Mil e duzentos terroristas

Estávamos em uma situação de perigo, pois uma avalanche de pedras, lama e fezes iria nos soterrar e, então, nossos eminentes líderes avaliavam as condições de quando aquilo poderia acontecer. A chuva era intensa e corria um chorume fedorento pelas encostas. O cheiro era forte, insuportável - Estávamos com idosos e crianças, seríamos todos soterrados. Teríamos que sair dali o mais rápido possível. Então, decidimos pedir ajuda às autoridades “competentes”, pedimos um avião para nos retirar daquela encosta tenebrosa que nos ameaçava. Elas disseram que sim, e nos enviariam o avião das Forças Armadas. Realmente vieram, pousaram precariamente em um campo improvisado. Embarcamos ordeiramente em fila indiana e nos acomodamos calmamente com nossas insígnias patrióticas no peito, orgulhosos por exibirmos nossos símbolos nacionais, e nos sentimos aliviados e agradecidos por termos quem nos cuida. Naquele momento, um pastor pediu que fizéssemos uma oração agradecendo a Deus por ter nos enviado o socorro. Depois um católico deu início a uma Salve Rainha e um Pai-Nosso. Os dois pilotos decolaram e seguíamos viagem em alta altitude, com as recomendações da carta de voo, e com uma dura e cruel certeza: o avião não tinha combustível o suficiente para pousar em um local seguro para reabastecer.

Enquanto os passageiros cantavam orgulhosamente o Hino Nacional e empunhavam suas bandeirolas, agradecendo a ajuda vinda dos céus, os pilotos seguiam as ordens de não informar sobre o perigo que corriam. Então, decidiram desligar uma turbina para economizar combustível, e assim o fizeram. Uma turbina foi desligada, um passageiro notou e deu logo o alarme:

— Uma turbina parou! Uma turbina parou! – gritou um passageiro amedrontado. Logo em seguida, o copiloto falou ao rádio.

— Senhores passageiros, tivemos que desligar uma turbina por segurança, mas não se preocupem, pois ainda temos 3 turbinas funcionando perfeitamente.

Assim seguíamos a viagem, mas não demorou muito e outra turbina também parou do outro lado, e novamente, um passageiro também reclamou. “olha a outra turbina também parou”, contudo, sem entender nada de aviação, um passageiro ajudou a acalmar os colegas: “Não se preocupem, eles sabem o que estão fazendo. Faz parte da segurança da aviação e está no plano. Nós vamos pousar bem, vai dá tudo certo, tenham fé. Eles devem ter desligado a segunda turbina para economizar mais combustível”.

O comandante confirmou a suspeita.

— Senhores passageiros. Tivemos que desligar a segunda turbina para aumentar a autonomia de voo da aeronave, mas está tudo sob controle. Ainda temos mais duas turbinas funcionando perfeitamente.

Diante do exposto e em face de um iminente desastre, os passageiros, guiados pela fé, passaram a rezar e a cantar o Hino Nacional com mais fervor, pedindo também a ajuda dos céus: “SOS - Save Our Soul” - (Salve Nossas Almas). Logo estavam todos em coro, rezando e pedindo ajuda.

Não demorou muito, uma turbina sobrecarregada simplesmente pegou fogo, e agora não tinha como recuperar nenhuma das outras duas desligadas. O piloto calmamente pegou o rádio e acalmou os passageiros:

— Senhores passageiros, não se preocupem, está tudo sob controle. Ainda temos uma turbina funcionando perfeitamente e teremos tempo e combustível para aterrissarmos em segurança vai dá tudo certo, confiem em seu comandante...

Eles se acalmaram, confiando na tecnicidade do comandante, e voltaram às suas orações fervorosas e aos pedidos por socorro, de onde fosse, de quem fosse, dos homens de verde, dos azuis, ou dos alados. O avião trepidava como se tivesse em terra de chão esburacado, e eles pressentiam que o silêncio dos pilotos não era bom presságio. Mas sempre vinha a esperança: “está tudo sob controle, eles sabem o que faz, creiam, confiem!”. E, por fim, os dois pilotos saíram da cabine com uma mochila de paraquedas nas costas, abriram a porta a dez mil pés de altura e disseram:

— Senhores passageiros, a última turbina pifou, mas não se preocupem, estamos indo buscar ajuda. Fiquem tranquilos.

—Será que eles sabem o que estão fazendo?

— Sabem. Claro que sabem, fiquem tranquilos.

No outro dia deu nos jornais: “ Avião explode e mata 1.200 terroristas abordo..