Cadernos de Jornalismo n.° 2 2009

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2.1 - Jornalista “ dois em um”: generalista e especializado O jornalismo especializado em economia vive entre dois universos distintos e concebidos como opostos: o mundo dos números (que atestam realidades, denunciam situações e por vezes valem por si só) e o das palavras (que são sempre fruto de escolhas subjectivas, ainda que visando assegurar uma pretensa objectividade, e que são os alicerces para contar uma boa estória). Como destaca a jornalista do Expresso especializada em economia, Christiana Martins, “os números (…) não são a primeira lembrança quando alguém se deixa envolver pelo mundo jornalístico (…). A maleabilidade das palavras pode entrar em choque com a dureza dos números, com a frieza de adjectivos tais como produtivo, ou eficaz, ou com a obscuridade de substantivos como, por exemplo, mais-valias ou inflação, para não falar no terror de expressões como arrefecimento económico, deflação ou desemprego de longa duração” (Martins, 2007: 18). A necessidade de uma perspectiva ou abordagem económica (o que não é sinónimo exclusivo de números, visto que a economia não se pode reduzir a isso) fez com que tivesse de mudar a minha forma de ver a realidade. E essa mudança tornava-se ainda mais premente em relação àqueles temas que poderiam perfeitamente surgir em outras editorias do jornal mas que, uma vez escolhidos para o suplemento económico ou para as páginas de economia do Público, careciam de uma perspectiva diferente. Por exemplo, no caso do trabalho sobre os fundos controlados por governos, tive de dar essa abordagem económica logo na entrada, mas a verdade é que se trata de um tema que poderia perfeitamente estar incluído noutra secção, nomeadamente no Mundo. O mesmo se pode dizer de temas como a televisão de ecrãs planos, os sistemas de navegação por satélite, o comércio electrónico, o trabalho temporário ou a filantropia, que podem facilmente ser tratados em outras editorias para além da economia. Porém, escrever sobre eles para as páginas de economia de um jornal ou para um suplemento económico significa interiorizar formas de abordagem diversas, que desvendem tendências evolutivas, mudanças de estratégia, luta pela liderança do mercado, entre outras linhas de orientação. Embora este procedimento pareça fácil, acaba por não o ser na prática, devido à condição dúplice que o jornalista especializado enfrenta quando exerce a sua actividade profissional num órgão de comunicação generalista, como o Público. De facto, não se escreve da mesma maneira para o Diário Económico ou para o Jornal de Negócios como se escreve para as páginas de economia do Público ou para o seu suplemento de Economia. E é aqui que se forjam as potenciais debilidades do jornalismo especializado em qualquer área, como a economia. “Divididos entre assumirem-se como especialistas ou despirem-se desta condição para abordarem os temas como se os vissem pela primeira vez, dirigindo-se a um público generalista, estes jornalistas assumem uma posição dupla que transparece no discurso que produzem. (…) É a dificuldade e a neurose de serem diferentes e, simultaneamente, serem como todos os outros. Falar ao mais vasto público possível, sem perder a credibilidade junto do público especializado mais restrito. Esta é a dicotomia essencial do jornalista especializado numa determinada área” (Martins, 2007: 17). Na minha opinião, esta condição dupla em que o jornalista especializado se coloca conduz a um grande risco: acabar por fazer jornalismo para o público dito especializado – o que muitas vezes acaba por ser o mesmo que fazer jornalismo para as fontes – e abandonar a verdadeira missão que deve nortear o jornalista – informar os cidadãos e ajudar a formar a sua consciência cívica, essencial ao funcionamento pleno de um regime democrático livre. O jornalista de economia não tem de ser um especialista, até porque “em geral, o jornalista especializado, em qualquer área, está longe de ser um conhecedor profundo e com formação específica na sua área de especialização” (Martins, 2007: 16). O jornalista de economia tem, acima de tudo, de preservar no seu íntimo a condição de jornalista generalista, que escreve para o público comum e que deve fazer entender-se por este, pois é com ele que tem um compromisso, e não com as fontes, ou com o público especializado. Foi este espírito que tentei sempre incutir nos meus trabalhos, embora muitas vezes tal se tenha revelado uma tarefa árdua, sobretudo nas páginas de economia do jornal diário, onde o predomínio de artigos menores e mais circunscritos à actualidade mediática contrastava frequentemente com a necessidade de uma maior contextualização e explicitação de fenómenos e tendências económicas mais alargados. Exemplos desta situação foram os artigos que realizei sobre vários bancos mundiais afectados pela crise de subprime. Penso que, por várias vezes, me debrucei excessivamente sobre pormenores económicos, quando devia ter-me preocupado mais em explicar o que é esta crise, mesmo que tal significasse repetir-me todos os dias. Aliás, é precisamente esta noção de “escrever como se todos os leitores comprassem o jornal pela primeira vez na vida” (Livro de Estilo do Público, 2005: 48) que o jornalismo económico parece perder de vista com frequência. Ainda para mais quando os seus profissionais já dominam suficientemente a área de especialização em que escrevem, o que torna mais difícil colocarem-se no lugar do leitor. Todavia, apesar dos riscos e debilidades inerentes ao jornalismo especializado em economia (e talvez em qualquer outra área), tenho de reconhecer que teve para mim uma virtude fundamental: a possibilidade de adquirir conhecimentos numa área que, sendo embora espe-

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