Existe o inferno provas pedidas ao bom senso

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Existe o

Inferno? Provas pedidasao bom senso P. Lacroix

"Não quero quo se tenha uma philosophia para as scisncias o outra para a religião.t' PORTALIS ("Do uso e abuso phiÌosophico")

2,' edíçãoaccurada

Taubate

Publieações S. C. J.

do espirito


NÌHII/ OBSIA|I S. Pauli, 24 Decembris 1929

Mons. M. Ladeiro Censor

IMPR,IMAIUR Mons. Pereíra Barros Vigario Geral

REIMPR,IMI PO1IESI Taubaté,15 outubrts 1937 P. P. Storms Praep. BroY. brasil.


EXISTE o

INFERNO?

PREFÃCIO

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Existe o Inferno? - Eís ahi uma questão graoe,grauissímalSi existe,o homem sensatodeve, a todo momento, ter em conta essaespantosarea" lidade e tomar as suasprecauções. Como, porém, prouat que o inferno realmente existeou não existe?Para a legião dos homens que não têm fé, não adianta o testemunhodesta. Mas, como todos os que négam a existencia do inferno appellam paru a nzão humana, afim de pÍovar que essacÍença está em contradicçãocom ella, e que portanto o inferno não existenem póde existir, vale a pena fazermos uma revisão dessas provas e estabelecer exactae extensamenteos prós e os contras, de modo que quem se interessarpela realidade dos factos possa examinal-a comnosco e tirar as suasconclusões. Veríficando, de facto, neste opusculo os prós

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Prefaeio

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sobre a existencia do infernq, níngumt tçá entretanto motíuo de ficar mal ímpressionado corn o úgor da justíça díoina, como si elle fôsse excessr'L'o ou ínjusro. ,{. leitura das paginas que tratam da justiça de Deus não dispensa a das que tratam das attenuantes. Quem 1êr os demais capitulos não deve deixar de lêr igualmente a 9." pergunta, assim como os capitulos VII, XI e XII. Por estes capitulos ficam os demais sufficientemente contrabalançados.

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O nosso paiz ê o paiz da excessivabondade e Iiberdade, chegando-seaté â fraqueza e â indolencia, até ao abandono dos interessesmais legitimos e necessarios,até â indisciplina e a incriyeis desordens. À indole nacional leça innumer3s pessôas a suppôr tambem em Deus senaelhantesdefeiros, a julgal-o bom dté â mollezâ, iaCulgente aré ás 'mais absurdas transigencias. .Absolutansenre immune está, porém, Deus de semelhantes faihas. e por isto mesmo não quer nem póde abandocaÍ o mundo, em ultima instancia, á acção nefasra e impune dos prevaricadores! Contra elles to6ou, em ultima instancia, medidas efficazmen[e riqoro, sas.

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E' finalidade deste opusculo pôr elo ordem pensamentos e sentimentos, corrigindo erroneos

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Prefacio

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conceitosque tantos f.azemde Deus. Com uma só pinceladanâo é,possivelfazer um quadÍo, nem tão pouco dat ídéa clara e peúeïta sobre assumptotão complexo e contradito.No quadro a pintar,,está visto que nos deviamospreoccuparmuito mais com a sombra do que com a luz. Nem por ísto, entrer tanto, estafalta paÍa completal-o,como o attestam os capitulos assignalados. A eternidadedo inferno permanecerósempre tenebrosoe profundo, Só podemos mgstedo um um pouco, eÍn facede outra tentar comprehendel-a realidadenão menos ímmensuravel,â luz de ttm céu de gloria e de felicidadeque devemosconquistar emquanto estivermos neste mundo. Só podereÍnos tompreh'ender melhor [a immensidade da vindicta de Deus, avaliando devidamentea immensidadedos beneficiosque Elle largamentenos prodigaliza nesta vida, para conquistarmos o céu e evitarmos o inferno; avaliando devidamentea rcalidadeestupendade um Deus crucificado, eu€, na sua infinita misericordia,se nos entregou no SantíssimoSacramento,e que nos legou sua propria Mã e, para ser nossa mãe e advogada,nosso perpetuo soccorro.Nestas uerdadestodas, estupen'das e mognífícas, ancóts-se diuínamente a êternídade do ínferno!


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Prefacio

à considercçãode todas essasrealidadesdeve afugentar-nosdo espirito não só a falsa segurangã, como tambem todo desesperoe desanimo, e ffumar nelle uma médía admíravel de temor, confíança e amor de Deus, juntamente com toda bôa vontade para Íazermosos sacrificíosrequeridospara e v i t a to m a l e f a z e r o b e m . Oxalá encontreo leitor na leitura desteopusculo o freio salutar contra o mal do peccado,e e estimulo precisopara obsewar os mandamentosde Deusl Melhor resultadonão podemosesperarnem ambicionar.

O auroR


TNDICE INDICE . . . PREFACIO r - TNTRODUCçÃO II _ NOÇÕES PRELIMINARES III - l.' PROVA: A) A e*istencin d,o ãnferno ë imprescindiael para garantir ao tnund,oa boa' ofdem....r 1.' PERGUNTA: Como se concilia a liberdade com o constranginrento moral ? 2.' PERGUNTA: Constitue a existencia do inferno offensa ao brio de alguem? 3.' PERGUNTA: O motivo de interessetem ou não valor moral? . . . . . . . 4." PERGUNTA: O motivo de medo do inferno tem ou não imPortancia moral ? B) O inferno correspond,eperfeitamente aos castigos ila iustiça humana 5.' PERGUNTA: Como é que a justiça humana se pa.rece e concorda com a divina ? Com o justiça humana 6.' PERGUNTA: ainda é precisa a divina para manter a ordem no mundo? . lV - 2.' PROVA z O inferno é nccessario Púra' garantir a Deus o seu soberana ilominio 7.' PERGUNTA" E' ou não o hometn respousavcl pelas condições da sua intelligencia e vontade? .

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3." PROVA : A natureza do peccado gyave reclamo o inf erno 8." PERGUNTA: A culpa do peccadotorna-se leve pela circumstanciade não se co' nhecer a Deus a Íundo? 9." PERGUNTA: Si o inferno é o castigo por uns actos tão fugitivos de paixão, não carece de proporção? 10." PERGUNTA: Será injusto castigar com castigos desconhecidos ? 11." PERGUNTA: Acaba com a morte a provação ou a possibilidadede se converter ou melhorar? . VI -4." PROVA: O inferno é necessarioporque o peccado:grüae repugna absoïutamèn,te á, infinita santidad,e e iusti,ça d,e Deus VII - Concilioção da Justiça de Deus com sua htfi,nita miserícordia . 12.' PERGUNTA: Com a existencia do inferno Deus pode ainda ser infinitamente r bom e misericordioso?. . VIII -- O uolor das proins . . IX - Uniaorsalidade da crença, no ínferno X-O christianiyno e o inferno XI - Quaes sõo'oi homens euc trílham o rartinho d,o infern,o? XII - As causas frofundos da d,escrença. Conclusão pratica .

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O INFERNOP

EXISTE

o QUE DrZ À SÃ RAZÃO

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fntroducção

SUMMARTO: Qual o officio d.a razã"ono terreno da religião (p.'9). Appellos indébitos do racionalismo para desacreditar a religião e o inferno (p. 10). Os que reclamam contra o inferno e porque o fazom (p. 13). Varios motivos que levaram o autor a tratar do assumpto (B. 14).

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E' singular que os inimigos da relígião costumem inuocar a rozão em faoor da sua írreligíão e impiedade, como si ella estivessedo seu lado. Procuram, sinão substituir a fé pela razáo, pelo menos sujeital-a índevidamentea ella. Não ha duvida que, na exposiçãodas verdades da fé, se deve emprcgar a nzâo. Os proprios motivos de credibilidade,os motivos por que se deve ter religião e tal religião, são do dominio da nzão, devem ser Ilor ellr verifiçados cotrÌo le-


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Fe e razão

gitimos. Por isto S. Paulo afffuma (Rom., IZ, l) que a nossafé é,rucíonal.Cada um deveriasabero porque dessafé, afím de poder defendel-a(I petr., III, 5). A fé encontra-se com a rczão no mesmoterreno. Às primeiras grandesverdadesda rclígiâo jâ se acham gravadasna sã razão, de modo que são de possecommum. Constitúem,em seu conjuncto, o que se chama "religião natural", €Ín opposição â "rcligião positíva revelada". Póde-see deve-seusar tambem a sã tazão para explanar os artigos de fê, documental-os,provar uns pelosoutros; provar a sua derivação,successão, concordancía,etc. Porém o que não é direito nem Iicito é substituir a fê pela razão, ou ainda sujeital-a ou adaptal-a a ella, experimentar a fê, pela razão, de modo a acceitar.ou rejeitar o que lhe parccer convenienteou não. E' ultrapassar os limítes e o alcanceda tazão e enttat num terreno desconhecido, onde ella não póde ter ceftezaalguma para affírmar si uma vetdadeexistir ou não. Essa tentativa não é de hoje: é multisecular. Existiu em todos os tempos, mesrno desdeo começo do christianismo. Nos tempos mais recentes essatentativa cresceuainda mais, e atése condensou num systema scíentifico chamado rocionalismo,o


Fe e tazão

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qual produziu mais tarde o modernismo.Em toda essa tentativa sempre se verificou uma luta offensiva contÍa a f.é, sem, nem de longe, ser uma luta confoÍme â nzâo. Semprese alliaram e alliam a essaluta individuos gtosseirose sem instrucção, que aproveitam as affirmaçõesgratúitas dos mais adiantados e pretenciosos, pata rcclamat contra a religião e suas imposições,como si esta não estímuito' vesseno seu direito ou até thes devesse rclïgiáo, e devem â Nãol Eíles é que muito esta é que tem o direito sagradode ser ouvida, reconhecida e acatadapor todos. Àssiste-lhe o direito de ameaçaros recalcitrantescom os castigos de Deus, e atê com o inferno eterno. Revoltam-se e enfurecem-seos inimigos da religião contra os que seuspreceitose contra os seusrepresentantes, sesob exigem obedienciaem nome de Deus e melhantesameaças. Inuocam contta elles a tazõo, a sciencíae a experiencia,recorrendo a toda sorte de motivos, possiveise impossiveis,contra a religião, como si assim se pudessempreservar do castigo futuro' Desde logo protestam contra a possivel condemnação, accusandoa Deus de injusto e atê.de malvado. Embaraçados,appellam ao menos para e sua prop úa nzão, como si nella achassemmotí-


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Fé e razã,o

vos sufficientespara recusaras imposiçõesda rcligião. E' uma justificação especiosa e vã ! Realmente,sí a ruzão e a verdadeobjectiva estivessemde accordo com elles, então elles estaríam de parabens.Poderiam desculpar-se e ser justificados da sua desobediencia, da sua indignação pretenciosa,da sua irreligiosidade e impiedade. Porém tal não se dá! "Não ha sabedoriacontra Deus" assim proclamaa sagradaEscriptura (Prov., 21,30), de accordocom a bôa philosophia. "Por acaso- per' gunta o propheta (Pr. 93, 8) em nome de Deus - quem fez as ouvidos não ouve e quem fez os olhos não enxerga?"Isso bem quer dízeti por acaso aquelleque fez a razão tão clan e tão lucida, 'tão a vontade rccta e o coraçãotão bom, não teria uma razão, uma vontade e um coraçãoinfínitamente superíor a todos e melhor do que se póde imaginar? Não se faz mistér a theologia paÍ:aprovar isso.São o bom senso,a sá ruzão e a bôa phitosophía que o provam de commum accordo.Consultando a respeitoa bõa philosophía,é de vêl-a em peúeita harmonia com o bom senso,a ensinar a noção fundamental de que Deus é o Sêr Supremo, irifinítamente perfeito em todos os s€ntidos. Ã não


Fé e razão

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ser assim, Deus deixaria de ser Deus,' e nada, absolutamente nada, poderia existir. E' pois a recta razáo, aguçada e elevada pela sã philosophia, que proclama essas verdades ptímordiaes e basicasda vida humana e christã. Quem não as acceitarcolloca-se em flagrante contradição com a sua naturcza íntima. Quem não as acceitar com simplicidade de creança, pela evidencia da sã nzáo e de bom coração, corra a assentar-senos bancos de uma bôa academia de philosophia, como as ha em cada paiz. Vâ aprender scientificamente o que toda gente bôa admitte como evidente, i. é, que não ha sabedoria,nem rectidão, nem bondade, nem perf eïção alguma contra Deus, ou contra o que ELle fez. Depois leia este livrinho, ponderando as :.azóesgravissimas e apodicticas em favor da existencia do inferno, confrotando-as corajosamente com as razóes em contrario. Reconcíliat-se-â então com a verdade, vivendo depois de accordo com a sua convicção. Sim, a existencia do inferno! Eis o artigo de fê que a tantos incommóda, alarma e contraría, que a tantos assusta, kúta e atê,enfurece; verdade tremenda, €fl que tantos pouco acreditam ou não querem acreditar. São, primeiro, os que não querem saber da religião positiva e das suas imposiçóes.


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Quemnegaa exist. do inf.

Não admittindo tevelaçãoalguma, menosainda adrnittem as proclamaçõesda Sagrada Escriptura a respeito do inferno. São os materíalisfas,que não gostam de incommodar-secom o serviçode Deus; não querem saber da vida de além-tumulo, do céo e do inferno eternos. O pensamentode um possivel inferno é-lhes horrivel, insupportavel,e elles o rejeitam com toda a rcligião positiva, como si não houvessenz6es inteiramenteconvincentesda necessidade' da sua existencia; tal como, si por tapar os olhos com as mãos pal.a não vêr o sól, deixasseestede existir. que se levantam e São ainda os peccadore,s clamam contra o inferno, no seu desejode que elle não exista. E' comprehensivel:querem o peccado, mas não querem o castigo.Querendocontinuar a peccar,põem em duvida o ínferno, como tudo mais, para poderem tranquillamente entregar-seao peccado. Fazer o mal acreditando numa justiça ete? na, no castigoterrivel e certo do inferno, seriainconscienciaimperdoavel,uma crueldadepara comsigo mesrio, verdadeíraloucura! Não querem incorrer em tal inconsequenciae absurdo, porém antes,irracionalmenteduvidar de tudo. Essainconsequenciaexiste tambem nos que têm fé e levianamente assim mesmo peccam,agarrando-sedepois

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Intentos do autor

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á misericordiade Deus para evitaÍ o supremo castigo. São ainda os fracos na fê, como tambem que duvidam da existenciado inferígnorantes, os no. Não têm convicçãona sua fé. Não sabemo que ella ê, nem o que devem acteditat ou não; duvidam de tudo, e em particular da existenciado inferno, que lhes é muito incommoda.Pa:.aelles, não é uma realidadecom que devam contar. São, finalúrente, pessóasmuí sensiueise neruoscs, que julgam a relígião mais por sentimentos do que pela sã nzío, e que dest'artenão querem' ouvir falar de inferno. São, por ex., senhorasbôas e devotasque não podem crêr que Deus seja capaz de relegar pal.a o inferno o esposo, ou o filho querido, tão bons para ellas e tâo amados! A todos prouaremoEque temosde contar com a realidade do ínferno, e que q alternqtiua é inevitavel: ou prsticar a religiõo deoídomenteou cahir para,sempteno ínferno, O motíoo que nos leua a prestarestegtande seroiçoé o mesmo que S. Paulo invocou para si: "Ã caridadede Christo nos preme" (Z Cor., 5, l4). Realmente,ao vêrmos tantos homens trithando o caminho do inferno, todos ellesremidos por Nosso Senhor, chamadosa uma eterna feli-


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Intentos do autor

cidade,dóe-noso coração.Como S. Paulo, sentimo-nos devedor de todos, como a outros tantos irmãos e amigos. Sentimo-nosimpellido a arrancar-lhesa venda dos olhos, e mostrar-lheso abysmo em que sepodem precipítarpara sempre.E' por caridade e amizade. Para outros amigos temos mais um motívo que nos obriga a emprehender estetrabalho. Dizem que "promessaé, divida" . Pois bem! Nas nossas viagensencontrámoscom consideravelnumero de pessoasque duvidam seriamenteda existenciado inferno, tão sériamenteque nem padre, nem bispo, nem pessôaalguma podia convencel-asdo contrario. São entretantopessôas bôas, distinctas , e até piedosas,ao menos tanto quanto se possaser com a negaçãodo inferno. Na impossibilidadede lhes resolverpormenor'tzadamente,em breve visita, todas e tantas difficuldades,promettemo-lhesofferecer-lhessobre o assumptouma brochura em que melhor poderiam ponderar as razõesem favor da existenciado inferno. Onde acharmos,porém, uma brochura apropriada para solver o nossocompromisso?Procurámos nas bibliothecas e lívrarias ao nosso alcance, e nellas apenasdois opusculospudemos acharsobre

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Intentos do autor

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o inferno: um de Mor. Ségur,pequenino, "O inferno"; outro, do P. Schouppe,"O dogma do inferno", ambos tratando do assumptoquasi exclusivamente do ponto de visüa sobrenatural,o que não convinha para pessôas quasi sem fé. Que fazer pala remediar a falta? Appellámos pa:.a alguns escriptorespedindo-lhesescrevessem um opusculo mais completosobreo assumpto,provando a existenciado inferno pela sâ nzão. Fizemo-lhessentír a grande necessidade de um opusculo dessanatureza, porém não conseguimospromessaformal de breve rcalização. Movido ainda pela caridadede Christo, abalançámo-nosentão a pôrmos nós proprio mãos â obra, máo grado o pouco tempo que nos deixam Iivre as nossasoccupações, mas confíante de que Deus nos viria em auxilio. E Deus ajudou-nos a publicar o presentetrabalho, que pomos á disposiçãoe proveito dos amigos.Foi escriptopara convencel-osda immensadesgraçado inferno que nos ameaçaa todos. Foi escipto por caúdade,por amizadee por compromisso. Envidámos todos os esforços pata desempenhar-nosda nossa tarefa do melhor modo possivel. Oxalá possamosgrangeat,como premio, o cumprimento de promessascomo esta, tantas ve-


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Intentos do autor

zes ouvida: ".4.h, sr. padre, si V. Revma. conseguir convencer-mede que ha inferno, hei de ficar-lhe muito grato!" Qoe todos, pois, se convençamde facto da sua existenciae regulem a sua vida por essaconvicção, são os nossos.votose a nossamelhor recompensal


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Nogões preliminares

SIIMMAB,IO: Os dótes da alma humana: intelligencia e llvre vontade. O porque da liberdade (p. 20). Destino do homem: a Brimeira resBosta do catecismo (p. 22). Cumprir os deveres é uma necessidade imBrescindivel. Não somos moralmente livres no sentldo de ser licito fazermos o que entendermos (B. 23). A cousciencia é o juiz que Deus nos collocou no lntimo (p. Zg). Ella reconhece uma sancção para todas as leis de Deus 1p. 25). THESE: Necessidado ou {egneçesstda{e dq castigo eternq (p, 25). Prova-se, de prompto, a necessidade do Ínferno pela sã tazã,o, .que se exprime, entre outros factores, pela opinião geral dos mais cultos Bovos antigos (p. g6). Valor dos motivos da Íé e d.a razã"opara o assumpto 1p. 27). Razões pró e contra a existencia do inferno. Não póde haver verdadeira contradição (B. 29). Resumo geral e coordenação d,4s quatro provas (p. 29),

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Creando-nos,a nós homens, creou-nosDeus sua ímageme semelhança,Cteou-noscom intelli-


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Noções preliminares

gencia e vontade. Deu-nos a íntelligencía para o conhecermos, a Elle nosso Creador e soberano Senhor; para comprehenderrnos as magnificencias e maravilhas qúe operou no universo;' pa:o conhecermos a sua suprema bondade e-o seu infinito amor. Deu-nos a uontade, a faculdade de querer e de amar, e dotou-a com um dom verdadeiramente régio, com um privilegio quasi divino: a líberdqde. Pela vontade livre podemos livremente escolher os bens que Deus creou para nosso uso e gazo, Porém nessa escolha não devemos proceder arbitraria e caprichosamente. Devemos nos guiar pela rczão. À vontade por si só é cóga. A luz da vontade é a íntelligencia. Em tudo quanto determínar, deve a vontade consultar a razão e por esta dirigir-se, afim de fazer sempre o bem e evitar o ma l . ,\hi justamente se acha o peügo da tão preconizadu líberdade, €Írt podermos tambem abusar dellq, empregando-a mal, servindo-nos della contra Deus e contra o que elle ordena. Porque'foi, porém, que Deus deixou d nossa uontude essefraco terriuel, de poder querer e agir contra a rozão, e centrq a uontade d'Elle? Porque e para que? E porque eEsauída é o prazo que Deus nos concedeu

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Q porque da liberd, hum.

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parq a nosss ptotsação,, part merecermoE uma rccompensa etetna. Emquanto vivermos, devemo-nos decidir pró ou contra Deus. Elle jâ náo quiz um reino com anjos sem vontade propria. Por ísso é que até os anjos deviam seÍ provados. Muitos se deixaram "Não servirei!" seduzir por LuciÍer, gritande; Contra essesexclamou S. Miguel com os bons e precipitou "Quetn é como Detts?" anjos os anjos máos no inferno, transformando-se elles em demonios amaldiçoados e sujeitos a soffrimentos eternos. A nossa provação leva mais tempo, por cefto, porque a nossa intelligencia e vontade são mais fracas e vicíadas pelas gerações.Emquanto vivermos estâÍemos em provação; teremos de pelejar parc ganhar o premio da etetna bemaventurança, fazendo o bem e evitando o mal, conformando-nos em tudo com a vontade de Deus. Fazer o bem e euítar o mal custa! Temos de peleiar, e de sacríficor ds inclinações e ínteressescontrqrios. Fazet o mal, geralmente não requer esforço, vae a favor da corrente das más inclinações; não encontra resistencia, é ÍacíL,Si o bem não custassenada, tambem nad a valeúa, Justamente por custar elle muito é que os que o praticam adquirem meritos. à queÍn


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Noçõespreliminares

fízer sacrificioDeus dará uma Íecompensa sem fim na bemaventurançaeterna. Ãntes de tudo o mais, qual é a nossa tarcfa na vidal qual o nossoescopoproprio? qual o nosso fim ultimo, p?tã sabermosnitidamenteo que temos que fazer pala evitar uma eventual desgraça? Tudo foi creadopor Deus e para Deus, para sua glorificação e para o bem das creaturas.Deus fez tudo para nós, e f.eza nós proprios especialmente para Si, como corôa de toda a creação.Distinguíu-noscom intelligenciae vontadelivre, pa:.apodermos,em nome de todas as creaturas,adoral-O, louval-O e servil-O intelligentemente. O escopoda nossa vida acha-seresumido na respostaâ primeira pergunta do catecismo: F-. "Para que nos creou Deus?u"Deus nos creou para podermosconhecel-O,amal-O, e servil-O, e ganharmosassim a etetna bemaventurança".Eis, em poucaspalavras,o summario de toda a sabedoria humana, o resumo do santo Evangelho e de toda a religião de Christo. À scienciahumana e a philosophia ainda não conseguiramdescobrirfim melhor e mais dignificante pan os homens. Cumprir essenosso deoet é uma necessidade absoluta, ímprescindiuel.Creando-nos, não podia Deus deixar-pos completagrente livres, indepen-


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A Consciencia

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dentesd'Elle, da verdade,dã justiça, de tudo quanto é rczoavele recto. A nossaÚontade,natutalmente, phgsicamentelíore, não é moralmente liure e Não póde fazer o que quizet, agíndo índependente, por si, sem rczáo ou por capricho, porque ê' dependentede Deus, das suasleis e da sã tazáo, que é a imagem da divindade. Não estamosnas condiçõesdos irracionaes' que se governam unicamentepelas leis physicas inherentesá sua natvteza, e que cégamenteseguem o caminho traçado por Deus. Nós, pelo conftario, tÍazemos impressasn'alma as principaes leis moconhecendo-as Íaes, e ftazemol-asconscíentemente,, direcftízes a tantas outras como e até sentíndo-as póde ninguem segube a cumprír. Dos seusdictames fugir. E' a conscíenciagü0, portanto, fala como voz de Deus e eÍn nome d'Elle, e se nos impõe cem autoridade soberana. Collocou-a Deus em nosso intimo como reflexo da sua intelligenciae vontade, para, a cada passo, manifestar-nosnão só a suavontade,mas tambema obrigaçãode abraçarmol-a e cumprirmol-a. Estabelecea nossd tesponsabílídadeperante Deus pela observanciada teí, porque um dia o SoberanoJuíz nos chamatâ ao seu tribunal e nos pedfuâcontas, Ao mesmo tempo ameaça-noscom


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Noções preliminares

a sua justiça, caso não cumpramos fiélmente a lei. Quanto â leí natural, tão profundamente gravada na nossa alma, o uoz da consciencia é clara e decisioq, mórmente em se tratando de casos graves. Quanto á lei positiva revelada, a consciencia declara nítidamente a séria obrigação de investigal-a, de estudal-a, afim de cumpríl-a. Ã proposito, convém notar que ás vezes ha coriscienciasdoentias que se devem clrrar e rectificar, como tambem conscienciasignorantes que se devem formar. Ã conscienciarecta e bem formada não engana, não dá uma cousa por outra; pronuncia-se como juiz ímparcíal, cumprindo todas as funcções como tal, Mostra a lei, agrada-se na observancia della, e pÍomette a recompensa de Deus pelo cumprimento della. lCorrelatamente, accusa a transgressão da lei, fica inquieta neste caso como a bussola fóra do rumo; remorde acerbamente o transgressor; condemna e profere a sentença do castigo merecido, garantindo o cumprimento futuro da comminação e do castigo de Deus. Considera tambem rigorosamente as circumstancias aggravantes ou attenuantes, registando maior ou menor culpabilidade, tal como a balança de precisão regista maior ou menor peso de um dos lados. À consciencia não lisonjêa, não simúla, não esconde; não


Sancções

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reprehende,não louva a quem o não mcrece,e nem mais nem menos do que o merece;registano seucanhendotodo o dessaccordo entre a intelligencia, a vontade e a lei, com a exastidãodo proprio juízo de Deus, E' por nossaconsciencia propria que seremosum dia julgados; ella serâ o nosso juíz pal: a eternasalvaçãoou condemnação. Ora, a nossaconsciencia,ameaçandoírresistivelmente com a puníção correspondentede Deus qualquer transgressão da lei, reconliececlaramente nessapuniçãoa sancçãoda lei estabelecida por Deus, Essasancçãoé a guarda das leis de Deus. B' absoIutamente necessariapa:,a obrigar eÍficazmenteo homem a observal-as.Dq contrario, tornar-se-iam ellas irrisorias; a humanidade seria privada dos seusindispensaveís beneficiose precipitadana maior desordemmoral e social. Da existenciade uma sancçãoninguem póde nzaavelmenteduvidar. Trata'se porém de conhecet a natarcza dessasancçãoe saber si, para todos os casos,basta uma pena temporal, ou si é rnesmo necessaria uma pena etetna.E' na necessidade ou desnecessidade de um castigo eterno çlue repousa porpriamente a razão ou a sem lazão do inferno. Ninguem deuesuppôr que a existenciado ìnferno seja só uma questão de fé. .A,bsolutamente


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Noçõespreliminares

não! Tambem a rczão humana se pronuncia a respeito,sendo uma questão de summo interesse e de maxima importancía para todos. Os pouosde todos os tempos tâín reconhecidoa existencíade um lugar de castigo no outro mundo. E fôram justamenteos povos mais adiantadose mais cultos da antiguídadeque falaram atê de um castigoeterno. Assim, p. €x., os indo-chinezes(nos seuslivros sagrados) ; os germanos,rrà Edda anterior); os gregos (Platão, no Phadon) ; os romanos (Virgilio, na Eneida, IV, 614, erc.). Cf. Escatologia, de Oswaldo. E não ha duvida que o ínferno dos antigos significavatambem um lugar de supremadesgraça. Já o celebreBalmes escreveunas suas "Cartas a um sceptíco":"Virgilio nem era capuchínho,nem sacerdote,nem catholico; nem tinha falta de bom gosto; entretanto, é difficil pintar o inferno mais terrivel do que o fez elle no 6.' Iivro de Eneida',. Era, pois, uma verdadereconhecida pelosantigos, a da existenciade um ínferno eterno. E esta convicção,é a m&a affirmativâ, o méro testemunho da consciencia,que confessao que interiormente sabe e sente, E' a expressãodo sensocommum, que ern todos os tempos tem manifestado


