Magazine: Multifaces do Direito Empresarial

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4.Review

Resenha sobre obra relevante no campo do Direito da Concorrência

5.Entrevista

Entrevista com juristas renomados acerca da atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica

6.Artigos

Artigos sobre Direito Concorrencial e suas interseções com outras áreas

Nesta edição:

Review:

“Defesa Comercial e Direito Societário: Partes relacionadas em investigações antidumping”, de Amanda Athayde por Helena Gazzinelli Maiolini.

Artigos:

“Compliance concorrencial e a concentração de poder de mercado em operações de fusões e aquisições” por Luiza Rosado Coutinho Ramalho.

“O Direito da Concorrência e a proteção dos dados pessoais” por Lorena Camila Risse;

“Atuação do CADE: uma análise comparativa e mercadológica das aquisições da Garoto e do grupo CRM pela Nestlé” por Julia Paschoal Silva;

“A Recuperação Judicial da 123 Milhas e o Direito Concorrencial, de modo que o mercado seja seguro e previsível para o consumidor” por Denis Dias de Andrade;

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Editora Executiva

Julia Paschoal Silva

Conselho Discente

Diego R. Bertoudo da Silva

Julia Paschoal Silva

Rodrigo F. P. Villar Guimarães

Consellho Docente

Armando Luiz Rovai

Pedro A. L Ramunno

Repórteres

Guilherme Artur Soares

Vinícius Alves Correia Araújo

Diagramação

Julia Paschoal Silva

Vinícius Alves Correia Araújo

Articulistas

Helena Gazzinelli Maiolini

Denis Dias de Andrade

Julia Paschoal Silva

Lorena Camila Risse

Luiza Rosado Coutinho Ramalho

A CAAME é a Clínica de Assessoria Acadêmica pertencente ao núcleo de Direito Empresarial da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie composta, em 2023,por 21 alunos e lideradas pelos qualificados professores, Pedro A. L. Ramunno e Armando Luiz Rovai. A Multifaces do Direito Empresarial é uma magazine produzida e veiculada pela CAAME, com periodicidade semestral que trata de assuntos diversos relacionados ao Direito Empresarial, incluindo entrevistas, reviews de livros e artigos da área, bem como textos de temas de interesse de seus leitores.

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Sumário
3 Magazine CAAME - Ed.2023 Magazine CAAME - Ed.2023 Apoio Institucional Seja um apoiador institucional da Multifaces do Direito Empresarial Entre em contato conosco pelo adm.caame@gmail.com

Um dialógo entre comercial e societário

Review por Helena Gazzinelli Maiolini

Amanda Athayde. Defesa Comercial e Direito Societário: Partes relacionadas em investigações antidumping

Aobra analisada no presente texto, desenvolvida por Amanda Athayde, Júlia Marsala, Maria Augusta Viegas e Victor Leite, publicada em 2021, propõe um diálogo entre defesa comercial e direito societário. Sendo os autores profissionais com histórico enfatizado em Direito Comercial, Direito Concorrencial e Direito Econômico, a perspectiva proporcionada possibilita uma investigação acerca das noções que envolvem

controle e influência na tentativa de compreensão do relacionamento entre as partes nesse processo. Sob esse enfoque, o livro é dividido em 5 capítulos cujas percepções vão desde uma análise geral das partes envolvidas nas investigações em diferentes influências mundiais, até repercussões processuais aprofundadas e no mercado relacionadas ao direito societário e aos mecanismos de poder empresarial. A partir do questionamen-

to acerca da ausência de definição precisa para a caracterização de partes relacionadas em investigações antidumping no âmbito normativo e jurisprudencial da Organização Mundial do Comércio – OMC, o livro apresenta recortes metodológicos conforme a exemplificação do tema das partes relacionadas com base nos casos de aplicação de medidas antidumping decorrentes de investigações originais iniciadas sob o Decreto n° 8.058/2013.

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Nesse contexto, a obra é introduzida segundo a questão de se o direito societário, composto por noções de controle e influência significativa, pode fornecer pistas para compreender os processos de defesa comercial e os aspectos que versam sobres as investigações antidumping. Desse modo, perante as divisões, traz à tona a relevância da construção e compreensão dos conceitos de partes relacionadas nesses processos. Com isso, conforme decisões concretas das autoridades investigadoras, precedentes e normativas relacionadas à temática, buscou-se apresentar as consequências relacionadas à essa em relação à defesa comercial brasileira.

No Capítulo 1, investiga-se a definição das partes das investigações relacionadas no sistema multilateral de comércio - análise feita a partir do conteúdo disposto no Acordo Antidumping da OMC - e em jurisdições estrangeiras. Nesse contexto, ao identificar experiências internacionais envolvidas, verifica-se a limitação de conteúdo comparado à complexidade ainda apre-

sentada na dinâmica dos relacionamentos entre as partes. Sob esse enfoque, os autores demonstram a relevância da noção de conceitos como “teste arm’s length” e “arm in arm” para o estudo do assunto, especialmente aplicados conforme os precedentes das nações analisadas. Ademais, ao ressaltar a iniciativa “Friends of Antidumping (FANs)”

A obra é introduzida sobre a possibilidade do direito societário fornecer pistas para compreender os processos de defesa comercial

sobre as partes relacionadas, destaca o impacto da confiabilidade de preços no mercado e os riscos de elevação desproporcional do ônus probatório do produtor/exportador no determinado procedimento. Dessa forma, ao apresentar esclarecimentos e discussões que possuem enfoque na indústria doméstica ancorada na noção de controle, a necessidade de promover uma sofisticação

relacionada ao tema se tornou evidente. As jurisdições analisadas que envolvem Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Austrália, preveem hipóteses que partem da percepção de controle, e, também, captando vínculos societários e não societários, como familiares e laborais.

Após essa compreensão de conceitos, apresenta-se brevemente no Capítulo 2, o conceito de partes relacionadas na legislação brasileira, nos parâmetros do Decreto n° 8.058/2013. Diante disso, conceitua-se preço de exportação e valor normal, ainda que brevemente, em prol da demonstração do impacto desses pontos quando em face de um relacionamento entre as partes envolvidas na produção ou na comercialização do produto analisado na investigação antidumping.

Assim, perante os aspectos centrais dos efeitos do relacionamento entre as partes para as investigações antidumping, nos termos do referido decreto, observa-se implicações relacionadas às partes pela

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prática de antidumping e às partes que compõem a indústria doméstica, estabelecidas no art. 14 e no art. 35 do documento. Notando-se, portanto, que as hipóteses referentes ao relacionamento das empresas investigadas pelas práticas de dumping são mais amplas que aquelas que compõem a indústria doméstica.

Com isso, apresentados os elementos existentes nas legislações multilateral, estrangeira e brasileira, discute-se no capítulo posterior os impactos das hipóteses de relacionamento entre as partes envolvidas nessa prática. Desse modo, demonstra as repercussões materiais e processuais na investigação antidumping diante da constatação da existência dessas partes.

Sob esse enfoque, no decorrer da escrita, é possível afirmar que esse relacionamento pode impactar diferentes aspectos da investigação, desde a fase pré-processual, por intermédio de um estudo do conceito de indústria doméstica para fins da admissibilidade da petição,

Outrossim, é relevante a observação de que a definição do relacionamento para o conceito da indús-

O estudo permite compreender que o relacionamento pode ser variável de destaque na análise de desdobramento preocessuais

tria doméstica é o único aspecto que está definido de forma explícita no Acordo Antidumping, diante dos termos do artigo 4.1 do documento. Contudo, apesar de ser a situação normativa com maior facilidade de identificação, inúmeros aspectos contribuem para que sua ocorrência não seja frequente. Portanto, o fato de os setores que utilizam o mecanismo de defesa coposteriormente, analisando segundo aspectos de mérito da investigação na análise do determinado dumping, o dano e a causalidade envolvidos, além de pontos referentes à aplicação da medida e, por fim, nas fases finais e de conclusão da referida investigação.

mercial serem concentrados, como as próprias regras de admissibilidade de uma petição, permite que uma fração representativa da indústria possa demandar o início de uma investigação, ainda que não possua o apoio de todo o núcleo industrial envolvido.

O relacionamento pode, também, gerar efeitos para a definição da medida aplicada, seja para definir uma única medida antidumping para todo o grupo empresarial exportador ou para a avaliação da eficácia dos compromissos de preços em casos de partes relacionadas. Desse modo, o estudo permite compreender que o relacionamento pode ser variável de destaque na análise de desdobramentos processuais relacionados à aplicação de uma medida antidumping, como são as revisões anticircunvenção, de novo exportador e de restituição, impactando na análise de dano e nos indicadores da subcotação.

Apartir dessa concepção, no Capítulo 4 são apresentados os mecanismos internos e externos de estruturação e exercí-

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cio do poder empresarial, bem como sobre a noção de grupo empresarial e fragmentação do controle. Cita-se, com isso, os parâmetros que envolvem controle interno, coligação e influência significativa, os quais se referem a um parâmetro do estudo de poder empresarial que repercute na existência de interferência nas decisões de uma empresa. Além disso, trata das percepções do âmbito externo de personalidades como Carlos Celso Orcesi da Costa e Ricardo Ferreira de Macedo, partindo para a conclusão final da obra, de que mecanismos externos do poder empresarial viabilizam o poder sobre a empresa para aqueles que não efetivamente integram os órgãos societários e a relação da noção doutrinária de dependência econômica nesse quadro.

Nesse sentido, ao atestar a tese anterior da relevância da base do direito societário para a temática, os autores confirmam que os efeitos sobre os aspectos materiais podem estar relacionados aos três pilares da aplicação de uma medida

antidumping: a existência da prática de dumping, a ocorrência de dano material e o nexo de causalidade entre esses elementos. Sendo assim, concorda-se com a concepção de que a apuração do dumping é seguramente o ponto de maior destaque na discussão acerca do relacionamento entre partes no processo. Dessa maneira, após abordar elementos como

EmApuração do dumping é seguramente o ponto de maior destaque na discussão

direção econômica unitária, influência significativa ou relevante, foi possível discutir acerca de um breve panorama dos mecanismos de configuração do poder empresarial e a tendência de fragmentação e declínio do controle, conforme as consequências e repercussões diante de breves noções acadêmicas dos autores sobre os grupos empresariais atuais.

síntese, no último capítulo são materializadas de forma direta as diretrizes que giram em torno dos resultados desse questionamento. Propõe-se, até em então, inexplorada forma de correlação entre cada uma das hipóteses de caracterização de partes relacionadas em investigações antidumping do Decreto n° 8.058/2013 e conceitos-chave do direito societário. Assim, apresentaram uma proposta de correlação entre noções do direito societário discutidas no Capítulo 4 e as hipóteses do Decreto n° 8.058/2013 nas investigações antidumping quanto à caracterização ou não de partes relacionadas.

Os autores concluem que o controle é o elemento central para o direito societário na caracterização da gestão e da estruturação interna das empresas, promovendo noções que envolvem desde a dissociação entre propriedade empresarial e a gestão, até o fenômeno efetivamente da desagregação de empresas. É válida, portanto, a concepção de que as cor-

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relações entre o texto do decreto e as noções e elementos estudados confirmaram a hipótese de que a doutrina do direito societário poderia fornecer uma base para aprimorar a compreensão dos impactos em investigações antidumping no Brasil.

Em suma, “Defesa Comercial e Direito Societário: Partes Relacionadas em Investigações

Antidumping” é uma revisão acadêmica bem elaborada que faz uma contribuição significativa para o estudo do impacto que o relacionamento entre as partes nesses procedimentos pode ocasionar na dinâmica e na visão societária vigente. A pesquisa é fundamentada, organizada e fornece uma visão abrangente dos precedentes e jurisdições existentes.

Osautores, então, promovem uma dinâmica onde ressaltam a abertura para contrapontos e críticas sobre o assunto e a maneira de abordagem, ao fato de que se trata de uma obra que procura examinar conceitos altamente complexos e de difícil

sistematização, e que versa uma primeira tentativa de apresentação visual do tema. Para cada hipótese de relacionamento prevista nos incisos do Decreto n° 8.058/2013, foi demonstrado como o direito societário, com suas noções de controle interno e externo, influência significativa e fragmentação do poder de controle, pode fornecer pistas para essa definição presente em processos antidumping.

Diante do exposto, observar a essencialidade da obra para o estudo da temática evidencia mudanças ao longo da sociedade que corroboram para uma maior especificidade dos dados nas investigações. Com isso, é válido afirmar que a aplicação de medidas antidumping e o estudo perante as pesquisas, análises e definições das partes promove resoluções de problemáticas constantes no mercado, prezando por um maior equilíbrio na defesa comercial dos países que aplicam tal concepção.

Portanto, diante do ínfimo número de trabalhos contemporâneos capazes de abordar a tamanha com-

plexidade que permeia os aspectos da definição das partes antidumping, o livro se torna referência para quaisquer profissionais interessados em compreender a dimensão desse processo. Por fim, é inevitável destacar a dinâmica do estudo, especialmente, ao que se refere à ênfase dada ao direito à competitividade dos produtores internos no estabelecimento de equilíbrio da defesa comercial e de mercado no país, a medida que assegura a lealdade em termos comerciais.

Helena Gazzinelli Maiolini é estudante do 2º ano de Direito

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“A Escola de Chigaco reduziu o escopo do antitruste”

Professora de Direito Civil e Comercial da Universidade de Brasília (UnB) e ex-conselheira do (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) Cade, a advogada Ana Frazão avalia que a Escola de Chicago reduziu consideravelmente o escopo do antitruste, maximizando apenas o bem-estar do consumidor, que é mensurado por critérios de eficiências.

“Quando nós analisarmos essas ‘eficiências’, nós vamos ver que elas são completamente alheias a qualquer juízo distributivo”, disse Frazão em entrevista à CAAME. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em que medida a atuação do CADE no controle de estruturas contribui de fato para a efetivação da justiça social, sendo possível afirmar que o CADE considera outros aspectos que não apenas os econômicos quando da análise dos atos de concentração?

Ao refletir sobre nossa lei antitruste, percebemos sua conexão imediata, nos primeiros artigos, com diversos princípios da ordem econômica. A grande questão é que a Escola de Chicago consideravelmente reduziu o escopo do antitruste, limitando-o à maximização do bem-estar do consumidor, mensurado por critérios de eficiência.

Podemos erroneamente concluir que maximizar o bem-estar do consumidor é, de alguma forma, promover justiça social. No entanto, ao analisarmos as eficiências, observamos que são totalmente alheias a qualquer julgamento distributivo. Seja eficiência produtiva ou alocativa, esses critérios dizem respeito apenas aos agentes econômicos.

