenhina (uma macrocélula tridimensio nal de resistência a ataques microbiológicos). Tal estru tura celular confere à cortiça um conjunto de caraterísti cas ímpar”, refere Rafael Rocha. Mas esta não é a única razão pela qual este é um recurso tão único. Saliente-se ainda que “a cortiça é uma matéria-prima renovável, re ciclável e reutilizável. Um material leve, impermeável e hipoalergénico. Um recurso orgânico elástico e compres sível, isolante térmico e acústico, impermeável, flutuante e resiliente. Uma substância inimitável capaz de gerar va lor social, ambiental e económico, com altas credenciais de sustentabilidade e aliada do equilíbrio climático. Uma

"A cortiça é uma matéria-prima renovável, reciclável e reutilizável. Um material leve, impermeável e hipoalergénico. Um recurso orgânico elástico e compressível, isolante térmico e acústico, impermeável, flutuante e resiliente. Uma substância inimitável capaz de gerar valor social, ambiental e económico, com altas credenciais de sustentabilidade e aliada do equilíbrio climático. Uma única tonelada de cortiça retém até 73 toneladas de dióxido de carbono."

Rafael Rocha

única tonelada de cortiça retém até 73 toneladas de dió xido de carbono”. E, por estes motivos, é fácil perceber que “a cortiça é uma matéria-prima tão perfeita que até hoje nenhum processo industrial, laboratorial ou tecno lógico a conseguiu replicar”, como nos desvenda o Dire tor de Comunicação.

Quisemos ainda saber como funciona o processo de produção da cortiça. “Cada sobreiro demora 25 anos até poder ser descortiçado pela primeira vez, sendo que ape nas a partir do terceiro descortiçamento (aos 43 anos), ou «tiradia», na linguagem popular dos descortiçadores, a cortiça, então denominada «amadia», tem a qualida de exigida para a produção de rolhas. As duas primei ras extrações – cortiça «virgem» e «secundeira» –, assim como a que é retirada da base da árvore, resultam em matéria-prima para isolamento, pavimentos e produtos para áreas tão diversas como a construção, o desporto, a moda, o  design, a saúde, a produção de energia ou a indústria aeroespacial”, esclarece Rafael Rocha. E quan to ao processo de extração, destaca: “A extração é feita em ciclos de nove anos, tantos quantos são necessários para a completa regeneração do Quercus suber L. (casca do sobreiro), por profissionais altamente especializados, sempre entre maio e agosto, quando a árvore está numa

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fase mais ativa do crescimento, o que torna mais fácil descortiçá-la sem ferir o tronco. Após o descortiçamen to, cada sobreiro é marcado com a numeração do últi mo algarismo do ano em que foi realizada a extração da cortiça”. Apesar de muito deste trabalho ser feito pelas mãos experientes, qualificadas e cuidadosas dos traba lhadores da Corticeira Amorim, “a permanente busca de eficiência operacional conduziu a Corticeira Amorim ao desenvolvimento de uma máquina de extração de corti ça, introduzindo desta forma a mecanização no descor tiçamento”, admite, sublinhando que “o objetivo é alar gar a utilização do mecanismo, entretanto patenteado, a toda a produção florestal. Ou seja, dentro de dois ou três anos evoluir dos atuais 10% para 60 ou 70% da totalidade de cortiça comprada pela indústria extraída com recurso a esta nova tecnologia”.

Atualmente, a cortiça chega aos quatro cantos do mundo das mais variadas formas. “Sob a liderança da 4.ª geração da família, e tendo como presidente e CEO An tónio Rios de Amorim, a Corticeira Amorim é detentora da maior rede de distribuição do mundo (56 empresas), realiza mais de 90% das vendas fora do mercado portu guês e em 2021 registou 837,8 milhões de euros em ven das consolidadas”, diz-nos o Diretor de Comunicação. E isso deve-se muito à estratégia que têm vindo a desen volver, alicerçada na sustentabilidade e inovação.