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Recursos ao bom senso

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do mesmomodo o que vê e sente,o que se lhe rmpõe na clarividenciada sua luz. Pa:.aprovar a existenciado inferno, antesde tudo é precisodeixar falar o sensocommum da hue a sã razõo. Não é menosmanidade,q conscíencía prezando os motiuos da fé que nestaspaginas se pretende Íazer isso. Em matería de religião, são essesque têm a ultima palawa. Onde a nzáo hv' mana tantas vezesvacilla a respeito das grandes verdades,são essesque decidema questão,ttazen' do ao espirito o immenso beneficioda certezacompleta, garantida.llssim, quanto á existenciado inferno, a fé, diz a ultima palavra, assegurandocerteza absoluta. Para muítos, porém, que não têm fé, ou a têm fraca e uacillante,QEprouas da fé perderam o Eeuuslor e a sua força probante.Por outro lado, apoiando-sesó em si e na sua ruzáo táo falha, as razõesnetendo em conta quasi exclusivamente gativas contra a existenciado inferno, as difficuldades e objecçõesem sentido contrario, rão querem, por isto mesmo, acteditar na rclígiáo. Ãffirmam que podem acreditar em tudo, menos no inferno. Ãllegam tantas nzóes em contrario, tantos o qual é mais impresmotivos de coração justo que, sem mais nada, se que do síonavel


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Noções preliminares

julgam com pleno direito de recusar a cÍença no inferno. O unico meio de reduzil-os tÍ uerdade e curalos, é oppôr prouo e prooq, argumento a argumento, obrigando-os a reflectir melhor, provando a inanidade das suas allegaçõescontra o inferno. E, de facto, levando tudo devidamente em conta, pondo tambem na balança os motivos que militam em favor da existencia do inferno, os motivos oppostos perdem todo o seu peso e valor; desvanecemse como a fumaça ao vento, como a cercaçáo aos raios da luz, E assim ha de ser. Não póde haver sabedoria contra Deus. Ha, sim, difficuldades contra as veÍdades da fé, e ê precíso havel-as. Ãssim como ha día e noite, luz e sombra, pata se contrastarem, do mesmo modo a nossa fé e confiança em Deus provam-se inabalaveis justamente rro meio das difficuldades e dos ataques que se lhes oppõem. Tambem contra a existencia do inferno ha muitas. e grandes difficuldades. E um mgsterío profundo, e mAsterio permanecertí sempre. Ficará sempre com a sua sombra, de modo que o homem de má vontade poderâ enganar-se a si proprio a respeito delle, até que um dia, â, lluz do fogo rcal do inferno, tenha fim o seu somno culposo e o seu erro vo-


Conspectogeral das Provas

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luntario. Os de bôa vontade e juizo recto resolverão â luz da razâo, ,e ainda mais â laz da fé, todas as difficuldadesem contrario, e á sua inteira satisfação.Difficuldade insoluvel,que envolvacontradição real, não ha e não póde haver contra o inferno. Muito pelo contrario: ha tantas. :,az6es em favor da sua existencia,não só razõesde summa conveniencia,mas até de grande necessidade, que se/no inferno se perderiao equílíbrio do mundo; toda a ordem moral e socíal saíria f 6ra dos eixos.Provando isto nas paginasa seguir,prova-se que, longe de estarem contradição exuberantemente com a razão, o mysterio do inferno estáde pleno accordocom ella. Quer dizer que a existenciado motivada,pela inferno é motivada, e sobejamente natarcza das cousas; qae é uma consequencianatural das condiçõesem que vivemos; que é indispensavel;que é justa e mais que justa; e que, si a alguemsucceder de nelle cair,serápor a desgraça sua maxima culpa. Ãs razõesque prouam a existencìado inferno do modo seguínte:o castigodo ínferno resumem-se por causado proprio peccadograve' é necessario por seÍ este tamanha offensa a Deus e repugnar tanto á suajustiçainfínica.- Ademais:o inferno gravt' da cgmo castigode transgressão é necessario


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Noçõespreliminares

lei de Deus, paru possibilitar e facilitar a Deus o governo da humanidade, coÍno legislador infinitamente sábio e Supremo Senhor. Dessasduas sériesde nz6es, as duas primeiras são visivelmente intrínsecas,e as outras duas extrinsecas.Na exposiçãodellas parccenecessarioseguirmos a ordem logica, começandopelos motivos intrinsecose passandoem seguidaaos extrinsecos. De certo,poderiamosseguiressaordem natural, antepondo as razõesintrinsecasás extrinsecas,mostrando ao leitor, €rl primeiro lugar, como a íntima naturezado peccadoe a santidadee justiça de Deus exigem absolutamentetal castigo, Sendo, porém, essasconsiderações mais abstractas,elevadase profundas,e portanto menosaccessiveis a tantas pessôas,achamospreferivelseguir a ordem inversa,mas altamentepsychologica,collocando em primeiro lugar as nzóes extrinsecas, mais simples e maip impressionantes,e que por isso despertammais a attenção,curiosidade e admiração. Querendodepoiso leitor sabermais, perguntará naturalmente a si mesmo si com as nz6es extrinsecas não concordamtambem a intima naturcza do peccadoe a de Deus. Satisfeito, examinaút então por si proprio as profundas razíes intrinsecasque intrasigentemen-

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Provasphilosophieas

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te exigem o inferno. Verificando a força dos argumentos, á vista da realidadee da verdade, facilmente se datâ por vencido, reconhecendofinalmente a absoluta necessidadedas imposições de Deus e o pleno accordodellascom a nossasâ nzão. Dest'arte, bem prevenido,promptifi-car'se-â a f.azer o possivel para evitar a summa desgraçado inferno eterno. Realmente,as provas da existenciado inferno não são brinquedosde criança.Formam um conjunto de numerosasverdadesde alta philosophia, destinadasaos espiritos fortes, que se julgam capazesde raciocinare argumentar,dado que se attevem a negar a existenciado inferno, invocando a nzão em seu favor. Ãs provas adduzidasnão são de leitura facil e rapida: exigem rcflexâo, e rcfle' xão prolongada.E' que, sendoo assumptode natvrezaphilosophicae constituindoum conjunto de provasphilosophicas,não póde deixar de ser arduo e complicado.E' por isto que, para facilitar-lhes nos paÍeceuvantajosofaa leitura e comprehensão, mais complicadosde um capitulos preceder os zer resumomostrandoa connexãodas principaesidéas. E' o que logo em seguida faremoscom a primeira prova.


I.. PROVÃ. m

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A existencia

garantir da bôa

como

A)

do inferno

ao mundo ortlem. unica

é necessaria

para

a indispensavel

oonservação

Para

esse fim,

ó necessario

rnedida

eoercitiva

efficaz.

SUMMAR,IO: O lnferno 6 necessarig p,ara ga,rantlr ao mun{o a bôa ordem (p. 33). Deus deve prover convenientemente á observancia das suas leis, annexandol h e s u m a s a n c ç ã os u f f i c i e n t e ( p . 3 5 ) . E s s a s a n c ção deve ser tão grande qüe todo homem recto deva dizer: "Em vista della, devo obedecer" (p. 35).'Para attingir tal effeito, deve ella contrabalançar vigorosamente a má, vontade, os prazeres da carne e do mundo (p. a0). Não é sutficiente um castigo temporario, como seja o purgatorlo (p. 41), mas só o inferno eterno (p. +Z). O inferno nã,o tira a liberdade ao homem (p. 44). nem o brio a quem quer que seJa, sendo do homem a culpa, si elle so deixa guiar só pelo medo do inferno (p. 46). Quanto valem os motivos superiores de amor, de dsver e de interesse (p. 50). Quanto vale o motivo de medo; qual o medo sem


A ordem do mundo reclama o inferno

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ïalor; exemplos dos tres temores differentes. (p. 5 3 ) . Alto papel e valor do temor devido a Deus (P. 6o). gp casüigo B) O infernq correspondo perfeitamente quo Ê Justiça humana aprplicq &os grandes cti4l. ÌÌosos pa1ar a seu turno, garantir a bôa ordem no mundo (p. 63). Parallelo entro a justiça humana e a divina (p. 66). Ninguem protesta contra a justiça humana, nem deve protestar contra a divina (p. 0g). Refuta-se a objecção: Si a justiça humana Brovê á ordem no mundo, a divina não precisa do inferno para o mesmo fim (B. ?1). A justiça humana e a divina assemelham-se muÍto; a humana constitúe optimo meio para conhecer a divina; serve de lição e prova (p.?B). A justiça divina é o dique necessario erigido por Deus contra a furia das paixõe,shumanas (p. ?4). Os protestantes abriram bréchas nesse dique, em consequencia do principio fundame,ntal da salvação só pela fé (p. 75). O ,,livrg exame,' Ievou a grande maioria da intellectualidade prote.stan_ te a deserêr do inferno (p. 77). pela apostasia delles o chrÍstianismo ficou muito eufraquecido (p. zg).

Ã) O ínferno é necessario para garuntír a bôa ordem no mundo. Deus é o Deus da ordem, portanto coÍlservador da bôa ordem, tanto na sociedadehumana


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A ordem do mundo reclamao inferno

quanto na natureza inanimada. Nesta, Deus conseguea ordem e harmonia admiraveísdo universo pelas leis physicas,que actúam com regularidade huabsoluta.O mesmonão se dá com a sociedade uma ordem moral objecmana. Deus estabeleceu tiva, pelas leis a observat, gravadasna consciencia de cadaum, as quaesmanda promulgar pelas autoridadeslegitimamenteconstituidas. À observanciadessasleis moraes ê a condição de existenciada sociedadehumana, da manutençãoda ordem e da paz no mundo. Isso porque das leis acarreta a observanciaou a inobservancia para os homens.As cons€quencias sérias facilmente mais dasvezesreverteráem beneficioou em prejuizo delles.On, ê o homem livre quem deve observalas, dirigir-se por ellas e pela sã nzão: entretanto, essehomem tem uma vontade tão voluvel, que facilmente se tornará victima das paixóes. Eí Deus tiuesseabandonadoa obseruancíadas leis ao símplescaprícho dos homense rísusursuas paçõesdos maluados, teúa precípítado o mundo em completo anarchismo reuolucíonaúo. Seria a ruina fatal da sociedade.Elle devia a si mesrno, como á humanidadetoda, protegersufficientemente os bons contra os máos, de modo a tornar a vida humana moralmentepossivele digna de ser vivida.

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A sancçãoé a

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-garantia da lei

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absoíuta creando e Proueu a essanecessídade annexando a. cada Ieí uma força obrígatotia, suffícíente para ínspirar respeito e obediencía, Éssa f orça obrígatoria chama-se " Eencção" , e consiste na ameaçade um castigo futuro, inevitavel, proporcionado â falta e â violação da lei. Torna assim esta objectivamenteinviolavel, o que é, de úgorosa necessidade. Como a violação de qualquer lei physica se vinga pelo pre juizo que occasiona, assimtambema violaçãode qualquerlei moral vingar-se-á pela sancçãoannexa. Esta constitúe a rcacçãoda ordem, a correcçãoimposta por Deus, a repressãoda creaturainsubmissapela soberania divina. Trata-se pois de determinú a gravidadeda sancçãoa annexar ás leis divinas, e a impôr aos homens para obrigal-os efÍicazmentea cumpril-as. Sendo Deus um legislador ínfinitamente sobío, deisegorantir a obseruancíada sua leí por uma sancçãoefficaz, i. é, tão grande e tão pesada que cadahomem pensantee recto se síntaímpellido a dizer' - "fip uísta destasancçãodeoo obedecet custe o que custor!" Para aoaliar deuídamentea grundezada sanccomo gorantía da lei de Deus, é preção necessaría císoconsíderato que é que torna a obseroancíadifcil.E'preciso vêr o que do outro lado estáem jogo,


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A ordem do mundo reelama o inferno

e avaliat a extensão da difficuldade em observar, a extensão da facilidade em violar as leis, contra as quaes a sancção deve fornecer o contrapeso necessario para resguardar o equilibrio do mundo. Ha tres fontes de obstaculos: uns provenientes da alma, outros do corpo e na mór parte os do mundo, servindo-se o demonio delles todos para nos tentar. O 1." obstaculo á obseruancía da lei de Deus é a arbítrqríedode humanq, a md uontsde e o orgulho, E' a vontade humana contra a vontade divina. E' a vontade humana resistindo ás intençõesda vontade soberana de Deus. Quão grande, forte e perigosa seja essavontade humana, é cousa que salta aos olhos. Tendo os homens recebido de Deus o incomparavel privilegio da liberdade, nasceentão nelles o desejo ímmenso e extravagante de aproveitar o mais possivel essa liberdade, aproveitando-se o mais possivel de todos os bens do mundo ao seu alcance.Sendo livres, querem sel-o com completa índependenciade Deus e de qualquer Iei, usando e abusando da sua liber dade, sem restricção nem limite. Pretendem não se deixar pear por qualquer imposição ciu autoridade que seja. Não querem 'ser icommodados: querem viver e gozar a seu talante; e isso ás vezes por méro or-


Obstaculos da lei de Deus

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gulho, por não se queÍerem curvar ante a vontade alheia, por mais legitima que seja; outras vezes por mâ vontade e por paixões inconfessaveis,e bastas vezes talvez por simples arbitraúedade, capúcho ou commodidade. Sem mais nem menos, respondem elles como Lucifer â voz interior de Deus que lhes reclama o cumprimento dos seus deveres: "Não servirei!" Quu insania pretender domar, domesticar esseanimal bravío a que o homem tantas vezes semelha! Que pretenção exigir dessehomem livre que se ate e obrigue voluntariamente a si mesmo, que se refrêe, que se domine, que se sujeite a certas leis, que se civilise para ser homem verdadeiramente, que se modifique para seÍ bom filho de Deus! Entretanto, é esseo plano de Deus, essaa pretensão do r\ltissimo! O 2." obstaculo d obseruancía da leí de Deus sô'o as solícítoções da cerne, que luta contra o espirito e lhe difficulta essaobservancia. Ã lei da carne é contraria â leí do espirito e â sagrada lei de Deus. Os desejos da carne impõem ao homem, querem dominar, ser satisfeitos, servidos em tudo e por tudo. Elles é que ,querem tomar a direcção do homem. E quantas vezes este se deixa determinar e dominar por elles! Comquanto no composto humano o espirito seja a parte incom-


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A ordem do mundo reclama o inferno

paravelmentesuperior, ctead,acom a incumbencia de se goveÍnar pelasleis gravadasna consciencia, e de conduzir o homem a um destino gloríoso, é muitissimas vezeso contrario que succede.E' o corpo, a catnecom os seusinstinctos animaes,que prevalececontra o espírito. E' elle que domina, dizendo a primeira e ultima palavra em tudo e mantendo a alma numa escravidãovergonhosa. Quantos homensparecempura carne,porque procuÍam exclusivamente, ou ao menos principalmente, os interesses e a satisfaçãoda carne!! Chegam a só trabalhar pa:a ella, tudo sacrificandoer9 proveíto della. O 3," obstaculoá obseruancíada leí de Deus é o mundo, com Eussottracções,seducções,Iuxo e uaídade,que tantas occasiõesproporcionam de satísfazeras paixões humanas, estimuladaso mais possivel por sua yez pelo demonio com as suas tentações.E' o reínado dos setepeccadoscapitaes. São tantas paixõesno interior, e tantos attractivos e occasiõesno exterior, que a vontade perde f.acilmenteo equilibrio, e não olha mais para o alto, parua sã razáo,para Deus,mas só para baixo. Com todo o peso da materia,o homem é attrahido para a tetta e a ella fica preso, Contra todo essepeso que o solicita pa:a

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Comoa sancçãogarantea lei

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baixo e prende o homem â t'eua, é preciso haver uma força extraordínaúa, sobrehumana e extÍateftena capazde desprendel-oe leval-o para o alto. O homem necessitade um contrapesoenoÍme para nelle o equicontrabalançaressepeso e restabelecer librio, com o predominio da sí nzão' coÍn o direito que esta tem de se pÍonunciar e de dirigir. E justamentea sancçãoannexa a cada lei que deue formar o contrupesocontta a paixão e coniutar o perigo de não cumpril-o. Essa sancção deve ser tanto maior quanto, não só deve neutralizat as e vantagensdo vicio, como tambem ser seducções capazde afastar o homem do mal, mesmo quando collocando na alternativa de incorrer nessasancção ou de renunciar a todos os bens do mundo, e de sacriftcaraté, de supportartodasas calamidades a propria vida. Ora, qual é a sancçãocapaz de Taluez um granproduzir effeito tão assombroso? de e terrioel castígo nestemundo, que o peccadot teria de íncorrer e soffrer com toda certeza,e sem de poder evital-o? Não ha dua menor esperança vida que tal castigo infalliuel produziria em mui' ríssimos cdsosopt,imos resultados, O castigo corporal inevitavel, nestemundo, é optimo meio pa:a incutir medo aos malfeitores,e ê,tasto mais efficaz guanto mais imminente, Quemr por €x., acceítatâ


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, A ordem do mundo reclama o inferno

o desafio ou a prova de fogo, de que fala Mons. "Garanto que, de mil ou dez mil hoSégur mens que vívem afastados de Deus e trilhando o caminho do inferno, não haveria um só que resistisseâ "prova de fogo". Nenhum, poÍ mais tôlo que fôsse, acceítariao seguinte ajuste: durante um ,anno poderás abandonar-te impunemente a todos os ptazetes, gozat todas as volúpias, satisfazer os teus caprichos, com a unica condição de passares um dia, ou mesmo uma hora, a ardet no fogo. Repíto, amigo, ninguem acceítaria tal ajuste" . Entretanto, Deus não quer governar a humanidade pela força bruta, castigando os malfeitores immediatamente, ou depois de curto prazo, aqui mesmo no mundo. Estipulou esta vida inteira como p:.azo de prova e o outro mundo como tempo de retribuição, conforme cada um tiver merecído. Deus ameaça os malfeitores só com o castigo futuro do outro mundo. Tratq-se sgora de inuestigar e saber que caEtígo do outro mundo seria sufficiente pare, em todos os ccsos, obrígar efficazmente os homens o euítarcm o mal e fazerem o bem, gsrsntíndo porém sempre a necelsaria liberdqde; si bqsta um castígo futuro temporario, ou sí é precíso um costigo tremendo, et.etno, Yerifiguemos a rcalidade, a experiencia da


Castigos temporarios insufficientes

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vida quotidiana. Embóra o purgatorio seja esse castigo futuro e temporario, e posto que seja elle igual em tudo ao inferno, menos na eternidadedas penas, quem é que faz caso delle, quando na tentação se trata de sacrificar uma satisfação illicita ? Em genl, ninguem, nem mesmo entre os christãos regularmente bons. Diz-se: "Ainda que as penas do purgatorio levem annos e seculos, afinal acabarão". Assím, por fíndar um dia é que o purgatorio perde toda a sua força r.efreadorasobre o peccador. Certo, náo é como deveria ser. Porque, reflectindo um pouco, vêr-se-á que qualquer dôr corporal intensa de um só dia é muito mais penosa e desagradavel do que é risonho e agradavel o prazer tão breve do peccado; postos nas conchas de uma balança, a dôr prevalece, e de muito. Comtudo, quasi ninguem faz caso do puÍgatorio, muito mais terrivel do que todas as dôres imaginaveis da teffa. E porque? Propriamente, porque não se reflecte bem, comparando o curto prazet presente ao castigo futuro relativamente grande. E não se reflecte justamente por ser elle temporario e passageiro; pelo que não impressiona, e quasi não se faz caso delle. Comrnettem-se levianamente muitissimos peccados, sem que o fuÍurg castigo transitorio seja empêço para isso.


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A ordem do mundo reclama o inferno

E porque será que a atneaçade qualqueÍ castigo temporariodo outro mundo não impressiona? E' porque qualquer castigofuturo temporario não coÍrespondeás esperanças e receiosdo coraçãohumano. O sentimento da sua immortalidade é tamanho, que mede tudo por essacondição do seu sêr. O homem consideraque tudo quanto não é eterno não é nada, conforme o axioma christão: "Quidquid aternum non elt, níhil est". Nísto ha uma verdadeprofunda. Por mais tempo que dure um castigo, si este afinal findar, pa:a dar lugar a uma eternidad e feliz, o tempo do castigocomparado com a eternidadefelíz é um simplesnada. Tudo quanto é temporario, perececom o tempo. Este, findando-se, redaz-sea uma simples lembrança ou a nada, O homem quer viver sem fim e ser eternamentefeliz, O seu mal, propriamente, consisteem querer antecipar a felicidade, e isto por meios illicitos. Em vez de trabalhar e soffrer primeiro para gozar depois, elle qver gozar desde logo, a todo transee mesmo contra Deus, á custa da sua felicidade etetna, convertendoesta em desgraça infinda. Verificado, pois, que qualquer castigofuturo temporarío é insufficíente como contrapeEoás paixõeshuglanas,insufficienteçomo sancçãopara neu-


Uma sancçãoabsolutaindispensavel

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ttalizat as attracçõesdo seculo,impõe-sea seguinte conclusão:só uma sancçãoabsoluta, só o csstigo etetno do ínferno armará,ss leís sufficientemente contta as paixões humanas, obrigando moralmente todos a cumpril-as. O ultimo grande remedio efficaz contra a perpetraçãodo peccadonáo ê.sinão a lembrança da realidade de horriveis penas eternas, que serão a sorte inevitavel do peccadorincorrigivel, impenitente.Sendo Deus um legislador infinitamente sabio, não podia deixar de impôr o unico remedioef.ficazcontra as paixõeshumanas, e q ultimo recursocontra a rebeldíahumana, para obrigar moralmente todos a se sujeitaremás suas leis. l\inda que parcçaduro, não podia elle deixar de empregal-osem favor da ordem e da paz do mundo. Si os homens não se incommódam com qualquer castigofuturo temporario, ainda quando seja um purgatorio terrivel e de muitos seculos, mui diuersamenteha de succedercom o ínferno eterno. Cada qual se impressionaprofundamentepoÍ ser o inferno um mal terrivel e irremediavel,de fazer arcepïaros cabellos,e que obriga a reflectir sériamente.A cada um fica logo claro, clarissimo, sem longa rcflexão: não ha comparaçãopossivel entre uma pena intensissimae sem f.rm, e qualquer


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1." Objecção

prazer do mundo! Por agradavel que seja o peccado, é menos do que um real comparado a cem mil contos. Com esta reflexão, todo peccado,por tentador e inebriante que se afígure, perde o seu encanto, a sua attracção; o ptazet ftca colno que envenenado, amargo, e não sómente desprezivel, mas apparecendoaté como o maior mal do homem, como o unico e verdadeiro mal, contra ô qual não ha recurso, remedio ou consolo. Quem náo fôr estúpido ou louco deverâ raciocinar assim: Ã' luz do inferno, o peccado parece umq crueldade comsígo proprio, umq uerdadeiru insania! Realmente, o pensamento da eternidade, especialmente do castigo eterno do inferno, tem evitado nesre mundo milhões de peccados,crimes e horrores. Só a fê na realidade do inferno é, pois, verdadeiramente efficaz pata, em todas as tentações, contrabalançar fortemente a fascínação do peccado, e assegurar á nossa barquinha o necessarjo peso e equilibrio nas tempestades da alma. 1." PEBGUNTA:

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o constrangimento

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se concilia

a llberdade

com

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Então, serdmesmo possiuelque, por trrís das leís de Deus, estejaa força bruta para obrigar, e, s


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Liberdade e obrigação

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rigor, quasí que forçar (í obseruancia dellas? Em que fica então a nosEatão decqntada ííbevf,sf,sl Como jâ foí dito, sendo nós physicamente lívres, moralmente não somos (completamente) livres

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pelo conrario! Somos e independentes. Muito justiça, da razáo, da verdade, dependentes da sã dos direitos de Deus e das nossas obrigações. Nem Deus nos póde dispensar das leis da nat:urcza e da ordem das coisas. Temos de obedecero Elle e rís suqs leis por obrígação imprescíndiue|. Esta necessidsdeé tão absolutq que por tds della estd realmente a força bruta, pala cas.tigarrigorosa e até eternamente quem nâo quizer sujeitar-se e obedecer. E ninguem póde fugir â dwa alternativa: ou sujeitar-se e obedecera Deus, ou sentir todo o peso da divina c6len no inferno! Moralmente nós somos pois sujeitos e obrigados, mas não forçados. Nem a nossa liberdade fica por isso suspensaou diminuida. Absolutamente não! Bem ao contrario do que occoneria si se rcalízasse a exigencia dos descrentes. Só vendo o inferno, pretendem elles, é que poderiam e quereriam acredítar nelle. Entretanto, si elles realmente o vissem, sentir-se-iam tomados de tal horror, que agiriam. então impulsionados só pelo medo, qual um homem ameaçado de morte repentina, não re-


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2." Objeeção

mota, poróm immediata. Perderiam o juízo e a Iiberdadede agir de outro modo, cuidando {penas de escaparpor todos os meios â desgraça.Seria então mesmo a força bruta que intimidaúa e prevaleceria,o que Deus nâo quer. Vendo, porém, o inferno só de longe e pelos olhos da fë, como pela sã razão, conforme disposiçãode Deus, guardamos peúeita liberdade de acção,agindo como quizermos ínteriormente.De f.acto, quem é que, acredítandono inferno, se sente por isto forçado a agfucoherentemente? Muitissimos que nella acreditam, praticamentenão se importamlá muito com elle! l\ssim, quem tíver de padecel-o . mais tarde, devel-o-á a si proprio, â sua disposiçãoe resolução. g.a PERGIINTA: Constitue a exlstencia do lnferno offensa 4os brios de a.lguem?

Si a ameaçado inferno não nos tfua a liberdade, dízem outros, ao rhenos pareceuma offensa aos nossosbrios, ficando a nossavontade,nas suas determinações,rcdazida e atada.Disse-nosum dia alguem que ainda não comprehendiaa razão do inferno, e que sejulgava muito sensatonegando-o:


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InÍerno e brio humano

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"Pata evitar o mal e fazet o bem, nada vale pa:a mim nem o motivo de medo, nem o de interesse. Para mim só tem valor o motivo de dever,do direito, do bem, por si mesmo,por serbem e direito". - Q671yratudo fsso, prouar-se-áque, si o inferno fôr contra os nossos bríos, não é por culpa de Deus. Si não houvesseoutro motivo paru evitar o mal e servir a Deus sinão o do inferno, de facto seria quasi reduzir-n.osá condição de escravosde Deus. E ainda nestecasonão teriamosde que nos queixarmos,por sermosentão o que realmentesomos. Deus teria deixado a nossacondiçãohumana apenasmais humilde e menos honrosa; comtudo, sempre corÍespondenteâ rcalídade do nosso sêr.Porém Deus não quíz para nós, homens, a conmes a de amigos,e até a de filhos. diçao de escrauos, Fez-nossaberpor seuFilho, Nosso Senhor (João, 15, 15): "Não vos chamei servos, porque o servo não sabedos negociosdo- amo. Chamei-vos amigos!" Mandou-nos chamar-lhe"par", e como tal invocal-o no Padre-Nosso.E' porque quer sinceramenteconsíderartodos os homenscomo filhos, e ser para elleso melhor dos paeb, si elles fôrem para Elle verdadeirosfilhos. E quanto Deus quer


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2.' Objecção

eleval-ose vêl-os na condição nobilissima de seus bons fílhos! Não tem então motivo de se queixar e de castigal-ossi elleso não fôrem? e não têm ellesmotivo de temer e de assustar-se? Oh! si Deus fôsseservidocomo os paescujos filhos são sempre respeitadores e obedientes,que nunca precisamde reprehensões, e muito menos de castigo,como Elle fícaría satisfeito! Porém talvez que essesmesmos filhos, respeitosos e obedíentespara com seuspaes carnaes,jâ não o sejam tanto para com Deus, seu pae do céo, o melhor dos paes. E essesproprios paescujos filhos são bons, provavelmentenão são tão bons filhos de Deus quanto seusproprios filhos são bons par:acom elles. Embóra tenha feito as maiores promessasde premios eternos, nem por isso Deus é bem servido por muitissimosl Muitissimos não se incommódamcom Elle, nem querem saber das suas leis. Não querem fícar com Elle, viver na sua intimidade, cumprir,lhe os desejose servil-O. Ã serembons filhos de Deus, preferem ser escravosdo mundo, das suaspaíxõese do demonio! Foi pa:.a rcduzir essestaes â razão, ao respeitodas leís e da bôa ordem, que Deus creou o inferno, ameaçando-oscom essecastigo caso não obedeçam.Ãssim, si elles absolutamentenão querem render-sea Deus e aos direitos e imperativos

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Inferno e brio humano

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da sã razão, ceÍto a culpa não é de Deus, mas toda delles. Sem duvída, entre o amor e o temor de Dèus ainda hq outros motiuos íntermediarios que podem e devem levar o homem ao cumprimento da lei de Deus: são os motiuos do deoer e do legitímo interesse de cads um. O motiuo de .deuer consiste em evitar o mal do peccado pela propria malicia deste, e em fazer o bem porque é bem; em cumprir o dever porque é. dever, em obedecerporque a obedienciaé conforme â razão e á justiça, em praticar a virtude pelo proprio valor desta, por ser bella e dignificante. Escusadoé dízer o quanto Deus quereria guiar assim todos pelos dictames da sã nzão na senda da verdade e da justiça, da virtude e da caúdade. Quanto quereria que todos praticassem o bem pelo proprio bem, como sendo o que absolutamente nos convém e é exigido pela verdade e pela justiça ! Quanto quereria que evitassem o mal por ser máo e'abominavel! Não ha duvida que o motivo de dever é forte e nobre, sobre ser legitimo. Não ha duvida que haja no mundo pessôashonradas, que tenham consciencíaprofunda dos seus deverese grande empenho em cumprilos. Quão pouços são porém os que habitualmente se deixam inspirar pelo puÍo motivo do dever!