Na eficiência produtiva, por exemplo, aumentar a produção com menos recursos não garante a redução de margens ou preços; pelo contrário, os preços podem até subir sem rivalidade. Mesmo a eficiência alocativa, mediada pelo critério de Calvin, é indi-

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ferente a quem perde ou ganha. A teoria econômica mainstream pressupõe que se os agentes econômicos ganham, terão incentivos para beneficiar a sociedade e os consumidores. No entanto, especialmente na ausência de rivalidade, não há garantia de que isso aconteça; o agente econômico pode se apropriar individualmente de todos os ganhos.

Por essa razão, nossa legislação antitruste vai além da eficiência; exige a distribuição dos benefícios da operação com o consumidor, um princípio distributivo. No entanto, mesmo com essa distribuição, a justiça social não está necessariamente garantida, pois o poder econômico se estende a várias áreas, como o mercado de trabalho, podendo afetar negativamente a democracia.

Outros aspectos, como meio ambiente, trabalhadores e democracia, são cruciais para a ordem econômica. Mesmo que o consumidor se beneficie, danos a outros

stakeholders podem superar esses benefícios.

Em suma, embora considere que o antitruste deveria estar vinculado à preocupação com a justiça social, na prática, devido a questões, especialmente a redução do escopo pela Escola de Chicago, ele se torna indiferente e, em muitos aspectos, incompatível com questões de justiça social, o que pode ser problemático.

O professor Luís Fernando Schwartz aborda a desconstitucionalização do direito da concorrência em um artigo importante; vou além, argumentando que a Escola de Chicago leva à desjudicialização desse direito, transformando-o de um direito em uma metodologia econômica.

Assim, aplicamos vários modelos econômicos, avaliamos eficiência e aprovamos ou não com base apenas na questão econômica, sem considerar outros aspectos nesse cálculo.

Apesar de pretender ser um órgão técnico, é recorrente a tentativa de revisão das decisões do CADE pelo Poder Judiciário (a

exemplo do caso Nestlé e Garoto). Nesse contexto, qual a sua visão a respeito da atuação do CADE e em que medida a possibilidade de revisão de suas decisões pelo Poder Judiciário contribui - positiva ou negativamente - para a Defesa da Concorrência no Brasil?

Acho que existem dois pontos muito importantes que precisamos esclarecer antes de entrar na questão. O primeiro deles é que o Cade tem toda uma história de ser uma autarquia técnica, mas não é necessariamente o que tem acontecido nos últimos anos.

O que temos visto é um número considerável de indicação política e atuação política no exercício dos mandatos, o que é bastante preocupante e altera o equilíbrio de poderes. Quanto mais técnico é o Cade, menor teria que ser a intervenção judicial. Porém, a partir do momento que o Cade se deixa politizar, muitas vezes o controle judicial será o último recurso para conter esse excesso de politização.

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O caso Nestlé e Garoto também não é, ao meu ver, um bom exemplo, pois, na verdade, ele é uma consequência de mazelas do sistema anterior em que o controle de estrutura era à posteriori; isso já tornava muito difícil para o Cade fazer qualquer tipo de aprovação ou reprovação com restrições, pois na prática as empresas já estavam fusionadas e já haviam implementado vários aspectos desses atos de concentração, e isso já envolvia efeitos sobre terceiros. Todos nós sabemos como é difícil, até por questões societárias, a anulação de determinados atos, pois eles se projetam sobre terceiros.

Imagina em uma operação como essa, como nós potencializamos esse tipo de preocupação. E foi até por essa razão que nós optamos pelo controle agora prévio, para evitar problemas de caso como Sadia e Perdigão, Nestlé e Garoto, que eram casos extremamente delicados e quando chegava o momento do Cade intervir muitas vezes já havia aspectos de fatos consumados e isso gerava

litígios judiciais intermináveis.

A nossa tendência é que cada vez a gente resolva esse problema com o controle prévio. No controle prévio, as empresas não podem antecipar ou consumar nenhuma das etapas do ato, o Cade tem uma liberdade muito maior para intervir sem criar todos esses efeitos que são danosos ao mercado.

Mandar desfazer uma operação que muitas vezes já foi implementada a anos. Dito isso, eu acho muito positivo que haja um controle judicial das decisões do Cade. Desde que seja um bom controle judicial.

O Cade é uma autarquia administrativa e está sujeito, como todos os outros atos da administração pública, a esse controle judicial.

A grande questão é que esse controle precisa ser adequado e com muita prudência.

Tem um julgamento muito importante no Supremo Tribunal Federal, um caso relatado pelo Ministro Fux, em que o Fux menciona expressamente o que ele chama de princípio da deferência. O que não deixa

de ser desdobramento de princípios elementares do direito administrativo, no sentido de que não cabe ao Judiciário controlar o mérito do ato administrativo, mas sua legalidade.

Então, considerando que o Cade é uma autarquia e tem expertise para fazer as análises de mercado, não faz sentido que o Judiciário substitua essa análise. Mas se o Judiciário constatar ilegalidades ou inconstitucionalidades formais ou abuso de poder por parte do Cade, será exatamente essa intervenção judicial que irá corrigir os rumos daquela intervenção do Cade.

Eu, particularmente, acho muito importante que haja esse controle, a questão é como ele será exercido. O que nós vamos poder pensar também é talvez a gente pudesse considerar em um país continental, no qual, em tese, o Cade pode ser acionado em qualquer seção judiciária do Brasil, pode gerar um transtorno muito grande.

Claro, que um juiz de primeiro grau quando recebe uma causa como esse

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terá um problema enorme, suspender a decisão. Talvez, nós pudéssemos racionalizar esse controle judiciário e assim haveria inúmeras propostas. Já tivemos até uma proposta de criar uma competência originária de tribunais. Acho que talvez pensar na racionalização do controle seria bom para evitar uma insegurança jurídica e uma série de percalços do controle judicial.

O controle prévio foi uma boa alternativa e contribuiu positivamente para a concorrência e regulação?

Foi uma excelente medida; jurisdições mais avançadas adotam esse controle. Quando nós estamos lidando com grandes operações, os danos decorrentes de uma consumação imediata podem ser reversíveis ou de difícil reversibilidade, então é isso que justifica o controle prévio.

É dizer que em situações desse tipo não é possível correr o risco de deixar a consumação.

A um lado técnico, mas o ato mais importante do controle prévio é a preservação da concorrência. Não é possível correr o risco de que operações lesivas à concorrência possam ser consumadas antes da análise do Cade.

Tutelar a concorrência é, sem dúvida, uma das manifestações do exercício da política econômica e, por consequência, de gerir políticas públicas. Partindo dessa premissa, verifica-se na prática algum tipo de interferência política dentro da atuação do CADE e como esse interesse público pode acabar afetando, licitamente, a orientação das decisões do CADE?

É claro que uma política concorrencial pode ser vista como uma política pública em vários aspectos. Mas como a expressão de política pública é ampla, precisamos fazer alguns esclarecimentos. Pode dar uma falsa impressão de que governos têm uma maleabilidade de adaptar política públi-

ca, e na verdade, a defesa da concorrência no Brasil tem sede constitucional. Ela está no artigo 173, parágrafo quarto; ela é prevista no contexto de uma ordem econômica, na qual o controle do abuso de poder econômico é fundamental para que aqueles princípios fiquem de pé.

É uma política pública, mas uma política pública sui generis, porque ela não pode ficar sujeita a interesses políticos ou circunstanciais de cada governo. São os governos que têm que se adaptar às necessidades da defesa da concorrência e não o contrário. E é por isso que essa política, ela precisa estar muito atenta ao aspecto técnico e, claro, também às referências constitucionais e legais que permeiam o próprio controle do abuso de poder econômico no Brasil. Feito esses esclarecimentos, então eu vejo com muita preocupação essa excessiva politização do Cade. Isso não contribui em nada para a nossa política concorrencial. Vamos lembrar, inclusive, que a própria lei atual ela representou vá-

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rios avanços diante da lei anterior, que muitas vezes admitia, principalmente em atos de concentração, que vamos dizer parâmetros um tanto quanto fugidios ou amplos demais como interesse nacional, pudessem ser levados em consideração, não é o caso da atual. Então, o que a gente quer aqui é uma política concorrencial que de fato seja compatível com os princípios condicionais e com os próprios parâmetros legais nas quais ela é alicerçada. Então, o Cade não é uma instância política. Ele é e precisa ser um órgão técnico, que aplique as normas de defesa da concorrência, de acordo, claro, com a melhor economia, mas também de acordo com a Constituição e as leis brasileiras.

Observa-se que a maior parte dos casos analisados pelo CADE tem como desfecho aprovações sem restrições ou a celebração de ACCs (Acordos em Controle de Concentração), sendo raras as decisões pela reprovação. Essa é a melhor tendência para o direito antitruste

nacional? Em que medida não seria mais benéfico uma atuação mais restritiva por parte do CADE em atos de concentração para melhor garantir a efetivação do sistema de concorrência-meio?

Eu vejo com bastante preocupação, isso já deu margem, inclusive, a muitos trabalhos acadêmicos, alguns inclusive bastante provocativos, que nos indagam sobre se temos um controle de estruturas ou um descontrole de estruturas. Porque não é possível que em tantas operações, muitas das quais apresentando inúmeros problemas concorrenciais, o Cade sempre aprove ou aprove com condições ou remédios.

O que acontece é que a metodologia de Chicago, ao meu ver, ela é feita para a aprovação, porque é in dubio, pró-empresa, e ela impõe ao Cade um ônus de fundação imenso para reprovar a conduta.

Por outro lado, é como se a reprovação fosse o fim do mundo, quando na verdade, ela seria uma consequência natural de um controle de estruturas que fosse sério.

Então, o que a gente percebe muitas vezes no CADE, naquele esforço de aprovar a qualquer preço as operações, mesmo quando grandes problemas concorrenciais são identificados, ao invés de se reprovar, se recorre a uma série de remédios estruturais ou comportamentais, mas remédios que, em muitos casos, não são adequados ou fidedignos, por assim dizer, para resolver aquele problema concorrencial.

Então, é como se a gente, se esses remédios começassem a ser utilizados como um subterfúgio, quase como se fosse para dizer para opinião pública, olha alguma coisa, eu estou fazendo, mas talvez essa alguma coisa não seja necessária ou mesmo adequada para conter aquele problema. Então a gente tem visto o Cade

Então, é como se a autoridade concorrencial vivesse emparedada, porque a própria metodologia que ela utiliza, em princípio, é uma metodologia totalmente pró-aprovação.

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cada vez mais implementando remédios super sofisticados, muitos dos quais com altos custos de monitoramento. Quando o custo de monitoramento é muito alto, ele delega esse monitoramento para um trustee, então já entra aí um agente privado. Então me parece que não é essa a lógica que deveria

orientar uma política antitruste, né? Remédios são importantes, sim. Quando eles se mostram adequados e quando para resolver o problema concorrencial e sobretudo, quando eles possam ser monitorados de uma maneira senão fácil, mas, pelo menos, exequível. Então, acho que muitas coisas precisam sim ser

objeto de uma reflexão grande e acho muito preocupante que tenhamos um índice de aprovação tão grande como esse.

“O princípio constitucional é de ampla possibilidade de revisão das decisões administrativas”
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Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, José Marcelo Martins Proença afirma ser importante que o poder judiciário possa rever toda e qualquer decisão de órgãos administrativos.

“Não acho que temos qualquer condição de questionar se uma decisão do Cade pode mesmo ser revista pelo poder judiciário. Pra mim, é evidentemente que sim”. A seguir os principais trechos da entrevista:

Em que medida a atuação do Cade no controle de estruturas contribui de fato para efetivação da justiça social, sendo possível afirmar que o Cade considera outros aspectos que não apenas os econômicos quando da análise dos atos de concentração?

Quando se pensa no direito da concorrência, qual é o objetivo do direito da concorrência? O objetivo final é a proteção da ‘instituição concorrência’, ou seja, competição.

E se eu tenho um ramo do direito que busca proteger

a competição, controlando fusões e aquisições que seriam atos de concentração, proibindo uma venda casada ou um preço predatório, proibindo cartéis, que são formas ou condutas que reduzem a concorrência, de forma indireta, o direito da concorrência acaba protegendo o consumidor.

Na competição, presume-se maior qualidade e menor preço, já que estou no mercado competitivo; eu quero vencer o meu concorrente oferecendo maior qualidade e com bom preço. De outro lado, indiretamente, o direito da concorrência protege o meu próprio concorrente. Se estou no mercado competitivo, sei que vou vencer ou cumprir o mercado pelos meus próprios méritos. Portanto, mercados competitivos acabam fazendo com que o concorrente também seja protegido.

Primeira conclusão parcial: o direito da concorrência protege a instituição da concorrência, protegendo o mercado competitivo e mantendo os mercados com competição. Muito diretamente, protege o

concorrente e protege o consumidor.

Pensando na justiça social de uma maneira ampla, a partir do momento em que tenho um direito que protege a competição, o próprio concorrente, o próprio consumidor, tenho um direito extremamente ativo no que diz respeito à justiça social, no sentido de que tenho aqui um ramo do direito que aumenta o bem-estar social, portanto, trazendo justiça para toda uma sociedade, para toda uma coletividade.

O objetivo do antitruste, de forma direta e imediata, é publicista, não é privatista. Portanto, se tenho um direito antitruste, com o objetivo de aumentar o bem-estar social, porque temos a previsão e a perspectiva de que a concorrência leal ou a livre concorrência aumenta o bem-estar social, pois atende aos objetivos do consumidor e também atende às próprias necessidades e garantias dos concorrentes, não tenho dúvidas de que o direito da concorrência tem atua-

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ção direta no interesse público coletivo.

Agora, na segunda parte da pergunta: o Cade está efetivamente preocupado diretamente com questões sociais?

Se penso que proteger o empregado é uma questão social, tenho o direito do trabalho. Se penso que é preciso proteger o consumidor, é uma questão social, e tenho o direito do consumidor, além de diversos órgãos de defesa do consumidor, incluindo o poder judiciário, para executar esse direito.

Neste contexto, percebam que o antitruste tem uma condição direta na proteção de qualquer agente econômico, seja o consumidor ou o próprio empregado.

Uma das grandes investigações que temos no Cade hoje é sobre um suposto cartel envolvendo executivos de RH. Cartel, portanto, dentro de RHs de grandes empresas farmacêuticas e médicas que, em tese, trazem prejuízos relevantíssimos à classe dos empregados. Se assim for, tenho a

classe dos empregados sendo protegida pelo antitruste, não de forma direta. O que o antitruste protege é proibir cartel. Por exemplo, uma empresa que contrata um grupo de empregados e faz acordo com os concorrentes para não contratarem aqueles que contratei.

