Ver melhor o que está perto: jornalismo de proximidade “Os relatos de acontecimentos noticiosos são ‘estórias’ – nem mais nem menos” (Tuchman apu d Tr aqu i n a , 1999 : 258 ) . E, por isso, o jornalista é fun damentalmente um “contador de estórias da sociedade con temporânea”. “Estórias da vida, estórias das estrelas, estórias de triunfo e de tragédia” (Traquina, 2002:10), estórias sobre figuras públicas, estórias sobre anóni mos. E é isso que a maior parte dos leitores procura nos jornais, ainda que por vezes inconscien temente: estórias. Nesse sentido, “o jornalismo pode ser explicado como sendo a resposta à pergunta que muita gente faz todos os dias – o que aconteceu/está aconte cendo no mundo?, em Timor?, no meu país?, na minha ‘terra’?” (Traquina, 200:10). Deverá ser, talvez, essa a maior ambição do jornalismo: responder às questões dos seus leitores, colocando-se no lugar do outro, do seu interlocutor, colmatando a “fome de conheci mento humano” (Stephens apud Kovach, 2001:6) e indo, se preciso for, ao fim da rua ou até ao cabo do mundo (Meneses, 2003:5). Ao contrário do que se verifica na lógica da maior parte dos jornais generalistas contemporâneos, que reflectem “efeitos contraditórios, pois aproximam o que está longe mas, simultaneamente, afastam o que está perto” (Abrantes, 2006), os jornais regionais tendem a dar um especial enfoque ao que é ma is próx imo. Funciona m mesmo, por vezes, como últimos redutos que dão voz às “comu nidades de lugar” (Camponez, 2002:20) e que se preocupam em responder às suas inquietações, porque são elas, afinal, que vão servir de matéria-prima ao tra balho jornalístico. Não há dúvida de que “as pes soas estão interessadas em saber
52
o que se passa próximo de si, e por vizinhança deve entender‑se não só a geográfica como a social e até a psicológica” (Fontcu berta, 2002:36). Partindo deste princípio, a proximidade é um dos factores mais poderosos no momento de escolher uma notí cia e isso ref lecte-se de forma inequívoca no JTM, sendo este o va lor-notícia fundamenta l. O sentido dos interesses dos leitores, em particular daqueles que pertencem às comunidades lusófona s, são o ponteiro da bússola que faz avançar para a cobertura de um determinado acontecimento ou para a decisão quanto ao ângulo de abordagem de um assunto. “O que é que interessa a Macau e aos cidadãos que aqui vivem?” corresponde à “pergunta-chave”, que era feita interiormente todos os dia s, representando invariavelmente o ponto de partida para “agar rar” a maior parte dos temas. A aposta neste tipo de jornalismo é visível ao folhearmos o JTM, jornal onde a secção “Local” ocupa a maior parte das pági nas, e num rápido vislumbrar da primeira página, percebemos igualmente que a manchete e as chamadas estão reservadas aos assuntos da comunidade. Como exemplos de trabalhos que realizei tendo por base este princípio, recordo-me de uma reportagem, uma das peças que mais prazer me deu, sobre um dos últimos sapateiros-artesãos de Macau. Completamente fora do “agenda-setting”, a ideia sur giu do subdirector, que ouviu dizer que perto da sua casa have ria uma loja onde era possível fazer sapatos por medida. Acabei por ir até ao local, acompanhada por u m a pe s soa que f a ria a tradução, com o objectiv o de recolher o testemunho de vida de alguém detentor de uma pro fissão cada vez mais em desuso. Ora, o factor “proximidade”
cadernosdejornalismo 03/04
permitiu-nos conhecer este caso quase singular, chegar com faci lidade à fonte e dar-‑lhe um destaque que um jornal distante da comunidade não daria, tendo a estória ocupado as páginas centrais de uma edição. Esta situação é a prova cabal de que o poder do jornalismo reside em contar estórias, estórias essas que saem do “agenda-setting”, estreitamente ligado a aconte cimentos institucionais, estórias que não nos chegam em notas de imprensa ou e-ma ils bem re d i g ido s p or a s s e s s ore s de imprensa, estórias que resultam tão somente de um olhar atento sobre a realidade circundante. E, no dia seguinte, são essas estórias que vão fazer a diferença entre os jornais. Um outro assunto que viria tam bém a merecer grande destaque surgiu igualmente de modo inu sitado com uma aposta quase no escuro. Numa sexta-feira à noite, recebemos na redacção uma nota de imprensa em chi nês, onde era apenas possível perceber meia dúzia de pala vras: Rotunda Carlos da Maia, “DVD”, o nome de um ateliê de arquitectos e a hora do evento (fosse lá ele qual fosse…). O subdirector deu-me indicações para que passasse por lá, “just in case”, dizendo que aquilo pode ria “dar qualquer coisa”, mas competir-me-ia a mim decidir, porque à mesma hora existia um outro acontecimento a decor rer. Optei por dirigir-me, um pouco mais cedo, à zona dos Três Candeeiros e, ao contrá rio do que esperava, aquilo ia mesmo “dar qualquer coisa” de bastante interessante, ficando o outro evento (a inauguração de uma exposição) completamente anulado, até porque já havia sido realizado um trabalho de antecipação. Ali, tratava-se da apresentação à população de um projecto de
Best of
revitalização da área envolvente à rotunda Carlos da Maia, uma ideia que tinha partido de uma associação de moradores. Ali, havia mesmo notícia. Além de ser uma iniciativa inédita por parte da população, era a primeira vez que o projecto estava a ser apresentado ao público, já com esboços e propostas concretas do que os arquitectos preten diam alterar na zona, além disso seriam também ouvidas suges tões de todos os moradores. Era, sem dúvida, um movimento de mobilização com uma singu lar importância no território, ainda para mais numa altura em que estava a decorrer o pro cesso de consulta pública da “Lei de Salvaguarda do Património Cultural”. Daqui retira-se fundamental mente a importância de sair da redacção e ir ao local e, por vezes, “apostar”, usando talvez aquilo que alguns chamam de “faro jor nalístico”, que ao longo do tempo se torna cada vez mais apurado, pois se o director-adjunto não achasse que aquilo poderia “dar qualquer coisa”, nenhum jorna lista ter-se-ia deslocado ao local. Porém, é importante realçar que o facto de gerir os acontecimen tos desta forma tem também a ver com as dimensões do próprio espaço, que possibilita a movi mentação entre locais num curto espaço de tempo, o que facilita a própria circulação de informação. Esta opção editorial pelo “jorna lismo de proximidade” reflecte-se ainda, como referi anteriormente, no ângulo de abordagem dos assuntos. Quando fui à sessão de esclarecimento sobre o novo projecto de “Lei de Salvaguarda do Patrim ónio Cultura l ”, na qual foi apresentado o conteúdo d o nov o d iplom a , c om e c e i a pensar num modo interes sante de expor o assunto, sem que a peça fosse um “lençol” de artigos e linguagem jurídica.