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3.' Obiecção

Muito mais vezesdeixar-se-ãoprovavelmenteimpellir pelo motivo da propria obrigação,para cumprirem os deverespaÍa com a familia e pal.acom a sociedade;quão raras vezes,porém, se deixarão impellir por essemesmomotivo para cumprirem os seus deveresreligiosos com exactidão e pontualidade! 8." PARGIUNTA: valor moral?

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O motlvo de interesso tem ou uõo

O mesmo,mais ou menos,se dá com o grande motíuo de ínteresse.Dizer q'ue elle não tem valor, para evitar o mal e fazer o bem, e que só o motivo de dever é que tem valor, é inexacto e revéla desconhecimentocompleto da ÍLatutezahumana e da realidade da vida. Por natareza o homem ê interesseiro,procura o bem estar corporal e espiritual, temporal e atê,eterno. O desejo de bem estare de felicidadeê,-lheinnato. Elle absolutamente não póde prescindir delle. E como a felicidade de cada individuo se confunde com a da propria familia, em tudo quanto faz elle procura habitualmenteum proveito, um lucro, uma vantagempaÍa si e para sua familia. Si perguntarmosao nego-

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Valor do motivo u. ,ìr*resse

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ciante que está o dia todo por trás do balcão, ou ao roceíro que trabalha tanto na sua roça, si é por motivo de dever ou de lucro que assim trabalham, elles responderão,inevitavelmente,que é pelo de lucro. Si cada um procurasseos seusinteresses legitimos,os verdadeirose não os apparentes, os espirituaesantes dos corporaes,os eteÍnos de preferenciaaos temporaes,tal como a bôa ordem e a ptimazia das cousaso exigem, sería optímo, e não haveriao que reprehender.Cuidariam então os homens de cumprir tambem zelosamenteos seus deveresrelígiosos,e de gatantir, antes de tudo, o negocioda sua salvaçãoeterna.Assim, porém, não costumam ellesf.azet.Invertem a ordem das cousas. Procuram os bens materiaesde preferencíaaos espirituaes,os interessesda carne antes dos da alma, os temporaesantesdos eternos.Na luta pela vida e pelo dinheiro, esquecem-se até completamente de Deus, da rclígião, dos interessesda alma e da eternidade,dos interessese deveresmais necessariose imprescindiveis. Qo. podia e devia Deus fazer pal,a reduzír os homens á sã razão, pàtã obrigal-os a cumprir as suas santasleis, os deverespata com Elle? Foi o que fez cteando o inferno e ameaçandoos homens com um castigo tão grande e tâo pesado,


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3.. Objecção

que cada homem reflectido e recto devesse dizer: "Em vista de tal sancção, devo obedecer a Deus, custe o que custar". Não querendo oE homens uíuer no regime de amor e como bons filhos, nem querendo cumprír os seus deoeres pot motíuo de obrigação e em espírito de obedíencio, nem pelo legitimo motiuo do interesse proprío bem comprehendido, uiu-se Deus no neceEEidade de collocalos na dura alternatius: ou se sujeitarem a cumprir os Eeus deoeres, ou Eerem eteínamente reprouqdos e punidos no inferno. Era o ultimo rccurEo que Deus tinha á sua disposição para obrigar os homens efficazmente a cumprirem os seus deveres, e pe1g21não podia deíxar de lançar mão delle. to, si urn homem não se deixa subjugar e governar por outro motivo mais nobre, sinão só pelo do inferno, a culpa não ë de Deus. Da mesma sorte, emquanto o medo do castigo ferir os bríos de alguem, a culpa serâ de quem só se deixar inspftar e guiar por elle. Da parte de Deus, a ameaça do inferno não póde constituír offensa aos nossos bricjs, visto que não é uma imposição brutal e irracional, porém uma necessidadeimposta pela justiça e santidade de Deus em face da revolta humana.


Valor do motivo de medo

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O motivo do medo tlo inferno 4." PERGUNIIA: tem ou não imPortancia moral?

Ã.demais,dizer que o motioo de medo do inferno nadq oale, é completamenteeffado e até absurdo, E isto porque o medo do inferno é innato ao homem, como o medo do maior castigoimaginavel, e se p(ende ao intimo e vital interesseque cadaum tem pelo seuproprio bem estaÍ pÍesentee futuro, e tanto mais quanto essadesgraçafutura ê, nessecaso, eterna. Naturalmente cadaum pfocura afinal garantir-secontta a miseria,a fome, a sêde,o frio e o fogo, contra qualquerdôr, ao menos moÍal e physica'Quem contÍa uma summadesgraça se deixar levar ao ponto de acceitarum prazer futíl em vista de um castigo eterno, é simplesmente um louco. Àlém disso, como é que na vida espíritual a sujeíçãopor temor não haveria de ter valor, si na sociedadehumana tem tanta efficacíae tanta in,fluencia?! Ha innumeras pessôasverdadeiramente dominadaspelo medo dos homens.A sujeição,quer a devida quer a indevida, obedeceno mundo muitissimasvezesexclusivamente ao motivo de temor. Falando das classesinferiores, chama-sesimples-


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4." Objecção

mente "Ínedo"; em se tratando de gentemais illusttada, chama-semuitas vezes "respeitohumano". Nas classesinferioresr eue servem, tem-se medo de um castigo,de uma perda de emprego,de uma reprehensãojusta ou injusta; nas classespor assim dízer superiorestem-se frequentementemedo de tudo e de todos, menosde Deus. Tem-se medo de uma crítica, da falta á moda, até de um sorriso zombeteiro.O motivo de temor confunde-semuitas vezesno mundo com o motivo de interessee de complacencia,e ctêaentão tantos escrayosdo mundo, escravosmiseraveise ridiculos, qae fazem dó e deviam envergonhar-sede si propríos. Essa escravidãojá é consagrada,O medo dos homensparecelicito e natural, e assumetaes proporçõesque grande pafte dos homens, sem maís nem menos, se lhe sujeita cégamente. l\ essetemor dos homensNossoSenhorJesúsChristo contrapõeo temor de Deus, dizendo (Lucas, 12, 4): "À vós, meus amigos,eu digo: Não temaesaquellesque matam o corpo e que, depois de mortos, não pódem fazer mais nada. Mostrar-vos-ei a quem deveis temer: temei âquelIe gu€, depois de mortos, tem o poder de vos lançar no inferno. Ãssim eu vos digo, ê a esse


Valor do motivo de medo

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que deveistemer". O unico que tem tal poder é Deus. Devemos pois temer a Deus e o summo castigoque Elle impõe, e isso mais do que tudo, mesmo mais do que a perda da vida corporal e [Vfss isÍo não çluaesqueroutros soffrimentos. utíl e agrct' que seia temor de Deus quer dizer todo dü)el a Deus, Entra absolutamenteno quadro deste trabalho, não só salientar as pÍovas da existencia do inferno, como tambem elucidar e determinar qual o temor de Deus e do inferno que tem valor moral. Para completar isso, é preciso legítimat como ruzoaoele recto, como util e ptecioso,o oe? dadeírotemor de Deus.- O principe dos philósophos e theólogos,S. Thomaz de Ã,quino, tratando na IIa IIae, 19, 5, da differençaentre o temor Iegitimo e o illegitimo, distingue no peccadoo mal da culpa do mal da pena. O mal da culpa estáem que o peccadograve offende a Deus gravementee separad'Elle o peccador.O mal da pena consiste no castigo merecidopelo peccado,castigo que no caso é o inferno. O mal da culpa é a propria immoralidadeque se contrahepeccando,âo passoque da culpa para o o mal do castigoê a consequëncia peccador;é,o effeito do peccado;é uma exigencia rigorosa da justiça. tLrtepender-sedo peccadguníca e exclusioa-


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4." Objecção

mente por temor do castigo e não pelo mal da culpa, pela immoralidode ínherente ao peccado e pela offensa a Deus, não adíanta. Tal atrependimento não ê acceito por Deusr por ser insufficiente e, considerando bem tudo, até immoral. Funda-se no egoismo, encara só o bem estar pessoal, a que se oppõe o castigo, e reduz-se simplesmente ao seguinte: eu quizen não ter conmettido o acto peccaminoso, não poÍ ser elle máo e offender a Deus, porém só por câusa do castigo.que implica. Si não fosse o castigo, não me arÍependeria delle. Não sou contra o peccado como tal, muito peLo contrario! O que me contraría e abottece, o que eu quero evitar é só o castigo. . . Isto é só fugir do castigo merecido, do effeito e da exigencia da justiça. E' bem licito evitar o justo castigo, mas pelo unico meio acceitavele acceito por Deus, i. é, pelo arrependi,mento sincero do proprio mal que se commetteu, da offensa a Deus. O castigo é o producto, o effeíto máo do peccado, uma consequencia fatal que recáe sobre o peccador; é um mal grande, terrivel ! Porém outro mal ainda maior é o mal do proprio peccado, a culpa contrahida pela offensa a Deus. Para que o arrepeirdimento seja verdadeiro e acceito por Deus, é indisirensavel detestar esse mal principal (IIa. IIa., ibid.). E' preciso depapprovar, revogar e re-


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Valor do motivo de medo

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pel,lír o proprio ma| moral do peccado, e não símplesmente o mal phgsíco, ínseparavelmenteannexo áquelle, ou seja o castigo. Não ha duvida que se deve temer o castigo; o arcependímentopóde muito bem ter inicio nessetemor; mas deve ir atê a det.ttar o mal moral commettido. Deve indispensavelmente referir-se a Deus, ter a este em mira, e fundar-se principalmente na offensa feita a Elte. Por essesdados resoloem-se facilmente os cqSi alguem dissessecomsigo sos c seguír. "Eu quiz era nâo ter commettido tal peccado simplesmente paÍa não ser castigadot pàtv não ter que soffrer eternamente. Pouco me importa que o peccado tenha sido uma offensa a Deus". Esse arrependimento de nada valeria, porque o seu fundamento está expressae exclusivamente no temor do castigo. Si alguem formulár o seu arrependimento do modo seguinte: "Àrrependo-me de ter feito isso por causa do inferno, poÍ causa desse immenso castigo infligido por Deus", esse arrependimento jâ seria evidentemente bom e legitimo ? Não. E' preciso determinal-o melhor, distínguindo do modo seguinte: Si se qaizer dízer: "Arrependo-me só por causa do castigo merecido", o arrependimento não tem valor. Mas, si se quízer exprimir pelo sentimento intimo do coração: "Detesto tambem


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4." Objecção

absolutamenteo mal moral do peccado,a offensa e separaçãode Deus", então o arÍependimentoé valido. Como seria, porém, si alguem, pelo sentimentointimo, dissésse:"Oh! si não existisse o castigo do inferno, de certo eu faría isto ou aquillo, sem fazer tanto casodos reclamosda minha consciencia.Commetteria tal peccado facil e já que não haveúa táo gravescongostosamente, sequencias.Mas jât que Deus me ameaçacom o formidavel castigo do inferno, deve ser cousa rcalmente má, como a propria conscienciatambem proclama; assim,não quero mais fazel-o"? Taes sentimentos intímos, ainda que denotem a corrupção da nossa íaüJteza, pelo modo por que se resolvem porém bons não são reprovaveisou peccaminosos, e legitimos,visto exterior e interiormenteafastarem efficazmentedo mal. O legitimo interesseproprio prevaleceu. A respeito do arrependimento dístinguem-se uaríos temoreE,que se denominam differentemente. O temor daquelleque se arrependede um peccado só por causa do castigo do inferno, é chamado por S. Thomaz o temor propríamente seroil. Os theólogosposterioreschegarama chamal-o temor seruílmenteseruí|, para distingil-o do temor pu(amente servil, que é bom e legitimo, como mesmo


Valor do motivo de medo

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impropriamente seroil" por Eer ennobrecido pelo arrependimento da culpa, Ha um terceiro temor, mais alto e mais nobre, chamadopelos theólogos temor fílíat ou reuerencial,o qual acompanha o amor de Deus. Consisteem temer a Deus reverencialmente,como ao pae revestidode summa autoridade e majestade.Quem tiver essetemor, quasi não olha ao castigo, nem mesmo pensa nelle; o bom filho só se preoccupae só cuida delicadamente de não irrítar e não desgostaro pae, nem síquer contristal-o de leve. /Va uída quotidiana temos o exemplo da differença entre os trcs temores: no temor do escrquoparu com o dono, no do seroo ou criado parq com o emo, e finalmente no do tílho pqra com o pae. O escravo,como tal, não ama seu dono, que lhe parcceurn tyranno. Muíto pelo contrario: odeia-o e quereria até,matal-o; só cumpre o seu dever forçado, com medo do açoite. Tal serviço Deus absolutamentenão quer. Não adiantaservir a Deus só exteriormente,conservando no interior toda a malvadez,todo amor e propensão ao mal. Deus não quer escravos,.mas fiéis servidorese filhos amados. - O criado, para ser bom, póde e deve receiarcontrariar o amo e merecer-lhecastigo;entretanto,além dissodeveamalo ao menos um pouco, deve gostar do seu serviço


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4." Obiecção

e queÍer agradaúhe. Semelhante temor e serviço jâ ê agradavel a Deus. ,4.ssim, dizem os theólogos, o temor servil, pata set acceito por Deus, deve vir acompanhado ao menos por um começo de amor. No temor filial prevalece o amor. Elle faz cvitar o peccado pelo receio de offender o bom pae. Este nos convém summamente, por sernros chamados a ser bons filhos de Deus. Quonto é poís errodq e absurda a accusoção que o medo do inferno não uale nadal Sim, ha de um temoÍ que não tem valor, que é reprovado por Deus, é o temor do escravo, o temor servilmente servil. Porém o temor uerdadeiro e legitímo, o temor sefi)íl e especialmenteo filíal, uale muito mais do que o medo e respeito humono, que constitúe uma verdadeira escravidão. Salta aos olhos quão mais honrosa é a condição de servo e especialmente de filho de Deus, do que a condição de escravo do mundo e das suas paixões. Não póde haver nada meihor do que o que Deus quer de nós. Não póde haver nada rnais digno nem mais nobre, mais brilhante nem mais glorioso. Quanto jâ não vale, por si só, o temor servil de Deus, o temor do inferno! Pqrq milhões de'pessôal,o pensqmento do ínferno foí o ínicío do sqbedoria e da saluação. O pensamento do inferno fêl-as reflectir e retroce-


Valor do motivo de medo

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der no caminho do mal, levou-asa servir a Deus com zelo e amoÍ. Deus, o melhor educadorda humanidade, creandoo inferno sabia bem quanto elle era indíspensavelpara a conservaçãoda bôa ordem no mundo e para a mantençados homens no caminho da honra e da virtude. Por essasrazóes a SagradaEscripturaenaltecetantas vezeso temor 'Eis, de Deus por estase semelhantespalavras: o temor de Deus é a propria sabedoria.. .: e evitar o mal ê,ser intelligente" (Job 28, 29), Comtudo, estávisto que o motivo do inferno Ha outros não é,para todos da mesmanecessidade. motivos superiores,pelos quaesmuitos se deixam habitualmenteinspirar: o amor do bem, do direito, do dever,e, acimade tudo, o amor de Deus, servindo-Lhe nós como bons filhos a seus paes. Porém tambem a essesé summamenteutil e necessqríoum bom fundo de temor de Deus e de medo do inferno, perq lhes preoeníras leuíandades, para firmal-os no bem e na fidelídqde.Porém a um sem numero de pessôas,mórmente nas tentações, não impressionao amor de Deus e do dever.Fafíca só o mo' lhondo estesdoísmotiuos superíores, para motíuo esse do mal, afastal-os inferno tiuo do que então se confunde com o de estricto ínteresse. E' a ultíma barreira contra a qual oem esbarrara


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4." ObJecção

uíolencíada tentaçdo.Sf ella fícar firme, o homem se saloa do naufragio do peccado.Si ellq nã.o resistir, faz-se elte uictímw da propría pertsersídode. Ã culpa é toda de quem não se deixa intimidar por elle. O inferno eterno,com todos os seushorrores, constitúepor si só um motivo mais que sufficiente para intimidar o mais ousado impio. Si alguem pretender que lhe é melhor e mais convenientepermanecerescravodo mundo e das paixões, do que servir a Deus, honra e vontade lhe sejam feitas. Ã essa escravidão tercenasuccederá a escravidãoeternaao poder do demonio, em meío de torturas incommensuraveis. Mas, a quem tiver alguma bôa vontade para com Deus e para com a propria salvação,o pensamentodo inferno serlhe-â grandementeútil e prestimoso,desapegando-o das creaturase grangeando-lhea verdadefta líberdade.O temor do inferno é, assim,verdadeiramente o inicio da sabedoriae da salvação.Si alguem perseverarnessabôa vont ade e nessetemor, a necessidade aospoucosse converter â em virtude. paulatinamente Deus fàrma a alma de bôa vontade, purificando-a e elevando-agradualmenteaté â intenção mais alta de puro amor a Elle. Ã. cefta altura, o amor substitúe então o temor, creando entre a alma e Deus a rclação intima de amizade

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Analogiaentre a iustiça humana.edivina

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e de confiançaillimitada, com a firme esperança de conseguira salvaçãoeterna.O temor terá cumprido o seuofficio, conduzindoao porto segurodo amor. Portanto, quem afffumar que o medo do inferno não é utilissimo conselheirona vida, e o unico meio effícaz pa:a manter na linha do dever a maioria dos homens que desejamsalvar-se,desconhecepor completo a natureza humana e revéla,e falho inteiramenteno seu argumento. B.)

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PROVÃ. TIR,Ã,DÃ DÃ, JUSTIÇÃ HUMANr4,.

Quanto a grande sancção do ínferno é necessariaás leís de Deus e quão de accordo estócom a noEla sõ rozão, proúa-o exuberantementeo apparato do justiça humana no mundo, ãppÀt?lhada destaforma pata manter a ordem civil e seght. Ã sociedade,vendo-seameaçadana sua existencia pelas usurpaçõesdos desordeiros,e querendo defender-see defender os bons cidadãos contra os máos, procurou os meios mais aptos. Chegou a üeat um apparelho judiciario muito parecido com a justiça divina. Exerceo seu poder á vista de todos, a bem da humanidade. Estabeleceum exemplo grandíoso em fauor da justíça diuina. Serve


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Analogia entre a justiça huinàna e divinà

de prova visivel e lição, que deveria uma vez pata sempre fazer calar todas as reclamações e recriminações daquelles çlue ainda não chegaram a usar da sua rccta razão p'ara raciocinar devidamente sobre o assumpto que nos occupa. Não ha duvida que a justiça humana, por ser auxiliar da justiça divina em manter a bõa ordem no mundo, é sanccionada por Deus. Ã autoridade civil é encarregada da divina emquanto mantiver a ordem civih protegendo os bons contra os máos, cohibiìrdo e' punindo os desordeirospela força material, de modc.. que não prevaleçam e convertam tudo em anat- *' chia. Que não faríam do mundo os brutos crimillosos, que não têm medo do inferno, si não encontrassemuma colligação e sancçãomtrndial contra'elles? Conuertel-o-íum num antro de uíolencíqs, a desafiar a humanidade e ao proprio Deus. Foi por isso que se erigiu contra elles uma barrefta de ferro e fogo. Ã sociedade defende-seem nome de Deus, vigorosamente, contra os attentados e crimes, estabelecendoleis e sancçõescorrespondentes, instituindo tribunaes e jvízes,'pondc-lhes nas mãos os codigos civil e penal, e collocando-lhesao lado, como auxiliar, a policia. Por melhores que sejam as leis, si não fôrem ga:.antidas por sancções efficazes e por uma justiça incorruptivel, não

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Analogia entre a justiça humana e divina

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adiantam; resultam inefficientese irrisorias. Quem é que observariaas leis, si estasnão tivessemsancçãol Quem, p. ex., pagariaimpostos,si a tal não estivesseobrigado sob pena de multa ou prisão? Talvez ninguern! Está visto lSão as sancções efficazese justas das leis que prodrrzem a segurança publica,a bôa ordem no mundo, e não as leis por si só. E por isso que as sancçõesse tornam ef.ficazes pelo poder executivoda policia, esta tambem e deveestarâ altwa da sua missão. é indispensavel, Nello encontram os desordeíros a força bruts. Quem não quizer obedecerterâ que soffrer penalidades. E então não adianta reclamar. Usando do seu direito sagrado,a autorídad,eciuíl póde até inflígír a pena capital. Como medico social, póde amputar o membro pôdre e envenenado,póde elímínal-o da sociedade,impedindo assim que prejudique os demais.E' por isto que a autoridade civil recebeude Deus a.espada,para usar della com toda justiça, a bem da communidadesocial.A pena de morte ou a reclusãoperpetua,é o ultimo rccurso da sociedadecontra os maluadosque attentam contÍa a vida dos outros. E' praxe universal cohibír assim as violenciasdos perversoscontra os bons. A ameaçado devido castigo corporal ê o unico freio effícazque ha no mundo e a ultima salva-


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5.' Objecção

'os guarda contra máos. E' atê optimo meio pata incutir mais temor a Deus, que não deïxarâ de castigaÍmuito maís o mesmo crime! 5.4 PERGUNTA: justiça humana

Não

haverá

seme,lhAnça

entre

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e a divina?

Verificados na justiça humana o modo e a racionalidade de punir os criminosos com a força bruta e atê com a morte ou reclusão perpetua, reEta-nos indagar de que modo a justiça humana concorda assím com e díoína; de que modo os ccstígos nella empregados justíficam a existencía do inferno. E' isto que essencialmentenos interessa saber neste momento Para corroborat a tazáo de ser do inferno, temos de estabelecerum paralIelo, considerando de um e d'outro lado o que significam e representam os castigos em questão: assím, notaremos surprehendente equivalencia entre ambos, ao menos quanto á duração, sinão tanto em relação â natureza e intensidade dos mesmos, sendo os terrenos apenas uma paliida imagem dos eternos. Condemnando a justiça humana um criminoso a soffrer a pena capital, risca-o do livro

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A justiça hum. parecida á div.

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vida como indigno de continaar a viver na sociedade humana. Não podendomais com elle, entrega-o á justiça divina. Executando-sea sentença,o executado padecea maior e mais affrontosa dôr do mundo - a morte violenta por castígo,para satisfazer a justiça humana. Nesse momento perde elle tudo quanto possuiano mundo: família, parentes,amigos, tíqueza,todos os bens terrenos,o proprio corpo, atê a esperançade rehaver jámais qualquer dos bens perdidos, e sem siquer deixar bôa lembrançae saudades na terra; o proprio nome fíca profanado e estigmatízadopela morte de scelerado. Pa:a elle não ha síquera rccordaçãopiedosa que se vota aos fallecidosde morte commum! E' uma desgraçaextrema que caiu irreparavelmente sobre o infelí2. O mesmo acontecea quem fôr condemnado â eterna desgraçado inferno. No momento da sentença,Deus risca o reprobo do livro desastrosa da vida eterna,onde são inscriptos os seus fiéis servidores;retira-lhe a sua graça e amízade,quando elle fôr surprehendidopela morte; perde elle immediatamentetodos os bens destemundo, a que tanto se apegava; perde corpo e alma, e f.ica para sempresepultadono inferno, vivendo eternamente


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5.' Objecção

só para soffrer a todo momento e continuadamente maioreshorroresdo que a propria morte de suppliciado. A sua memoria é, a de um desgraçado, ficando eternamenteexecradona lembrança dos bons, e atê dos proprios companheirosde desgraça. Quando condemnadoá prísãoperpetua,a sorte do crimínosonão accusamenos semelhançacom a Eortedo reprobo. ,\ssim como o criminoso enhumana, pticarceradoficou excluido da sociedade vado da convivenciacom os homenshonestos,e atê, com a propria familia, assim tambem o reprobo fica eternamenteeliminado da familia de Deus, da de Deus e de todos os bons. tlm e outro sociedade ficam relegadose reclusospara sempre: o criminoso, emquanto estiver nas mãos da justiça humana, emquanto o corpo viver, até a morte; o reprobo fícaút no seu carceredo inferno emquanto a alma e Deus viverem, ou seja por toda a etetnidade. O criminoso reclusoacha-setantas vezesnas mais deshumanase miserascondições:acha-senão só numa cella, com grade de ferro, como si fôra uma f,êra,mas âs vezesaté preso com algemasem mãos e pés, para nâo poder fugir nem matar-se; âs vezesem subterraneosescurose immundos, comendo comidapessimae bastantesó para não morrerem de fome, sem nenhumacommodidade,antes

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A iustiça hum. parecidaá div.

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com todo incommodo, com o corpo alquebradoe dolorido, por tantos suppliciose doenças;com a alma roída de odios, Íemorsos e maldições dos seusamigos de sentimentos,cumplicesdos seuscrimes, verdadeirosmonstros, mais parecidoscom os demoniosdo que com os homens,e com os quaes ninguem quereria conviver. Todos essessoffrimentossão muito peoresdo que a morte; são uma morte lenta e continua, um pequeno inferno. E si a morte tardassemil annos, teúa elle de continuar a soffrer os mesmoshorrores. Tudo isso que a justiça humana dâ a soffrer aos criminosos náo é, sinão a expressãoviva e verdadeira,aínda que só em imagempallida, õo que os reprobostêm de soffrer no inferno! Onde estão os protestosdaquellestodos que não concordamcom tamanhacrueldadepara com os homens? Onde estd s líga de ptotecção aos encorcerados,que reclamecontra as torturas deshumanas Como é que desdeo coe inúteís dos prisíoneíros? meço do mundo não se formou nem uma só liga para essefim, ao passo.que as ligas de protecção aos animaes são frequentes?Ninguem se incommóda com os prisioneirosmaltratados,estando.todos convictosde que ellespadecemsó as consequencias dos seus crimes, de que talvez net1 soffram


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5." Objecção

quanto merecem,e de que semelhantes sancções são necessarias para garantir á sociedade humana a paz e a ordem. Porece, pois, que a força ínclementeeÍnptegada pela justiça humana contra os críminosos,por maíor e mais forte que seja, nõo excítq a índignação nem offende o bdo de ninguem. tLo menos nínguem reclsmucontra as sancçõesdqs leis humansl, como sí fôssemcontía os óríos dos homens briosos,e aínda menos daqueílesque o não são, os pefi)ersoslLonge de reclamatcontra ellas,os homens do nosso paí2, por exemplo, reclamam contra a demasiadaclemenciadas leis civis e as injustiças que della resultam. Todos a lamentam e a crítícamacerbamente, affirmando que, para vingal-as,é mBsmonecessario o inferno. Só os criminosos reclamamcontra as sancções, querendosentir-se desimpedidosnas suas violenciascontra os outros. Os bons nunca se incommodam com prisõese sancçõesinão lhes tocam nem os offendem, porque não são feitas pata elles,como o nóta S. Paulo (1 Thim., t, 9). São feitaspara os desordeiros que nellas incorrem por infracção das leis, e que devemrealmentetemel-as.- Da mesmaforma, devem temer o inferno os desordeirose impenitentes, todos os que não ce incommoda$ com


A justiça hum. é insufic.

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leis, nem com sancções, nem com Deus; que querem viver pelos seus caprichos e paixões, e não pelasleis de Deus; que commetteminfracçõessem nem lhes ligar importancia, e sem se arcependerem corrígirem. Quem vivet como bom filho de Deus com o inferno; deve ter tenão deve assustar-se mor e respeito fílíal, obedienciae amor de filho, para com seu pae celeste,e Deus por sva Yez o tratarâ como fílho e não como escravodo inferno. Q66 a Justtçra humana atndal é o.. PERGIIIYIIA: pqecisa e divina Bara mânter a ordem no mundo?