Portanto, há diversas formas indiretas que o antitruste protege interesses sociais, trazendo maior justiça social.

Uma das questões super relevantes: tenho um artigo chamado “Inserção da Sustentabilidade no Enforcement do Direito Concorrencial”, no qual se discute a possibilidade do Cade ser mais atuante para aplicar o antitruste pensando em questões ambientais.

Existem muitos exemplos de direitos estrangeiros que são mais responsáveis do que o nacional no que diz respeito a levar para o Cade também questões de proteção do meio ambiente.

Apesar de pretender ser um órgão técnico, é recorrente a tentativa de revisão das decisões do CADE pelo Poder Judici-

ário. Nesse contexto, qual a sua visão a respeito da atuação do CADE e em que medida a possibilidade de revisão de suas decisões pelo Poder Judiciário contribui - positiva ou negativamente - para a Defesa da Concorrência no Brasil?

Decisão do Cade, qualquer que seja, pode sempre ser revista pelo poder judiciário, por uma questão de segurança; é importante que o poder judiciário possa rever toda e qualquer decisão de órgãos administrativos. Então, não acho que temos qualquer condição de questionar se uma decisão do Cade pode mesmo ser revista pelo poder judiciário. Evidentemente que sim. Agora, a gente pode dar um passo à frente e questionar: pode ser revista inclusive no seu mérito? Não há dúvidas que sim.

Em termos condicionais, alguns defendem a ideia de que não seria toda e qualquer decisão administrativa que poderia ser revista no mérito pelo poder judiciário, mas poderia sim ser revista pelo poder judici-

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ário na questão formal, e não material, ou seja, um erro de procedimento, uma nulidade procedimental, fazendo com que o poder judiciário pudesse anular a decisão. Anulada, volta para que o órgão, no mérito, decida a questão. Para mim, nas questões antitruste, não é só o aspecto formal que pode ser revisto, mas também medidas que correspondem ao seu mérito, porque não há nenhuma regra distinta nesse sentido e, portanto, o princípio constitucional é de ampla possibilidade de revisão das decisões administrativas pelo poder judiciário, trazendo, portanto, maior segurança a todos.

Algumas apurações práticas que nós temos sobre o assunto. Primeiro, não são muitas as decisões do CADE que são levadas à revisão pelo poder judiciário. A grande maioria das decisões do CADE não são levadas ao poder judiciário e a grande maioria que é levada não é revista pelo poder judiciário, mostrando bastante concordância com as decisões do órgão.

As decisões do Cade poderiam ser submetidas à arbitragem? Existe essa possibilidade como uma alternativa à morosidade do sistema judiciário brasileiro?

A arbitragem é super interessante como forma de resolução de litígios, mas não resolveria a morosidade do poder judiciário, porque o que vai para arbitragem representa menos de 0,01% do que é elevado ao judiciário todos os dias.

Alguns dizem que a arbitragem tem se tornado extremamente morosa, demorada e democrática.

A parte mais interessante é avaliar se a questão concorrencial é passível de arbitragem. Existem poucos estudos brasileiros tratando do assunto. Dentro de um espaço muito reduzido, há sim a possibilidade de arbitrariedade de algumas questões concorrenciais. E onde o mundo tem alguma experiência sobre o assunto, colocar cláusula de arbitragem em acordos de controle de concentração. O Cade aprova esse ato de concentração, mas com a

assinatura de um acordo entre as partes, colocando algumas obrigações. Geralmente, algumas obrigações não estruturais, mas algumas obrigações de conduta pelas partes. Com o eventual descumprimento dessas obrigações sendo respondido pela arbitragem.

Portanto, não é uma questão de morosidade, mas de materialidade.

Tutelar a concorrência é, sem dúvida, uma das manifestações do exercício da política econômica e, por consequência, de gerir políticas públicas. Partindo dessa premissa, verifica-se na prática algum tipo de interferência política dentro da atuação do CADE e como esse interesse público pode acabar afetando, licitamente, a orientação das decisões do CADE?

A matéria colocada no Cade é de livre concorrência, princípio da ordem econômica constitucional; portanto, a competência destinada ao Cade é de

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altíssima relevância. É relevantíssima a questão para alcançar o desenvolvimento econômico e social, e isso se consegue muitas vezes por meio da manutenção da competitividade nos mercados.

Dessa forma, a gente precisa de muita segurança da qualificação técnica daqueles que tomam decisões. No caso, quem toma as decisões é a superintendência geral e o tribunal administrativo, composto dos conselheiros mais o presidente. E esses membros são indicados pelo presidente da República, sabatinados no Senado.

A questão é que não deveria existir interferência política, pois qualquer indicação deve ser de pessoas bem formadas e com capacidade para o enforcement do antitruste. Se há qualquer questionamento na indicação do presidente da República, há a sabatina do Senado, que tem o objetivo de verificar as qualificações técnicas dos indicados e de outros requisitos da lei. Qualquer falha na indicação ou na sabatina re-

presenta irresponsabilidade política dos nossos governantes.

A maior parte dos casos analisados pelo CADE tem como desfecho aprovações sem restrições ou a celebração de ACCs (Acordos em Controle de Concentração), sendo raras as decisões pela reprovação. Essa é a melhor tendência para o direito antitruste nacional? Em que medida não seria mais benéfico uma atuação mais restritiva por parte do CADE em atos de concentração para melhor garantir a efetivação do sistema de concorrência-meio?

Nós temos uma maioria massante de aprovações de atos de concentração, um número muito pequeno de aprovações sobre acordo com controle de concentração. E se pegar 2023, temos zero casos de reprovação, e nos anos anteriores também.

Essa é a situação ideal? Alguns vão dizer que os processos levados não mereceram questionamentos

ou preocupação maior em relação à concorrência dos mercados. Outros vão dizer que o nosso antitruste está extremamente fraco e falho.

A Lei 8884/1994, a primeira grande lei de concorrência no país, nós tínhamos uma lei que precisava ser reformada, pois entendia-se ser muito fraca. A vigência dessa lei traz mais casos de atos de reprovação do que a atual, a Lei 12.529/2011. Essa que seria uma lei muito mais forte e interventiva no mercado no que diz respeito à concentração tem gerado menos casos de reprovação. Neste caso, será que os mercados brasileiros são extremamente diluídos que não geram nenhuma preocupação antitruste para justificar uma atuação mais interventiva do Cade. Ou ao contrário, nós temos casos de mercado extremamente concentrados no nosso país que necessita uma atuação mais interventiva do Cade. Eu me filio mais na segunda situação, visto que entendo que nós temos mercados extremamente concentrados no nosso país

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e uma tendência nas últimas duas décadas de maior concentração em diversos mercados.

Para flexibilizar um pouco minha afirmação, podemos destacar que os mercados estão cada vez mais globais, não todos os relevantes, o que justifica a concentração, até porque a concorrência acontece em nível global. E isso talvez explique algumas justificativas para aprovação de atos de concentração.

Entrevistas conduzidas por Vinícius Alves Correia Araújo e Guilherme Arthur Soarez.

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COMPLIANCE CONCORRENCIAL E A CONCENTRAÇÃO DE PODER DE MERCADO EM

OPERAÇÕES

DE FUSÕES E AQUISIÇÕES

ARTIGO

Por Luiza R. C. Ramalho

Oautore professor Giovani Saavedra, ao falar sobre a ideia de compliance em seu livro publicado em 2022, explicou que “fica difícil dar concretude a ele sem delimitar uma área ou um segmento do mercado”, ou seja, para entender o fenômeno do compliance, é necessário analisá-lo de forma específica para cada área do direito, já que existem muitas vertentes, como

por exemplo a do compliance concorrencial, criminal, tra balhista, tributário, entre outros. Ou seja, cada um estará dentro de um contexto particular e submetido a diferentes normas.

Assim, o compliance concorrencial é um programa criado dentro de empresas, podendo ser considerado como um mecanismo de defesa desenvolvido com o intuito de proteger o princípio da livre concorrência. Dentre os desafios enfren-

tados relativos às condutas anticoncorrenciais,uma das principais, que é objeto de análise desses programas, seria a concentração de poder de mercado decorrente de operações de fusões e aquisições entre grandes empresas.

A primeira medida efetiva de repressão de condutas anticompetitivas foi trazida pela Constituição Federal de 1946 através de seu artigo 148. Tal artigo afirmava que “a lei reprimirá a toda e

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qualquer forma de abuso de poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”.

Já a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Essa norma é considerada base para a criação de programas de compliance concorrencial em empresas de grande e pequeno porte. Em suma, tais programas são desenvolvidos para garantir que os atos da empresa e de seus funcionários estejam em conformidade com a legislação concorrencial, de forma que cria dispositivos de controle para que suas condutas e ações não venham a ferir a livre concorrência e, consequentemente, o consumidor.

Em casos de dominação de mercado por apenas uma ou poucas empresas, o consumidor é prejudicado pela

diminuição no número deconcorrentes, já que as opções se tornam escassas e a variação de preços também. Por isso, acabam sendo obrigados a pagarem valores mais altos nos produtos ou serviços oferecidos pela empresa dominante ou pelo grupo de empresas dominantes. Assim, diante esse tipo de situação, fica

No Brasil, as punições para condutas anticompetitivas são feitas pelo CADE

fácil identificar e compreender a configuração dessa conduta como sendo anticompetitiva e passível de receber punições.

Neste contexto, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) publicou um documento denominado “Cartilha do CADE” em maio de 2016, explicando que “o abuso de poder de mercado é o comportamento de uma empresa ou grupo de empresas que utiliza seu poder para prejudicar a “livre concorrência”.Nesse sentido,

empresas monopolistas, ao terem a possibilidade de determinar os preços de mercado por meio do controle da quantidade ofertada, utilizam-se de seu poder de mercado para atrapalhar a concorrência, praticando assim uma conduta anticompetitiva, que irá receber penalidades como tentativa de reprimir e desincentivar esse tipo de conduta. No Brasil, as punições para condutas anticompetitivas são feitas pelo CADE. Esse Conselho é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, que exerce, em todo o Território nacional, as atribuições dadas pela Lei nº 12.529/2011. Criado no governo de João Goulart, essa estatal obriga todas as empresas interessadas em passar por algum processo de fusão, investimento, join ventures, entre outros, a serem submetidas a uma avaliação prévia para verificar se a operação irá afetar o mercado de forma negativa. O CADE é composto por três órgão com dife-

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rentes responsabilidades, sendo eles: o Departamento de Estudos Econômicos. (responsável pela verificação da existência ou não de concentração de poder de mercado em uma empresa), o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica (responsável por julgar os processos vinculados ao CADE) e a Superintendência Geral (responsável pela aplicação e controle dos processos vinculados ao CADE).

O “Guia para programas de compliance”, publicado pelo CADE em janeiro de 2016, que traz em si orientações sobre a estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial, explica que a função do Conselho é zelar pela livre concorrência, atuando mediante “funções preventiva (análise de atos de concentração e processamento de consultas), repressiva (investigação e punição de infrações à ordem econômica) e educativa (disseminação da importância da manutenção de um ambiente concorrencial saudável)”.

Na mesma linha de raciocínio, de acordo com o ex-juiz federal e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (“Ajufe”), Fernando Mendes, em uma entrevista prestada durante o “Seminário sobre Compliance e Defesa da Concorrência” promovido pelo CADE e o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social, em agosto de 2015, a criação de pro-

Adotar o compliance concorrencial é fundamental para garantir a conformidade com a legislação e trazer benefícios para empresa

damental para garantir a conformidade com a legislação e trazer benefícios, como o aumento da reputação da empresa perante as autoridades da concorrência, visto que a adoção de programas de compliance concorrencial é sinal de comprometimento com as normas, o que é bem-visto pelas autoridades.

gramas de compliance tem “preocupação em prevenir determinadas condutas e não, simplesmente, puni-las quando já praticadas.

1.Relação entre o compliance concorrencial e a defesa da concorrência em operações de fusões e aquisições

Adotar o compliance concorrencial é fun-

Em casos de haver uma investigação de condutas anticompetitivas e for comprovada a prática de atos ilícitos nesse sentido, a empresa pode obter algum tipo de benefício, tendo em vista que apresentar provas da existência desse programa pode resultar em eventuais reduções de multas emitidas pelo CADE, as quais costumam ser bastante agressivas.

Além disso, a boa imagem não seria uma consequência exclusiva perante as autoridades, como também perante possíveis investidores, consumidores e outras empresas existentes no mercado, inclusive àquelas interessadas na realização de algum tipo de aquisição de quotas.

A aquisição de cotas de

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uma determinada empresa representa uma das diversas modalidades de operações societárias. As operações de fusões e aquisições estão inseridas, principalmente, no direito societário, e se resumem no processo pelo qual empresas se unem com o objetivo de ganhar benefícios estratégicos, uma vez que há o aumento de eficiência operacional e sinergias financeiras.

As transações de M&A (mergers and aquisitions, que seria a tradução para o inglês do termo “fusões e aquisições”) podem ser classificadas em duas categorias principais: (i) fusões e (ii) aquisições. A primeira ocorre no caso de duas ou mais empresas se unirem, de forma que fundem seus ativos e passivos criando uma nova empresa com identidade própria. A segunda refere-se ao caso de uma empresa comprar ações de outra, podendo ser apenas uma parcela delas ou sua totalidade.

A relação entre compliance concorrencial e uma operação de fusão e aquisição está relacionada

ao cumprimento das leis e regulamentos que regem a concorrência e as práticas comerciais justas. O compliance refere-se à conformidade com essas leis e regulamentos, garantindo que a operação de compra e venda seja realizada de acordo com as normas estabelecidas.

Dessa forma, durante a transação, é importante

O compliance concorrencial é crucial na realização de operações de fusão

considerar as leis antitruste e de concorrência para evitar práticas anticompetitivas que possam prejudicar a concorrência no mercado. Os órgãos reguladores da concorrência geralmente analisam as negociações para garantir que não haja concentração excessiva de poder de mercado ou abuso de posição dominante dos agentes envolvidos.