Comecemos pela primeira. Como nos explica Rafael Rocha, “a sustentabilidade é mesmo uma das maiores bandeiras da Corticeira Amorim que tem orgulho na sua pegada de carbono negativa. Tanto a nossa visão (crescer garantindo a promoção da equidade social em paralelo com a salvaguarda ambiental), como a missão (acres centar valor à cortiça, de forma competitiva, diferencia da e inovadora, em perfeita harmonia com a Natureza) consideram o capital natural. A preocupação constante pela escolha, adoção e reforço de práticas de desenvol vimento sustentável elegem a empresa como uma das mais sustentáveis do mundo, um cenário que tem como principal responsável uma matéria-prima única que é, em si mesma, a simbiose perfeita entre natureza e tec nologia”. E mais. “Ao promover a extração cíclica da cor tiça, sem danificar as árvores, a empresa garante que o montado de sobro é um recurso viável, natural e reno vável, com inúmeros benefícios ambientais, económicos e sociais. Ao nível das operações, sob o mote «nada se perde, tudo é valorizado», desde 1963 que a Corticeira Amorim transforma os desperdícios da produção de ro lhas em grânulos, aglomera-os recorrendo a diferentes densidades (e tamanhos) e explora as práticas da econo mia circular (tantas vezes usando também os desperdí cios de outras indústrias como a do têxtil, do calçado ou a automóvel, etc.)”, destaca. A plena adesão aos princí pios da economia circular é outro dos grandes pilares da sustentabilidade desta empresa, como nos refere o Di

retor de Comunicação: “Temos 100% de aproveitamen to da cortiça; uma taxa de valorização de resíduos (não cortiça) de 93%; 79% de energia utilizada de fontes re nováveis; 64% das unidades industriais com certificação Forest Stewardship Council (FSC®) na cadeia de custódia; e programas de reciclagem de cortiça por todo o mun do”. Não há dúvidas de que esta empresa tem estado na dianteira do desenvolvimento sustentável: “em 2004, a Corticeira Amorim foi a primeira empresa de cortiça do mundo a alcançar o certificado FSC® na cadeia de custó dia; desde 2006, publica o relatório de sustentabilidade, iniciando um processo de comunicação regular das suas práticas; em 2008, juntou-se ao projeto Green Cork, uma iniciativa dedicada à recolha de rolhas para reciclagem; desde 2013, explora, promove e lidera um Projeto de In tervenção Florestal que visa assegurar a manutenção, a preservação e a valorização das florestas de sobro e, con sequentemente, a produção contínua de cortiça de qua lidade; em 2018, alinhou os objetivos da empresa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, lançando as bases para o programa «Sustentá vel por natureza» com a ambição para 2030; entre outras ações, iniciativas e projetos com impacto a nível ambien tal, económico e social”. Mas não querem ficar por aqui.

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"Ontem como hoje, é a paixão pela cortiça que nos move e o nosso grande trunfo reside no conhecimento desta matéria-prima."

Rafael Rocha confessa que “a ambição de querer ir mais longe, de criar um impacto verdadeiramente positivo nas pessoas e de sustentar um planeta mais inclusivo, equi tativo e verde é o nosso mote”.