Ãntes de proseguírmos,serájusto e opportuno levantar contra o primeiro grande argumento em favor do inferno, indispensavelpa:.aganntir ao mundo a bôa ordem, a seguínteobjecção: si a justiça humana já perseguee castiga os crimes e uma mantém a bôa ordem, não parecedesnecessaria sancçãoextra-tertenae o inferno para mantel-al Respondemoscomo segue. Por mais perfeito que seja o apparelho judiciario e policial de um paiz, por mais integrosque sejam os juizesr poÍ mais incorruptiveis os jura-


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6." Objecção

dos, advogadose policiaes,ainda são insufficientes e incompletos para manterem a ordem social. St por trós e acíma das leis e sancçõeshumsnas não estiuesse a autoridade de Deuscom suasleíse EanÇções,inspirando respeítoe temor aos homens, todas as imposíçõese medidas coercitiuashumanas não seriam bastanfesJSi não houuesseoutra iustiça além da huamna, esto seriq írrisoúa, Como augmentariamno mundo os criminosos! Milhões de enteshumanos que agoÍa, por temor de Deus, deixam o mal, não encontraríam mais barcefua' nenhuma para este! Simplesmente"não se deíxar pegarpela policia" seriaa dívisa de innumeros delIes. E qual seriaa consequencia fatal? O augmento formidavel dos criminosospor toda parte, uma verdadeirainundaçãode perversidade de toda sorte na sociedade! que poderia é cohibil-a? Ninguem! Quem Nem um exercito policial dez vezesmaior do que o actual! A metadedos homensdeveriaser empregada em policia. Cada qual deveúa ter um policial a seu lado, e cadapolicial um inspector.O mundo inteiro seríaum antro horrivel de impiedades e maldiçóes,um verdadeiroinfernot À justiça humana por si só é totalmente insufficientepaÍa garantir ao mundo a bôa ordem. Como garantia


A justiça hum. é insufic.

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sua faz-se pois precísaa iustíça díuína, cÕmas suas sancçõesrigorosissimas. como Ãinda mais: a justiça divina é necessaria justiça humana. Esta só fiscaliza complemento da os actose infracçõesexteriores;não attinge os interioresnem com elles se occupa; é pois uma justiça superficial, prqpria pa:.a educar hypocritas! Quando muito, inspira respeitohumano, receioda opinião social; ensina só a escaparás vistas humanas.Si aquelleque si não importa com a justiça divina nem com o inferno pudéssetirar o dinheiro alheio ou abusar da mulher do proximo sem ser visto nem apanhado,que faria? Certo não deixaria e de se aproveitar! Sem duvida haverá excepções, quiçá em numero regular; mas são excepções;a Íegra geral bem pareceriaser a alludida. Só o temor cieDeus e do inferno é que obrigam imperiosamente a rcctíf.icaros pensamentose sentimentos mais intimos do coração. Por outro motivo aínda a justiça divina ê' necessaría:como complemento da humana, por causadas falhas desta. Muitas vezesa justiça humana condemnainnocentese absolve criminosos. Trancafia os pequenosladrões e deixa soltos assassinose ladrões de casaca,sceleradosde alto cothurno que arruinaram numerosasfamilias e vivem


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6." Objecção

em palacios gozando os frutos das suas rapinas. Seriapara desesperar, si não houvesseuma justiça superior,e estainfallivel, na outra vidal E, opinião universal que essajustiça, com a sua sancção exftema do inferno, é indispensavel para vingar e corrigir as injustiçashumanas.,41éme acima da justíça humana faz-se poís necessaria,g justiça diuína, como seu complementoe gsrantio.- E, conforme jâ provámos, não basta que a justiça divina se arme com uma sancçãoe castigofuturo temporario, como seja o pufgatorio; mas tem que se armar do castigo do inferno, afim de ímpressíonotos homens e obrigal-os efficazmente a rcspeitar os leís, Si tantos, pela sua obstinação, jâLnão se deixam ímpressionarpelo castigo do inferno, quasi ninguem se deíxaria impressionar sómente pelo do purgatorio, e as leis de Deus se tornariam irÌfsorias. Para trás das leisde Deusé precísoque estejao força coercítíuareal, grande,soberana,írresistiuel,eterna Sím, o pensamentodo inferno é o dique necessario que Deus erígiu contra as furias das paixões humaÍÌas, afim de não deixar os crimes e a impiedadeinundarem a tefta. E, elle o guarda maís poderoso da dignidade humana e chrístã. Sí só houvesseo purgatorio, pena transitoria de além_ tumulo pa:,acastigo dos crigres, seria muito mais


A justiça hnm. é insuflc.

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difficil paraa maioria dos homens,nas gravestentaçõese sacificíos, levaremvida morigerada.Justamente nas tentações,quando o amor de Deus estâ a succumbir, soccorre-nospoderosamenteo medo do inferno, e ajuda-nosa vencer o perigo. Sem a influencia delle, commetter-se-iam innume' ros peccados,indignidades e impiedadesa mais. O roubo, o assassinio,a luxuria, o adulterio, a embriaguez,a fraude, etc., se genenlizatiam; uma vída humana digna, a ordemmoral no mundo tornar-se-iamimpossiveis,as offensasa Deus cresceríam illimitadamente,e como as ondas do mar cobririam o mundo. Contra essainundaçãosó o inferno póde constituir, e constitúe effectivamente, o dique sólido. Não foi pois sem motivo que Deus o creoq. Os proteEtantelé que abriram brechano díque da justíça e dos castígosde Deus, rejeitando a existencia do purgatorio, accordealiás com a Sagrada Escriptura, com os ensinamentosda primitiva Igteja e com a sã tazío, como os mais sensatos e'leaesdentre elles confessam.Para não perderem a gatantiaprincipal da moralidade, accentuaramelles desdea sua origem a doutrina catholica sobre o inferno como inabalavel. Todavia, desuirtuaram o effeito salutar do inferno sobre a moralidade,


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6." Objecção

proclomando uma extrema facilídade em euítal-o, como seja pela símples fé em Jesús-Chrísto,que salva e delle preserva.Para melhor fazer comprehender o sentido e alcanceda sua nova doutrina, Luthero proclamoubem alto o complementodessa doutrina, com a sua grandedivisa: "Peccae,peccae fortemente, mas crëde mais fortemente ainda, e sereissalvos!". Longe de protestaremcontÍa tal abominação,os seuscompanheiros,fundadoresde outras seitas,acceitatamem geral essescomo outros principios fundamentaespor elle estabelecidos. Ãssim, reabriram todas as portas d ímmoralídadepogã impune e ínfame; brecharar!, quasi demolirafl, o dique collocadopor Deus contÍa as inundaçõesda maldadehumana. Não quer dizer que não haja muitos protestantestementesa Deus e aG{ juizos e castigos,náo. Felizmentenem todos confiam em taes princípios do protestantismo,como esseda salvaçãosó pela fé! Ão contrarío, enúe elles ha tambem quem procure salvar-sepela carídadee pelas obras praticadaspor amor de Christo, e especialmenteevitandoao menostodo peccadograve. Porém é facto historico que o protestantísmo,não maís accentuandoo rigor da justiça de Deus na Eua sancçãoextrema do infetno, mas, ao contrario, proclamando a quasi ímpunidade dos crimes,


A iustiça hum. é insufic,

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abríu as portas de par em par tí deoassidãodesenfreada. O proprio Luthero pôde verificar a rcalïdadede depravaçãomuito maior do povo pela nova doutrina, confessandoo facto por estase outras são seteoezes palavras: "Os eúsngelícos conhecidas prê,gaçã,o da da que ora, Depois peóres do out{ ao rounossadoutrina, os homens entregâram-se bo, á mentira, â impostura, á crapula, â embtíagvez e a toda sorte de vicios. Expulsámosum demonio (o papado), e viéram sete outros peóres. Principes, senhores, nobres, burguezes, agricultores perderamde todo a temor de Deus". (Weimar, XXVIII, 7 63) , "Quanto mais certosestamos da liberdade (de peccar,com salvaçãosó pela fé) que nos conquistou o Christo, tanto mais frios e negliçates somos em prégar, orar, fazer o bem e soffrer o mal!" (Weimar, 40, 2 Abt, 6l). Ã dissoluçãoda moral foi a consequencia directade um principio fundamental do protestantismo, e não tardou a verificar-se.A díssolução doutrinaria das uerdadesda fé tinha que ser a consequencialogica de outro principio fundamental. Desdea sua origem, o protestantismovem progtedindo cada vez mais na sua negaçâo,graças ao livre exame, pelo qual cada um póde interpretar livrementea SagradaEscriptura,acceitandoou re-


78

6." Objecção

jeitando as ver-dadesde fé que quizer. E' a arbiftaúedade,o individualismo e o subjectivismo in'troduzido na religião, a libeúade quasi illimitada em todos os terrenos,tanto na moral quanto na doutrina. Essalicençaphenomenale ruinosa reduziu, no protestantismo,quasi a zéro as verdades positivas reveladas,deixando afínal cadaum crêr o que quízer e ctearassima sua propria religião, na forma do conhecidoproloquio: "Cada cabeçacada sentença(cada seita)" ! Chegaramassim os protestantesa pôr em duvida e a negar as verdades maís essenciaes do christianism'o,inclusive a do inferno e a da propria divindade de Christo! Em artigo publicado em o "Estado de S. Paulo" de 2l de julho de 1929 sob a epigraphe "O cáosprotestante",lia-seque o professor'€eorge H. Beets,da NorthwesternUniversity,de Chicago, publicara um livro interessanteem que referia o resultado de um inquerito recentesobre o estado doutrinal dasprincipaesseitasprotestantesda Ãmerica do Norte. Reunia nessevolume as respostas de 500 ministros protestantesde credos differcntes,e de 200 estudantesde theologia,a um questionario de 56 quesitos sobre pontos essenciaes da doutrina christã. Ãcordes só estiveram todos eIles sobre este unico ponto: a existenciade Deus.


A iustiça hum. é insufic.

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Quanto á existenciado inferno, só 5t ministros e 11 estudantesde theologia acceitarama possibilidade de existenciade tal lugar de punição! Er bem provavel que o protestantismo dos outros paízesdo mundo não estejaem melhorescondições do que o da America do Norte. Qual o resultadode tão lamentaveldescrença? E' a onda de impiedade que tende a avassallaro mundo e arruinar a sociedade.E'o enfraquecimento assustadorda posiçãodo christianismo e o formidavel incremento do exercito dos inimigos de Deus e de Christo, que bradam como outr'ora os ju{eus diante de Pilatos' - "Tira-o! Não quererirosque elle reinesobrenós!" (Lucas,XIX, 14), Mas: ^A,idelles,Ç[u€tão insensatamente se levantaram contra Deus, reprovandoo seu Christo! Ai delles, que nâo rcflectem naquillo que os espera,o terrivel juízo do soberanoSenhor! Ãi delles,que não reflectemem que a Deus não falta recursocontra elles! Ãi delles,porque o ultimo recursode Deus contra os seus inimigos é e ha de ser o inferno 'eterno!


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2.' PROVÂ. ry

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A existencia

garantir

a Deus

eessaria

como

na

contra

do inferno

o seu soberano

ultimo

os inimigos

recurso

é necessaria dominio. da soberania

irreductiveis

de

para Et no. diviDeus.

SUMMARIO: A não existencia do lnferno lmpllca nas seguintes <:ontradições e lmposslbilidades: 1.a O homem absolutamente independente de-ãe,u.q. de qualquer lel moral, livre de fazer o que quizer (p. Sf). 2.^ Um Deus inconsequente, inJusto e impotente, D€rmittindo tal liberdade desenfreada (p. 81). 3.4 A' falta de outro recuïso, Deus seria obrlgado a favoreeer o lmpio por uma das seguintes impopsibilidades (p. 8Z): l.a ou deveria anniquilal-o; 2.^ ou recebel-o, tal ,qual, no céo; 3.n ou modificar-lhe a perversidade pelo poder divino extraordinario. () homem é realmente responsavel pelo estado desfavoravel da sua intelligencla e vontade (p. 87). Por todas essas razões, fica a exlstencia do inferno Brovada do pleno accordo com a sã"razã"o.


Àbsurdos da não-exist. do inf.

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Sendo Deus &nhor absoluto e soberanodos homens, o seu dominio deve ser reconhecidoforçosamente.Do contrario, como haveria de ser? Todas as supposições em contrario levam ás maiores contradições. O 1." absurdo selia o de um homem absolutsmente independente,universalmentelivre, não só de vontade e physicamente,mas tambem moralmente, e tendo assim o direito de fazet o que quizesse,sem responsabilidadenem consequencia desagradavelde qualquer especie.Homem tql Eeris maís do que o proprio Deus, que tem que ser coherentecom as suas ínfinítos perfeições,como a uerdadee a justíça, Homem tal seríaem si meEmo uma contradíção oiua, uma contrudição na sua conscíencía,que lhe aponta claramenteos díreitos de Deus e oE EuoEobrígaçõe,s, dE suas responsubilidadese es sancçõesineuitaueis.Homem tal estaria em contradição flagrante com a sua origem e fím, com o seu proprío Creador,,Eenhor e Deus. O 2,' absurdoseriao de um Deus que se não ímportassecom que as suas creaturasracionaeso reconhecessem, lhe tributassem o culto devido e


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A soberaniade Deus reclama o ln'f.

cumprissemas suasleis. Seria um Deus indifferente ás impiedadesmais chocantes;um Deus impotente, a quem faltaúam recursos para conter os seus inimigos. Seria pois um Deus inconsequente, injusto e impotente. O 3." absutdo seria o de que, não havendo o recursode castigaro perveÍsono inferno, Deus seriaobrigado a fquorecerde qualquer modo aquelo scelerado, Ie que absolutamentenão o merecesse, o impio. Dado que estenão se importa com castigos temporarios,Deus não poderia applicar-lhe um castigo eterno, ficando assim de mãos atadas, impotente em face do perverso.Seria pois a prevalencia,a vantagem,a victoria do impio contra Deus. Seria a destruiçãode toda noção de justiça e santidade,seria um immenso absurdo.Deus abdicaria a sua autoridade em favor do impio. - E como um absurdo acatreta facilmente outro, tal succederia no nossocaso.Com ef.feíto, suppostonão poder haver inferno para castigodo impio irreductivel, Deus lhe favoreceriaa pewersidadee impiedade, em proveito destas,fornecendo-lhemotivo e incentivopara ainda mais seatrevercontra Elle. E faoutros imprescindiveis, vorecel-o-iacontra interesses contra a bôa ordem do mundo e em proveito da impiedadepublica.

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lmpossibilidadesda não-exist.do inf. 83 'Ã O priineiro absurdo,leva a outros. supposta impossibilidade de castigar alguem no inferno obrígaría Deus a uma das seguíntesímpossíbilidades:recebel-oafinal no céo, apesqrde tudo; ou anníquìlal-o; ou, por força diuína, transmudarlhe em rectidão a malicío dq uontqde. Ora, todos essesabsurdosoccorueriam,si não houvesseinferno pal.a castigo effícaz do impio. Este poderia então insultar a Deus cynicamente, dizendo-lhe: "Ouço o que mandas, comprehendo tudo, mas não te servirei; cuspo na tua lei, pisarei aos pés os teus mandamentose rio-me de ti; poÍque, embóra me castiguespor algum tempo, aínda que seja por milhares e milhares de annos, depois me has de dar o cêo", E que poderia Deus fazer, si não houvesseinferno eterno? 1.o- .,\nníquílar o ímpiol Mas seria o que estepreferíria,para de qualquermodo sair impune. Nessecaso,porém, não teria elle o castigodevido, e sairía uencedorcontra Deus até o fim, podendo dízer: "Sím, Tú me anniquilas porque o teu poder é gtande, mas não consegues que eu te reconheçaa soberanía.O anniquila(es-menão ê.victorïa para ti, é simplesdesforço,é a victoria do mais forte contra o fraco; está tão longe de ser túumpho para tí como estarialonge de ser triumpho


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À soberania de Deus reclama o inf.

para um homem reduzir a massa informe unra mosca!" Si não houvesseinferno eterno,Deus teúa de capitular ante o impio, sem ter recursocontra elle. 2.o- Não querendoanniquilar o impio, nem castigal-ono inferno, que deveriaentãoDeus fazerT Vêr-se-ia forçado a recebel-oafínal no céo, tendo de se esquecerde tudo quanto eIIefez, da malicia da sua vontade para com Elle. Teria de recebel-o no céocomo si elle nenhum mal tivessefeito, como si fôra o seu melhor amigo e mais fiêl servo, como si fôra o mais innocentee santo dos homens. Deveria recebel-onaquelle lugar de recompensas, sem retração,sem emenda,sem reparaçáoalguma. Méros absurdos! 3.o - Que poderia Deus ainda fazer contra o impio, si não quizesseaniquilal-o nem recebel-o tal euial no céo? Conforme muitos pretendem, deueriq transformar-lhe em rectidão a malicia da uontade, para o vêr differente.Ouve-semesmo ás vezesreclamarcontra Deus do modo seguinte "Porque foi que Deus me f.ezassim,com uma intelligencia, uma voilt:âde, umfl natureza que se recusama sujeitar-sea Elle e ás imposiçõesda sua religião? Que me esclareça sobre tantas contradique acho e incoherencias na rclígião e que me ções


da não-exist.do inf. Impossibilidades

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revoltam. Qu. tfueda minha vontade a repugnancia e a resistenciaque sinto contra as suasexigencias! Si póde modificar-me a natvreza, omnipotente como Elle é, porque então não o faz? Não sou culpado de que a minha natureza repugne â religiâo". Reclamaçõestaes constitúem grave accusaçãocontra Deus e uma capciosadesculpa.Vejamo-lhes a inconsistencia. Parecerealmenteque uma ultima possibilidade pal.aDeus seria, por influencia secretae soberarra,modificar a relutancia e malicia da vontade humana, transformando-aem prompta e recta, preferindomil ainda que o homem o não quizesse, vezesseguir os seus caprichose gozat os prazeres do mundo. Bem examinada,porém, essasupposta possibilidadercvéla-seuma verdadeiraimpossibilidade.Sinão, vejamos. Não ha duvida que, absolutamentefalando, Deus poderia, por seu divino poder, transformar em rectidão a rcbeldíae malicia da vontade humana; todavia,não o quer, e nem convém.E isto, porque essatransformação interior da vontade, sem consentimentodo proprio homem, pareceuma violaçãoda liberdadehumana,ao menosparacom os verdadeirosimpios, que absolutamentenão querem tal influencia e transformaçío, - ainda que Deus


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A soberania de Deus reclama o inf.

tenha o direito absoluto, e a líberdade posterior não seja prejudicada. Ãdemais, violenrar a liberdade humana, constrangel-a intetiormente, por influencia divina secreta, a querer o que, rcflectída e positivamente ella não quer, é absolutamente contta a divina providencia na economia da salvação. E' certissimo que Deus quer salvar cada um de nós, e que, sendo infinitamente justo, faz tudo quanto nzoavelmente deve e póde para esse fim, ajudando o peccador pela graça. Menos certo nâo é porém que Elle a ninguem quer salvar sem a cooperação propria, correspondendo o homem aos seus intentos. "Ãquelle que te creou sem ti declara Sto. Ãgostinho não te salva sem ti'. Repugna á justiça e â dígnídade de Deus dar o seu céo a quem não o quer. Deus f.ez o homem senhor da propria vontade e do proprio destino: faz depender a salvação da obra pessoal de cada um. Não se deve pois inverter a ordem das coisas. Não é Deus quem deve operar e merecer a salvação do homem, mas o proprio homem. Deus não quer dar o céo de todo gratúitamente, mas só como recompensa, a quem o merecet trabalhando e sacrificando-se pa:n ganhal-o. Succede com o premio de Deus o que succede universalmente aqui na tefta: quem não trabalha não ganha, não f,az jús a


pelas condiçõesda alma Responsab.

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remuneração.Conforme S. Paulo (II Thess., 3, l0), quem não trabalha não tem o direito de comer, e portanto nem o de viver. Àssim tambem, não ganha a vida eterna sinão quem presta o servíço prescripto, ordenado. 7." PEA,GITNTA: - E' ou nã,o é o homem responsavel pelas condições dq sua intelligencia e vontad.e?

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Ora, o primeiro e principal serviço que temos de operar em favor da nossa salvaçãoé cultívar a nossaintelligenciae vontade, dái-asa Deus, reconhecere glorificar a Deus por ellas. O ser humano, i, é, o homem todo, com corpo e alma, é o que devemostrabacampo de Deus por excellencia, thar, roçar, plantar, e, com a graça de Deus, fazel-o produzir frutos de virtudes e bôasobras pa:.a a vida eterna,E' preciso aproveïtar a luz do dia, o sól e a chuva fecundanteque Deus dispensafartamentea todos. Cada qual colherâo que houver semeado.Ninguem póde responsabilizara Deus si o seu terreno só produz hewas más, cardos e espinhos, frutos amargos e mortiferos. Imputar a Deus as trevas da nossa intelligencia, a rebeldía da nossavontade e a pelersidade do nosso cota-


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7." Objecção

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ção, é enorme injustiça, é verdadeirainsania. E' um gÍosseiroengano fazet dependerd'Elle o que na realidadedependede nós mesmos.E' gravissimo erro exigir e espem de Deus o que Elle collocou em nossasmãos e esperade nós, do nossoesforço, o que está ao nosso alcance,o que podemos e devemos por nós mesmosf,az*, Ã intelligencíae a vontade humanassão faculdadesespirituaesreflexas, podendo agir e rcagír sobre si mesmas, pal.a veríficar e rectificar tudo. ,5,o mesmo tempo são dependentesuma da oufta, i. é, a vontadepóde agfue mandar na intelligencia, ao passoque esta póde agir e influir na vontade. Cada um de nós é senhor da sua intelligenciae vontade, podendo fazer dellas o que quizer: póde formal-as, transformal-ase até dívínízal-as,como quizer; póde deformal-as,corrompel-ase pervettel-as, como quízer! Será conforme o alimento que lhes fornecer.E será conforme as deixar dominar pelasmás paixões,ou não. O alimento dellas,natural e sadio, é a verdadee a sabedoúade Deus, o direito, a justiça e a verdadeíracaúdade,Ãlimento ficticio e a sua corrupção são o erro, as phantasias da imaginaçãopropria ou alheia, e as loucuras da paixão. Ãinda mais prejudiciaeslhes são


pelas condiçõesda alma Responsab.

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os vícios, que não só oE peccados,especialmente as escravizam,mas as estragame corróem intimamente, tirando-lhes a vitalidade, a luz e a força. Elles endurecema vontade no mal, e tornam quasi cégaa intelligencia.Por tudo isso é o homem responsavel. Do mesmo modo que o homem póde estragar a sua intelligenciae vontade,tambempóde melhoral-as,evitandoas influenciasimpropriase aginsobre ellas. Póde muito bem do conveníentemente melhorar uma pela outra. Para melhorar a vontade, é precisomelhorar a intelligencía,os pensamentos; é preciso rcflectfue ponderar melhor a verda' de e rcalidadedas cousas,não os seusprós, mas tambem .osseuscontras; é precisoinformar-semeIhor, distinguir melhor entre a rcahdadee as apnão e+ganârÍnosnas nossas parencias.7 P-ara-ÍÌosinvesríga(õese progredirmos sempre na comprehensão da verdade,devemo-nosbasearem certos principios inconcussos, como p. ex. nos seguintes: Não ha sabedoriacontra Deus! Tudo quanto Deus faz é, bem feito! Jámais é, pois, licito e nzoavel pensar, ou sentir mal de Deus! Seria blasphemia imputar a Deus o que se deve attribuír á maldade e aos malfeitores humanos! Mostrando assim nas suas indagaçõesjusti-


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7." Objecção

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ça, sincerídadee lealdade,a lvz de Deus náo tardará, a nascerna alma. Expurgando a intelligencía, a phantasiae a vontade das illusõese maldades,mais ou menosvoluntarias,Deus começaa tomar conta dellas, esclarecendo-as e transformando-ascom a sua luz e a sua gtaça, A proua cabal e summaría de que podemos melhorar as condiçõesda nossaíntelligencíae vontade, estd,na propría educaçãodq mocídqde,como na f ormoçãoproprío e subjectiuade cadaum. Toda ella presuppõee sebasêana possibilidadede modificar e melhorar as condiçõesda intelligenciae da vontade.Si essapossibílidadedesapparece para qvalquer educando,só ha tiral-o do educandario,onde não progride nem melhora. - psus tambem quer educar-noscomo seus bons e dignos amigos, de modo que mereçamosestar eternamentecom Elle no céo. Quer formar-nos na sua escóla, offerc_ cendo-nosos recursosda santa Igreja e concorrendo EIIe proprio, com a sua graça, parà a obra da transformação da nossa intelligencía e vontade. Entretanto, os auxilios exteriores não dispensam o trabalho pessoalde cadaum, como na escólao alumno não se póde dispensarde estudar; deve este até fazer o trabalho principal, indispensavel, estudando por si mesmo. Dest'arte, cadaum deve


Iìesponsab. pelas condições da alma

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empÍegar os meios â sua disposiçãoe coopeÍaÍ com a gtaça de Deus, afim de melhorar as condiçõesda sua intelligenciae vontade, tornando a sua alma digna de Deus. Outra prooa cabal de que podemosmelhorar as condiçõesespirituaesda nossa intelligencia e vontade, estd,na importancía da medítação,no papel importante que a meditação desempenhana vida espiritual. l\ meditaçãoé outra escóla,uma escólasuperior, com optimos professores,como sejamDeus e os seussantos,e bons manuaes,conespirituaesde cada um. A forme as necessidades meditaçâoé um excellentemeio para ennobrecera intelligencia,avontadee o coração,o homem todo. Nella se aclaram as illusões,vaidadese injustiças do mundo; nella nascema emendada vida e as o fogo do amor divino: virtudes; nella se accende numa palavra,é. ella um optimo meio para transformar a intelligenciae a vontade,para f.azerDeus viver no homem! _ O mesmo se póde dizer da oração, da bôa leitura, da assistenciads prédicas e mórmente do estudodas grauesquestõesrcferentes á hossatarefa de uída, rÍs nossasfuturas esperanças e apprehensões, Por conseguinte,em thése, ha muitos meios paft melhorar e transformar a intelligencia e a


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7.' Obiecção

vontade; estâ mais que provado! L dif f iculdade está em mostror praticamente,na realidadeda uida, guão culpodossõo os que não empregamos meios d sua disposiçãopara essefím e que portanto continúam em pessimascondiçõesespirítuaesde intelligencia e uontade, . Innumeraspessôasse acham na vida em condiçõesdesfavoraveisao seu bom desenvolvimento espirituale á sua salvação.Muitos parecemjá nascer sob uma estrellade infortunio, d. paesviciados, já desdea infancia só ouvindo blasphemiascontra Deus e contra a religião. Crescendo,vivem na rua, abandonadosdos paes,frequentandoou não uma escólaneutra ou antes contraproducente,e sendo desdecedo desviadose desnorteados. Entrando na vida, nadasabemde Deus nem da eternidade,e nem queremsaber.Continúam muitas vezesa viver em condiçõesindependentesda sua vontade, absorvidos e opprimidos por necessidades materiaes.Parecem victimas das círcumstancias exteriorese interiores,sujeitos ás paixões,a que se entregamcê,gamente,quasi como animaes,impulsionadospelo instincto actual, pela cubiça e necessidade do momento. Longe de pensaremem viver moralmente bem, só pensame só procuram viver materialmente bem, o melhor que puderem. E' o seu ideal! Não


Responsab.pelas condiçõesda alma

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8e preoccupamcom cousa alguma mais, nem com eternosda sua alma, nem Deus e com os interesses E' difficil que esses inferno. o com céo ou o com modifiquem ou melhorem as pessimascondições da sua intelligenciae vontadeno tocanteá salvação. Por um lado parcceque andam no caminho do inferno, mas por outro parecetambem que não são totalmente culpados, pois ,andam nesse caminho impellidos mais pela força das circumstancias e por uma ïnfelíz dírecçãoda vida i oü, como pretendiaLuthero, falando do livre arbitrio, andam pelo demonio", como outros annelle "catregados dam "cartegadospor Deus", estesultimos os que andam no caminho do céo. Que fará Deus então delles?Condemnal-os-á taesquaesno céo, todos ao inferno, ou recebel-os-á desculpando-lhestudo? Eis ahi uma questão curiosa que interessaa muitos, por envolver a sorte eterna,propria ou dos amigos!Que fará Deus desses taes?E' o que não sabemos,nem podemos saber. Só Deus o sabel Para nós fíca sendo um grande mysterio, ou seja quantos dessesinfelizes se salvam ou se perdem eternamente.Só no juizo final é que isso se desvendará.O que, porém, sabemos é que Deus tratarâ com toda justiça, mas tambem com infinita misericordia,todos essesque