Nesse sentido, o com-

pliance desempenha um papel fundamental ao garantir que todas as etapas do processo sejam conduzidas de maneira legal e ética, já que analisa a empresa como um todo. Isso envolve a avaliação cuidadosa das implicações concorrenciais da transação, a notificação aos órgãos reguladores competentes quando necessário e o cumprimento de quaisquer condições impostas pelas autoridades antitruste. Assim, o compliance concorrencial é crucial na realização de operações de fusão e aquisição, no sentido legal, protegendo a concorrência e evitando possíveis consequências negativas para as empresas envolvidas e o mercado em geral. Um caso midiático atual e famoso, envolvendo o direito concorrencial e o direito societário (principal área responsável por operações de fusões e aquisições), em que as autoridades governamentais mundiais estão usando suas funções preventivas, é na análise da possibi-

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lidade da realização da aquisição da Activision Blizzard pela Microsoft. Em síntese, as autoridades investigam se essa operação bilionária afetaria a concorrência entre as empresas do setor de games, visto que a Activision é considerada uma das maiores desenvolvedoras de jogos interativos do mundo, tendo o jogo “Call of Duty” como um de seus principais sucessos e, a Microsoft, que é a maior empresa de software do mundo e é também a segunda maior empresa de videogames na esfera mundial. A última atualização do caso foi em julho de 2023 quando a Federal Trade Commission (“FTC”), órgão que legisla sobre o monopólio e concorrência nos Estados Unidos, autorizou a compra, sinalizando como positivo o maior negócio de jogos de todos os tempos. É importante frisar que, como a operação supracitada está ocorrendo nos Estados Unidos e sendo submetida ao ordenamento jurídico norte americano,não está

sendo fiscalizada pelo CADE.

Nesse caso, a presença de programas de compliance concorrencial em ambas as empresas facilitaria a concordância das autoridades com a operação, já que seria uma demonstração de boa-fé e pactuação com a legislação concorrencial. Além disso, a adoção desses programas e o comprometimento com a observân-

O compliance desempenha um papel fundamental ao garantir que todas as etapas do processo sejam conduzidas de maneira legal e ética

dores no mercado. Porém, apesar da junção de grandes empresas de um mesmo setor terem a possibilidade de concentrarem o poder de mercado quase que inteiro de seu país, por outro lado, ganham a capacidade de competirem no mercado internacional, trazendo mais visibilidade para seu país de origem. Assim, pode-se destacar o processo de globalização econômica como marco fundamental para permitir a interação entre empresas de todos os lugares do mundo.

cia das leis não compactua apenas para a boa imagem perante as autoridades, como também transpassa confiança para investidores, parceiros comerciais, clientes e consumidores que valorizam organizações que operam de forma ética e que se sentiriam ofendidos em caso de infração.

É claro que as fusões diminuem a concorrência, pois terão menos competi-

Nesse aspecto, o artigo “a cooperação internacional na defesa da concorrência”, escrito por Vinicius Marques de Carvalho e Paulo Burnier da Silveira, explica que “as problemáticas e os novos desafios decorrentes desta internacionalização podem ser percebidos nas diferentes áreas de aplicação do direito concorrencial: desde o controle de estruturas, quando fusões internacionais devem ser notificadas a uma pluralidade de autoridades da concorrência, até o controle de condutas, incluindo nesta modalidade tanto os cartéis

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internacionais quanto às práticas de abuso de posição dominante.”

2.Como as operações societárias podem desencadear concentrações de poder de mercado?

Com artigo 90 da Lei de Defesa da Concorrência de 2011, entende-se que um “ato de concentração” é a mera união de empresas. Porém, apesar de o sentido literal e legal da palavra “concentração” representar,meramente,um fenômeno que atua na distribuição do poder de mercado entre seus agentes, deve-se refletir também que, dependendo do contexto em que esta palavra está inserida, ela pode ser considerada como o acúmulo excessivo de poder em uma determinada empresa que, em decorrência disso, se sobressai perante as outras do mesmo setor, ou seja, decorre dos conceitos de “monopólio” e “oligopólio”. Para exemplificar essa segunda versão da ideia de “concentração”, é válido trazer à tona a atual e polêmica operação de M&A

entre as empresas Nestlé e Garoto, que são potências dentro do mercado brasileiro de chocolates. Discussões sobre essa operação vêm sendo pautadas desde 2002, quando o grupo suíço Nestlé tentou comprar a Garoto. Em 2004, o CADE anulou a compra alegando que tal união iria contra princípios anticoncorrenciais, já que concentrariam mais de 58% do mercado nacional

Os casos de M&A supracitados representam exemplos de possíveis concentrações horizontais

empresas brasileiras do mercado de chocolates. A transação é de caráter bilionário, uma vez que foi estimada em cerca de R$ 4,5 bilhões. Porém, esses negócios devem ser submetidos à aprovação do CADE antes de serem, de fato, fechados.

Por isso, a expectativa é que o fechamento do negócio ocorra em 2024. No entanto, há especulações de que a Nestlé esteja em dúvida sobre enfrentar os regulamentos brasileiros mais uma vez, visto que passaram por um trâmite de mais de 20 anos no CADE com a compra da Garoto.

de chocolates. Porém, em junho de 2023, o CADE mudou o seu posicionamento e decidiu aprovar a compra com algumas restrições para evitar grandes impactos concorrenciais.

Ainda falando sobre a Nestlé, ela negociou a compra do Grupo CRM no dia 7 de setembro de 2023. Tal grupo é responsável pelas empresas Kopenhagen e Brasil Cacau, as quais são outras duas grandes

Os casos de M&A supracitados representam exemplos de possíveis concentrações horizontais, ou seja, que têm possibilidade de gerar um futuro monopólio, uma vez que há a eliminação da concorrência, pois se consubstancia na operação entre empresas do mesmo setor e nível da cadeia produtiva. Ou seja, podem atentar com a livre concorrência de mercado, fundamento principal

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do Direito Concorrencial. As restrições impostas pelo Conselho na aquisição da Garoto, foram feitas com o objetivo de evitar a ocorrência disso, ou seja, impossibilitar a neutralização da concorrência entre os agentes presentes no mesmo mercado relevante, gerando aumento abusivo e arbitrário dos preços.

Nesse sentido, fica claro que a formação de monopólios pelas operações de M&A traz diversos riscos para a concorrência. Os principais podem ser resumidos em: (i) sem a existência de concorrentes, as empresas monopolistas podem restringir o mercado com intuito elevar os preços –essa ideia é baseada no conceito da “mão invisível do mercado” criada por Adam Smith, que seria a autorregulação do mercado em decorrência dos princípios da livre concorrência e da lei da oferta e demanda –(ii) no desestímulo do investimento em inovações elevar a qualidade dos produtos ou serviços ofe-

recidos ao consumidor. Assim, a concentração de poder de mercado em uma empresa ou em um grupo de empresas, ocorrida por meio da junção de grandes companhias, seria prejudicial para a concorrência, uma vez que não existe um mercado equilibrado quando os consumidores só têm uma única e exclusiva opção de empresa para comprar de, podendo esta,

buscar inovações para se destacar em face dos outros concorrentes.

Ainda, o autor Fabio Ulhoa Coelho, no segundo volume de seu livro “Curso de Direito Comercial”, explica que “a fusão de duas concorrentes, com expressivas fatias de mercado, gera uma sociedade empresária, com poderio econômico ainda maior, superior à soma dos percentuais que cada uma possuía”.

A concentração de poder de mercado em grandes operações de M&A oferece risco para a concorrência

estabelecer a qualidade e preços dos produtos mais benéficos para ela.

Além disso, a concentração de poder de mercado em grandes operações de M&A oferece risco para a concorrência, na medida em que, fora de um âmbito competitivo, as empresas não se esforçaram para oferecer seu melhor produto, então não investirão tempo e dinheiro para

No caso supramencionado sobre a Nestlé, o tipo de operação presente é o de aquisição e não o de fusão, porém pode-se fazer um paralelo com o trecho exposto, uma vez que todas as empresas envolvidas no negócio são protagonistas do mesmo setor, de forma que, caso todas sejam agrupadas tendo um único dono em comum, este terá um poderio econômico extremamente superior em relação ao valor que cada empresa possuía separadamente, podendo atentar contra a livre concorrência de mercado, tendo em vista que será difícil uma empresa fora do grupo econômico concorrer contra ele.

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Fazendo uma segunda análise sobre o trecho mencionado, a respeito do impacto das operações societárias no âmbito concorrencial, elas podem ter potencial de trazer vantajosidade para as empresas envolvidas, pois permite a combinação de recursos, conhecimentos e competências, resultando em um aumento significativo do poder econômico do novo negócio.

No entanto, é importante ressaltar que elas também podem gerar preocupações em relação à concentração de poder no mercado, uma vez que, ao vislumbrarmos uma única empresa detentora de uma fatia muito grande do mercado, isso pode levar a práticas monopolísticas e limitar a concorrência, o que pode ser prejudicial para os consumidores e para a economia como um todo. Portanto, é necessário analisar cuidadosamente os efeitos das operações societárias como um todo, considerando tanto os potenciais benefícios quanto os possíveis impactos negativos, a fim de alcançar tomadas de decisões consistentes sobre a viabilidade e os efeitos da operação.

Em outro trecho da mesma obra, o autor pontua que “o efeito restritivo das operações societárias relativamente ao funcionamento do livre mercado é tão significativo que a lei determina que algumas delas precisam, para se constituírem validamente, da prévia aprovação do CADE.” Isto é, quando a operação de M&A envolve grandes sociedades, a esta-

Operações societárias podem gerar preocupações em relação à concentração de poder no mercado

como fusões, aquisições e incorporações, a concorrência no mercado pode ser restringida. Essa restrição aplica-se quando as atividades empresariais concentram o poder econômico numa única empresa ou num pequeno grupo de empresas, conduzindo-as até um comportamento monopolista, limitando a concorrência e tendo o potencial de afetar negativamente os consumidores e a economia como um todo.

3.Conclusão

Portanto,

tal responsável pelo assunto tem a obrigação de estudar os possíveis impactos dessa operação diante o mercado, seus concorrentes e, principalmente, o consumidor final.

Além disso, Fábio Ulhoa destacou o impacto restritivo que as atividades societárias têm sobre o funcionamento do livre mercado, ressaltando que ao realizar atividades societárias

conclui-se que a realização de operações societárias deve ser feita com cautela e submetida a prévia aprovação do CADE, com intuito deste analisar os efeitos positivos e negativos da transação, tendo em vista a proteção do princípio da livre concorrência e as consequências para o consumidor final, também tentando proteger o equilíbrio de poder de mercado, com intuito de evitar a ocorrência de concentração excessiva de poder

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em uma única ou mesmo em poucas empresas.

Além disso, também é importante ressaltar que existem maneiras para colaborar e motivar as autoridades competentes a autorizarem essas operações, sendo uma delas a presença de programas de compliance concor-

rencial dentro dos agentes envolvidos nas transações, uma vez que isso demonstrará boa-fé e concordância com a legislação antitruste.

Luiza R. C. Ramalho é estudante do 2º ano de Direito

O Direito da Concorrência e a proteção dos dados pessoais nas plataformas

ARTIGO

Nos últimos anos, especialmente com o advento da pandemia da covid-19, o consumo digital aumentou de forma exponencial, juntamente com o percentual de usuários nas redes sociais. Entre as justificativas, pode-se citar a comodidade de efetuar compras à distância ou por preços mais

baixos quando comparados aos valores das lojas físicas. Contudo, há um fator determinante quando se trata de compras no ambiente virtual: a publicidade.

A publicidade online é uma ferramenta poderosa no momento de divulgar os produtos e serviços de determinada empresa, influenciando os consumi-

dores a comprá-los. Para que tal prática tenha resultados mais precisos e vantajosos, os dados pessoais dos usuários das redes sociais constituem um elemento essencial, que torna possível que o público-alvo seja atingido de forma acurada através dos algoritmos personalizados.

Segundo o cientista de da-

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………………………………………………‥……‥…………… ………………………………………………‥……‥……………

dos inglês Clive Humby, os dados são o novo petróleo e, assim como o petróleo, os dados precisam ser “refinados” e transformados para que se tornem em um produto de fato valioso.

Desse modo, é preciso ter o que é chamado de “Data Practice”, que consiste em um conjunto de princípios para manejar os dados pessoais, agregando valor a eles1. A partir disso, os grandes players do mercado conseguem identificar padrões de comportamento e desenvolver estratégias de criação e inovação de produtos e serviços a partir dos dados coletados nas plataformas digitais.

Surge, então, o conceito de Big Data, que é composto por dados em grande volume a serem processados e armazenados, somado ainda à velocidade e à variedade em que são tratados. Roberto Pfeiffer adiciona posteriormente ainda mais características a esse fator, que se torna “os 6 Vs”: volume, velocidade, variedade, valor, veracidade e verificabilidade2. Esses elementos caracterizam o conceito atual de Big Data,

que cada vez mais ganha seu espaço nas discussões acerca da proteção de dados. Portanto, nota-se que se trata de uma estrutura ampla e complexa, além de muito valiosa.

Por conta dessa complexidade, nem todos os agentes de mercado possuem as condições necessárias para processar essas informações, o que pode gerar uma assimetria informacional para os consumidores, que será comentada adiante. Diante desse cenário, os consumidores, titulares dos dados utilizados e destinatários dos resultados

obtidos a partir deles, têm seus direitos colocados à prova, tanto no âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC), como no que diz respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A regulação das plataformas digitais e mídias sociais é recente e, por esse motivo, as discussões a esse respeito também são atuais. Portanto, é possível questionar se o Direito da Concorrência deve intervir nos casos que envolvem a utilização de dados pessoais, protegendo os princípios

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da livre concorrência e da livre iniciativa, envolvendo também os direitos dos consumidores. O presente texto busca analisar a viabilidade dessa intervenção a partir da análise da legislação vigente no Brasil e do caso alemão Facebook vs. Bundeskartellamt, além de trazer recentes atos do CADE.

O Direito Concorrencial e a proteção dos dados pessoais na legislação brasileira

Em primeiro lugar, para que se entenda o impacto da utilização dos dados pessoais nas plataformas digitais no Direito da Concorrência e, consequentemente, no bem-estar do consumidor, é importante analisar três leis vigentes no nosso país: a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078) e a Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529). A partir delas é possível retirar o aparato para que se prove o envolvimento entre os dois temas abordados.