Foquemo-nos agora na inovação. Desenvolver novos produtos e soluções capazes de responder a desafios, marcar a diferença e agregar valor. Este é o trabalho que a Corticeira Amorim tem levado a cabo ao longo de to dos estes anos, promovendo programas de inovação, que apostam na diferenciação, pela qualidade única da cortiça, e na reinvenção deste recurso natural. “A nossa paixão pela cultura de inovação é muito alargada, abran gente e multidisciplinar. Assenta em investimentos signi ficativos em Investigação & Desenvolvimento e Inovação, é transversal a todas as unidades de negócio do universo da Corticeira Amorim, e motiva, desperta e anima quo tidianamente os mais de 4.600 colaboradores espalha dos pelo mundo”, revela-nos o Diretor. E dá-nos alguns exemplos desta inovação: “Rolhas que prescindem do saca-rolhas; compósitos de cortiça com biopolímeros; soluções para relvados naturais que, ao substituir a tra dicional turfa, reduzem em 40% as lesões dos jogadores de futebol; tecnologia que permite uma performance de TCA (Tricloroanisol) não detetável numa análise rolha a rolha; pavimentos flutuantes sustentáveis, 100% à prova de água e sem PVC; aplicações inovadoras para as in dústrias aeroespacial, da construção, da mobilidade, do desporto, da energia ou do design, entre outros”. A par desta estratégia, a Corticeira Amorim criou, em 2018, uma nova unidade: “a i.cork factory, um laboratório de explo ração de novas tecnologias aplicadas à cortiça e de novos materiais resultantes da incorporação desta em todas as suas vertentes e potencialidades”. “A busca incessante da inovação em todas as suas dimensões será funda mental para que a Corticeira Amorim possa continuar a crescer, reforçar a sua liderança e assegurar a sua longe vidade”, clarifica.

O fim da visita aproxima-se. E não vamos embora sem antes esclarecermos uma questão: Qual é chave para o sucesso? Para Rafael Rocha, é simples: “Conjugando tra balho e talento, combinando perseverança e engenho, conciliando conhecimento e técnica ininterruptamente na busca do sucesso. Mas sobretudo unidos pela pai xão que a todos estimula: a cortiça. Ontem como hoje, é a paixão pela cortiça que nos move e o nosso grande trunfo reside no conhecimento desta matéria-prima. Um know-how que continuaremos a expandir, reforçando as competências internas e estabelecendo novas parcerias com a ciência”, rematou, não deixando ainda de ressaltar que “o futuro da Corticeira Amorim passa não só pela diversificação da transformação da cortiça, mas também pela otimização da produção florestal”.

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António Rios de Amorim

MOINHO DO CU TORTO

Um restaurante feito por “Gentes do Alentejo”

O espaço remonta a 1966, adquirido pelo Sr. Ludgero e por Fátima Salvador, ambos empreendedores e vi sionários do que se tornaria um dos espaços mais atrativos da região. Não só pelo ambiente colecionista e alusivo à época, mas também pelas suas características gastronómicas das “gentes do Alentejo”.

O Moinho, construído em 1893 e agora desativado, é fonte de atração turística. Reza a lenda que o moleiro que lhe deu vida padecia de alguns problemas nas costas e foi, desde cedo, apelidado de “Moinho do Cu Tor to”, designação que perdurou e que deu nome ao restaurante.

A João Almeida, genro dos proprietários, cabe a gestão deste espaço de iguarias alentejanas desde 2020. Conta, com satisfação, que os pratos típicos (pezinhos de coentrada, feijoada com cabeça de xara, sopas de tomate, migas…) alimentam o cardápio desde sempre. A principal característica deste espaço encantador é que, mesmo que voltemos anos depois, a tradição e a confeção mantêm-se inalteradas.

Como refere João Almeida, “temos clientes que fazem quilómetros para vir ao restaurante com a garantia que mantemos os pratos e a qualidade”.

O Moinho, reconstruído de raiz em 1996, não desperdiça funcionalidades. Com fornos adaptados, todo o pão consumido no restaurante é de fabrico próprio. A massa mãe é artesanal, potenciando as enzimas natu rais do pão em detrimento do uso de fermentos adicionais. Simplesmente delicioso!

O Restaurante Moinho do Cu Torto, de ambiente acolhedor e familiar, conta com um espaço interior e outro exterior. O interior, cujo peso da tradição se jun ta ao agradável aroma dos sabores da terra, transporta-nos para um ambiente de serenidade e tranquilidade próprios do Alentejo.