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7.' Objecçâo

sem culpa propria andavampor caminhoserrados, Ievando-lhesem rigorosa conta todas as circumstanciasattenuantese aggravantes.Visto que Deus não exige impossiveis,tambem não pedirá contas daquillo que elles não sabiam,nem podiam fazer, Serão elles assim responsaveis apenaspelo que tiveremconhecidocomo obrigação,pelo que tiverem sentido na conscienciacomo bem a fazer ou mal a evitar. Os que sem culpa ignoram os seus deveresreligiosos,serãojulgados pelas leis da natureza, que conheçam,segundo a observaçãode S. Paulo. Si, por ex., um dessescommetter um roubo'ou um assassinio, absolvel-o-âa justiça humano como innocentelCertamente não! Da mesma forma, si algum praticasseum adulterio, deixaria Deus de responsabílizal-opor elle? Certo que não. Ou deixaram essesde ser dotados de intelligencia, vontade e consciencia,aos quaesdá Deus a graça sufficientepa:.aevitar o mal e salvar-se?Se dá que ellesnão têm olhos para vêr, no meio de todas as povoações,igrejas erguidascomo dedos de Deus, apontando para o alto e lembrando a eternidade? Serão cégose não terão visto o bom exemplo de milhares e milhares de pessôasque frequentam as igrejas, tratando alli o negocioda sua alma e da sua eternasalvação?Em todo caso,si, em vez de

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dez ou cinco talentos, tinham apenasufr, neln este podiam enrerrar (Math., Zj, 25). Sabendo aquillo que não podiam ignorar, i. é, que o dono era severo,deviam ter empregadoe feito frutificar o talento, para receberemo mesmo premio do céo que receberão os que mais talentostiveremrecebido. Não fazendo homem tal o pouco que, por sua consciencia,podia e devia fazer sob pena de falta gÍave,mas vivendo como si Deus não existissenerü tivesseelle que se incommodar com Deus, é bem claro que se tornarâ responsavelpelas pessimas consequencias de semelhanteattitude. Bem differenteda condiçãodesses desherdados da sorteé a condiçãodos homensque se governam, se dirigem e dispõema sua vida pela sua vontade propria, embóramuitas yezesnão tanto como quereriam, mas como podem, sujeitos a duras cit_ cumstancias,a pesadosencargosde familia ou ou_ tros, etc. Trabalham, lutam, iepousam,divertenrs€, corporal ou espiritualmente,mas em condí_ çõesnormaesde vida. Si perguntarmosqual a responsabilidadedesses no tocante á bõa vontade e á obrigação de melhorarem as condiçõesespirituaes da sua intelligenciae vontade, afim de se salvarem e evitarem'o inferno, forçoso será responderque essaobrigaçãolhes.tóca a todos. São elles incom-


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7.' Obiecção

paravelmentemais responsaveisdo que os da primeira categoriaapontada,os quaesvivem em condições desfavoraveis. Tambem esses,porérn, procuram desculpar-se do pouco cumprimento dos seusdeverespara com Deus e para com a propria salvação.l\llegam falta de tempo. Allegam, para a restricçãoda natalidade, não dispôr de recursospara criar e educarmais outros filhos. Desculpastodas inacceitaveispor Deus. Deu Elle seisdias ao homem para tratar dos negociosterrenos,reservandopara si e para o bem da alma o sétimo. Deste dia, ainda assimreservou apenasuma hora de obrigaçãopara assistencia ao culto publico. O trabalho no domingo, além de contraproducente,é um crime contra Deus, contra a sociedade e contra si proprio. Deus tambem quer ser servido no seu dia proprio, como aliás em todos os dias. Ha tempo para trabalhar, para descalsar e parladivertir-se; ha tempo para tudo, menos para prestar culto a Deus e para cuidar da alma. Muitos não achamcinco minutos para rezar pela manhã e â noite! O que Deus exige não é riqaeza, nem muito tempo, porém verdadeirabôa vontade, fazendo o homem algum sacrificio por Elle e em proveito da propria alma. Fazendoapenas a centesimapafie do que fazem para o mundo e

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Responsab. pelas condições da alma

paÌa o corpo, muitos seriam verdadeiros santos! Para ser bom filho de Deus e se salvar, não é mistér sacrificartanto tempo ao serviço de Deus, como p. ex. os religiosos,que multiplicam os exetcicios espirituaes.Na maioria dos casostrata-se de pequenossacrificiose apenasde minutos a despender. Ãlém de evitar todos os peccadosgraves, é precisorecebera communhãoao menos uma vez por anno, assitirá missatodos os domingosem que isto seja moralmentepossivel,orar a Deus, viver, trabalhar e soffrer em união com Elle: sem fazer obras extraordinarias,o homem salva-see santifica-sesó por essasobras simples,communs.Si elle viver em união com Deus, Deus supprirá e compensaráo que faltar, Para viver não é precisoser rico. O rico não póde comer mais do que o pobre. Embóra a sua comida seja mais apurada,o pobre sustenta-se perfeitamente com uma comida substanciale mais vulgar, e não raro aproveita mais. Disse-nosum dia uma pobre viúva: "Yeja, sr. padre, tantas vezes meus filhos passam fome, não têm o que comer, Os paes ricos, como essee aquelle, esforçam-separa dar bôa apparenciaaos filhos, dandoIhes pratos finos. Entretanto os meus filhos são sadios, fortes e corados, emquanto os delles pa-


7.' Obiecção

Íecem doentios, depauperados,como si não comessem.E' de certo porque Deus compensao que tantas vezes faltat.' E a pobre viúva ria-se de que Deus ê,o pae dos pocontente, accrescentando bres. Assim tambem na vida espiritual, si se empregarem os meios communs, poder-se-â peúeitamente viver bem e desenvolver-senormalmente, santificar-see salvar-se.Basta ter uma grandebôa vontade em cooperarcom a graça! Prova disto é o facto de se encontraremnão raro pessôas simples e sem nenhuma instrucção,mas que na vida espielevadas ritual são muito adiantadase esclarecidas, e transformadas pela graça, a ponto de envergonharem a muitos que têm á sua disposiçãotantos recursosespirituaes,porém vivem como si não timevessemnenhum! Quanto mais tecompensados recemser os primeirospela sua bôa vontade, tanto mais reprehendidose castigadosmerecemser os segundospela sua mâ vontade, por não modificarem nem melhoraremas condiçõesespirituaesda sua alma, como podiam e deviam, pot não fazeÍem siquer o indispensavelpara a sua salvação! Não vale a desculpa"Não posso!" dos uiciados, daquellesque, pela repetiçãodo mesmo peccado, contrahiram um ou mais vicios, vendo-se depois presoscomo por grilhões e julgando im-

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Responsab.pelas condiçõesda alma

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possivelsair da sua escravidão.Nem essesdevern desanimare jogar f&a as armas! Ahi estão os exemplos de tantos grandespeccadoresque pela penitenciase converterame se tornaram grandes santos,como p. €x., Sto. Ãgostinho. Elle reanimava a sua coragempelo exemplo de tantos outros, repetindo sempre: "O que este ou aquelle fez, setâ que eu não posso fazetT" ,"Com a gtaça de Deus posso tudo", disse S. Paulo, pal.a si e para todos. Póde-setudo com a graça,cooperando fiélmente com ella! A desculpado impío é um desafío a Deus e â humanidade. Elle pretende que Deus não the póde tocar, porque elle não O conhece,nem O viu, nem a sua tazâo o convenceuainda de que Lhe fôssedevedore de que tivessedeveresa cumprir pan com Elle. Tal affirmatíva repugna â natvreza da consciencia,que proclama incessantementeos direitosde Deus sobrenós. E' uma burla! E' a philosophia do avestruz,que, quando se aproxima delle o tigre sanguisedento, enfia a cabeça na terra, fechandoos olhos para não o vêr, como si não tivesseentão nada mais que temer. À,ssímo impio não quer attender ás suas obrigações,até as despreza,jalgando frivola e absurdamenteque

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7.. Objecção

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com isso fique desculpadoe isento das pessimas consequencias do seu proceder. Finalmente,resta ainda uma categoriaque se desculpa.São os eruditos, doutorcs ou estudanteE, que não quercm saber de Deus nem da rcligíão, talvez porque lhes fizessemal, ou porque nos estudos achassemmotivos contra Elle. Muito pelo contrario! Foi porque estudaramo que não deviam estudar,e porque não estudaraÍno que deviam estudar! Talvez, no passado,tivessemgostado da religião e se sentissemfelizesem pratical-a. Talvez toda a sua familia seja religiosa,a começarpelos paes.Elles, porém, formam voluntariamenteuma triste excepçãoe dissonancia, pensandotalvez comsigo, no seu orgulho: "Ãh! eu sei mais! Não precisomais de Deus!" Teriam esses qualquerdesculpa? Pretexto têm; desculparazoavel,não! O motivo real é que se estragaramcom más leiturase talvez com vicios inconfessaveis.Não se sentem mais com coragemde praticar a religião e de se elevarás alturas. ^Ahi estâa historia de tantos erudítos, ou pretensoserudítos! Os que se excusam, se accusam.Ã sua desculpavolta-se contra elles como maxima culpa. Deus tambem os espeÍa,a essesdoutos ou pretensosdoutos! Ninguem tem o direito de se .desculpardas

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Responsab.pelas condiçõesda alma

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más condiçõesespirituaesda sua alma. "Ainda que não me lembre de nada, _ previne S. paulo (I Cor., 4, 4), nem por isso estou justificado. Ha quem se lembre de tudo e saiba tudo a fundo: é Deus que me julga!" Não devemoscrêr demasiado na bôa vontade. Àcaso cada um de nós não é culpado dos seus peccadose vicíos, dos abusos da graça,da intelligenciae da vontade?Ãcaso não vemos o bem e não seguimoso mal? Acaso não temos consciencia dos nossosactos,quando agimos contra os reclamosdaquella? Deviamos seguir o mais ruzoavel e seguro, que ê, ao mesmo tempo tambem o melhor e o mais perfeito. Quantas vezes,como diz S. Paulo (Rom., VII, 5), vemoso melhor e seguimoso peór! Quem comprehendeú todas as consequencias das infidelidadesâ graçade Deus? No fim do mundo, no juízo uniuersal, hauemosde uêr como cqdaum foi o autor da sua eterna sorte, seja de bemaventurado no cé,o,seja de repiobo no inferno. Havemos de verificar como a observanciaou a inobservanciadas leis moraes pÍovocaram certas e determinadassancçõese ptemios, güe, quaes outras tantas leis, contribuiram paru a elevaçãoe santificaçáo de ume alma, ou pata a cegueiga,pata o empedernimentoe paru a


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7." Objecção

reprovaçãode outra, conforme a fidelidadeou inÍidelidade â graça,quasi como o mercurio do thep mometro, que sóbe ou desceautomaticamentesob a acçãodo calor ou do frio. Esta vista provarâ na alma dos reproboso remoÍso eterno,pelo que podiam e deviam fazer e não fizeram, e por tercm merecido inteiramente aquillo que eternamente terão de perder, Sendopois do homem a culpa e a culpa toda, das más condiçõesda sua alma, em vão espemâ, elle que Deus,por um milagre,façaaquillo que elle proprio póde fazer, i. é, rcctífícar a sua vontade e tudo quanto perverteu.E' elle proprio quem deve procurar rcpatat o mal f.eito,com os recursosde que dispõe. Conforme fôr necessarioe conviér, Deus ajudal-o-á com a sua graça,facilitando-lhea tarcfa, si o homem lhe implorar essagraça e realtzar as demais condiçõespa:m obtel-a. O grande trabalho de regenençãofica a cargo do proprio peccador. Si elle não se obrigar aos sacrificiosindispensaveis,mas perseverarna sua indolenciae maldade, estasum dia perdel-o-ãoinfallivelmente. Com o serviço de Deus não se dâ o mesmo que com o serviço de um senhor da tefta. Ão deste ninguem é, genlmente obrigado: cada um tem na teua a hberdadede servir a quem qvízer,


pelas condiçõesda alma Responsab.

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de escolhero seu amo. Ã Deus, porém, todos somos obrígadosa servir, e não será sem consequencíaque o não sirvamos fiélmente: teúr isto desastrosas e fataes.Quando o Suconsequencias pÍemo Senhor apparccet e chamat os seus servos a contas, mandarâ atat o seÍvo preguiçosoe inútil, e, atado de mãos e pés, lançal-o nas trevas exteriores, onde haverâ pranto e tanget de dentes (Math., 2'5,30). E' a desforrade Deus,o seuultimo recurso contra o malvado, contra o impio, contra o empedernidoque recusaser-lheservo fiel e filho carinhoso.Esseseráeternamenteescravodo demonio,amaldiçoando-se a si proprio e aosoutros, naquellelugar de horrores e de trevasonde haverâr pÍanto e ranger de dentes- no inferno eterno!


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SUMMAB,TO: justiça reclama um castigo proporcional a cada peccado (p. 105). Por toda transgressãoda lei em materia grave, Deus é gravemente offendido (p. 106). A gravidade do peccado resulta do motivo por que so Becca: é a satisfação da creatura contra a vontade de Deus, ou a preforencia da creatura a Deus (p. 109). A consciencia accusa ossa como qualquer outra culpa de peccado grave, emquanto e,ste se dirige contra â surnÌltâ trlajestade de Deus (p. tf O). Momentos subjecHvos que augmentam ou diminuem a gravidade (B. Llz). O Beccado grave não se torna leve pelo facto de não comprobendermos bem a divindade (p. 114). Determinação do castigo devido ao peccado grave: o inferno (p. 115). A natureza d.o inferno é a consequencia natural do peccado greve: a separação de Dous, com todog os seus horrores (B. f2g). as Denas do iuferno conforme os theologos (p. f gf ). Resolvo-se a objecção soguintç: sg4do-4bs dgqçonbgcidgs Og proprios horrores

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2 Alternativas de satisfacção

105

do inferno, seria injusto castigar-nos Deus com elles (p. 135). O Beccador cáe irremediavelmonte no inferno ua hora da morte (p. 139). Reprovase a possibiltdade da reincarnação como meio de ovitar o inferno (p. 143). Não é possivel á alma soparada do corpo nem a purificação Bagsiva, nem a actlva ou conversão propria (B. 146). Tanto menos possivel é uma conversão acceitavel Bor Deus á alma já accommettida pelos horriveis castigos do inferno Íp. f *S). Como o corBo, pela morto, fica immovel, assim tambem a alma fica immutavel, e o Beccatlo do reprobo como que etern i z a d o ( p . 1 4 9) . E

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dsde de um cqstigo proporcíonado a cada delícto. À justiça mais elementarreclama-ocomo rcparaçã,o da ordem perturbada. Como já vimos, o castigo proporcional é, a sancçãoannexada poÍ Deus a cada lei como gar:;ntia da sua oÊservanciae da inviolabilidadeda bôa ordem. O peccadoé a tÍansgressãoda lei; o castigocorrespondente é a satisfaçãopela desordeme o restabelecimento da ordem. O castígo é inevitavel sempre que o delinquente não queira apÍoveitar o outro modo de satisfação, ou seja da misericordia de Deus. Depois de provada a existencíarcal do inferno por duas grandes nzões extrinsecas,como unica medida coer-


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O peccado grave reclama o inferno

citiva effícaz contra as paixões humanas e como ultimo recurso de Deus contra os seusinimigos, trata'se de provar que com as rczóes extrinsecas concordam plenamente as duas intrinsecas, a saber: que o ínferno é absolutamente necessario como consequencianatural do peccadograve, sendo, este, como é, a maior offensa a Deus, repugnando ftreconciliavelmente á misericordia e justiça infínitas. .

à thése da 3.^ prova é esta: O inf erno é o cqstigo deuido qo peccado grqoe. Ou, por outra, e em forma de pergunta: Será realmente o peccado grave um mal tão grande que Deus tenha tido de crear o inferno para castigal-o devidamente? Sim! E' uma offensa gtave, gravissima a Deus. E' uma offensa tão sêría que leva immediatamente ás peores consequencias:ao rompimento com Deus, á inimízade com Elle. Mas, como é que o homem offende gravemente a Deus? como é que Deus é gravemente offendido pelo homem? Não sómente pelos peccadosque attentam directamente contra Elle, contra a sua santissima pessôa e suas infinitas perfeições,como o odio, a blasphemia, o desespero; mas tambem por muitos peccadosque attentam contra Deus apenas indirectamente, contrariando-lhe a vontade, agindo contra a sua ordem ç viçlando-lhe a santa lei. A primeira categoúa


_ Deus identifica-se com suas leis

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é objecto dos tres primeiros mandamentos da lei de Deus; a segunda categoria é objecto dos sete restantes. Deus é offendido não apenas pela transgressão da primeira categoría de mandamentos, porém por toda e qualquer transgressão da sua santa lei, por Elle proprio dictada para ser obedecida. Comprehendendo todos esses casos é que, theologicamente, o peccado gtave se define como a transgressãorleliberada da lei de Deus em materia grave.

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A razão pela qual Deus uéla sobre cs sucs leis é que foi Elle quem estabeleceua bôa ordem no mundo e, com toda a sua autoridade, manda guardal-a. Empenha-se com toda a sua sobennía pela observancia della. Até sancciona as obrigações Iegitimas humanas com a sua propria autoridade divina. Manda cumprir todos os deveres,tanto os para com Elle como os de cada um para comsigo mesmo ou para com o proximo, exigindo que se dë a cada um aquillo que de direito lhe pertence, aquillo que se lhe deve. Por conseguinte, o homem commette um peccado grave não só atacando a Deus directamente, porém tambem ferindo os interesses do corpo e da alma, ou os legitimos interessesalheios, que Deus ordenou respeitar. E' Deus guem protege e


108

O peccadograve reclama o inferno

garcnte cada homem contra qualquer usurpação alheía, fazendo-sevingador de toda injustíça. Nosso SenhorJesúsChristo en1particular declarouformalmente que "todo bem e todo mal que alguem fizet ao proximo, Elle o considerarâcomo feito a si proprio" (Math., 25, 40), É, pois, â tôa que muitos quereriam assim não fôsse.Pretendemser religiosose em tudo o que fazem nada querer contra Deus, Ionge de atacal-O e offendel-O. Quanto ao mais, entretanro, 'entendem, desejamser livres para fazer o que €specialmentequanto ao proximo, usando e abusando de tudo conforme o proprio beneplacito. Querem que Deus nada tenha que vêr com os peccados,que não se incommode comnosco,nem que nos incommodemosnós com Elte. euerem ser independentespa:a fazer no mundo o que entenderem,sem ser chamadosa contas e a juízo. Mas assim não é, nem póde ser. Entre nós e Deus existe a rclação natural de creadopara o amo e de filho pala o pae. Como ao amo não ê, indífferenteo que faz ou deixa de fazer o creado; assim como o pae se incommóda com que o filho o respeite,o ame e Ihe obedeça,assim tambem Deus faz questão de que o respeitemos, de que o amemose lhe obedeçamos, como bons filhos, observando-lhe filial-

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Gravldade das offensas

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mente todos os mandamentos.Offendendo, pois, ao nosso proximo ou transgredindoqualquer lei divina, Deus é implicitamenteattingido, offendido. Depois de conhecídaa extensão das offensas a Deus, importa determínar-lhe o graoídade. O peccadonáo é, geralmente,peccadopelo acto physico, mas pelo seu alcancemoral, pelo intento espiritual. Ã grauídade do peccadoconcentra-seno motíuo por que se pecca,naquíllo que se procura no peccado,no que está em jogo na tentaçãoque precedeo peccado.E' a creaturalevantando-secontra Deus. E' a satisfaçãopropria que se procura contra a vontade do Creador,a satisfaçãona rreatura cobiçadacontra a lei de Deus. Peccando-se, prefere-sea creaturaa Deus, á sua santa vontade e á sua lei. E', pois, uma dupla desordem.Intima e essencíalmente, o peccadograve consistena aversão do homem a Deus, ao seu ultimo fim, e na conversão pa:.aa creatura (S. Thomaz). Comparada a creatura com Deus, ponderado e pesado tudo na balançada sua avaliaçâo,o peccadorse decide reflectidamentepelo objectivo da sua paixão e dât preferenciaâ $eatana. Declara pelo seu acto que não lhe convém servir a Deus, sujeitar-se-lheás exigencias,e escolheentão o outro partido, desafiando a Deus. Renuncía,pois, a Deus, ao premio,


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O peccadogxavereclama o inferno

e acceita,com a satisfaçãoda sua paixão estupida, o castigoproclamadopor Deus. Deveria vencer-se, mortificar-seum pouco, renunciandoa um pnzet fugitivo, mas não o quer, não o qaiz. Deus vale ou valeu menos para elle. Elte não quiz sacrificar o prazer do peccadoao beneplacitode Deus. Preferiu sacrificar os interessesde Deus, da sua alma e da eternidade,ao gosto natural e ao gozo animal, como Deus arguiu a Jeroboão (j R.g., 19,

e).

Àcaso o peccadornão sabe de que se trata? quanto conftaría e offende a Deus? Pelo contrario! Sabe-oe sente-omuito bem. O coraçãobate, o desassocego da bussola interior manifesta-o.A consciencía lh'o accusae indica claramente.Ã consciencia diz alto e bom som que pelo peccadoé atacado, desprezado,villipendiado, não um simples homem, mas Deus, Deus soberano,perante quem as legiõesinnumerasdos espiritoscelestes se prosternamem perpetuaadoração;o Deus tres vezes santo, o SenhorsupÍemo e juí2, a quem devemos summo respeitoe obediencia,e contra quem não ha recurso.A conscienciadeclaranitidamenre em que e porque Deus é offendido, ou seja em se lhe contrapôr e preferir uma creaturaephemera, uma satisfaçãopassageira,vm pnzer de alguns


Gravidadedas offensas

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instantes, repetição da prefercnciade Barrabás a Christo. Ã conscienciamarca esseacto como uma grosseirabarbaridadee perfidia, como leviandade incomprehensivele tolice estupida! Esta intimaçãoda consciencia ê de summa impoftancia para constituir a gravidadedo peccado. Ã rclação com o Infinito entra essencíalmente em quando conta se trata de avaliar o peccadopela sua gravidademoral. Correntementeentre os homens e officialmenteem todos os tribunaeshumarÌos, a gravidade de um delicto é avaliada em reIação á pessôaoffendida. Uma injuria furogadaa um collega, a um irmão, não é cettamente tão grave como si irrogada a um superior,ao proprio pae,a um princípe,a um rei, etc. uma mesmadesfeita crescede importan cia á medida que a pessôa offendida merecermais respeitoe veneração,conforme fôr mais graduada,mais elevada.Ora, Deus é o sêr infínito, a majestadesem limites, que no peccadoé desrespeitada e desobedecida, desprezada e desqfiqda.Logo, o peccedomortal encerra uma culpa moralmente ínfiníts, Tratando-se de qualquer mal a comriett.I,"pela conscienciaaccusado conìo peccado,como coisa prohibida, criminosa e passivel de punição, a propria consciencia immediatae espontaneamente exhibe a.relaçãodel, : :: - i

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O peccadograve reclama o inferno

le com Deus. Previne que Deus é inimigo daquillo que se pretende fazer, do peccado;que é por este offendido, que exigirá contaspor elle e que infligirá o castigomerecido.E' da natureza da consciencia mostrar a relação que a transgressãoda lei guarda paÍa com Deus. Todos sentem irresistivelmente essarelação,tanto o negro da Ã.frica, como os indios vermelhos da Ãmerica; tanto o hindú das Indias, como o chinez, o japonez e o Íusso da Ãsia; e todos ellesnada menosdo que os civilizados europeuse americanos! Subjectivamente,a gravidadedo peccadodeda conscienciade cada um. pende essencialmente vontade e coração producto da intelligencia, E' o do peccador.Commettendoduas pessôaso mesmo peccado,transgredindo a mesma lei, subjectivamente o peccadonão seráo mesmo,da mesmagÍavidade.Serámais ou menosgÍaveconformea consciencía de cada üIrÌ, conforme cada um entender mais ou menos intensamentea inconvenienciae abominação do mal que pratica, conforme comprehendero que se devea Deus, a extensãodo desgosto que causaa Deus,o desprezoque lhe exprime. E' mais ou menosgrave,ainda, conforme a maíor ou menor rebeldia,maldadee cynismo que envolver, de que se revestir a peÍpetraçãodo acto per-

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Gravidade das offensas

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verso. O peccadoê., pois, maior conforme mais elevada a intelligencia, mais firme a vontade e mais nobresos sentimentosdaquelleque o pratica. De um lado, quanto nraisintelligentefôr o homem, para avaliar todos os motivos da offensa a Deus, " e d'outro lado quanto peóresfôrem a sua vontade e sentimentos,no desprezodasexigenciasde Deus, tanto maior será o peccado.Finalmente, quanto mais o homem tíver subido na amizadede Deus, tanto maior serâa sua traição em commettendoum acto reprovavel.- Por conseguinte,quanto menos instruido fôr alguem, quanto mais ignorante e bruto, Vy ayalïar _q.alcancedo mal que faz, tanto menos peccae tanto menor responsabilidade incorre,desdeque a sua ignorancianão sejacrassae voluntaria. Emquanto alguem fôr inconscientedo nìal que pratícar, nada lhe poderá ser imputado. ^4. transgressãoda lei será então méramentematerial, e não formal. O bebercão, ao contrario, será responsavelpelos inconvenientesque proferir, como por qualquer crime que commetter, emquanto os tiver previsto e emquanto fôr culpado da sua embriaguez,A rlÁída exactado peccado será,pois, sempÍea consciencia particular de cada um. Emquanto a intelligenciaenxergaro mal prohibido por Deus e a vontade o acceitare quizer

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8." Objecção

o peccadoque se mais ou menosapaixonadamente, commetteserámaior ou menor. 8." PERGUIfTA: A cúpa; do peccado torna-so leve pela circumstancia de se não conhecer I)eus a Íundo?

Todavia, transgredindo-sea lei de Deus em materia grave, com toda a consciencia,a culpa não seró menor e lette pelo facto de não ser possiuel, oprofundor e comprehender a infiníta majestade de Deus. Para incorrer a culpa de offender a Deus infinito, basta conhecer que Elle ê além de tudo quanto podemos imaginar: infinitamente perfeito, merecedor de summa veneração e absoluta obediencia. E' quanto basta saber para contrahir uma culpa infinita, desde que nos revoltemos contra Deus e Ihe neguemos obediencíç Do mesmo modo, quem incendiar uma casa r{o intúito de destruir tudo quanto o proprietario tem, não será menos culpado pelo facto de não conhecer em particular os valores nella guardados. Quem se alçar contra Deus, seu Creador e soberano Senhor, é culpado de altissima traição, de lesa-majestade, e se tornará

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Proporçãoentre peccadoe castigo

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responsavelpelas consequencias. Ãttrahe sobre si a indignaçãode um Deus! 9.' PERGUNTA: Si o inferno é o castigo por uns actos passageiros do ftraixão, não carece elle cle proporção? Qual ê, poís, o castígo deuido ao peccado gra)e, com que Deus deve vingar a sua majestade

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ultrajada? só póde ser o casrigodo inferno ererno! - Ficou provado que o peccadograve ê a maior offensa,infidelidade,revolta e traição con_ tra Deus, constituindo uma culpa infinita. Ora, sendo o homem um s,fu..limitado,e não cabendo nelle um casrigoinfiniio nãï iìi.nsidade, ã.r. .r. soffrer um cll*go que seja infiníto pela danção, como é o castígodo inferno? - E' bem verdade que os nossossentimentosnão querem admittir castigo tão horrendo. Muitos criminam a Deus por faltar â proporção devida num castigo sem fim, igflgitg, para um crime passageiro,tantas vezes de um só momento, commettido por um homem miseravel.Entretanto, a sã nzão tem de admittir forçosamenteo castigo do ínferno eterno, em virtude de raciocinios,como rigorosamenteexigido pela natvrezado peccadograve.