2.1. Direito Concorrencial à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

ALei Geral de Proteção de Dados pode ser crucial para o exercício da livre concorrência e da proteção do consumidor. Cada vez mais as empresas e instituições têm se atentado para estar em conformidade com as regras estabelecidas

É

importante

destacar

que a LGPD visa proteger os dados pessoais da pessoa natural

por esta lei. Neste tópico, será abordado brevemente a interseção entre o Direito Antitruste e a LGPD, analisando o impacto do cuidado com a proteção dos dados na regulação do mercado. Primeiramente, é importante destacar que a LGPD visa proteger os dados pessoais da pessoa natural, incluindo comportamentos e padrões de consumo, e expressamente se aplica à

atividade de tratamento que tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços. Assim, a lei determina as regras para que os agentes econômicos realizem o tratamento desses dados adequadamente. De forma lógica ao relacionar com o Direito Concorrencial, o uso abusivo dos dados pessoais pode gerar um consequente abuso de posição dominante, visto que empresas que possuem um maior poder de realizar o tratamento das informações que têm acesso conseguem liderança no mercado. Isso porque esses agentes conseguem desenvolver produtos e serviços baseados nos dados que lhes são fornecidos. Além disso, ganham a capacidade de criar publicidades direcionadas ao público interessado, também chamadas de publicidade comportamental.

Quando se trata de operações de fusão ou aquisição com transferência de dados, a concentração do amplo acesso aos dados pessoais de duas ou mais empresas pode criar uma ameaça contra o princípio da livre concorrência, uma vez que

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a utilização desses dados pode lesar direta e indiretamente os concorrentes e a ordem econômica ao criar barreiras para a entrada de novos agentes, além de prejudicar os consumidores.

A esse respeito, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) já demonstrou sua preocupação com casos que envolvam a proteção de dados pessoais. Em 2021, o órgão assinou um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) junto à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)3. Em suma, o ACT tem por objetivo geral garantir o controle dos titulares sobre os seus dados, assegurando também a livre concorrência. Para que isso se concretize, foi acordado o compartilhamento de informações e experiências entre as entidades, além de ações educativas sobre o assunto. Por essa razão, espera-se que cada vez mais o CADE se envolva em análises e decisões que levem em consideração a proteção dos dados pessoais. Portanto, é notório o impacto da LGPD no Direito da Concorrência. Apesar do

referido assunto ser recente ao se tratar de jurisprudência e análises profundas, tem-se, progressivamente, aumentado a preocupação com o uso dos dados pessoais e suas consequências na ordem econômica, especialmente por parte do CADE.

2.2.Direito Concorrencial à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC)

uma posição de vulnerabilidade. Para tanto, serão analisados os efeitos do uso dos dados pessoais nos consumidores.

É notório o impacto da LGPD no Direito da Concorrência

Inicialmente, o artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, prevê o direito à informação como um direito básico do consumidor. Isso pretende preservar a autonomia do consumidor para fazer suas escolhas com base nas informações sobre os diferentes tipos de produtos ou serviços e diferentes tipos de fornecedores que lhes são mostradas. Entretanto, discute-se se, nas plataformas digitais, os consumidores possuem, de fato, autonomia nas suas escolhas.

Adefesa do consumidor é um dos princípios da ordem econômica listados no artigo 170 da Constituição Federal de 1988. Por conseguinte, deve-se considerar os impactos sofridos pelos consumidores, que também são os titulares dos dados pessoais, frente às práticas comerciais desenvolvidas a partir do uso de suas informações, muitas vezes os deixando em

Para isso, é necessário entender, em primeiro lugar, que a publicidade configura como o principal instrumento para que as ofertas dos fornecedores cheguem até os consumidores. Conforme dito anteriormente, esse tipo de ferramenta é ainda mais vantajosa quando agregada pelo uso e tratamento dos dados pessoais, uma vez que as publicida-

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des conseguem ser criadas a partir de demandas e interesses específicos dos usuários e conseguem chegar de forma efetiva até eles.

Dessa forma, as publicidades conseguem influenciar diretamente no padrão de comportamento dos usuários, que são influenciados e limitados pelos anúncios das redes sociais que lhes são apresentados. Com isso, cria-se uma sociedade com forte perfil consumista, que é guiada por agentes econômicos que criam uma necessidade antes inexistente e inspiram o consumo exacerbado.

Percebe-se, portanto, que é conveniente para o agente conquistar seu espaço nas plataformas digitais através do uso dos dados pessoais dos consumidores. Sendo assim, os grandes players conseguem este feito com maior facilidade, muitas vezes dominando o ambiente virtual e limitando o poder de escolha dos clientes, que por muitas vezes não obtêm um verdadeiro e amplo acesso a todas as informações apro-

priadas para realizar suas escolhas. De forma lógica, isso prejudica os agentes econômicos menores, que precisam disputar com os grandes agentes os seus lugares no meio digital.

As situações descritas acima ocasionam as chamadas assimetrias informacionais, que se configuram como falhas de mercado. Isso coloca os consumidores em uma posição de maior vul-

É

imprescindível que o

Direito da Concorrência intervenha de forma efetiva nos casos que envolvem o uso dos dados pessoais

como consequência a defesa da concorrência.

2.3.Lei de Defesa da Concorrência

Aúltimalegislação a ser observada trará uma perspectiva mais diretamente ligada ao Direito Antitruste. Serão analisadas, de forma breve, as possíveis infrações que podem decorrer da desobediência à presente lei. Posto isso, ressalta-se que a Lei de Defesa da Concorrência tem por objetivo estruturar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), além de promover a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

nerabilidade, já que pode levá-los a aceitar condições desfavoráveis, visto que possuem um acesso um tanto quanto reduzido às informações básicas necessárias. Por esse motivo, é imprescindível que o Direito da Concorrência intervenha de forma efetiva nos casos que envolvem o uso dos dados pessoais, de maneira que a defesa do consumidor possa gerar

Diante disso, é possível visualizar algumas infrações que podem ocorrer a partir do cenário exposto nos tópicos anteriores. A troca de informações concorrencialmente sensíveis é uma delas. Essas informações configuram como dados restritos, importantes para a estratégia comercial da empresa, como informações acerca de clientes, preços, pesquisa e desenvolvimen-

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to, entre outros. Caso sejam compartilhadas, a prática pode ser considerada lesiva à livre concorrência e apontada como infração contra a lei supracitada.

A esse respeito, é importante citar três recentes atos de concentração analisados pelo CADE que envolveram a transferência de dados que poderiam ser considerados concorrencialmente sensíveis. O primeiro ato envolveu a Claro S.A. e a Serasa Experian S.A. e ocorreu em 2020. O segundo envolveu a STNE Participações (Stone) e a Linx S.A., também realizada no mesmo ano. Por fim, houve o ato envolvendo a Hub Prepaid Participações S.A. e a Magalu Pagamentos Ltda., ocorrido em 2021. Nas três ocasiões foram levantadas preocupações acerca da troca de dados pessoais concorrencialmente sensíveis, entretanto, em todas as operações o CADE decidiu por aprovar os atos de concentração sem restrições.

Com base nisso, entende-se que o órgão ainda atua de forma passiva frente a casos concretos envolven-

do a proteção dos dados pessoais, posição que tende a mudar com as recentes ações e parcerias do CADE relacionadas a esta matéria. Ademais, conforme previsto no artigo 36, IV, o exercício da posição dominante de forma abusiva também pode ser considerado uma infração. Assim, caso a empresa exerça o poder de mercado de forma excessiva no ambiente

dificulte ou rompa a relação comercial em razão da recusa da outra parte em aceitar condições “injustificáveis” e “anticoncorrenciais”. A respeito desse item, analisa-se o caso do tópico a seguir.

3. O caso Facebook vs. Bundeskartellamt

NA política de de dados da empresa permitia que seus usuários fossem monitorados

virtual, também poderá sofrer punições.

Por fim, considerando a relação direta entre usuário e plataforma, pode ser considerado abusiva a prática da exigência do fornecimento de dados dos usuários para a empresa como requisito para a utilização de serviço, segundo o artigo 36, XII da Lei 12.529, que proíbe que a empresa

o ano de 2019, a Bundeskartellamt, autoridade antitruste alemã, condenou a Facebook, Inc. por abuso de posição dominante ao violar a proteção de dados de seus usuários, desrespeitando especialmente o artigo 61 do General Data ProtectionRegulation, documento europeu que contém as regras para o tratamento de dados pessoais.

A política de processamento de dados da empresa permitia que seus usuários fossem monitorados dentro de sua plataforma e fora dela, em websites parceiros, sem que o usuário precisasse estar necessariamente logado em sua conta do Facebook para isso. Além disso, foi

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alegado que a empresa condicionava o acesso a seus serviços à autorização para a coleta e uso dos dados. Ainda, a empresa combinava os dados coletados em todas as redes sociais pertencentes à empresa, ou seja, o próprio Facebook, o Instagram e o WhatsApp.

A autoridade alemã decidiu, assim, que a empresa só poderá continuar com a coleta desses dados com o consentimento expresso dos usuários a partir daquele momento. Por essa razão, o Facebook só poderá usar e combinar os dados coletados em outros websites e em outras redes sociais caso haja autorização para tal ação, não sendo permitido que a empresa proíba o uso de seus serviços caso o usuário opte por não concordar com o seu monitoramento fora do site.

A decisão foi fundamentada com base no entendimento de que a Facebook, Inc. possui poder dominante no mercado relevante de redes sociais na Alemanha, uma vez que possui grande participa-

ção no mercado, maior, inclusive, que os limites estabelecidos no país. Por isso, praticou abuso desse poder ao exigir a anuência para o uso dos dados pessoais para que usuários pudessem usufruir dos serviços, pois, assim, teria amplo acesso às informações relevantes do mercado, prejudicando concorrentes.

A autoridade afirmou ainda que, dado que a empresa do-

A

decisão foi com base no entendimento de que a Facebook, Inc. possui poder dominante no mercado

mina o mercado, dificilmente os usuários conseguiriam migrar para outras redes sociais caso não concordassem com as políticas impostas. Conclui-se, por conseguinte, que já é possível notar uma atenção à relação entre o Direito da Concorrência e a proteção de dados pessoais no cenário mundial. Por mais que a decisão de Bundeskartellamt tenha sido controversa e alvo de

críticas por certas correntes de pensamento, foi considerada um grande avanço no debate sobre o assunto. Ademais, nota-se a preocupação com o poder de escolha e o bem-estar do consumidor e titular de dados.

4.Conclusão

Diante do exposto, é evidente a importância de se analisar a relação entre o Direito Antitruste e a proteção de dados pessoais. É de extrema relevância que os órgãos brasileiros, inclusive o CADE, busquem avanços nos estudos a esse respeito, mas, para além disso, é necessário que haja uma postura ativa frente aos casos concretos que envolvem a presente matéria. Já é possível enxergar uma evolução se tratando da busca para interromper a inércia atual no que tange esse assunto, especialmente com o ACT, que certamente promoverá uma maior harmonia entre os dois temas. Com a possível intervenção do Direito Concorrencial nos casos que envolvam os dados pessoais, promover-se-á a livre concor-

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rência e a livre iniciativa, evitando casos de abuso de poder dominante, principalmente no ambiente

virtual, como no caso da Facebook vs. Bundeskartellamt exposto.

Lorena Camila Risse é estudante do 2º ano de Direito

A Recuperação Judicial da 123 Milhas e o Direito Concorrencial, de modo que o mercado seja seguro e previsível para o consumidor

ARTIGO

Por Denis Dias de Andrade

ODireito Antitruste, ramo jurídico cujo propósito é fomentar e preservar a competição justa e saudável nos mercados, bem como os efeitos desse evento no âmbito do consumidor e suas futuras possíveis repercussões será abordado no presente artigo. Tendo esse tema como palco, será investigado os aspectos da decisão proferida pela juíza Cláudia Helena Batista, da 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, que deferiu em 31 de agosto de 2023 o pedido de Recuperação Judicial (RJ) da 123 Milhas, a qual foi ensejada pelas as ações e execuções ajuizadas pelos credores da companhia.

Em primeira análise, é relevante destacar que a empresa 123 Milhas, bem como outras organizações que operam na comercialização de milhas, adota um sistema de representação remunerada. Em outras palavras, o detentor das milhas designa a empresa para atuar como intermediária

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na emissão de passagens em nome de terceiros. Em 18 de agosto deste ano, a 123 Milhas anunciou a interrupção dos pacotes de viagem e da emissão de passagens compradas em promoções programadas para setembro a dezembro de 2023.

É importante mencionar que não se pode falar de viagens sem considerar o contexto da pandemia, que apesar do avanço na distribuição de vacinas e de um controle mais eficaz por parte das autoridades governamentais, não é apropriado afirmar que a situação seja favorável para aqueles que planejaram viajar durante o período de fim de ano ou nas próximas férias. Isso se deve ao fato de que os preços das passagens aéreas aumentaram em 50,11% nos últimos 24 meses, enquanto os conjuntos de viagem tiveram um aumento de quase 17%, de acordo com os dados do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA).

Dado o alto índice na demanda de voos, tanto

nacionais como internacionais, considera-se o uso de milhas uma alternativa viável para os consumidores que desejam facilitar uma viagem planejada. Evidente destacar que um programa de milhagem oferece a oportunidade de angariar recompensas que podem ser resgatadas em troca de passagens aéreas ou outros produtos e serviços. Para compreender a discussão

Outra vantagem é a facilidade na acumulação, geralmente exigindo apenas o uso do cartão de crédito

deste artigo, vale dizer que existe uma diferença entre pontos e milhas, esses dois vocábulos são frequentemente utilizados como sinônimos quando se trata de viagens aéreas.

Apesar das semelhanças, existem diferenças, os pontos são créditos que você acumula sempre que utiliza o seu cartão de crédito e podem ser convertidos em recompensas que incluem

uma variedade de itens ou serviços. Esses pontos são posteriormente transferidos para as companhias aéreas, que os convertem em milhas. É crucial compreender que as unidades de milhas aéreas têm um prazo de validade e podem expirar caso não sejam utilizadas dentro do período estabelecido. Portanto, é de suma importância ficar atento às datas de expiração e aproveitá-las antes que ocorra o vencimento. Quanto ao acúmulo de pontos, um dos principais benefícios nessa modalidade é a oportunidade de viajar com maior frequência a um custo reduzido. Por meio desses, é possível reduzir consideravelmente o custo das passagens aéreas, que muitas vezes podem alcançar a marca de 50% de desconto. Além disso, podem também ser utilizados para obter reduções em estadias, hotéis e aluguel de veículos. Outra vantagem é a facilidade na acumulação, geralmente exigindo apenas o uso do cartão de crédito para efetuar compras ou pagar despesas comuns, como contas de

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eletricidade, água, internet, entre outras.

Há muita discussão em torno da real eficácia na utilização de milhas, e, frequentemente, a obtenção de uma passagem com esses benefícios pode ser significativamente mais econômica do que pagar a tarifa completa em moeda nacional. É fundamental enfatizar que as milhas não se restringem exclusivamente a passagens aéreas, como mencionado anteriormente, elas também podem ser empregadas para reservas de acomodações em hotéis, seja por meio de programas de fidelidade ou por intermédio de sites de redes hoteleiras.