Já o espaço exterior, de temperatura amena e protegido por uma forte cober tura de “três-marias”, alimenta um ambiente descontraído e romântico.

A reprodução fiel de taberna típica e mercearia dos anos 70 dificilmente con seguimos encontrar nos mais diversos recantos deste país. A simplicidade, a tra dição, a fidelidade aos pratos que trouxeram merecido destaque ao reconheci mento gastronómico alentejano são já uma raridade.

MOINHO DO CU TORTO

Rua de Santo André nº 2, Évora

Tel. 266 771 060

Aberto de segunda a sábado, das 12h15 às 15h00 e das 19h15h às 23h00.

Aos domingos está aberto das 12h15 às 15h30.

Em Évora, no centro do Alentejo, zona de boa comida e bom vinho, o Restau rante Moinho do Cu Torto proporciona-nos o aconchego da “comida da avó”. Apreciada por miúdos e graúdos, alimenta a saudade e ternura dos mais velhos e apresenta a tradição aos mais novos.

É, sem dúvida, um espaço carismático, repleto de simpatia, de serviço organizado e profissional, que man tém a porta aberta a quem se quiser envolver no coração da região.

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ROTEIRO GASTRONÓMICO

RESTAURANTE ORTHEZ

Tradição e comida de conforto

Mirandela, cidade jardim, conhecida pela hospitalidade e pela arte de bem receber das suas gentes.

Terra da alheira – uma das sete maravilhas gastronómicas de Portugal –, do festival do rancho, do azeite de excelência e de tantas outras iguarias.

E por falar em gastronomia, sugiro que, ao visitarem Mirandela, façam uma paragem no restaurante Or thez. O nome, um pouco ou tanto invulgar, vem da geminação entre o Município de Mirandela e a cidade francesa “Orthez”. A aliança entre os municípios remonta ao ano de 1993, ano da inauguração do restaurante. Dizem os proprietários que, aquando da assinatura do respetivo protocolo, por ali se almoçou e foi o quan to bastou para se apelidar o restaurante. Em 2003, o Sr. Luís e a Dona Lurdes assumiram a gerência da casa quando se fartaram da vida de emigrantes e decidiram regressar às origens. Há quase duas décadas a servir as melhores receitas, arrisco-me a dizer que a simpatia é sempre o prato do dia. O Sr. Luís assume a cozinha, enquanto a Dona Lurdes nos recebe sempre com um sorriso no rosto. Entrem e sintam-se em casa.

O restaurante é um espaço familiar, descontraído, simples e acolhedor. A fachada simples dá depois lugar a uma única sala, muito típica. Aqui serve-se comida de tacho e de conforto, sabores e aromas de cozinha me diterrânea, combinados com os produtos regionais. Típica comida portuguesa, essencialmente transmon tana, pratos regionais do antigamente, que se misturam com algumas receitas mais ousadas da autoria do chefe. Todas as refeições, confecionadas com muito rigor, são servidas de uma forma bastante generosa.

De entre as muitas iguarias que aqui podem degustar, destaque principal para o famoso rancho, servido todas as quintas-feiras (dia de feira semanal) por tradi ção em praticamente todos os restaurantes da cidade. Mas este prato, confesso, tem algum segredo que me apura os sentidos e aguça o paladar.

E na cidade onde a alheira é rainha e principal símbolo, não posso deixar de vos recomendar a verdadeira alheira Mirandelense, assada na brasa, que pode ser servida como entrada ou como prato principal, neste caso acompanhada de batata cozida e grelos ou couves.

RESTAURANTE ORTHEZ

Rua Cidade Orthez, n.º 6 R/C 5370-320 Mirandela Tel. 278249003

Aberto de segunda a sextafeira, das 11h30 as 14h30 e das 16h00 às 22h00, e ao domingo das 11h30 às 14h30.