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9." Objecção

Até neste mundo ha castigosanalogos, por inporém incomparavelmente crimes semelhantes, case que vingadas são ás vezes feriores. Como é tigadas as infidelidadesdeste mundo? Por exemplo, a infidelidade conjugal, a revolta contra um principe, contra um rci, a traição â patria? A's vezespela morte! Ora, essase outras infidelidades menoresdo contra homenssão incompáravelmente que as infidelidadescontra Deus; e, comtudo, ninguem duvida da legitimidade do castigo pela pena capital, tirando-sepor ella a vida pan sempre,excluindo-seassim o criminoso para sempredo conhumana. Àinda vivio da familia, e atê da sociedade que o assassinio se fizessenum momento, julga-se universalmenteser o castigo apropriado e equivalente só a morte ou a reclusãoperpetuado assassino. '4 grauidadedo peccadonão se aoalía só pelo facto praticado, mqE tambem e principalmentepela intenção que a elle presíf,s,- O peccadomortal é o acto de aversãoa Deus e de conversãoâ creatue offensa grave,cuja consen; ê uma desobediencia quencia é a separaçãode Deus, o rompimento e a inimízade com Elle. - Conforme já assignalámos acíma, para commetter um peccado gtave não é


Proporçãoentre peccadoe castigo

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preciso atacara Deus pessoalmente, levantar a mão contra Elle, injurial-O, revoltar-secontra Elle e resistir-lheformal e obstinadamente.Basta transgredfuuma lei grave,estabelecida por Elle; bastasaber que Elle o prohibiu, e quererassimmesmofa. zel-o, - O peccadogravepóde-secommetternum minimo de tempo, num instante. Sabendo-seque se trata de uma lei, de uma prohibição séúae grave, é elle perpetradono momento em que a vontade se resolvedefinitivamentea transgredil-a.

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O peccadograve merece,sem duvida alguma, o inferno eterno,ainda que tenha sido commettido num simplesmomento, ou em pensamenfs.l\lIff peÍgunta,se- onde estd a proporção entre o acto e a pena t:9^l!!l Está na ieiiiïii:diencíae offensa graue,na Eeparação reflectídae uoluntaria de Deus, ti imítação de Lucífer, que se decídiu a não seruír a Deus: "Não te servirei!" E' a revolta contra o SoberanoSenhor! E o homem contrc Deus, a creaturaracional dotada de intelligenciae vontade, que se néga a obedecer.No mesmo instante que a resoluçãoé, tomada, cabe a censura,a sancção,a consequencía f atal e natural: Si Deus chamasseo homem immediatamentea contas,sem esterevogaÍ o seu acto e sem se arrepender delle, teúa elle o


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9." Objecção

inferno certo e por toda a eternidad e! Deus, como supremo legíslodor, indubítauelmente tinha que estabelecer umo sancçãoabsolutq, que não deixasse o homem d uontadeparu peccqrlíure e impunemente por qualquer tempo que fôsse.A reacção,a de_ fesa,o castigopóde caír no momento após o peccado; é o direito de Deus contra o prevaricador. Esta possibilidadeé umu absolutq necessidade; do contrario, toda a ordem moral andaria fóra ilos eixos, não teúa garantiasufficíente contra o abuso dos máo Deve o homem saberque não tem a líbeúade de offender a Deus por tempo algum, por um momento que seja.Este facto, estarealída_ de, deve inspirar-lhe o devido respeitoe temor a Deus, nunca se atrevendoa offendel-o gravemente, a erguer-secontra EIIe. E não só tem o homem díqnte de si essaterrioel sancçõodo inferno, mas que um simples momento póde fazel-o caft nelle, Reflexõo terriuel, que, como a luz fulmínqnte de um rqío diuino, nos faz reconhecere aí)aliar em todas cs sucs formídoueís conseguencias .a nossc responsabilidqdemorul perante Deuse perante nós mesmos! Deus podia chamar o peccadora contaslogo após o primeiro peccadograve,sem lhe conceder prazo para rcpara 4 sua falta, çondemnando_o


Proporção entre peccado e castigo

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Iogo ao inferno eterno. A natureza do peccado grooe é razão suffíciente para tsl sentença e castigo, Si Elle não usa mais vezes desse direito, ê por infinita bondade e infinita misericordia. À's vezes acceíta o desafío de Lucif er e de seus cumplices na revolta ! Assim , de vez em quando morre uma pessôa quasi no acto do peccado. Que fazem os homens em taes occasiões?Um devasso ou um ladrão, que desafía a homens, sendo surprehendido no udulterío ou no roubo, facilmente rccebe uma bsla! Sí morre, é feítq e satisfeíta a justíça humanal Ninguem pretenderá que não seja justo. E' porque o homem é responsavel pelos seus actos; recebeu intelligencia e vontad e paft usal-as rectamente e com todo cuidadq. Fica a cargo de Deus julgar e determinar quando a malicia humana basta, quando a sua medida está cheia, pata chamar o criminoso a contas e ao castigo eterno. Em todo caso, não é costume de Deus chamar a contas o peccador logo após o primeíro peccado gruoe. Talvez seja até uma tara excepção. Pelo menos, não são muitos os casos em que os criminosos são surprehendidos e fulminados pela morte repentina. O mais se subtrahe á nossa indagação e conclusão, A regru geral, poftanto, é que Deus deíxa qos p.eccadorescerto prqzo porq refleçtirem e


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9.' Objecção.

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se artependercm; paru resoloerem defíntiuamente si querem continuar a peccat,ou si querem voltar para Elle, pedindo-lheperdãoe Íazendopenitencia. O peccadogrooe coíloca o peccadorno ESTADO DE PECCADO, no estadode inimízadecom Deus, si nelle jâ nâo estiver por anterior peccado.Este estadocontinúa, perduramais ou menostempo até que o homem penitente rccebao perdão de Deus. E como que o peccadoprolongodo, permanente, sustentado.E' uma revolta, uma ptevaúação,uma impiedade continua, quasi tantas yezes rçetida quantas o peccador,lembrando-sedo seu peccado, não quizet largal-o, arrepender-sedelle. O peccado inicial vae peorando, conforme a disposição da alma, da vontade, pata com Deus e para com o cumprimento dos proprios deveres.E quasí um ínínterrupto desafío a Deus. E a ínímízade declarada, íniciqda pelo primeíro peccado,e mantidq a todo o transe, O estado de peccadomortal torna-se tanto peor quanto mais tempo o peccador se recusara retrocedet,e quanto mais ousadamente resistira Deus. Si cada acto de peccadomofial, pot sí e em príncipio, metece o caEtígo do ínferno, muíto e muíto maís o mercceo propdo estado de peccado moftal. Está oísto! Sendo este o cqso geral dos


Proporção entre peccado e castigo

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peccadorcs,póde-se,de cefio, dizer que o infemo é muíto maís e propríamente o castigo dos ímpenítentes, e que Deus, deuendo estabelecertambem o ínferno parc os que moftem no acto de commetter um peccado mortal, para saluagçtardata o íntangíbilidade das leis e da ordem, estabeleceu propríos intpenítentes, infemo como castigo dos Eendo o caEodestesgeral e uniuersal, é preciso salíentar que o ínferno nõo é tanto o castigo de um peccadograue, rapido, quanto o castígo dessemesmo peccodocontinuado e Eustentodoapesarde todos os reclamos da conscíenciae de Deus, apesat delle. do conhecimentodas nefasfcsconsequencías Pela contínuação e obstínaçãono mal, como pela impenítencia,ctesceimmensamentea culpa, Errar é humano; maE perceuerat no erto é diabolíco e mereceos castigosdos demoníos, Exíste enorme differcnça entre o estado de peccadomortal e actos isolados graúementepeccamínosos,dos quaes o peccadorse arrepende. O filho que commettefaltas gravescontra o p?e, mas, a cada vez, pede perdão, facilmente o recebe.Si, porém, continuasseinsubordinado,merccetíaperdão? Deveria ou poderia o pae nzoavelmente conceder-lh'osempre?Não. Neste casoo filho não passariade um revoltoso e insubordinado,


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9." Objecção

e poderia sobrevir o estadode inímízadee de odio entre pae e filho! Supponhamosum mon archa glorioso e sabio como Salomão, justiceíro pelas leis estabelecidas, com muitos vassallos,entre os quaesuns dez insubmisose ambiciosos,que levam o facho da rcvolta atravésdo paiz. O monarcha vence-os,tedul'os á ímpotencia,obrigando-os a pedir paz e perdão.Ãlguns pedeme rccebemperdão; são agraciados. Outros, porém, não querem reconhecero mal que fizenm ao monarchae ao paíz; não querem saberdos direitos do soberanoe cuvar-se,nem pedir petdão, mas continúam revoltados. O rcí será ainda obrigado a conceder-lhesperdão, sem elles o querereml Seria absurdo. Continúam elles no estado de revolta e inimízade declaradacontra o legitimo principe e rcL São, pois, réos de alta traiçâo. Si fôrem apanhados,deverão, pela lei, padecero castigo correspondente,sem dó nem piedade! E' justiça! Por exemplos como este deprehende-sebem q enorme distancia que medeia entre os actospeccqmínososisolados, terminados e annullados pela contrição, ê o estsdo de peccadomortal, gue persrsreinsolentemente,Exterior e physicamenteapparecetalvez só o ptimeiro acto do peccadoinicial,


Proporçãoentre peccadoe castigo

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mas mo,ral e verdadeiramente elle é simplesfracção da culpa. O peccadoinicial é só o primeiro passo no caminho do inferno, ao qual se ligam todo dia outros passosformados pela rcaffirmaçãodo primeiro, sustentandoo mesmo contra Deus. Si o peccadorquizessepôr termo á sua rcbeldia contra Deus, os seus actos criminososseriam perdoaveis;e tanto mais perdoaveisquanto comnettidos com menor malícia e maior Íraquezal Havendo alguma bôa vontade,seriaelle facilmente ' perdoado, conforme ensina a religião. O homem é fraco, muito fraco, e câefacilmente em sustentaro seu erro, contra todo o bom senso. Reflectindo, deveria immediatamenterevogal-o e annullal-o, pedindo sinceramente perdão. Que estepedido seja acceitoe que Deus se deixe aplacat, é o que o homem razoavel deve urgentemente implorar. O criminoso que matou, não poderá resuscítaro morto; é verdade;physicamenteé impossivel rcparat o crime. Si o pudessee o não fizesse,commetteriauma malvadez,? ã culpa seria muito mais aggtavada.Moralmente,porém, o peccador semp(epóde desfazero mal que fez, revogar o seu acto iniquo, detestando-oe rcjeitando-opela vontade, querendosinceramente não o haver feito. E' o mengs que Deus exige do culpado para


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9.' Obiecção

eximil-o do castigo eterno. Deus esperado peccador que este seja razoavel,que não continúe no peccado,que não accrescente mal a mal, offendendo-O e irritando-O ainda mais. Instituiu o sacramento da confissão,dando ao peccadortoda facilidade de se reconciliarcom Elle. Quer e esperaa volta do filho prodigo, embóranão lhe faça vioIencia. Fala-lhe â consciencia,chamando e ameaçando. Será como o peccador quizer e resolver, sendo depois úatado em conformidade com a sua attitude. Si tiver bôa intenção, facilmente alcançarâ o perdão. Que acontece,porém, tarLtasvezes? Em uez de desfazero mal que fez e de pedir perdão, o peccadorcontínúa reuoltadocontra Deus, obstína-seno ma|, âs vezes até diabolicamente, rindo, e troçando de Deus. Recusaouvir a voz da consciencia,ou incommodar-secom as exigencias de Deus. Longe de retrocederno caminho do mal, quer ir adiante, completar o mal e gozat de qualquer modo, o mais que puder, licita ou illicitamente. Não muda de intento, mas repeteos mesmos peccadosexteriores,approvandoe ratificando interiormente os que jâ commetteu.Nõo Eeretracta,. nõo os rcooga, mqs antes os multíplíca pela md intenção. O primeiro peccadograve não revogado tor-


Proporção entre peccado e castigo

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nou-se como que o primeiro élo de uma gÍande corrente,formada por tantos élos novos, inseparavelmenteligadosentre si, quantasvezeso peccador ratificou em pensamentoo mal feito. E si sustentar o seu peccadoaté a morte, essacorrenteprenderâ o infelíz inseparavelmente ao infernq. - p2rece bem menor a culpa de quem commetter um ou outro peccadograve durante um anno, arrependendo-see purificando-selogo em seguida,do a daquelle que commetter um só, mas fícar p. ex. o anno inteiro. Dia e noite, no estadopeccaminoso pensarancorosamente num inimigo, sustentandoa intmizade e o mal que tantas vezes iâ lhe tem desejado.Continúa ininterruptamente a teceto seu tecido de morte, juntando fio a fio, por pensamentose sentimentosmáos,repetidos.Com as suas vingançasimaginadastrançaa úde em que sepren' de a si proprio! - Só Deus póde avaliar quanto mais grave é um tal peccadocontinuado e permanente,do que o isolado,do mesmogenero,mas do qual houve arrependimento No primeiro caso o peccador fica sempre envolvido nas trevas da morte, ao passo que no segundo sâe cada vez do seu estado lastimavel para a luz do Senhor, apÍoveitando da misericordia. Os peccadosdo impenitentenão são, portanto,


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9.' Objecção

actos mdos possagetíros e terminad.os,tornand,o logo a desoppqrecerpela contriçõo; são actos prolongados, que o collocam e montêm no estado de peccado e de contínua inímízade com Deus, Crescem â medída que elle continuar na sua impenitencia, não querendo converter-se. Neste caso, merece elle ir e fuâ para o inferno, justamente por causa da sua impenitencia, uma vez que não quer rcparar o mal commettido. O inferno, portanto, não é tanto o costígo deuido a alguns peccadostransitorios, porém muíto maís o castígo do estado peccamínoso, que ougmentq s culpa. euem assim viver em continua revolta contra Deus e morrer nesse"estado, não póde esperar outra sorte, sinão a de ser re_ provado e relegado para o fogo eterno. " Quem nõo é por mim é contra mim" , d.e_ cl a rou Nos s o S en h o r (M a th . , l Z , 3 0 ). p o rranro, quem não fôr seu amigo e fiel servo, permanecen_ do longe delle durante a vida, será por Elle consi_ derado inimigo. Ãos mundanos parecenão ser nada viver sem se incommodar com Deus e com a rertgião, e gozando a vida; parece tão innocente e natural ! Entretanto, é qua'to basta para ser reprovado. Vivem elles como si não houvesseDeus, não dando a Elle o que naturalmente se lhe deve. Vivem no estado de afastamento de Deus, não cumprindo


Proporção entre peccado e castigo

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seus deveresgraves, tazão mais que sufficiente para não ter pafte n'Elle e cair no inferno. Este é o cqstigo deuído ao Eeuestado de reoolta, em uirtude do qual não querem sqbec do seruiço de Deus, nem se incommodar com aE colsas de Deus, Vida sem relígião é o grande peccado contínuo do seculo, a apostasía de Deus, q apoEtasíq de Christo! Quem viver em revolta contra Deus, com peccados graves no coração, sem querer largal-os, torna-se inimigo d'Elle, repellido por Elle e exposto ao inferno. E não fica só nisto. Não se dissolvendo por effeito de melhores sentimentos, a resistencia a Deus e a revolta progridem, desenvolvendo-se âs vezes até çís ultímas consequencías, até ao odio de Deus e a uma especíede deicidio. O peccador que não quer deixar os seus peccadoslembrando-se do casrigo que Deus terâ de infligír-lhe, revolta-se; desde logo resísteno seu interior. Ãccusa a Deus è começa a odial-O por seus castigos. Ãspira ao seu aniquilamento e quereria até matal-O, si pudesse. Totalmente descontente com Deus, que não quer deixal-o fazer a propria vontade, mas ameaça castigal-o, elle se vingaria si possivel; fal-o ao menos pelos sentimentos do coração, que Deus considera como outras tantas realidades. E' conhecido o .facto historico occorrido em


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9.'Obiecção

Btistrizza, na Servia,em 1891' Vendo que chovia pedras, um furioso taverneiro pegou da espingarda, dizendoque ia vingar-sede Deus e atirat n'Elle. De facto, deu um tiro em direcçãoao céo, como si fôsse pa:n matal-O. Deus acceitouo desafio,e no mesmo instante o infeliz caí:umorto, como si elle proprio tivesserecebidoa bala no coração.Isto aconteceuem presençade numerososespectadores, testemunhasdo facto. Não quer dizer que todos os peccadoresestejam nessecaso, nem que todos tenham chegado extremos; só os grandespeccadores, a semelhantes os ptoprios ímpenítentese impíos sustentama sua reuolta contra Deus, e contínúam tenazmentena qttítude de inímigos mortaes. Tal sttitude é um continuo attentado de ttaíção. Como é claro que commettemo crime de alta traição e merecemo summo castígonão sómente aquellesque attentam contra a propria vida do principe, mas tambem os que fomentam qualquer revolta contra elle e contra a sua autoridade ou assimé clarissimoque contra a ordem estabelecida, que vivem e morrem os merecemo inferno todos impenitentese inimigos de Deus e de suaslegitimas instituições.- Pois ao modo humano de vingar

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Proporção entre peccado e castigo

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crimesdessanatarczacorrespondesó e perfeitamente a perda da vida eternano carceredo inferno. Quanto â NATURE.ZA DO INFERNO E DOS SEUS SOFFRIMENTOS, convém notar e salientarqueSÃO A CONSEQUENCIA NATURAL DO PECCADO GRAVE. Para comprehen. der bem estaverdade,é precisoexamínara natureza do peccado.Conforme S. Thomaz de Àquino, o'peccado consistena aversãocontra Deus e na conversãoás creaturas.Todo peccadoencerrauma dupla desordem:a feparaçãode Deus, com o desprezo dos seusdireitos mais sagrados,e a volta ás creaturascomo ao ultimo fim. A esta dupla desordem deve corresponderuma dupla reparação, um duplo castigo:a privação de Deus, em castigo da apostasia;a dôr positiva vinda dascreaturas,em castigo do prazer criminosamentetirado das mesmas. Dest'arte fica satisfeita a justiça divina relativamente á dupla inversão das relaçõespara com o Creador, a qual constitúe o peccado.P.eccando gravemente,o peccadorabandona a Deus, procurando a sua satisfaçãonas_creaturas. Por justo castigo, Deus abandona o peccadorimpenitente; e as mesmascreaturas,d^equem o peccadorabusava peccando,se levantam'çontra elle, para vingar o


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9.nObiecção

desresfeíto e as injustiças commettidas contra o Creador e Senhor de tudo. O ponto central da questão presente é entender bem o que significa para o homem a separação definitiva de Deus, e o que ,é Deus para elle. -Deus é a vida e felicidadedo homem. Ã união definitiva com Elle é o céo.Vêr a Deus e possuil-O definitivamente, Q a bemaventurançaeterna, ê a completasatisfaçãode todas as potenciasda alma; da intelligencia, possuindo a eteríLaverdade; da vontade, possuindo o summo bem; do coração, possuindo a infinita belleza e felicidade. Sendo o inferno a negaçãodo céo,a separação definitiva de Deus, será elle, pois, a perda da visão e possede Deus e de tudo quanto póde tornar a alma humana eternamentefeliz; seráa perda de tudo quanto é satisfação,alegria e felicidade.A intelligencia,como a vista corporal, será envolta nas trevas eternas. Tanto a intelligencia como a vontade e o coraçãoserãoenvolvidosem perpetuas contradiçõese desgostos,por ficarem privados de vêr, possuir e gozar o que íntimamentetanto quereriam e com toda a natuteza reclamam,reclamanmais do que o faminto e do-o incomparavelmente sedentoreclamaa comida e bebida. A' falta absoIuta de qualquersubstitutivo e distracção,que sem-

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Proporçãoentre peccadoe castigo

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pre ha aqui na tetta, o reprobo sentea maior falta de tudo, e poÍtanto os maiores desgostosque se possamimaginar. \ealmente,'a separaçãode Deus e a perda do gozo de todos os seus dons, bens e bellezas-infinitas,constitúemum verdadeitoinferno, não só cheio de desgostos,mas tambem cheíode tormentoshorriveis.Considerando,p. €x., que tambem a saúde,a isençãode todo incommodo corponl, é um immensodom de Deus, Iogo se vê que a falta completa della,por si só e sem fogo, enceffa verdadeiroshorrores de soffrímentos corpora€s.Si ao homem falta a saúdeem toda extensão, tendo elle assim de soffrer em todos os seus sentidosmolestiase dôres,tendo, p. €X., de supportar simultaneamentedôres agudas nos olhos, nos dentes,no estomago,em todo o corpo, sem poder repousar,dormir e morrer, oh! é um ínferno! Supportarisso uma semanajâ não é um pequeno inferno? Todas estasimaginaçõesserão rcalídades noJnomentoda ultima resurreição, güâodo a alma do reprobo se unir ao corpo, afim de assistir â grande justificação de Deus no ultimo juizo, e ouvir os porquêsda sua condemnação e dos seussoffrimentos. Os theologos diuidem cs penas do ínferno em duas cotegoríqtE: a l,^ é q espantosapena da f

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9.' Ohjecção

condemnaçãoeterno, E' a pena primaria e domidefinitiva de Deus,' nante, que consistena separação por sentençairrevogaveldo eterno juí2. Pésasobre o condemnadoa rcptovaçãoe a maldição do proprio Da'us. Sentindo-se,por lintima necessidade da nattJreza,irresistivel e perpetuamenteattrahido por Deus, seuprincipio, centroe fim, complemento de todas as suasfaculdadese necessidades, pela condemnaçãoetetnasentir-se-ásempree perpetuamente repellido e detido para longe da satisfaçãoque todo o seu sêr reclama. E' a prívação effectiva e absoluta de todo bem! Da condemnaçãoeternaresultam o desespero e o remorsomais profundo, completo e espantoso que sepossaimaginar.E' o vermeroedor,que atormenta os condemnados eternamente,sem jámais morÍer, como Nosso Senhorpreveniu.Elle proprio compara-oa um verme,que nasce., na alma do reprobo, .da corrupção do peccado,como nos cadaveresos vermesnascemda corrupçãoda carne.O descspero e o remorso serãoabsolutos,irrevogaveis "Perdí-me,- assim gritarâ o e sem remedio.perdi Deus e o condemnadoincessantemente, cêo, porque quíz; perdi tudo para sempÍe, por cousasfúteis,por nada", Tendo fallecido como inimigos de Deus, os


Proporçãoentre peccadoe castigo

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reproboscontinúam inimigos delle por toda a eternidade. Sentíndo-seodiados, reprovados e amaldiçoadospor Deus, odeiam'no e amaldíçôam-no, não O conhecendomais sinão nos terriveiseffeitos da sua justiça implacavel.- Receberamassim os reproboso quanto queriam. Queriam viver sem Deus, viver como inimigos de Deus; terâoque ficar semDeuse inimigos de Deus'por toda a eternidade! Desdeque o peccador,repetidasvezesem sua vida, renuncioulivre e deliberadamente á possede Deus, a razão não póde acharimmerecidaa penada condemnação eterna. A 2,' categoriados penasdo ínferno é a horríuel penado f ogo. A primein ê da alma, a segunda é do sentído,como é chamada.O corpo, cumplice que foi do peccado,e muitissimasvezeso seu motivo, justissimo é que'rccebao seu castígo,e tecebel-o-âprincipalmentepela penado fogo. Essefogo não é, conformeos racionalistastentam interpretar a SagradaEscriptura,fogo no sentido metaphorico e fígurado, porém fogo rcal e corporal, vindo do exterior, creadoe mantido por Deus como instrumento da sua vingança. Os reprobos achat-se-ão verdadeíramente numa prisão de fogo, que se apagará nunca: é,inextinguivel e eterno!


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g.' Objecção

Só sabemosda existenciae da eternidadedesse fogo pela rcvelação;não lhe conhecemosa natureza nem o modo de acção, Elle quasi nada tem de commum com o fogo terreno; assemelhase a este, dizem os santos, como um fogo pintado se parece com o teal, E' um fogo incomprehensivel e sobrenatural.o que delle sabemose basra saber, é que é fogo real, espantoso,produzindo sensações parecidascom as do fogo terrestre,poúmincomparavelmentemaisterríveis._Q513cionalistasrejeitam-no como uma crueldadeinutil. De facto, depois do ultimo jaízo, não terâ elle outra utilidade sinão a de satísfazera divina justiça, castigandodevidamenteos perversosinimigos de Deus. Na realidade,âs duas penas do inferno pode applicar-se,em sentido inverso, a palawa de S. -'r'-Paulo a respeitodo céo' - 'olhos humanosnunca viram, nem ouvidos nunca ouviram, nem nunca entrou no coraçãodum mortal, o que Deus, na sua justiça, tem preparado parc os impenitentes no inferno". E' agoÍa o momento proprio de dar a soIução devida a uma objecçãograoe, que se dirige, não taüto contra a existenciado inferno, quanto contra a justiça de Deus. - *si assimé o inferno,


Proporçãoentre peccadoe castigo

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reclama alguem em nome de muitos outros, - gsdesnós somoslogradospor Deus. Ã justiça de Deus passaa ser uma injustiça, castigando-nos com um castigo que não conhecemos,cujo alcance e cujos horrores nem de longe suspeítamos".Para rematar a accusaçâoe sustentar a impossibilidade .si de tal castígo,objectam ainda: "Ah! os homens soubessemde que é que se trata, deveriam ser simplesmenteloucos para praticaremo mal e commetteremsiquer um só peccadogravel" Quercm essesnegar a Deus o díreíto de impôr tão enòrme castígo,attendendoa que o peccadornão conhecía terríueíse eternasdo ínteiramenteos consequencías peccado,e dest'artenão erq res,ponsauel, 1O.' çIERGTINTA: desconhecidos?

Não 6 lnJusto tnfligir

castigos

Esta recriminação contra Deus não procede. E uma accusaçãouã e util, como todas as vezes, sem fundamento 1s21.- Ã injustiça não está no Íacto de Deus castigar tanto, porém no facto de o homem peccat,não reflectir no que faz e não se incommodar com as consequenciasnaturaes e À reclamação inevitaveis dos seus peccados.


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10.' Objecção

contra o inferno é., pois, a seguinte: Deus não póde castigar tanto e eternamente, e será injusto si o fízer,, porque o homem não reflecte rcalmente sobre a existencía do ínferno e não sualia bastante o horror do mesmo. Em primeiro lugar, nunca se ouviu em qualquer tribunal humano invocar semelhante motivo para provar a innocencia de um ré,o. E', assim, de estranhar que a nenhum advogado occorressedesculpar ou innocentar o seu cliente pela invocação dessa circumstancía, i. ê, de não saber elle da natureza e da darcza do castigo a lhe ser imposto. Não procuram, pois, allegar que o réo não merece tamanho castigo porque nem siquer lhe suspeitava a existencia ou possibilidade. O que se procura, e em todos os tempos, sempre se procurou antes de tudo estabelecernos tribunaes é simpleqmente a culpa ou a innocencia do accusado,deixando-se o mais a cargo do corpo deliberativo respectivo, determinar a pena e proporcionar á culpa o castigo. Ãssim como no codigo penal muitas penas legaes estão mais ou menos determinadas, podendo o publico informar-se a respeito dellas, assim tambem as penas do inferno estão gravadas na lei de Deus, sendo muitas vezes lembradas na Sagrada Escriptura e pela consciencia. Si o peccador náo qutzet

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O castigo deve ser conhecido?