Especificamente, no que diz respeito à 123 milhas, focal point neste estudo, destaca-se a maneira como os clientes usufruíam dos preços oferecidos pela empresa. Nesse modelo, os consumidores adquiriam milhas no mercado e utilizavam para resgatar passagens aéreas. Como resultado, eram viabilizados valores substancialmente mais baixos do que os disponíveis em outras opções

de aquisição. Através do site da empresa, era possível comparar os preços de voos com os das companhias aéreas e calcular a economia que seria alcançada com essa abordagem.

No que tange ao aspecto legal, as regulamentações e leis brasileiras proíbem a imposição de cláusulas de inalienabilidade em transações comerciais onerosas, ou seja, tais como aquelas

A prática de proibição nas transferências é considerada injusta

Entre as várias opções de recuperação previstas pela legislação, um empresário em processo de RJ pode recorrer às operações societárias como alternativas para resolver a crise econômico-financeira que a sua empresa enfrenta ou poderá enfrentar. Caso esse plano seja aprovado, pode haver a possibilidade de que um ato restrinja, distorça, prejudique a livre concorrência, a livre iniciativa ou que leve à dominação de um mercado específico.

1.123 MILHAS

A123relacionadas a compras e vendas. No caso em questão, os pontos e milhas são obtidos por meio dessas transações, nas quais o consumidor paga por eles e que não podem sofrer restrições de transferência. A prática de proibição nas transferências é considerada injusta, uma vez que nega ao consumidor o pleno controle sobre seu próprio patrimônio.

Milhas teve sua origem em Belo Horizonte no ano de 2016. Seus fundadores iniciaram o empreendimento com um investimento inicial de R$ 1 milhão para estabelecer o negócio. Desde então, a empresa conquistou notoriedade e se destaca como uma pioneira na concepção de produtos de viagem online a preços competitivos². Atualmente, ocupa a quarta posição entre os sites de turismo mais

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incluindo a Maxmilhas e a Hotmilhas.

Um fato intrigante é que em janeiro de 2023, a 123 Milhas e a Maxmilhas, ambas plataformas de pesquisa de reserva de viagens, concretizaram um acordo de fusão. A Maxmilhas também tem sua sede em Belo Horizonte e foi fundada em 2012 por Max Oliveira. Contudo, atualmente, os executivos responsáveis

A 123 Milhas ofereceu pacotes de viagem e emissões de passagens a preços abaixo da média de mercado

pela gestão da 123 Milhas detêm todas as ações da empresa, com Ramiro ocupando a posição de presidente e Augusto atuando como diretor. Apesar dessa fusão, as operações das duas continuam independentes, em que a própria Maxmilhas se justifica explicando que nunca comercializou produtos categorizados como ‘’flexíveis’’, ao contrário da 123 Milhas, que utiliza

No início de setembro, informou ao seu público que o acontecido com a 123 Milhas não teve qualquer impacto em relação aos seus produtos e clientes. A 123 Milhas oferece pacotes de viagem e emissões de passagens a preços abaixo da média de mercado, abrangendo tanto bilhetes aéreos quanto acomodações.

No entanto, as viagens não possuem data marcada, elas são previamente definidas, uma vez que a agência precisa pesquisar os dias de voos e estadias mais econômicos e só então depois há a confirmação com o consumidor. Dado que as viagens não têm datas fixas, é responsabilidade do cliente buscar os melhores preços.

Segundo Marcelo Oliveira, assessor jurídico da ABAV Nacional (Associação Brasileira de Agências de Viagens), a principal entidade que representa os interesses das agências de viagem no Brasil, é importante que os clientes avaliem se as práticas das agências de turismo estão

acessados no Brasil. A 123 Milhas divulgou que, a partir de 2016, atendeu mais de 25 milhões de clientes que viajaram para diversos destinos, tanto no território brasileiro quanto no exterior. A empresa mantém parcerias com mais de 100 mil estabelecimentos de hospedagem em todo o mundo. De acordo com a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), vinculada ao governo federal e acessível por meio do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), a sua estrutura societária inclui Ramiro Júlio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, ambos ocupam cargos administrativos, juntamente com a Novum Investimentos Participações S/A, uma das sócias da empresa classificada como uma holding, ou seja, detém maior posse majoritária de ações de outras cooperativas. Unidos, Ramiro e Augusto estão associados em pelo menos oito sociedades, o uso dessa flexibilidade como seu diferencial no mercado.

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em sintonia com as tendências do mercado, e se os preços oferecidos estão distantes em relação aos praticados pelo restante do negócio, o que pode indicar que a operação está sujeita a variações.

Com a flexibilização das medidas de restrição devido à melhoria na situação da pandemia, a demanda da população por viagens aumentou consideravelmente. Porém, esse crescimento contribuiu para a inflação dos serviços relacionados ao setor do turismo, e, como resultado, a 123 Milhas têm enfrentado desafios na busca por opções de viagens que se ajustem aos padrões de preços dos seus clientes. A empresa passou a ter dificuldades para encontrar passagens aéreas e acomodações dentro da faixa de preço desejada por seus consumidores, levando à suspensão dos pacotes de viagem e à emissão de passagens.

Segundo a própria, isso ocorreu devido à persistência de fatores econômicos e de mercado adversos, como a forte demanda por voos que manteve as tarifas elevadas mesmo

durante a baixa temporada. Em nota emitida, informou:

“A 123milhas informa que decidiu suspender hoje [sexta-feira], às 18h, as emissões de passagens e pacotes da linha PROMO (com datas flexíveis) com previsão de embarque de setembro a dezembro. As vendas do produto já haviam sido interrompidas na última quarta-feira (16/08).

A empresa passou a ter dificuldades para encontrar passagens aéreas e acomodações dentro da faixa de preço

Todos os demais produtos da 123milhas permanecem sem nenhuma alteração.

A decisão deve-se à persistência de fatores econômicos e de mercado adversos, relacionados principalmente à pressão da demanda e ao preço das tarifas aéreas. A linha PROMO representa 7% dos embarques de 2023 da companhia.

Os valores pagos pelos

clientes que adquiriram produtos da linha PROMO com embarque previsto para setembro, outubro, novembro e dezembro de 2023 serão integralmente devolvidos em vouchers, com correção monetária de 150% do CDI - acima da inflação e dos juros de mercado. Os vouchers podem ser usados para compra de outros produtos da 123milhas.

As medidas referentes à linha PROMO são uma decisão responsável da 123milhas, no sentido de preservar os valores pagos pelos clientes. A empresa continua comprometida com o propósito de proporcionar a mais pessoas as melhores e mais acessíveis experiências em viagens e turismo.”

Em relação ao contingente, havia um público ansioso para retomar suas atividades, incluindo a possibilidade de viajar. Quanto aos gastos, aos valores dos combustíveis de aviação e dos insumos necessários para a hotelaria, também experimentaram aumentos significati-

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vos. Consequentemente, as ofertas de viagens com desconto indicavam uma perspectiva de prejuízo, e as opções disponíveis para as empresas eram de adiar ou cancelar as viagens. Além disso, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que as passagens aéreas acumularam um aumento de 1,03% nos últimos 12 meses.

Embora essa porcentagem pareça modesta, vale ressaltar que em agosto de 2022, esse mesmo item havia registrado um aumento acumulado de 74,9% nos 12 meses anteriores. Isso significa que os preços dos bilhetes aéreos tiveram um aumento quantitativo e permaneceram em níveis elevados um ano depois, em 2022. Entretanto, esses números começaram a desacelerar, como evidenciado em julho de 2023, quando caiu para 8,18%. Mesmo que ainda represente uma alta vultosa, é possível observar

uma tendência na redução desse crescimento ao longo do tempo.

Como mencionado anteriormente, a 123 Milhas anunciou que pretende reembolsar os montantes pagos por seus clientes através de vouchers com um acréscimo de 150% do Índice de Correção Monetária (ICM), que excede a inflação e as taxas de juros de mercado, ou por meio de

A 123 Milhas anunciou que pretende reembolsar os montantes pagos por seus clientes

novas ofertas que podem ser trocadas por passagens aéreas, acomodações em hotéis e pacotes de viagem, não sendo informado pela empresa sobre a possibilidade desse reembolso ser feito em dinheiro.

Além disso, apenas a emissão de passagens e pacotes adquiridos através da promoção ‘’PROMO’’, que representam 7% de sua operação, foi suspensa.

Isso reflete uma disparidade evidente nos preços, o que pode ser um desafio para os clientes que adquiriram esses pacotes, já que os preços elevados podem deixar esses consumidores em uma situação desfavorável, uma vez que não conseguem ter recursos adicionais para cobrir os custos extras. O Ministério do Turismo informou que está considerando a possibilidade de iniciar uma investigação para identificar os clientes afetados e buscar uma compensação apropriada pelos prejuízos sofridos.

Um aspecto intrigante que merece consideração e pode estimular reflexões, é o conteúdo presente no site da 123 Milhas, onde se afirma que os clientes não precisam se preocupar com a legalidade do serviço oferecido, em virtude de não existir regulamentações no Brasil que proíbam a venda de milhas aéreas, tornando-o assim, de acordo com a empresa, um serviço completamente em conformidade com a lei. O texto enfatiza a legitimidade do serviço oferecido e as vantagens

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em relação a outras formas de adquirir passagens aéreas, o que pode ser benéfico para os consumidores economizando dinheiro.

Todavia, é essencial que esses mesmos consumidores estejam cientes dos dispositivos e normas que envolvam a venda de milhas, pois, embora o serviço seja legal, é importante considerar os riscos potenciais, como a validade das milhas e as políticas das companhias aéreas em relação ao uso delas no mercado secundário. Ou seja, se houvessem leis em nosso país que regulamentassem a venda de milhas aéreas, talvez a 123 Milhas não precisasse entrar com um pedido de RJ, e, consequentemente, o sistema legal brasileiro teria protegido muito dos consumidores que foram prejudicados por essa operação.

Por mais que não seja a reflexão principal tratada aqui, vale a pena mencionar a possibilidade de o mercado de milhas estar enfrentando uma crise nesse exato momento, considerando que o que foi exposto até agora provou ser um mo-

delo de negócio insustentável. Não podemos afirmar com certeza se esses desafios se estenderão a outros modelos de pacotes de viagem, dado que os cancelamentos são frequentemente realizados para evitar que a empresa assuma prejuízos relacionados a viagens com tarifas reduzidas.

2.RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Amedida

de Recuperação

Judicial é empregada com o objetivo de impedir que uma empresa na qual enfrenta dificuldades financeiras se declare insolvente e encerre suas atividades³. Trata-se de um procedimento em que a sociedade endividada obtém um prazo para continuar suas atividades enquanto negocia com seus credores, isso com a supervisão do sistema judiciário, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Durante um período de 180 dias, as obrigações financeiras ficam suspensas permitindo que as operações comerciais prossigam sem interrupções.

No entanto, é importante notar que a RJ geralmente causa preocupações entre os investidores e até mesmo entre os consumidores afetados por esse tipo de ação.

Logo, ao abordar essa operação, é essencial explorar os aspectos desse processo, compreender suas implicações para a empresa, seus proprietários e os credores, bem como avaliar se esse procedimento de fato contribuirá para a restauração da normalidade nas operações, ou se pode ter sido utilizado apenas para adiar o pagamento de dívidas que seriam executadas antecipadamente.

Como já dito, o processo de RJ tem como finalidade evitar que uma empresa entre em colapso quando enfrenta dificuldades financeiras.

Todavia, além de oferecer suporte aos sócios, também protege os interesses dos funcionários, fornecedores, prestadores de serviços, clientes e todos os que, de alguma forma, possuem vínculo com a organização. Em termos práticos, esse me-

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canismo jurídico viabiliza um acordo entre a empresa endividada e todos os seus credores, e quando essa negociação é bem-sucedida, os benefícios se estendem a diversos aspectos.

Dentre eles, por exemplo, os funcionários conseguem manter seus empregos, os fornecedores, bancos e prestadores de serviços não perdem uma parceria comercial, e o governo continua recebendo sua receita por meio de tributos. É importante ressaltar que a RJ não deve ser confundida com o processo de falência, pois ela não afasta o empresário do negócio ou impossibilita a sua condução. Pelo contrário, o objetivo principal da RJ é revitalizar a empresa, tornando-a novamente viável para que suas operações possam continuar de forma sólida, como eram antes da crise.

Com base na Lei 11.101/2005, complementada pela Lei 14.112/2020, apenas empresas devedoras estão autorizadas a solicitar Recuperação Judicial, e no que tange às pessoas físicas, somente os

produtores rurais têm o direito de fazer essa solicitação. Essa mesma legislação veda a utilização da RJ por entidades como empresas públicas, sociedades de economia mista, instituições financeiras públicas ou privadas, entidades de previdência complementar, seguradoras, planos de saúdes, cooperativas de crédito, consórcios e sociedades de capitalização

É

importante ressaltar que a RJ não deve ser confundida com o processo de falência

tenha passado por um processo de falência anterior, a falência deve ter sido encerrada por meio de uma sentença definitiva, e não poderá haver nenhuma responsabilidade pendente em processos anteriores, nos quais a empresa ou seus sócios tenham sido condenados por qualquer infração prevista na lei de falências.

Uma vez que todos esses critérios tenham sido cumpridos, a empresa deve preparar um pedido e apresentá-lo ao sistema judicial5. Esse pedido deve incluir, de maneira obrigatória, uma explicação dos motivos que levaram à crise financeira da empresa, as demonstrações financeiras dos últimos três anos (no mínimo), um detalhamento de todas as dívidas pendentes e uma descrição do patrimônio dos sócios. Como mencionado anteriormente, após a aceitação do pedido pelo juiz, é estabelecido um prazo de 180 dias durante o qual as obrigações de pagamento da empresa são suspensas. Nesse período, pelo menos um administrador judicial é designado para auxiliar no processo de ree equiparadas.

Não apenas isso, a empresa deve atender a certos critérios, como estar em atividade e devidamente registrada na Junta Comercial de seu Estado por pelo menos dois anos, além de não ter ingressado com outro pedido de RJ nos últimos cinco anos, e não ter obtido aprovação de um plano especial nos últimos oito anos. Caso a empresa

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cuperação da empresa.

O papel do administrador é zelar pelos interesses dos credores e trabalhar para a reestruturação da empresa, e mesmo com a sua nomeação, os sócios podem continuar a gerir o negócio com a obrigação de prestar contas periodicamente de suas ações.