O chefe sugere-nos também a faísca: nacos de vitela com molho “especial” (diz ele, que não nos quis revelar o segredo), acompanhados de batatas fritas com cas ca, envolvidas em maionese, uma mistura de texturas e sabores, que nos fazem querer voltar. E as sugestões poderiam continuar, como o arroz de cabidela, a posta, a feijoada ou um bom cozido à portuguesa.

Após uma refeição tranquila e farta, poderá ainda experimentar algumas das fantásticas sobremesas, con fecionadas para surpreendê-lo. O restaurante dispõe ainda de um excelente menu de bebidas apelativas.

Boas razões não faltam. Não deixe de visitar.

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AMARANTE convida

Situada a norte de Portugal, a cidade de Amarante, conhecida como a “Princesa do Tâmega”, é uma cidade com história, tradição, paisagens e uma beleza natural encantadora que surpreende pela sua diversidade.

Nas suas encostas temos as serras do Marão e da Aboboreira, destinos naturais com paisagens e trilhos de tirar o fôlego, quer pela sua beleza, quer pela sua dimensão, nas quais ainda há o privilégio de conhecer al deias preservadas, com espigueiros, eiras, cozinhas de pedra com fogões de lenha onde se assa cabrito, ao domingo, para a família que ainda se junta à volta da mesa.

Atravessada pelo Rio Tâmega e dividida pela ponte de S. Gonçalo, uma das mais belas pontes portuguesas, em Amarante encontramos os mu seus de Arte Sacra e de Amadeo de Souza-Cardoso, bem como o mosteiro de S. Gonçalo e as igrejas de S. Pedro e S. Domingos.

Terra de personalidades ligadas às artes e à literatura, de Amarante são originários Amadeo de Souza-Cardoso, Agustina Bessa-Luís, Teixei ra de Pascoais, entre muitos outros ilustres da casa que marcaram a his tória da cidade e do país.

Terra de tradição em doces conventuais, doces esses feitos à base de ovos, amêndoas e açúcar, recriados por uma tradição e receitas de sé culos, fazem obrigatória uma paragem em qualquer uma das confeita rias de Amarante. Papos de Anjo, Lérias, Foguetes, S. Gonçalos, Brisas do

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Jorge Reis

Tâmega e o Doce Fálico de S. Gonçalo são alguns dos mais tradicionais doces que se encontram em qual quer montra. Este último, Doce Fálico, tem uma for ma peculiar e uma história ligada à religião antiga, que batizou S. Gonçalo como o Santo casamenteiro das solteironas mais velhas, que rezavam a pedir au xílio no encontro de marido. Reza a lenda que quem puxar a corda de S. Gonçalo encontrará marido, pelo que ficou associado aos casamentos e à fertilidade.

Assim, no primeiro fim de semana de junho, nas “Festas do Junho”, como corriqueiramente são co nhecidas, é tradição levar a S. Gonçalo um ramo de cravos e puxar-lhe pela corda para que seja favoreci da a vida amorosa.

Amarante é ainda conhecida como uma terra de gastronomia e vinho verde, de comidas tradicio nais servidas pelos melhores restaurantes, tascas e tasquinhas que se estendem pelas ruas da cidade. É local de eleição de turistas de todo o mundo, que se deliciam com as iguarias como o cabrito assado, pa pas de sarrabulho e de nabiça couve, rojões ou feijoa

das, tudo isto regado pelas melhores castas de vinho verde.

O artesanato também faz parte da cultura da cida de, sendo predominante a cestaria, a tecelagem e o barro negro.

Para os amantes de golfe, Amarante dispõe de um campo de excelência que conjuga o gosto pelo des porto com a paisagem e que é visitado por muitos profissionais nacionais e estrangeiros.