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ouvíl-as, tanto peor para si: a sua culpa não fica menor por isso,antesfica maior. Para merecerjustamenteum castígo,sejaneste mundo, seja no outro, o homem deve tet culpa. Para contrahir esta,e com ella o seu castigo,basta que elle conheçae prevejao mal que faz, a immoralidade que ptatica em desaccordocom a sua Si f& falta gtaye,devepensarna graconsciencia. vidade da offensa feita a Deus, sem o que não ha delicto, nem peccado,nem castigo. Basta que o peccadorsinta a sua culpa séria e grave no acto coreprehensivelque commette. Não é necessqrio nhecer o caEtigopara merecel-o.E' de toda juttiça que lh'o imponham. À Deus fica reservadaa determinaçãodo castigo. t{ noção mais elementur da culpa e da justíçaensínqe prooa tudo isso,e a praxe uniuersal do mundo inteíro confírma-o. que um filho, ou um criado, Seráacasonecessario ou quem quer que seja, conheçapréviamentee prevejao castigopara se tornat realmenteculpado infidelidadeou e merecel-opela sua desobediencia, crime? Seria contra o bom senso.O pae infligirá o castigoque bem entender. ao filho desobediente O assassinomerecerâser supplicado. S'eráprovavelmente executado,pata eliminal-o da sociedade humana e eaftegal-o â justiça divína, embóra elle


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10."Objecção

não imaginasseos horrores da execução,fiado que estavaem escapará justiça humana. Devia rcflectir antes nísso e horroriza?se de fazet mal a seu proximo, de matal-o. IJma vez ptoyada a sua culpa, mereceelle a execraçãoda humanídade, e, si não fôr executado, merccetâprovavelmente a segregação perpetua do convivio humano, a prisão por toda a sua existencia,o castigomaior quando conservadaa vida. ToI é o ueredíctoda justiçs humana: tal é tambem o de Deus! Conheça,pois, o homem ou não, antes de praticar o mal', o castigo que lhe será infligido, torna-se merecedordeste simplesmentepelo facto de haver commettido a falta correspondente. Soppôr que o peccadornão mereçao inferno porque não póde acredítarnelle, porque não o quer, é portanto uma grosseiraillusão. Si pudessevêl-o, só evitaria o mal e serviria a Deus por pavor, coisa que Deus não quer, e que the impediria atê o jogo da liberdade.Si não quizet acreditarno infeino, será por culpa sua, por sua maldade,e contra os incessantes avisose raclamosda recta tazlaoe consciencia.Com todas cs sucs íllusõesuoluntarías, eIIe sabesuffícíentementeo que deuee bastasaber,í. ë, que pelo peccado graoe elle se constitúe inímigo 'de Deus, e que, contínusndo na sua impenítencío,


p. morte A possib.de ôonversãoacal-.a

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t'atífica o estado de inimízade com EIle, sentíndo e presentíndo muito bem que o castigo ter(í de set tercíuel, immenso. Verifícamos, pois, mais :umavez a tremenda illusão que tantos homens nutrem, e quão culpados são por não reflectirem,nem se preoccuparem com o que ha de vir. Não prov& á propria eternidade, vivendo como si não houvesseDeus, nem céu,,nem inferno, é uma leviandadeimperdoavel! Tal illusão e leviandade acarcetaráorfatalmente sobre elles os horrores do inferno eterno! Acaba co-m a morto a provrirção 11." PERGIINTA: o a posslbütdade de so converter ou melhorar?

E quando é que caírd sobre o peccadorimpenitente essaultíma desgraça?Seú quando Deus o chamar pa:a o ajuste de contas definitivo, oo fim da vida, na horo da morte, Esta hora é a ultima do prazo concedídopara operar s saluação. Conforme a morte encontrar cadaum, justo ou peccador, amigo ou inimigo de Deus, assim Ihe será a etetna sorte, ou de bemaventurançano céo, ou de reprovação no inferno. Não se póde


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11." Objecção

razoavelmenteduvidar de que a morte seja realmente o ultímo termo da provação.Tudo quanto nella occorre prova até â evidenciaque não se póde esperarulterior prazo na vida de além-tumulo. - À morte é a dissoluçãocompletada personalidadehumana: a alma separa-sedo corpo e entta no mundo invisivel dos espiritos.O corpo torna-se frio, rigido e apodrece.O homem todo desapparece deste mundo, terminando sua existenciatercena. Jâ não existe mais tal homem, porém sobrevíve-lhe só a almâ, gü€ então fica independentedo corpo e sujeita a condiçõesde existenciae de vida inteíramente differentes das da tefta, O trabalho que o homem devia produzfu como homem, a sua tareÍa de .vida, foi interrompida, o pÍazo enceÍrado. Assím como a mofie é o ultimo termo da uida phgsíca humana, assím tambem é o ultímo termo da uidq moral,, para effeito da eterna recompensaou do eterno castígo.Nada mais claro, nada mais certol Entretanto, ha pessôasque imaginam outras possíbilidades"post-mortem", eue depois da morte ainda seja possivel nos purificarmos das nódoas dos peccadosgraves.Não ha duvida que podem imaginar-setaes purificações;'o que resta, porém, saber é si existem fundamentos


A possib.de conversâoacabap.'morte

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para ellas.Não.os ha: são mérasfantasiase chiméras, muito prejudiciaesaliás. Essa é a doutrina dos espiritas,a da reincarnação das almas, como meio de purificação, antes da entrada final no céo. Para elles, a alma peccadora tem que passar por transformaçõessuccessivas (metempsychose),incarnando-sesucessivamente num e noutro corpo, até melhotar e tornarse digna da companhia de Deus. Por esteartificio singular, sem base nenhuma, quereriam elles esquivar-seao inferno eterno; longe, porém, de prevalecercontra este,que nem por isto se torna nem menos verdadeironem menos terrivel no seu fogo mysterioso,tal doutrina absurdaerige-sena melhor garantia de se vir a cair nelle. E' uma invenção gratúita, sem base e sem prova; méro artificío diabolico para engodar as creaturas. Supponhamos, parc argumentar, que a reincarnaçãoseja possivel.Si essatheoria espiriticaenvolvessealguma probabilidade assenteem razóes sérias,ainda assimnão passariade uma hypothese; porém, nem isto é, porque não prova absolutamente nada do que affirma. Fazem os espirítas méras conjecturas,e sobre estas basêam a sua eterna sorte. O facto de haver ás vezes


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11."Objecção

"crianças iharavilhosas", connlo Mozart quando ainda criançade dozeannos,compunhabôas peças musicaes,é-lhes suficiente pata concluir que a reincarnaçãoé uma realidade, pois, dizem, elle não podia naquella idade, escreverobras primas musicaessi nelle não se houvessereincarnadoa alma dum mestre de musica nui capaze experto. Porém essee outros phenomenossemelhantesadmíttem muito bem outra explicaçãomais simples e natural. E' que, assim como a naturezaexhibe as suas maravilhas em toda ordem de coisas,assim tambem a humanidade. Ã. natureza prodaz entre os homens genios e talentos, que são verdadeiros phenomenosdesde o desabrocharda sua intelligencia.Nascem com grande predisposiçãoe facíIidade para progredir npidamente na direcção do seu genio, mas progridem aos poucos e pelos annos, e não nascemmestresfeitos, completose experimentados.Ãssim, conhecemosnós, autor do Iívro, uma menina que, antesde completarquatro annos, jâ sabiaperfeitamentelër, escrevere contar, como outras criançaso fazem apenasaos onze ou doze annos,facto esseque nos impressionoumuito e até, espantou. A explícaçãosimplicissimadesse facto singular é que o pae, sendoprofessor,achou tempo e prazer em interessaÍe ensinar a filhinha,


A possib.de conversâoacabap. morte

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já aos dois annos, no estudo, conseguindoassím, dada a precocidadedella, que nessaidade ella facilmenteaprendesse a lët, escrevere contar. O que Iegitimamentese póde deduzir dessecomo de outros factos semelhanÌesé apenasa facílidadecom que se pódem desenvolveras aptidões de uma criança, uma vez collocadaesta nas condiçõesrequeridas e continuamenteestimulada; porém jámàis o facto de reincarnação. Ingenuamente acreditamtambem os espiritas nos charlatãesque pretendemter o espirito de " celebridades" passadas,ou de qualquer outra pessôa fallecida, porém, sem darem a menor prova disso. Fazem ou permittem essassupposições gratúítas, e aferram-sea ellas como si fôssema sua tâboa de salvação.Nellas acreditampiamente,contta a opinião e convicçãogenl do generohumano. Segundo esta, o homem appareceno mundo com a alma completamenteínculta, crescendoe desenvolvendo-setanto no corpo como na alma, e desapparecendoafinal como uma arvore que, dado os seusfrutos e cumprido o seu destioo, é emfim abatída. .4,' excepçãoda dqutrina buddhista, que estabelece a transmigruçã,odas almas e um cyclo provações de infindas, todos os povos do mundo fazem começarna morte a lei inexoravel da jus-


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11.' Obiecção

tiça divina, com um castigo ou uma Íecompensa sem fim, Contra esta théseuniversal,sustentamos espiritasa reincarnaçâoe a continuaçãodas provas e expiaçõesapós a morte, neste mundo mesmo, mediantea reincarnaçãonoutros corpos,mas tudo isto sem basesolida, ou mesmo sem basealguma, : apoiando-se em factos de natvteza perfeitamente explicavelpor coincidencías diversas. r, Pretender que a reincarnaçãode um peccai, peccados, para dos seus p. dor, expiação seja, ex., n a explicaçãopara a existenciade um aleijado, é liÍ{ uma supposiçãogratúita inteiramente,com a preI tenção de arguir a Deus de injustiça si tal não I se verificasse.Ora, quem póde desvendaras leis naturaese os motivos causaesem Deus, determinantes da existenciadessealeijado? São mysterios impenetraveis,reservadosa Deus, e que absoluta'!l 'l mente não servemde basepara affirmar a realidade da reincarnação. Sobre a nossa vida futura após a morte, h ì muitas outras possibilidadesainda se poderiam exi cogitar, tão pouco certase reaescomo a reincarnação.Destituidas,porém, de qualquerbasesolida . ou real, devemtodas relegar-se ao reino dos sonhos ,i de espiritos extravagantes.Rudimentar sophisma l seria, da méra possibilidade,concluir â realidade. l, ' t

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Não é licito trocar a possibilídade pela rcalidade; são conceitose valores essencialmente differentes. Ou, por outra: aquillo que gratúitamentese affirma, gratúitamentese tem o direito de negar ou rejeitar como phantasia.Quanto ó nossquída futura, não se trata de pronunciar-sesobre uma hgpothese especulatíoa,,sobreméros possibilidades, porém sobre a questão de fscto, sobreo que realmenteé, e não sobreo que, por outras supposições, poderia ser. Não ha duvida que Deus poderia ter prolongado para a alma separadado corpo o tempo do merecimento;porém de facto não o fez. Sabemos isto com absoluta cefteza pela revelação.E, com a fê' a sã nzão estátambem nesteponto de commum accordo.Ã convicçãode todo o generohumano, de que com a morte finda a provação,por si só constitúe um argumento de valor decisivo. E' a expressãodo bom seirso,do sensocommum, que enxergs na dissoluçõodas partes essencíaes do composto humano o testemunho,assríseuidente, de que a morte inícia paru a alma uma úído nouq, onde as condíções do merecímento sõo abolidas. A não se encerrar na vida presente a provação definitiva, e a ser a reincarnaçãouma rcalidade, a uida humana toda perderia completurnentea sua


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ll.'Obiecção

ímportancis, que, como de crençageral, ê,a ptepal:,ção parc uma vida melhor, para uma vida de descançoe de etetna felicidade. Si tivessemosque recomeçare tornar a recomeçaruma nova provaçâo, uma vida cheia de tentações,de penas, sería isso uma especiede bríncadeirade Deus comnoEco, hypothese indigna e absurda. Resta pÍovar que rÍ alma separadado corpo é impossiuel a conuersõo ou purifícaçõo. Supposto que assim fôsse,a purificaçío tería de ser ou activa ou passiva,i. é, com ou sem a cooperaçãoda vontade livre, Ora, nenhuma das duas supposições Depoísda morte, não póde hauer conexiste.uersão propría, nem puríficação méramente pqssíua. Prova-se successivamente. Quanto â purificação passíoo,repugnaadmittir que Deus queira perdoar o castigo merecido sem que desappareça a culpa, i. é, sem que o homem se arrependae se emende.Nenhum pae perdoaút ao filho güe, Ionge de desaggraval-o,sustentar a offensa e se gloriar de havel-a praticado. Não seria só inconveniente e irracional, porém tambem injusto perdoar o mal que o culpado não quiz desapprovar e rcparat. Quanto â purificação actíoa, ou á conversão propria, esta parecede todo impossivelá alma se-


A possib.de conversâoacabap. morte

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parada do corpo, privada dos seusmeios de acção naturaes. A este respeito, affirma Sto. Thomaz guê, depois desta vida, o homem não tem mais possibilidadesde tender pala o seu fim; porque, sendo para elle as faculdadescorporaesa condição do progressona virtude como na sciencia,o corpo lhe é necessariopara attingir o seu fim. Ã alma separuda do corpo acha-se,pois, fóra de estado de progredir normalmente no bem. E, tendo o homem morrido em peccadograve e conseguintemente no estadode inimizade com Deus, a alma achase fixada no mal e no seu castigo,que a privam do seu ultimo fim, e assim delle será eternamenre privada. (C. gent., II, 144). Com effeito, concebe-sedifficilmente que a alma privada dos seus meios de acção naturaes, dos instrumentos indispensaveispara agir normalmente, possa continuar a aagmentat os seus meritos e rcpal.at o mal commettido. Sería prectso imagínarem-secondíçõesmotaes nouosparu o nouo modo de exístencía,As (eise os deoeresactuaessõo feítos para homens, dirígem-se ao composto humano inteíro, Seria precisoque Deus creassenovas Ieis e novos deveresadaptadosao novo estado da alma sem o corpo, do qual nada sabemos.Ficaría, porém, sempre uma msxíma íncoherencis e con-


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11.' Objecção

tradição, o saber: as faltas commettidas pelo homem não seriamreparadaspelo mesmohomem, Si é de todo impossivel que a alma separada do corpo se converta e rcpare o mal commettido até fóra do fogo e dos-mais terriveis castigosapós a morte, mais impossíoelserá a conuersãoó alma acommettídapor tantos soffrímenÍos, por lhe faltar então a condiçãoprimaria e indispensavelpara isso: a liberdade.Reconhece-se no mundo inteiro o facto de um grande medo tolher a liberdade. pelo costume universalmentevigenReconhece-se, te, que, provado o medo grave, este annulla atê os contractos.Si a líberdadeé tolhida pela acção do fogo terrestre,incomparavelmentemais o será pelo fogo do inferno. Ãssim como o homem lançado numa fogueira procura instinctivamentesalvar-se das labaredas consumidoras,assim tambem o reprobo, mal sentir o fogo accesopela ira de Deus, só poderâ agïr sob a impressãoe sob o peso dessecastigo immenso. Si porventura elle pudessesaír do inferno, pelo arrependimento,quem não vê que essea? rependimentoseria forçado, motivado directamente pela immensidadeda dôr? Teria o mesmovalor que o arrependimento do forçado que padece o castigodos seuscrimes.Resolvendoelle então servir


A possib.de conversãoacúa p. morte

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a Deus, seriao casodo individuo constrangidoao serviço pelo açoite. Tal serviçoDeus não o quer. No fogo eterno, portanto, não pode maís hauer liberdade,e, por conseguinte,não póde hauer affependímento prooeítoso, nem conuersãoacceítapor Deus.. tLssimcomo pela morte o corpo fica immouel e rigido, assima oontade, pela morte, fica immobilízada e como que eternízadano bem ou no mal. Conforme cá,ea arvore, assimfica. O reprobo quer o mal que f.ez, diz S. sempre e necessariamente Bernardo. O mal e elle são agora inseparaveis; a vontade fica endurecidano mal, o peccadoinseparavelmenteinherenteâ alma. O reprobo fica por isso sendocomo que um peccadovivo, permanente, immutavel, eterno. Ãssím como os bemaventurados no céo, vendo a Deus, amam-n'O necessaúamente, assim tambem os reprobos, não O vendo sinão nos castigosda sua justiça, odeíam-n'Onecessariamente. E' escusadodízer que semelhante peÍversidadeestá longe de ser uma conversão.Ã' 'immutavel, perversidade a uma vontade fixada eternamenteno mal correspondejustissimamente no inferno o castigoimmutavel, eterno!


4." PROVII W -

O inferno

grave

repugna

ó necessario absolutamente

dade e justiga

porque

o peecado

â infinita

santi-

de Deus.

SUMMAR,IO: Em virtude da sua santidade, Deus odeia o peccado graye infinitamente, e tem clue perseguil-o, emquanto elle existir no peccador, até no inferno, caso o peccador continúe impenitente (B. 151). Si Deus não castigasse o peccado grave no inferno, dar-se-iam cinco contradições contra a sua santidade e justiga infinitas: í..ó contradição: Inconsequencia de Deus comsigo mesmo, não castigando o peccado grave, e parecendo assim nÌenos justo do que sauto (p. 168). 2.s contradiçõo: Deixaria Deus de attender ã differenga essencial entre o bem I o mal, parecendo assim ser EIle menos santo do que realmente 6

( p .r r s ) . B.o contradiçõo: Si Deus se reconcilias,se com o Beccado graye, tanto menog motivo teriam os hornens de evltal-o, vindo q perder Íatalmentc a


A santid. de Deus exige o inf.

151

verdadeira nogão do bem e do mal, o que ssria a invasão, no muudo, de todos os viciog e crimes (p.155). 4.d contradigão: À não haver inferno, faltaria no mundo o estimulo sufficiente Bara a pratlca da virtude (p. 156). Sendo os homens muito mais sensiveis ao castigo do que a qualquer recompen8â, só o castigo do inferno garante sufficientemente a Deus g pratiea das virtude$ (8. 158). õ.â conúradiçã,o: Sem o lnferno eterno, a Justiça tle Deus se converteria em injustiça para com os santos o Bara com seu Broprio X''ilho (p. 160). Conclusão: Só na corteza da existencia do inferno é que se podem admittir os demais mysterlos da reIigião. O castigo sufficiente pela recusa do homem a reeonbecer tantos beneficios, sacrificios e dqsvelos de Deus, e corresponder-lhes, só póite Ber o inferno eterno (p. 161). O ínferno

é necessario para castígar o peccado

graüe, por causado odío ínfínito que lhe uota q santídodede Deus. - O peccadograveÍepugna infinitamente tanto á justíça quanto á santidadede Deus, ambasas quaessão por elle gravementeoffendidas e villipendiadas.Concebe-se que o peccado affectee contrarie em primeiro lugar a santidade de Deus. E' ella a nzão mais profunda pela qual Deus não toléra o peccado.Supposto que a justiça pudessee quizessedesistir do summo castigo do


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A santid.de Deus exige o inf.

inferno, que diria a santidadel Resistiriaabsoluta e infinitamente, sentindo horror e odio irreprimivel contra a abominaçãodo peccado. Com effeíto,sendoDeus a summa santidade, não póde deixar de odiar com todo o seu poder divino o peccadograve, Em virtude dessamesma santidade,Elle ama o bem e odeia o mal infinita, mente. O peccadorepugna-lhe â, natureza divina, revolta-a e aborrece-asupinamente.- pssss odio só se póde fazer uma fraca idea,e por comparações. Quanto um pae illustrado, brioso e amoroso não sentea infamía, a injustiça de um filho! euanto uma mãe carinhosanão sente um crime commettido por seu filho! - Ora, Deus odeia o peccado mortal com odio incomparavelmente maior do que todos os odios terrenosjuntos; odeia-o infinitamente. O Eeu odio ao peccadoé implacarsel,íntransigente, irreconcilíquel, eterno. Emquanto o peccadograve existir numa pessôa,Deus tem a esta horror e aversão infinita. Ã unica attitude sua possivel para com o peccadorimpenitente é essa. Nunca podeú modifical-a. Só quando o homem mudar de intenção pa:.a com aquillo que Deus tanto odeia nelle, é que Deus tambem mudará de attitude para com elle. Si o peccadornão mudar, Deus continuarâ a perceguil-ocorrÌ seupeccadoeteç


impossiveis 5 Contradições

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l\ infinita santidadeobriga na e implacavelmente. então Deus a perseguil-ocom sua justiça infinita. o peccadogruoe no in' Si Deus não castigqsse ferno, occorreríam cinco inconsequenciasínadmíssitteís,ou cinco contradiçõescom a santídadee justiço de Deus. uma à I.' seríauma absolutainconsequencía, perpetua contradição de Deus comsigo meEmo.Si para o peccadograve não houvesseinferno, Deus não o castigaria então na medida em que a sua santidadeé por elle offendida e lesada.Seria uma falta de justiça não o punir devidamente,e não usarpaÍa isto dos meiosá suadisposição.Seriasupp& que Deusnão é tão iusto quanto é ssnto,Esta falta collocaria a Deus em perpetua contradição comsigo mesmo, provando n'Elle uma luta peÍpetua: da justiça contra a santidadee více-versa. Tal incohercncía,perdoavel âs vezesentre os homens, não seria siquer concebivelem Deus. Os uma abohomenspodem não perceberou esquecer minação, mas Deus não! Sendo isto impossivel, Deus nunca poderá pactuaÍ com o peccadograve, deixando-o sem o castigo devido: o inferno, illimitado na sua duração. ',Ã, 2.' inconsequencíasería a seguínte: não castígondo com o ínferno etetno o peccadogtdue,


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A santid.de Deus exige o inf.

Deus deixaría desapparecetem suds manífestações externasa differençaessencialentre o bem e o mal. Sendoo vicío e a virtude dístan'ciados essencial, absoluta e infinitamente, tambem o rcsultado que produzem, o castigo como o premio, devem permarLecersempre distanciadose irreconciliaveis.Si o inferno um dia findassee os reprobosentrassem no céo, desappareceria a distinção absoluta entre o bem e o mal, vindo a confundir-seeternamente no céo os santose os impios. Já não valeria a pena praticar a virtude para chegar ao cê,o,ou valeria o mesmopraticar o mal ou o bem, para sè virem afínal a gozat eternamenteas mesmasregalias,recompensas e alegrias.A virtude seriafrusftada, desacreditada,Ora, o impio mais estupido reconhece a differença.completa, aibsoluta, essencialmente contraditoÍia, entre o bem e o mal, entre o vicio e a virtude. Deus, portanto, tem que affirmaÍ e confirmar essadifferençacategorica. Si não houvesseinferno, haveriaque admittir em Deus uma grosseirafalta ou imperfeiçãode íntelligencia,de vontade e consciencia, pois Elle invelteúa os conceitoee valores essenciaes do bem e do mal, não mais os dístinguindo. Leoaría ísso fatalmente a suppôt que Deus é menos sento, Si EIle não punisse o peccado grave emquanto este


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imPossiveis 5 Contradições

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existir, devida e etetnamerlte,si deixasseum só dia de punil-o e se reconciliassecom elle, mostraÍia e offendido não haver sido por elle tão desgostado quanto a sua santidadeinfinita aatoríza a crër, e deste modo o peccadonão se rcvelar'íatamanha offensa a Elle. On, sendo o peccadograue o que realmenteé, e sendo Deus infinítamente iusto e santo, seúa uma ínconsequencíue conttadição ínfíníta de sua parte não o castigatconsequentemente no ínferno. Deixando sem o devido castigo o peccado, Dcus se comprometteriatotalmentepeÍante os homens, daria de si mâ apparencia,inculcando-se pouco cioso da sua honra e gloria, pouco sensivel e pouco brioso, contrariamenteaos homens, que assim pareceríamnesseponto superioresa Deus! Sim, Deus não póde deixar de vingar devidameno desprezoda sua majestade te a desconsideração, permittem a sua santidadee infínita, pois não o justiça! 3! inconsequencia:os homens perderíam a uerdadeira noção do bem e do mal, a differença entre o uícío e a oírtude, confundíndo-os. essencisl - Já! que o inferno é o unico meio capaz de f.azet cgmprehender efficazmenteaos homens essadifferença, o facto de não ser imposto siginificariaque


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A santid.de Deus exige o inf.

Deus não se importa com os peccadose vicios dos homens.Qual seria a consequencia logica? Os homens certamentehaveriam de pensar que elles muito menos deveríamligar importancia ao peccado. Seria a invasão do mundo por todos os crimes e vicios. Da parte de Deus, seriaa destruição da sua propria obra, a ruína da bôa ordem. E com tudo isso nem se poderia mais falar em perdição, pois todos os homens, por peorese mais immoraes que fôssem,haveríam necessariamente de salvar-se.Absurdos! O inferno é, pois, necessario como garantia segura contra essasconsequencías desastrosas, como patenteamentoaos homens da diÍferençaabsoluta ente o bem e o mal, entre o vicio e a virtude. 4.' ínconsequencia: a não hauer inferno, faltaría ao mundo o estímulo sufficientepora a pratica da uírtude, Ha duas grandes necessidades no mundo: a glorificação de Deus, fim ultimo de toda a cteação,e a salvaçãohumana, o meio mais apto e mais preciosopara a glorificaçãode Deus. Só ha uma grandenecessidade no mundo: a glorificaçãode Deus pela salvaçãohumana, O meío maís indispensauele gloríoso para essadupla necessídade é a ptatica das uírtudes chrístãs e sociaes.Estas são o otnamento de humanídade, a belleza moral das


5 Contradiçõesimpossiveis

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almas! .4. pratica das virtudes comprehendetudo quanto Deus espera do homem como resultado dos seusbeneficios,para sua glorificação e proveito do proprio homem. São ellas as flôres perfumosas e os frutos deliciososçlue Elle quer vêr e contemplar prazeirosamente no seu jardim, na terra! Claro ê que Deus quer attingír o maís perfeitamente possíuelo escopodq sua obta, Não se póde Elle dar por satisfeito com a simples pfttíca das e indispensaveispara o homem virtudes essenciaes salvar-se,ou pela sua simples conversãono fim da vida. Elle quer que todos sejam santos, como Elle proprio é santo. Quer, portanto, eu€ todos sejam cheíosde virtudes, na maior medida possivel. São, pois, os verdadeirossantos que Lhe agtadam e que mais O glorificam, sendo ellesem verdadeos maiores expoentesdo ideal da perÍectibilidade humana, as maioresglorias da humanidade. - A pratica de maiores virtudes não se Íecommenda sómente para mais plenamente rcalizar o fim da vida humana, mas tambem para garantir melhor a propria salvação.Seria um jogo muito arriscadoquereralguemcontentar-secom o estricto só com a pratica das virtudes absolunecessario, tamente indispensaveis.Deus, nq Eua ínfinita Eabedoría,annexou a sua glorifícaçãoá nosscsalua-


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A sanüd, de Deus exige o inf.