Após 60 dias desde o início do processo, a empresa deve apresentar um plano detalhado que inclua uma proposta para quitar suas dívidas e todas as medidas que planeja adotar para alcançar esse objetivo. É importante destacar que a empresa e os credores são livres para negociar entre si os termos deste plano, de forma a chegar a um consenso favorável para ambas as partes. Após a formulação do plano, ainda será necessária sua aprovação pela maioria simples dos credores, ou seja, por mais de 50% deles, para que então a RJ seja aceita.

Porém, se o plano for rejeitado, a empresa tem a oportunidade de apresentar uma nova proposta dentro do prazo de até 30 dias, que também deverá

ser submetido à aprovação em uma assembleia de credores. Com a deliberação positiva, inicia-se a fase de execução, durante a qual a empresa deve cumprir rigorosamente todas as disposições do plano aprovado. É importante observar que o descumprimento de qualquer determinação do plano pode resultar na conversão da recuperação judicial em falência. Mas,

O art. 83 da Lei de Recuperação Judicial estabelece uma ordem de prioridade para o recebimento dos valores devidos

até 150 salários-mínimos ou oriundos de acidentes de trabalho. Em segundo lugar, vêm os créditos com garantia real, seguido pelos tributários, com exceção dos chamados ‘’extraconcursais’’, que são aqueles adquiridos pela empresa durante o processo, além das multas tributárias e outros tipos de créditos. Essa ordem de pagamento prioriza os direitos dos empregados, os credores que possuem garantias reais, e só então por fim, o Fisco.

espera-se que a empresa consiga se reorganizar e continuar suas operações com sucesso.

Ainda, o art. 83 da Lei de Recuperação Judicial estabelece uma ordem de prioridade para o recebimento dos valores devidos pela empresa em processo de recuperação.

Primeiramente, são contemplados os créditos trabalhistas, incluindo aqueles de

Apesar disso, fornecedores, instituições financeiras e demais credores que tenham relações comerciais com a empresa ficam nas posições inferiores da lista de prioridades. É obrigação do credor assegurar que seu crédito esteja incluído no plano de recuperação judicial aprovado, e que o valor especificado no documento esteja correto. Se o crédito não constar no plano ou se houver alguma discrepância, o credor deve contatar o administrador judicial para solicitar a inclusão ou correção necessária.

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Na via administrativa, o procedimento se simplifica, dispensando a necessidade do consumidor contratar um advogado. Nesse cenário, a solicitação deve ser feita diretamente ao administrador judicial em um prazo de até 15 dias, contados a partir da data de publicação do edital referente ao processo de RJ emitido pelo tribunal. Esse edital contém informações essenciais, como a decisão do juiz responsável pelo deferimento do processo, a relação completa dos credores e a identificação do administrador judicial designado.

Caso o credor não consiga efetuar a habilitação dentro do prazo estipulado, será necessário contar com a assistência de um advogado para prosseguir com o processo via judicial. De forma semelhante à via administrativa, se surgirem desacordos em relação ao valor ou à classificação apresentada na lista de credores, o credor tem o direito de ingressar com uma ação de impugnação de crédito a fim de

corrigir quaisquer discordâncias existentes. Em seguida, o próximo passo envolve a monitorização desse pedido, no qual todos os pagamentos da empresa aos seus credores são conduzidos por meio do sistema judicial. É importante ressaltar que no processo de RJ, a execução das dívidas é suspensa, o que significa que um credor não pode apresentar

Na via administrativa, o procedimento se simplifica, dispensando a necessidade do consumidor contratar um advogado

individualmente uma ação judicial de cobrança contra uma empresa que já está em fase de andamento.

3. RECUPERAÇÃO

JUDICIAL 123 MILHAS

Em seu pedido feito à Justiça, foi utilizado como argumento uma pas-

sagem por uma crise momentânea e pontual, plenamente passível de ser resolvida, pedido este que foi aceito no dia 31 de agosto. Um detalhe interessante a ser mencionado é que, de acordo com as demonstrações financeiras anexadas ao pedido, a 123 Milhas registrou um prejuízo líquido de R$ 1,67 bilhão no primeiro semestre de 2023.

A análise do referido requerimento se deu pela juíza Cláudia, a qual foi mencionada no início deste artigo. Segundo ela, sua decisão baseou-se no princípio de que as empresas em processo de recuperação merecem manter suas operações comerciais, para que possam continuar a cumprir a função social que lhes incumbe. Ela enfatizou que a empresa atendeu aos critérios objetivos estabelecidos na legislação e que há uma presunção da boa-fé em relação ao seu objetivo de equacionar os débitos e solver seus compromissos inadimplidos da melhor forma possível.

A magistrada também determinou que as contas demonstrativas mensais devem ser apresentadas

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ARTIGOS

durante todo o período de recuperação judicial. O não cumprimento dessa obrigação pode resultar na destituição de seus administradores da empresa. Além disso, estabeleceu um plano de recuperação no prazo improrrogável de 60 dias, contados a partir da publicação da decisão o descumprimento pode levar a declaração de falência.

Os administradores judiciais designados para o processo são o escritório de advocacia Paoli Balbino & Barros e a empresa especializada em administração judicial Brizolar e Japur.

Durante a análise do Plano de Recuperação Judicial, no qual as medidas de reparação aos credores devem ser detalhadas, foi identificado que a empresa possui mais de 700 mil credores em todo o país. A maioria desses são consumidores que sofreram ou estão sofrendo prejuízos devido às operações da empresa. Considerando esse grande número de credores, a respeitável juíza determinou a emissão de um ofício direcionado ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e ao Serasa, com o propósi-

to de suspender os registros referentes às dívidas existentes até a data de apresentação da ação, que ocorreu em 29/08/2023.

Mesmo que este assunto seja extremamente recente, inclusive, no momento em que este texto está sendo elaborado, diversas movimentações estão ocorrendo em tempo real. Nesse sentido, no dia 20 de setembro, o

credores, skateholders (indivíduos e organizações impactados pelas ações da sua empresa), ao Ministério Público e a outros interessados, acesso adequado e suficiente às informações gerenciais, econômicas e financeiras da empresa.

O banco indagou a necessidade da realização de uma constatação prévia

Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) tomou uma decisão temporária para suspender a RJ da empresa 123 Milhas, em resposta a uma solicitação apresentada pelo Banco do Brasil, um dos credores da empresa.

O banco argumentou que os documentos apresentados pela empresa em seu pedido não cumpriram com as obrigações legais aplicáveis, que garantem aos

Além desses argumentos, o banco indagou a necessidade da realização de uma constatação prévia, verificando as reais condições de funcionamento da empresa e da regularidade documental, e solicitou a destituição dos administradores judiciais nomeados em primeira instância. O desembargador Alexandre Victor de Carvalho, responsável por julgar o pedido do Banco do Brasil, proferiu a seguinte decisão em relação a suspensão:

“A meu ver, afigura-se essencial a análise por profissionais técnicos acerca das reais condições de funcionamento das empresas e da regularidade e da completude da documentação apresentada [...] para posterior deferimento ou não do proces-

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samento da recuperação judicial”, diz um trecho da decisão.’’

Por mais que essa decisão suspenda provisoriamente a RJ, o Excelentíssimo Desembargador manteve o período de blindagem de 180 dias em que ficam interrompidas as ações ordinárias e execuções contra a sociedade devedora. Vejamos: “Tal providência advém do perigo de dano irremediável à parte agravada, na medida em que poderá restar inviabilizado o resultado útil do processo de recuperação judicial que tramita na origem, caso o resultado da perícia prévia seja pelo seu deferimento”, afirmou o magistrado na decisão’’

Em um comunicado oficial, a 123 Milhas declarou que todos os impactos da recuperação judicial seguem vigentes, já que a decisão da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais apenas interrompeu temporariamente o andamento do processo em primeira instância. A empresa esclareceu que essa suspensão

ocorreu até que uma perícia, designada pelo desembargador, seja concluída.

A 123 Milhas utiliza uma estratégia elaborada para contornar as restrições presentes nos contratos individuais dos programas de milhagem de passageiros, que proíbem a venda de milhas, e que recorre a um sistema de procurações remuneradas, onde o detentor das milhas nomeia a empresa de

No dia 21 de setembro, a empresa Maxmilhas solicitou sua inclusão no processo de recuperação judicial da 123 Milhas

milhas como sua procuradora, permitindo a emissão de passagens em nome de terceiros, enquanto o detentor original das milhas é compensado por isso. É de certo modo um desvio, que não é diretamente ilegal, mas deixa uma janela aberta em nosso ordenamento jurídico.

No dia 21 de setembro, a empresa Maxmilhas solicitou sua inclusão no processo de recuperação judicial

da 123 Milhas, alegando ter sido afetada pela ‘’crise de credibilidade’’. Nota-se que a própria Maxmilhas havia declarado anteriormente que ‘’o acontecido com a 123 Milhas não houve qualquer impacto em relação aos seus produtos e clientes’’. Porém, no requerimento, menciona que os eventos envolvendo a 123 Milhas resultaram em uma queda abrupta das suas vendas, caindo seu faturamento de 70% em passagens aéreas, e 90% em hospedagens em 30 dias. A empresa alegou uma dívida de R$ 226 milhões em seu pedido, sendo relevante reiterar que os mesmos sócios ligados à 123 Milhas fazem parte da estrutura societária da Maxmilhas.

4.DIREITO CONCORRENCIAL

No Brasil, o Direito da Concorrência foi introduzido a partir dos Estados Unidos, onde surgiram as primeiras legislações, teorias e órgãos responsáveis pela aplicação das leis antitruste. O objetivo das leis de Concorrência é

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regular o Poder Econômico que busca consolidar o controle absoluto de um determinado mercado de forma inadequada. Nossa Constituição estabelece que a legislação deve coibir o abuso do poder econômico, que visa à dominação dos mercados, à supressão da concorrência e ao aumento desproporcional dos ganhos. Vale ressaltar que a livre concorrência é um princípio constitucional, presente no art. 170, inciso IV, da Constituição Federal:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: IV – livre concorrência;

Segundo José Afonso da Silva, em seu livro de Curso de Direito Constitucional Positivo, a livre concorrência representa um aspecto fundamental da liberdade de empreender, e para garantir esse princípio,

a Constituição Federal de 1988, em seu art. 173, parágrafo 4ª, estabelece que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Não se pode finalizar esse artigo sem mencionar o desequilíbrio causado pelos mecanismos da recuperação judicial no direito concorrencial, do qual decorre a suspensão das ações e execuções pelo prazo de 180 dias, ou seja, em um ambiente normal de competição esse benefício inexiste, o que poderá permitir ao empresário em crise funcionar regularmente por esse prazo sem que tenha que enfrentar os problemas corriqueiros do empresariado que não está sob os efeitos da recuperação.

O primórdio subjacente a essa ideia se baseia no princípio fundamental de que os agentes econômicos que detêm poder de mercado não devem restringir a concorrência. Isso implica que, em mercados competitivos, os preços geralmente tendem a permanecer no nível mais baixo possível,

incentivando as empresas a continuarem de modo constante buscando maneiras de melhorar sua eficiência, visando aumentar seus lucros e fomentar a inovação. Especificamente no contexto brasileiro, o país possui um sistema de proteção à concorrência regulado pela Lei 12.529/2011, que engloba o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (SEPRAC) do Ministério da Fazenda.

O CADE tem como sua principal missão preservar a concorrência justa no mercado⁸, e como autoridade encarregada dentro do âmbito do Poder Executivo sua responsabilidade não se limita apenas a conduzir investigações e tomar decisões finais em questões relacionadas à concorrência, mas também em promover e difundir a cultura da competição livre. No Brasil, qualquer cidadão possui o direito de denunciar ao CADE práticas que prejudiquem a concorrência, e

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o órgão, por sua vez, está autorizado a iniciar uma investigação para esclarecer os acontecimentos.

Nos termos da Lei 8.884/1994, quaisquer atos que possam restringir ou prejudicar a livre concorrência, ou levar à dominação de mercados significativos de bens ou serviços, devem ser submetidos à avaliação do CADE. O órgão conta com análises técnicas da Secretaria de Acompanhamento Econômico (“SEAE”) e da Secretaria de Direito Econômico (“SDE”), que desenvolveram, por meio de uma portaria conjunta, o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal.

Até o presente momento, o CADE não se pronunciou sobre o acontecido com a 123 Milhas. Este caso ilustra os diversos desafios que o Direito Concorrencial enfrentará, desde o seu controle preventivo, que são atos de concentração, ou até mesmo o controle repressivo, com infrações contra a ordem econômica.

Ou seja, se uma operação

societária utilizada como meio de recuperação judicial for aprovada pelos credores e deferida pelo Poder Judiciário (decisão judicial), o CADE (mediante decisão administrativa), nas hipóteses previstas em lei, deve também se manifestar, e, neste contexto, defender a concorrência.

Assim, a reestruturação de empresas em crise pode envolver, não somente a

defesa dos interesses dos credores, trabalhadores e parceiros da empresa, mas, também, a proteção dos princípios da livre concorrência e do bem-estar dos consumidores. Essa ponderação se torna ainda mais complexa em situações que envolvam agentes econômicos em mercados altamente concentrados, como ocorre em alguns setores do nosso país.

Nos Estados Unidos existe a teoria da “failing company”, também conhecida como “failing firm defense” ou teoria da empresa insolvente₈. Segundo essa teoria, a situação de insolvência da empresa envolvida na fusão ou venda de ativos pode constituir uma

exceção aos padrões para análise de atos de concentração. Com o objetivo de evitar o desperdício ou a perda de ativos, essa teoria permite a aprovação de uma transação que, em circunstâncias normais, não seria considerada viável para uma empresa financeiramente sólida.

Apesar do CADE ter analisado diversos atos de concentração envolvendo a venda de ativos de empresas falidas ou em recuperação judicial, não estabeleceu de forma consolidada em sua jurisprudência um entendimento claro sobre o tema e os requisitos específicos necessários para a aplicação da teoria da “failing company”.

No caso da 123 Milhas, que lançou uma linha promocional de passagens com preços quase inacreditáveis, ficou evidente a sua incapacidade de cumprir conforme com o prometido. Além disso, o pedido de recuperação judicial revelou que a empresa enfrenta desafios substanciais, incluindo a dispensa de mais de mil funcionários, resultando em dívidas com

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os seus financiadores, bem como problemas evidentes com seus clientes e parceiras de companhias aéreas.

Até o momento, aqueles que possuem passagens não utilizadas terão que aguardar, o que poderá levar alguns anos até que essas passagens possam ser finalmente desfrutadas. Existe a possibilidade de que o reembolso seja efetuado em dinheiro, mas com parcelamento ou por um valor reduzido. De fato, alguns órgãos de proteção ao consumidor já expressaram seu descontentamento em relação a esse processo de reestruturação financeiro da 123 Milhas, onde afirmaram que pretendem questioná-lo e se opor a ele.