Na margem esquerda do Rio Tâmega, um edifício imponente, hoje transformado em hotel de luxo e restaurante dotado de uma estrela Michelin, a Casa da Calçada Relais & Châteaux, faz as delícias de gos tos mais aprumados pelo seu charme e exclusivida de. Já fora do centro da cidade, o temático Monverde Wine Experience Hotel convida a dormidas na vinha e a provas de vinho de castas selecionadas. Não menos aprumados e mais rústicos, os alojamentos locais e as casas de turismo rural espalhadas pelo extenso concelho de Amarante acolhem, de forma familiar, todos os que por aqui passam a visitar a linda cidade.

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A ansiedade de férias ao estilo de “pulseirinha” deixa-nos sempre com um calafrio bom no estômago. À medida que nos aproximámos do México, esse burburinho aumenta gradualmente. Afinal, conhecer o paraíso não acontece todos os dias.

Descer das nuvens, no México, afigura-se como entrar numa floresta amazónica: árvores, corais e mar azul-turquesa. Fantástico. Percebi logo que ia ser feliz ali. E fui!

Sair do aeroporto, em Cancún, é quase como levar uma chapada de calor abrasador, ficar com a roupa colada ao corpo com a humidade no ar e, claramente, beber uma margarita. Aqui começa a verdadeira aventura. Chegar ao hotel! No hotel, tal como previsto, encontramos o paraíso do descanso, mas também um furacão! Sim. Um furacão estava a passar por cima da zona de Playa del Carmen, o que foi, por si só, uma experiência.

No México, apaixonámo-nos pela simplicidade das pessoas que se cruzaram connosco. Vivem envoltos de uma pobreza grande, sobrevivendo com o turismo e salários muito baixos, mas estão sempre de sorriso na cara e bem-dispostos. O oposto vê-se na 5.ª Avenida da Playa del Carmen. É “a” avenida a conhecer e para fazer compras na Riviera Maya. Muito ao estilo americano, mas com excelentes restaurantes e todas as lojas conhecidas.

As ruínas de Tulum situam-se na península de Yucatán. Percebe-se a inteligência que o povo Maia tinha. A entrada é feita por um túnel apenas, assim como a saída. Tudo está completamente murado, tendo sido construído em cima de uma arriba na costa das Caraíbas, como forma de proteção e segurança do povo. A cidade cresceu dentro dos muros e a sobrevivência da população garantia-se pela pesca.

MÉXICO

A praia considerada como sendo a mais bonita do México é exatamente a praia de Tulum. Infelizmente não consegui verificar, pois havia muito sargaço na praia.

Nadar com as tartarugas, para mim, foi a melhor experiência que tive até hoje. Fizemos snorkeling na reserva da biosfera onde as tartarugas vão comer e ali ficam, impávidas e serenas com todos os turistas à sua volta. Do mar passámos à selva a caminho dos Cenotes. A selva em si é um pouco assustadora, no entanto há pessoas a viverem lá. Chegou a vez dos Cenotes. No México há muitos e optámos por visitar o X-Tun. Entre mergulhos, água gelada, estalactites e estalagmites, fiquei deslumbrada. Tudo simples, tranquilo, sem palavras para descrever a experiência. Silêncio absoluto. A natureza no México nunca deixou de me surpreender.

Apesar do furacão, ainda tive oportunidade de apanhar banhos de sol (e que sol!) na Isla Mujeres, que é completamente turística e - uma vez mais - paradisíaca. Para chegar lá faz-se a travessia desde Cancún de catamaran, com muita animação e com uma paragem para snorkeling e “visitar” um dos museus subaquáticos, com direito a mais uma espreitadela de uma ou outra tartaruga mais curiosa. O mar é translúcido junto à areia, mas azulão em alto mar. A água é quente e não apetece sair, com areia branca e um sol que só com protetor 50+ ( lá vendem até 90+) é que não ficámos com um escaldão do pior.

Uma coisa prometo: vou lá voltar. Aconselho todos a visitarem, mas saibam que não irão descansar muito se quiserem visitar todas estas belezas naturais. O México é deslumbrante.

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VIAGENS
Rita
O país de areia branca e mar azul
Cenote Ik Kil, Yucatán
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