Contrariando o que muitos podem imaginar, a companhia ainda continuará funcionando, e a suspensão dos contratos devido à RJ se aplica apenas retroativamente. Portanto, as passagens adquiridas após a aprovação da recuperação serão emitidas normalmente, não havendo motivos para a empresa não cumprir com esses acordos.

Por fim, um agravante adi-

cional é que, daqui para frente, a confiabilidade da 123 Milhas dependerá da normalização dos preços das passagens, já que será difícil o consumidor acreditar em ofertas miraculosas, o que aparentemente era isso que sustentava a empresa. Uma alternativa para que o consumidor pague por preços normais e confiáveis seria a compra de passagens diretamente pelas companhias aéreas. Conquistar a confiança dos consumidores no futuro será crucial para que a 123 Milhas possa lidar com os problemas do passado, o que representará um grande desafio.

5.DIREITOS DO CONSUMIDOR

situação tem causado considerável desconforto e apreensão entre os consumidores que adquiriram pacotes de viagens e hospedagem, e que não conseguiram concretizá-las. Enquanto a empresa luta para evitar a falência, foram temporariamente interrompidas as ações judiciais movidas pelos clientes que se sentiram

prejudicados. No que diz respeito ao reembolso para os consumidores, a empresa inicialmente comunicou que compensará os valores pagos pelos clientes, mas não em dinheiro, em vez disso, ofereceria vouchers acrescidos de correção monetária que poderiam ser utilizados para a compra de outras passagens, hospedagens e pacotes.

De acordo com as regulamentações do Código de Defesa do Consumidor, os consumidores não podem ser compelidos a aceitar os vouchers oferecidos pela empresa de viagens. Na realidade, a empresa teria a obrigação de emitir novas passagens aos consumidores ou reembolsar o valor pago por eles, como estipulado nos artigos 6º, 20º e 35º do CDC. Além disso, a empresa pode ser responsabilizada pelos prejuízos que os consumidores sofreram devido à falta de emissão das passagens aéreas, incluindo despesas relacionadas a passeios turísticos não realizados e diárias de hotel.

A suspeita é que a plata-

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Essa

forma atuava em uma espécie de pirâmide financeira, oferecendo pacotes de viagens promocionais a preços significativamente abaixo do mercado e do custo real para angariar recursos financeiros de curto prazo. No entanto, esse comportamento faz com que essas empresas se tornem altamente dependentes de vendas adicionais para alcançar um equilíbrio financeiro e manter suas operações. Isso a torna vulnerável a problemas financeiros caso as vendas adicionais não sejam suficientes para cobrir as dívidas acumuladas devido à venda de pacotes promocionais, resultando em um modelo insustentável a longo prazo.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) iniciou uma investigação sobre a 123 Milhas no início deste ano devido à promessa de reembolso por meio de vouchers em vez da devolução em dinheiro. A reflexão que fica, especificamente para os consumidores, em qualquer área de consumo

é, selecionar bem a empresa da qual se adquire produtos e serviços a fim de evitar cair em uma situação de difícil reparação.

Devido aos recentes acontecimentos, a situação tornou-se ainda mais desafiadora aos clientes após a aceitação do pedido de recuperação judicial da empresa pela MM. Juíza Cláudia, já que as viagens não podiam mais ser emiti-

so de recuperação judicial, e verificar se o seu crédito foi incluído no plano de recuperação, ou seja, na lista de credores e plano de pagamento. Se o crédito não for reconhecido e não for incluído, será necessário entrar com uma ação judicial própria para obter o reconhecimento judicial do crédito e, posteriormente, a habilitação desse crédito no plano de recuperação judicial. das, mesmo nos casos dos consumidores que conseguirem decisões liminares determinando a emissão.

O próprio site da empresa informa que, temporariamente, não é possível utilizar vouchers para comprar passagens aéreas, diante disso, muitos se perguntam quando a empresa irá reembolsar os clientes prejudicados. Infelizmente, esses clientes provavelmente serão os últimos a receber, uma vez que conforme dito anteriormente, é priorizado na recuperação judicial o pagamento de dívidas trabalhistas e tributárias.

O melhor caminho que os consumidores podem seguir é acompanhar o desenvolvimento do proces-

Denis Dias de Andrade é estudante do 5º ano de Direito

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Atuação do CADE: uma análise comparativa e mercadológica das

aquisições da Garoto e do grupo CRM

ARTIGO

OArt. 170, IV, CF estabelece como um dos princípios da ordem econômica a livre concorrência. Desse modo, assegurar o cumprimento do supracitado princípio na conjuntura brasileira é essencial, visto que, acarreta benefícios ao mercado, às empresas e aos clientes, pois colabora com a manutenção da competitividade mercadológica, evita a formação de monopólios e oligopólios e amplia as oportunidades de escolha dos destinatários finais dos bens e serviços.

Nesse ínterim, em 2012 a Lei nº 12.529/2011 passou a vigorar e o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE) tornou-se responsável por instruir os processos administrativos de apuração de

infrações à ordem econômica e os processos analíticos de atos de concentração, anteriormente vinculados à Secretaria de Direito Econômico (SDE) e à Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). A Lei em pauta também extinguiu a antiga SDE e alterou a atuação da Seae, modificando, assim, a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, bem como, a estrutura interna do CADE.

Com base no exposto, observa-se que o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência desempenha um importante papel na análise das fusões e aquisições de empresas, principalmente após a Lei nº 12.529/2011. Antes da alteração legislativa, o Bra-

sil era um dos poucos países do mundo a adotar um controle de estruturas a posteriori, por isso, a partir de 2012 a forma de organizar a atuação do CADE trouxe, além de maior segurança jurídica, agilidade na análise dos atos de concentração.

1. A estrutura atual do CADE:

O CADE integra o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), todavia, os órgãos que lhe acompanham não são mais os mesmos desde a sua criação, pois antes da Lei nº 12.529/2011, o SBDC era composto também pela SDE e pela Seae. Hodiernamente, a composição do sistema supracitado é: o

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Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (SEPRAC).

No que tange à organização interna do CADE, os órgãos que o compõe são: o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, a Superintendência-Geral e o Departamento de Estudos Econômicos. Por meio deles, o CADE exerce as seguintes funções: preventiva, atuando no controle de estruturas e evitando, dessa forma, a intensa concentração de mercado que poderia levar ao abuso da posição de poder; repressiva, realizando o controle de condutas por via da repreensão à abusividade; e educativa, promovendo a cultura da concorrência.

Logo, nota-se a relevância do CADE na defesa da concorrência no Brasil, afinal a Autarquia trabalha para assegurar o princípio previsto no Art. 170, IV, CF e para, consequentemente, garantir um cenário benéfico a todos, uma vez que,

visa promover a competitividade justa. Com essa intensa atuação, a concorrência não fica condicionada e restrita aos agentes de maior significância no mercado e, destarte, são possibilitadas maiores condições de crescimento às empresas menos consolidadas, além de ser favorecida a manutenção da qualidade dos produtos e serviços ofertados.

títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;

III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture .”

Autarquia trabalha para assegurar o princípio previsto no Art. 170, IV, CF

2. Conceituando os atos de concentração:

Osatos de concentração são definidos, da seguinte maneira, pelo Art. 90 da Lei de Antitruste:

“I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas,

Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput , quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.”

As concentrações abordadas podem se dar de maneira vertical (operação relativa a agentes econômicos distintos, os quais ofertam produtos ou serviços pertencentes a etapas diferentes da mesma cadeia produtiva) ou horizontal (operações que envolvem agentes econômicos distintos que ofertam produtos

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ou serviços substitutos entre si). Posto isso, a análise do CADE permeia questões referentes ao entendimento do mercado relevante e da possibilidade de abuso de posição dominante pelos que possuem maior influência mercadológica.

3. A compra da Garoto pela Nestlé: as mudanças no mercado e nas condições concorrenciais:

Acronologia do caso da aquisição da Garoto pela Nestlé se iniciou em 2002 com a compra. Posteriormente, em 2004, houve o veto da operação pelo CADE sob o argumento de que isso geraria uma concentração de aproximadamente 60% no mercado nacional de chocolates, em 2005, a adquirente ajuizou uma ação a fim de reverter a decisão proferida e, em 2009, a Justiça determinou ao CADE que analisasse novamente. Por essa razão, no ano de 2021 a análise foi retomada e em 2023 a compra foi aprovada. É relevante lembrar que quando a Nestlé adquiriu a Garoto a lei que vigorava era a de

1994, ou seja, a análise ocorria a posteriori, o que tornava o processo mais extenso. No caso em questão, os trâmites demoraram em torno de 20 anos até serem, de fato, concluídos e, durante esse período, tanto o cenário econômico nacional quanto o mercado de chocolates passaram por significativas transformações, o que ocasionou uma mudança na percep-

No ano de 2021 a análise foi retomada e em 2023 a compra foi aprovada

ção acerca da compra firmada em 2002. Durante esses anos, houve, segundo a Superintendência-Geral do CADE, uma considerável entrada de concorrentes no ramo de chocolates, ocasionando uma queda de 20% na somatória da relevância das empresas em pauta, as quais detinham juntas 58,41% do mercado (em 2001) e passaram a

ter aproximadamente 40% (em 2021).

“Diversos fatores contribuíram para o crescimento do mercado, dentre os quais: mudanças de hábitos de consumo, crescimento da renda média da população, investimentos das empresas, entrada de novos produtores e superdesenvolvimento de segmentos anteriormente definidos como nichos”. Em síntese, a revisão aponta a mudança do contexto concorrencial e, por isso, entende não haver mais uma justificativa plausível para vetar tal compra.

A decisão teve caráter unânime em virtude da reconfiguração da rivalidade mercadológica. Contudo, apesar da aprovação, a Nestlé deverá seguir quatro compromissos:

1. Manter por 7 anos a operação da fábrica da Garoto em Vila Velha;

2. Informar por 7 anos sobre qualquer aquisição de empresa ou marca no mercado nacional de chocolates sob todas as formas, mesmo que não atinja os requisitos de faturamento previsto na lei concorrencial.

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3. Não adquirir por 5 anos ativos que representem participação igual ou superior a 5% de market share no mercado de chocolate; 4. Por 7 anos a Nestlé não intervirá em pedidos de terceiro relacionados a tarifas diferenciadas na importação de chocolates ao mercado brasileiro. “Aprofundando a análise, o Relator conclui que a grande capacidade ociosa das requerentes aliada a seu poder de mercado derivado de 88,5% de participação inviabilizaria a entrada de novos concorrentes, bem como, a própria capacidade de rivalizar da Arcor (única concorrente na época).”

4. A compra do grupo

CRM: Ao tratar acerca do caso Nestlé e CRM - grupo composto pela Kopenhagen, Chocolates Brasil Cacau e Kop Koffe - deve-se entender a diferença existente entre ele e a compra da Garoto analisada anteriormente. Em um primeiro momento, vale destacar os interesses

da Nestlé neste processo aquisitivo, sendo cabível listar as seguintes ideias: Fortalecimento de franquias e de lojas físicas; Diversificação de mercado: inserção no setor premium de chocolates; Aceleração de segmentos de maior valor agregado e, consequentemente, fortalecimento da categoria de chocolates no Brasil.

Em razão dos motivos expostos, entende-se que a aquisição do grupo CRM trará menos riscos de concentração de mercado. Apesar de ainda não ter sido aprovada, há bem menos pontos de cautela, se comparada à compra da Garoto em 2002, isso porque o poder que a Nestlé detinha no período da aquisição da Garoto era maior. Não houve, assim, um avanço de domínio de mercado por parte da empresa que, em 2002, ocupava o primeiro lugar na posição de consumo.

A compra pode ser aprovada com ou sem restrições, mas isso depende da análise do CADE. Desde já, é importante compreender que a Kopenhagen

não tem a capacidade de desnivelar a concorrência da marca em pauta com as demais, o que vai ocorrer é, na verdade, a ampliação e a diversificação do portfólio da Nestlé, a qual passará a atuar também no segmento premium.

A Nestlé afirma que objetiva “participar de um segmento diferenciado, agregando à sua estrutura um novo modelo de negócio com a rede de lojas que oferece uma experiência exclusiva aos consumidores aliando chocolates finos ao café. Ao mesmo tempo, a Nestlé estará comprometida em alavancar ainda mais o crescimento do Grupo CRM.”

Em suma, a época em que a compra do grupo CRM está inserida é nitidamente distinta daquela em que foi situada a aquisição da Garoto e, por óbvio, circunstâncias diferentes devem ser marcadas por análises condizentes com as condições concorrenciais dos seus respectivos períodos.

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5. Conclusão crítica:

Conclui-se que a análise a priori dos atos de concentração representa, de fato, a melhor hipótese. Outrossim, é cabível frisar a importância dessa ativa posição do CADE frente às demandas concorrenciais, pois é a partir da supracitada Autarquia Federal e dos demais órgãos integrantes do SBDC que a livre concorrência -disposta constitucionalmente- terá aplicação pragmática no mercado brasileiro.

Por conseguinte, durante a abordagem exposta ao longo dos tópicos acima, foi possível verificar que o contexto econômico e mercadológico do período em que é realizada a compra mostra-se fundamental para fins de aprovação ou reprovação do ato concentrador. Ao refletir acerca dos casos de compra da Garoto e do grupo CRM, outro fator

Julia Paschoal Silva é estudante do 2º ano de Direito

determinante para a decisão é a influência da Nestlé (empresa adquirente) no ramo de chocolates à época da aquisição.

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Comentários

São Paulo, 24 de abril de 2024.

A produção de materiais de cunho acadêmico é, sem dúvida, uma das mais relevantes atividades para a efetivação do tripé do desenvolvimento acadêmico: ensino-pesquisa-extensão.

A magazine “Multifaces do Direito Empresarial”, um entregáveis acadêmicos da CAAME (Clínica de Assessoria Acadêmica MackEmpresarial), reflete a importância da extensão universitária, compartilhando com a comunidade conteúdos de extremas qualidade e relevância, o que demonstra o compromisso de todos os seus participantes com a qualidade acadêmica, característica intrínseca da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Espero que todos apreciem a leitura e contribuam com a propagação das reflexões aqui presentes.

Saudações comercialistas, Pedro Ramunno

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57 Magazine CAAME - Ed.2023 Gostaria de ter um texto no próximo número da Multifaces do Direito Empresarial? Entre em contato conosco pelo adm.caame@gmail.com

Referências

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