ção, fazendo uma dependenteda outra, garantíndo uma pela outra e fazendo uma rcdundar em ptooeito da outra. Quanto mais se trabalhat para a sua gloria pela pratica das virtudes, tanto se asseguraráa propria salvação.Obter maíor garcntís de saluaçãofoí sempreparc os sanfosum estímulo poderoso no sentido de aínda maís trabalharem pora a gloría de Deus. Ora, supprimíndo o ínferno, não hatteria maís no mundo estimulo sufficíenteparu a pratica da uirtude. Ão determinar o fim da creação,Deus collocou-lhe ao lado a garur^tiasufficiente e indispensavelcontra a sua frustração- o inferno. Exigindo dos homensque evitem o peccadoe o vicio, que pratiquem a virtude, é evidentea necessidade de que Deus realize as necessarías condiçõesdisso, de modo que os homens tenham a necessaria força moral sobresi. Com esteintúito, Deus creou e ptopoz aos homens um premio tão soberanamente grande e digno, que fôsse efficaz para contel-os e leval-os a praticar até heroicamentequalquer virtude, afím de merecel-o.E' o céoessepremio, o céo tão manvilhosamente grande e magnificente, que encantaum sem numero de pessôas,dispostaspor isto a sacrificarinteiramenteos interesses da terra porém, aos da eternidade.Parecendo, essepremio,

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5 Contradições impossiveis

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em numerososcasos,ainda insufficiente, Deus foi atê o limite do possivelpara obter o refreamento e a salvaçãodos máos, creando um castigo tão grande que pudessecontel-os em seus crimes e induzil-os energicamentea aEsegurata propria saluação pela pratica do bem e da oirtude. Porque, na realidade,muitissimosnão queremsaberdo céo nem da pratica da virtude em ú6ca dos prazeres do mundo. Por ísfo Deus creou o inferno parct refreal-ose paru reduzil-os tí ordem e d pratica da uirtude, dando-lhes mais um motíuo e estímulo fortissímo psra ísso.Na uerdade,quanto o motiuo do céo fica dependentedo do inferno! Si ern face do motivo do céo eterno não houvesseo do in. ferno eterno, o primeiro quasi perderia o seu valor e força, isto é, si ao mesmo tempo que de ganhar o premio eterno não se tratassetambem de evitar o castigo eterno, poucos homens haveria a p:':ticat a virtude. A razão de tudo isto é que os homens são muito mais sensíueís ao medo do que d, esperança, O caracterabstractoda recompensaeternadeixa a imaginação fuía e indolente. Por si só, seria um preservativo insufficiente contra o peccado,sí o medo dum cqstigo dolorosissimo não lhes uíésse em auxílío, fazendo contrapesod ottracçãodo pec-


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cado. Ã experiencieprova ser realmenteo medo do inferno que revigoraas forçase sustentaos esforços nas tentações;foi elle que fez tantos martyres; que reconduziu tantos peccadoresendurecidosa Deus, e levou tantos homenspelo caminho da vírtude ás portas do céo. Muito mais facilmentenos díspomosa renunciarás maioresesperanças do que a supportar os rnaiores soffrimentos, principalmente quando eternos.Os homens reconhecema soberaniaefficazdo medo, admittindo que o medo grave,tfua a liberdade, caso qae atê legalmente annula os contractos.Ã mais viva esperançanada opera de semelhante.Por isto os legísladores, impondo aos cidadãosas obrigações,não estatúem premío pelo seu cumprimento, mas só uma sancPor estadupla ção a soffrer pela sua transgressão. razão a sobedoriadíttina fíca perfeitamtenejustificadapela creoçõoda inf erno como punição do não cumprimento dos deveres. 5,^ inconsequencia: sem inferno etetno,a justíça de Deus Eeconoerteriaem uerdadeirainjustíça, e admittíría na rcligiõo os maíores absurdos Deus exige de todos obedienciaá sua lei, e os sancom toda fidelidadee corn os tos Lhe obedeceram maiores sacrificios.Si não houvesseinferno, os máos, entrando no céo, ficariam equiparadosaos


Interdependenciad. verdades

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santos. Qu. injustiça! Poderiam elles com nzão dizer a Deus: "Protestamos!Fomos tôlos servindo-vos, si o céoé pa:o todosl" Ficariam assimlado a lado o assassino e sua victima, o calumniadore o calumniado,o roubador e o roubado, etc.; a ImmaculadaConceiçãoao lado de mulheressem honra! Seria isso justiça divina?! - Ãdemais,si não houvesseinferno, a santíssimapaixão de Nosso .Senhor teria sído superflua, (tma crueldadede Deus Padre para com seu divino Filho. Este, então, não nos devia salvar com os seusatrozessoffrimentos. Do purgatorio nós nos libertamos, questão de tempo, cada um conforme o seu prazo; expirado este,subiremospara o céo. Que crueldadea do Pae para com seu Filho, f.azendo-osoffrer tanto sem necessidade! A religião, sem o dogma do inferno eterno, seria incomprehensivel,contraditoria! Conclusão: Relação do dogma do ínferno com as outras grandes uerdadesda religião, - O castigo suffícíente pela audacía dos homens rccusando os ínnumeros benefíciosde Deus, só póde ser a perda destespúa sempre no inferno eterno, Encerrandoa quarta e ultima grande prova da existenciado inferno, rcIevanotar que, pa:a fazermos uma idéa exacta do mysterio do inferno, não devemosseparal-o do contexto, arcancal-oâ


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A santid. de Deus exlge o inf.

relaçãointima que elle tem com os outÍos grandes mysterios da religião. Assim como as perfeições umas pelasoutras, assím de Deus se comprehendem tambem na religião, dependendoas grandesverdades umas das outras, e formando em seu conjunto um systema sapientissimamente excogitado pelo Espirito de Deus, ellas se comprehendeme explícam umas pelas outras. Qs maiorcs mqsterios da relìgião projectam luz sobre o m7sterio do inferno, como delle tqmbem recebemluz, Deus é immenso'e infinito em tudo quanto fez, não menos na obra da salvaçãohumana do que na creaçãodo universo.Embóra o mundo seja grande e finito, Deus o fez tâo espantosamente maravilhoso,que os sabios, atê o fim do mundo, não chegarãoa lhe explorar todos os mysterios. - Querendo salvar-nos,Deus operou o maravilhoso mysterio da Incarnaçío,unindo a sua natureza dívina â natarczahumana, e formando uma só pessôa,a pessôado Filho de Deus feito homem, o Homem-Deus,o Deus comnosco Querendoremír-nos, querendosatisfazerá divina justiça pelos por nossospeccados,o Filho de Deus offereceu-se nós como victima, morrendo no patibulo da craz como um infame criminoso. - Querendomostrarnos o seu amor inexcedivel,fez-nosseusfilhos pela

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Interdependencia d. verdades

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gtaça, communicando'nos certa similitude com a sua natureza divina. Oh! que ineffavel mysterio o da graça! - Ãinda mais. Na sagradaEucharistia EIle se faz o mysterioso alimento de nossas - Querendo almas. Quem póde comprehendel-o?! recompensar-nosdivinamente, creou um céo tão maravilhosamentegrandioso e esplendido,que nenhuma intelligencia humana póde advinhal Et, então, para admirar que, para castigaraquelle que não quer reconhecera immensa bondade de Deus em todos essesmysterios,e corÍesponder-lhe, como tambem paru ganntir os seusdireitos soberanos e impostergaveis,Deus creassetambem o inferno, immensoe infindo na sua duração? Pela sua relação com os outros grandesmysterios da religião, vê-setambem com bastanteclarcza qrJeo inferno não ê,o centro do culto divino e do christianismo, como pretendem alguns dos seusadversarios,mas que o verdadeirocentro do christianismo é a bondade divina, sendo o inferno necessario como postulado da justiça e garantia sufficiente contra o abuso da misericordiae da bondade de Deus.


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VIr - Conciliação da Justiça de Deue com a sua infinita 'nisericordia. As reivindicações de ambas. 12.8 PER,GUNTA: -

Çsp

& existencia do inferno

Deus alnde póde gs1 Inflnltamente rlcord.ioso?

bom e mise-

SUMMA-RIO: Entro a Justiça e a misertcordia do Deus não ha contradição: prova-se pelo absurdo (p. 165). Só a rellgião christã Bóde dotermlnar os limites e a extensã.oda misericordia divina (p. 16E). A extensão da miserlc,ordia de Deus no christianismo

( n .r o s 1 .

Da Barte de Deus não ha restrlcção na vontade de .salvar a todos (p. 169). Á. vontade salvadora de Deus é efficaa, dando elle graça sufficieute a cada um (p. 1?0). A 1.. restrlcção da graça: o tempo e o momento della (p.1?0). restricção ou condlção da graga: a bôa yontade 2.. L ( p . 1 ? 1 ).


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A resistencia continua á graça, ou impenitencla, é o peccado maior e irremlsglvel (p. 1TB). A real bôa vontade é inteiramente certa da Barte de Deus. Contrição perfeita (B. 1TZ). As garantias da mlsericorrlia'dlvina ou da eterna salvação-(p. 179). Â 1.. garantia extraordinaria: a devoção a Nossa Senhora (p. 180). á. 2.. garantia extraordinaria: a devoção ao Sagrado C o r a g ã , od e J e s u s ( p . 1 8 1 ) .

"SendoDeus infinitamentemisericordioso ouvimos dízer não póde haver inferno. Ã existencia do inferno seriauma contradiçãocom a infinita misericordiade Deus. O inferno é incompativel com a misericordíae bondade divinas" Entretanto, a existenciado inferno é um facto, provado de pleno accordo com a sã tazâo, pro: vado com tantas provas, que absolutamentenão se póde duvidar da sua rcalídade.Além disto, ficou provado que a não existenciado inferno Ievaúa aos maiores e mais numerososabsurdos,üeríficação esta gue torna s uerdade da exístencía do ínferno umo conclusõologico da propría razõo humana, Por outro lado, a miserícordiade Deus nâo é.uma realidademenos certa,nem uma necessidade menos absoluta da natureza dívína, do que


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a sua justiça. Ãmbas são perfeiçõesinfinitas de Ainda mais: sendo Deus um Deus, e necessarias. sêr em que não pódem existir contradições,a sua misericordia tem, portanto, gu€ se conciliar com a sua justiça, de pleno accordocom a sã nzâo. De facto, a sã tazâo, esclarecidapela fé, ensina que, emb6ra seja infinita a misericordiade Deus, e illimitada, não o é absolutamentenas suas applicaçõesrelativamenteaos homens.À misericordia de Deus é limitada pelasuajustiça. Tanto a justiça como a misericordia divinas têm os seus direitos proprios, contrarios entre si. ,{ ínfíníta e interesses sabedoríadíuína regúla e concílid os ínteressesde ambas, E ella que estabeíeceo equílibrío exacto entre ellas, de modo não serem preiudícadasnem ellas,nem o homem. Ã sã tazáo, reflexo da divina intelligencia,reconhecee prova que a misericordia ao divina tem de ser limitada em suasapplicações que seguir-se-ia homem. Si ella fôsse illimitada, o peccadorpoderia obstinâr-senos seuspeccados, confiando na divina misericordia; assim, a díoína miserícordia seruíria de motiuo para o homem set mtío e íncorrigiuel. Formar tal idê,ada misericordía "Continúo a peccar de Deus, é um 2fosul'de.porque Deus é bom". Tal misericordiasería


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contraria â santidadede Deus, e redundaria eÍn prejuizo maximo pa:.aa sociedade. Ha, porór4, díffículdade etn determínar os límites propríos e naturaesda díuína míserícotdia. Para solucionar estemagno problema a fazet jvstiça á misericordiadivina, a rczâo humana deve acceitaros melhores recuÍsos da religião positiva o uerdadeíromeio revelada.E' esta que estabelece oppostas, erLtrea uíttudes termo entre esscsduas justiça e a misericordiadivina, mostrando como cumpre evitar cuidadosamenteos extremos de e ruciona' ambos os lados, e pÍovando a necessidade mise" divina pa:.a a lidade de limites, especialmente ricordia. E' a sabedoriaque conciliaequitativamende ambas.Segundoella, te e justifica os interesses a vetdadeestá no meio, sem pender nem paÍa um lado nem para outro. Propriamente,a nzão humana, podendobem avaliara immensidadeda justiça de Deus pela existencíado inferno, por outro lado, por si só quasi nada sabe da immensidadeda sua misericordia' Desta só quem sabe é a religião, e unicamentea religião positiva revelada,o christianismo.Este é verdadeiramentea revelaçãoda infinita misericordia de Deus para com os homens' a manifestação gloriosa da bondade divina. Só elle está 9m ço4'


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diçõese no direito de pronunciar'sesobrea divina misericordia, de estabeleceplheos prós e os contras, de mçtrar.-lhe a extensãocomo os reaesli_ mites. E' só no ,recinto da verdadeira telígião rcvelada que se póde enxergar a maravilhosa immensidadeda mísericordiadivina. euem não quizer entrar nelle, nem acceitara luz diuína do céo, fica entõo fóta nas trcuas do proprío engano. Todo o prejaizo será seu, por não querer enxetgat nem aproveitar as immensasvantagensda miserícordia de Deus. O christianismoê a propria manifestaçãoda divina misericordia.Elte é de facto uma nova éra de beneficíosde Deus, uma nova revelação a da divina mísericordia. Ã prova mais cabal da infinita misericordiade Deus palz com os homens é a incarnaçãodo Filho de Deus, a vida e morte de Nosso Senhor JesúsChristo na clrtz para salvar-nos. Como elle o declarourepetídasvezes,o escopoda sua missão era salvar os pobres peccadores,immolar-sepor elles.Foi o motivo de tudo que fez, dissee soffreu, dos sacrificiosmais incomprehensiveis.Não conrinuando visivel â disposição de cadapeccadorque surgissedurante os se_ culos, Jesús-Christofundou a Lgreja,como subs_ tituta I como continuadorada sua obra, multipli-


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cando-senos sacerdotes,e tornando assim ainda mais facíl a cada peccadorconverter-se.Com todo direíto exclamou Elle: "Qo. mais podia eu fazer â mínha vinha'e não fiz?" (Is., 5, 4), Por tudo quanto Deus Nosso Senhor fez pelos pobres peccadores,provou seÍ immensa, illimítada, infiníta a divina misericordia. Si a justiça de Deus é formídavel nos castigosdo inferno, a bondade e a misericordiade Deus não deixam de ser incommensuraveis.VejaÍÍIos, porém, quoesos limites naturaeEda dioína mísericordia,e guardemo-nosde transgredil-os,de modo a não termos que sentir um dia os rigores da divina justiça! À primeira veúficaçâoa fazer é, que a uontade de Deus de saluar-nosé irrestrícta, ainda que não seja absoluta e íncondícional, Quer isto dizer que Deus tem para cada um de nós toda bôa vontade para effeito da nossa salvação,sem sombra siquer de mâ vontade para quem quer que seja.Deus tem infinita compaixãode todos os peccadores, e desejo insuperavelde salval-osa todos. De sua parte, esta vontade não tem restrícção,tanto qae a af,firmou elle até por juramento, de modo formal e solenne: "Juro por mínha vida assim declarou pela bôccado propheta Esechiel (33, I I ) , - gue não guero a morte do impio (e não sim-


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plesmente"peccadoÍ"), mas que se converta e viva"f Essauontade de Deus de saluat a todos é effícaz, faz tudo o que nzoavelmentepóde fazer para a lvz e salval-os, offerecendoa graça necessaria, e salpeccador para converter-se o força sufficientes vaÍ-se. Porém essavontade de Deus de salvar a cada um coÍn o auxilio da sua graça nâo ê,incondicional e absoluta! Si o fôsse,importaria em violencia,na destruiçãoda vontade humana. Si o fôsse, todos se salvariaminfallivelmente,por força do queÍer divino, mesmocontra a vontade delles.Isto constituiriauma contradiçâode Deus comsigomesrÌro, seria contra a sua santidade e justiça' uma vez qae Elle Íez a salvaçãodependenteda vontade do homem, de modo que ella sejaobra e cooperação commum de ambos, de Deus e do homem. Para deueo homem tet bôa ttontadeem tudo saloar-se, quanto Deus lhe eiígír sob preceítograoe' e quando the offerecerElle a graça necessaúa;eísa dupla condíção a ser realizado por todo aquelle que queira salúa*se..4. bôa vontade do homem torna a graça de Deus efficaz pela cooperaçãolivre e espontanea,A primeita condição e restrícção da uontade saluadorude Deus, da graço e da saluação, é pois.a bôa uontade do hamem, Ã segundaé a


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coaluoção deste com a gtaça, no tempo e no momento em gue a Deus aprouíJétconceder-Ih'a. Sendo Deus senhor das suas graças,dons e beneficios,claro é que nós homens não podemos dispôr delles a nosso talante, conforme o nosso beneplacito;mas sim conformeElle quizer e quando quizer. O tempo da graça e da mísericordiaé a uida presente,Nesta vida, reina, triumpha, ptea miserícordia.Lembrevaleceincomparavelmente mos a esterespeitoaspalavrasmaravilhosasde Nosso Senhor a Soror Benigna ConsolataFercero' " Eu, sou o Deus de todq misericordia. Nada desejo tanto como usar sempreda míseriocrdia,Pata mim, usar de justiça é andor contra a cortente, é precisofazet-me ttíolencío.Ã porta da mínha miserícordía não está,fechada a chatse:estdsó encostado; pot pouco que se lhe tóque, ella se abre. Mesmo uma criançapeguenapóde abril-a, até um uelho que perdeu as forças, No entanto, a porta da mínha justiça estó fechada u chaue; só a sbro a quem me força a abril-a, pois jdmais a abro espontaneamente".Eis ahi as normas encantadoras do SagradoCoraçãode Jesús! A vida de alëm-tumulo é a vida da justiça, e da justiça rigorosa, tanto no céo como no inferno. Cada um teceberâ g que tiver merecido.


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Emquanto durar o tempo da misericordia,ê preciso aproveital-o. .4. vida presenteé o prazo concedído ao trabalho meritorio, como Nosso Senhor bem accentuou "Yfuâ a noite, em que ninguem mais poderâ trabalhat", Nessa noite entra-sepela morte, e com estaentra-seno reino da justiça, justiça sem misericordia.A graçae a misericordia são reservadasa esta vida: não ha nada mais certo! Porém isÍo nõo quer dizer que a graça e misericordiaestejam nesta uidq (í nossc dísposição arbitrariamente e Eem limítes, quando e quanto quízetmos, Seria absurdo pretendel-o. Deus teservou a si o direito de dispôr da sua graçacomo quizer e julgar conveniente, de accordo com os dictames da sua infinita misericordia e justiça, reguladas pela divina sabedoria, Deíxa-nos nct completa incerteza sobre si nos concedertíou não a grsça do perdão cínco ou mít t)ezes,afim de que o homem não péque por confiança presumpçosa na díuina mísericordía. Ademaís:seria índigno da majestadedivina sujeitar-seao capricho e má vontade de cadaqual, deixando-sedirigir assim por ellet Quando Deus mandar a graço, guer encontrur o Í7omem çom bôa ggnyadg g de coroçõo


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bem dísposto. E' outra condição imprescindivel da efficaciada graça, o cooperarmos com ella, aproveitarmol-a. Si repetidas vezes não correspondermos (e quiçá uma só!) á graça offereçída, nada póde assegurarque Deus volte a oÍferccel-a outra vez, Emquanto vivermos, nunca devemos desesperar da divina misericordia;podemos e devemos até,crêr que Deus aínda quer perdoar ao peccadordepois de muitos e muitos peccadose infidelidades.Disto não podemos, entretanto, ter ceftezaalguma, i. é, si Deus ainda perdoarâoutras vezes.iSi o homem continuadamenteapresentar 'acabarâ recusas, por ser legitima e definitivamente abandonado, quer ainda vivendo, quer jâ morrendo. Depoís de certo ptszo e ptoíJa, a propría razão humana acha ímpropría noua concessãode graça, dado ser tão problematico e improvavel o seu aproveitamento. Si alguem não ,quizer salvar-se,Deus tão pouco , o salvará, Quem tiver máLvontade, ou pouca bôa vontade, commettendo sempre peccados graves e assim viciando-sesempremais, tenha cuidado! Ã cada novo peccado,a volta para Deus torna-se cada vez mais difficil. Erigindo-se sempre maiores barreiras entre Deus e elle, facilmente seguir-seâ o abandono do peccadorpor Deus. O


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momento f,atal só o proprio Deus o conhece.Nunca podemos dizer que uma alma já está abandonada e reprovada; nunca, Porém quem o tiver sido, não podeú queixar-se por lhe não haver sido concedidomaior prazo, porque quiçá milhares de vezes abusou da graça e da misericordia. Em todo coso,Deus não abandona nínguem sinão por abuso graoe da sua graça, entendendo qssím não a expôt a nooos abusos, EIIe que é senhor della e que julga com justo juizo. De todos os peccados,a impenítencía,a resistencíacontín.ua ó graça e a Deus, é o peccado maíot. E' o peccadocontra o Espiríto-Scnfq que não seráperdoadonem nestemundo nem no outro, abusoque constitúeda bondadee misericordiadivina. E o porta do infernol Quem viver mezese annos em peccadosgraves, sem se importar, está no maior perigo de cair.no inferno. Diferir a propria conversão atê á velhice ou até á morte, é ousadia, é loucura inqualificavel. E' impôr a Deus prazo e hora na concessão da sua graça- dom gratúito! eternosda alma! Quem E' brincar com os interesses assim procede,attente nas palavras de Sto. Ã.gostinho, quando diz qae entre mil dessestalvez um só se salve! ,{ esperançaé,minima, o perigo maximo, a condemnaçãoeteffraquasi certa,Pela sua levian-


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dadepasmosa;como pela sua ousadiaincivel. Deus dirige ao impenitenteas mais terriveisameaças:"Ãcaso desprezasas riquezasda bonõadede Deus e a sua longanimidade?Então, pela tua dureza de coração e pela tua impenitencia,enthesourasha para o dia da ita e do justo juizo de Deus" (Rom., 2, 4, e 5), em geral,são irreductiveise culQuanto esses, padosna suaobstinação,diga-oS. GregorioMagno: - "pssçam emquanto vivem, peccariamsempresi pudessemviver sempre, e quereriam viver sempre para poderempeccarsempre.Apenasmorrem' é claro que a justiça do SoberanoJuiz exige que não fiquem sem castigo,porque não quizerum vivensem pecca{'.Não deixandoo impenitenteo seupeccado quando podia e devia, deixal-o-â afinal na morte, quando jâ nâo puder peccar.,\ssim, ficani com seu peccadopor toda u eternidqde,tornando-Eecomo que um peccadouiuo, que ardeuí no infs;ns. Basta Deus vêr no homem uma vontade tão obstinada e fixada no mal, pua rcproval-o definitiva e eteÍnamente.Não ha duvida que parc cadaum haja uma certa medida de graça;quando alguem jâ tíver abusadodemasiadodella, a misericordiade Deus o abandonarâ,para entregal-oá justiça.- Podemos illustrar estasverdadespela parcbola da ovelha desLi


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garcada.Eçta se salvou por se ter deixado levar ao rebanho pelo Bom Pastor. Si lhe tivessepulado dos hombros para se perder outra vez, tetía sido o Bom Pastor obrigado a correr-lhe sempre atrás quantas vezes ella fugisse, para salval_a?Não ê justo pensal-o;e si ella se perdesse d,evez, a culpa seriasó della. Vemos, poís,que s acção,tonto da mísericor_ dia como da justíça díuino, estóde pleno accord,o com a sã razão, sendo ella reguladapela altissima sabedoriade Deus. E' da vontade humana que dependetanto a eternasalvaiaocomo a eternacondemnação.Com bôa vontade grangêa-seo céo; com má vontade,o inferno. O campo de acçãoda misericordiade Deus ê a alma bôa, arrependida, desejosade emendar-se;o da infinira justiça é a alma perversa,obstinada no erro, no peccado. Ã alma de bôa vontade é de Deus; a alma pev versa ê do demonio. Cada qual recebeúo que qui_ zet: misericordia, si quizer cumprir as condições desta;justiça implacavel,si abusarda misericordia. Ãssim é, e assim deve ser. Uma alma de real bôa uontade, Deus nunca a abandona,nunca a rejeíta.Na ordem da saloação, tudo dependeda rcal bôa uontade, real e efficoz, Para têl-a, deveo homem fazet tudo o que puder.

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à bôa vontade ê acceitapor Deus.até naquelleque não póde fazer tudo quanto deve, desdeque faça o que puder. Si alguem se arrependerda injustiça praticada e do prejuizo dado, mas não restituir os bens mal adquiridos, essearrependimentonão é acceitopor Deus,nem é valido; não tendo,porém, essealguem haverescom que restituir, ou tendo apenasuma parte e re'stituindoessaparte, ou o que della puder, animado de inteiro espirito de justiça, essearrependimentopor emquanto ê acceitopor Deus. Si alguem conhecera necessidad e da confissão sacrarnental,mas pedir o seu perdão sem quererconfessaro seu peccado,não seráperdoado; mas, si não puder confessar-se, apesarde desejar fazel-o, Deus acceítaa bôa vontade. A misericordiade Deus é tão immensa,que elle não rcjeíta nenhuma alma dotada de real bôa vontade, que verdadeiramente faz o que póde. Si nada mais puder fazer, enferma, por exemplo, e prestesa morÍer, Deus se contenta com a simples bôa vontade unida ao sinceroarrependimento,E' este o ultimo rccurEoda alma e o ultimo rccurEo de Deus para salosl-a, recurso que nunca pode ser dispensado.Si o peccadorse converterpara Deus com essabôa vontade, olhando arrependidopara Christo crucificado,victima pelos nossospeccados,


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e pedindo-lhe amotosamenteperdão, immediatamente se reconciliacom Deus e é perdoado.Todada confissão via, si estiverconvicto da necessidade sacramental,deveter tambeÌno desejode confessarse logo que possivel. À alma que morÍer nessas condições,salvar-se-â. Salua-seassím por contrição perfeito, qlueoutra coisa não ê sinão a bôa vontade sincera,unida ao sinceroarrependimentoe ao amor de Deus.No ultimo perigo de vida, na imminenciado naufragio definitivo, a contdção perfeita é a oncora do céo, que seguraa alma de bôa oontade, é o salua-uids para o céo. E' pela conttição perfeita, o mais ímportante scto de tods a teligião, que Deussqloa no ultimo risco de uída mílhares e milhares de almas de bôa úontade,chamando-asa si, de todos os confins do mundo, e unindo-se a ellas para sempre!E' a misericordiaincommensuravel, infinita, de Deus pata com os peccadores! Deus nunca abandonauma alma de bôa vontade! Divisando nella ainda alguma bôa vontade, oh! quanto Elle luta ainda para salval-adas garrasdo demonio,e sobretudoem perigo de morte! E' coisa verdadeiramentetocante a descripçãofeíta pelos santosdessaluta das mais dolorosasconsequencias! Na justiça de Deus devemoster sempreabsoluta confiança.Na sua ínfínita mísericordia,potém,

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podemos ter todo confiança emquanto tíuerm:os bôa uontqde! Nõo nosabandonandoa nós melmol, e não abandonandoo Deus primeíro, Deus nunca nos absndona, Entretanto, ninguem deve confiar demais nos seusbons sentimentos,illudindo-se a si proprio. Podendo, sendo-lhedado tempo e occasião,o peccadordeverâretrocedertanto quanto tiver progredido no mal, desfazendoo que fez, reparando o prejaizo dado, reformando os vicios contrahidos, endireítando tudo. Sõo exigencías ímprescindiueisde Deus! Ã míserícordíade Deuse a salooçãosão garantidas só rís olmqs de real bôq uontade! ,\ bôa vontadehumana e a infinita misericordía de Deus são as garantiasfundamentaesda salvação! ,\lcançamos graça e miserícordiade Deus cumprindo todos os nossosdeveres, usandobem dos sacramentos, e pedindo-asa Deus. Ã graçada perseúerançqfinal ou da saluaçõo,gruça que é, e ct maior dos graças, deoe ser pedida semprea Deus, Essessão os meios ordinarios da graçae misericordía de Deus, que nos fornecem as garantías essenciaesda saloação.Além dessas,ha outras garantias de salvação,extraordinariase preciosissimas, que a infinita misericordiadivina nos grangeou,multiplicando assimdivinamenteos meiose garantiasde t'


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salvação.São a devoçãoa Nossa Senhorae ao Sagrado Coração de Jesús. c deuoção filíal a Nossa Reconhecidamente, Eenhoraé penhor segurode salvaçãoe predestinação. Dispensamo-nosde toda prova, sendo essa, como é, uma verdadeuniversalmentereconhecida, incontestavele incontestada.Quizeramos fazer notar apenaso que se deve f.azet para alcançaressa garantiapreciosáde salvação.- E' precisoamar e venerarNossa Senhora sincerae filialmente como Mãe de Deus e nossaMãe espiritual.Deve-se,âssim, invocal-a e veneral-a ao menos medíantealgumas oraçõesaffectuosase constantes,ou ttazendo comsigoalgum distinctivo de filho seu. Como tal, temos á nossadisposiçãoo santo Escapularío, distinguido com certosfavorese privilegios,que o constitúemarmadura seguracontra os ataquesdos inimigos infernaes Temos mais o santo Rosario, como arma poderosissimacontra o inferno e penhor de predestinação. No seculoXV, 250 annos depois de instituida essaoração pata sustar o progressoda impiedadee a invasão do protestantismo e do mahometismo,Nossa Senhorapromet'Ã teu ao bemaventurado,\lano da Rocha: todos os que recitaremo meu Rosario prometto a minha protecção.. . Todos os que se me recom-

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mendam por elle, jámais se condemnatáoeternamente". Razão pela qual essaoração excellenteé tão cultivada, tendo operado grandesconversões, a salvaçãoe santificaçãode muitissimasxtrn2s.Quem não tiver o habito e o animo de rczar sempre o Rosario (ou mais commumenteo Terço), aínda não deve desesperar. Nossa Senhora pedeaté muito menos pata lhe dispensara sua protecção e lhe assegurara salvação.Ella propria recommendou a Sta. Mechtilde,como meio de alcançara grafinal ou de uma bôa morte, a ça da perseverança recitação de 3 Ave-Maria duas vezes ao dia, de manhã e á noite. À fidelidade diaúa a esrapequenina devoção, parcceo menos que se possa fazer para merecetda pafte de Nossa Senhoramais uma garantia de salvaçãoeterna.Da parte de Nossa Senhora, essaexigenciainsignificante é a melhor prova do seu supremo esforço para salvar até os mais desanimadosdos peccadores! O'ultimo esforçode Nosso Senhore o ultimo rccurEoadmiraoel, gue elle poz â disposição dos pobrespeccadores para se salvarem,conslstena deuoção qo seu EogradoCoraçõo, e propríamenteno exercíciodas 9 primeiras sextas-feírasdo mez, Eeguídas,fazendo-senellas a communhão reparadora, No seu excessode amor e mísericordiapara


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com os homens, Nosso Senhor prometteu a quem pratícar esse santo exercicío não deixal-o morrer na sua inímizade. Ora, ísto é nem maís nem menos do que a preseroação do ínferno, uma garantia da perseuerança final, de ínconcebíoel tsqlor, uma garcntia da bôa morte, do céo e da eternidade felizt Oh! Bemdigamos a Deus, bemdigamos a excessiva misericordia do Sagrado Coração de Jesús, que multiplicou tanto as facilidades de nos soluqrmos, pars contrqbalonçar as fscílidades de nos perdermos; que, cteando o inferno eterno para subjugar a rcbeldia humana, tambem deu grandes e abundantas garantias contra elle, mórmente na devoção ao seu Sagrado Coração! Ãproveitemos, pois, as optimas garantias offerecidas pela santa teligião, Todas as garantías sõo poucas quando se trata da eternidade, quando se trata de nos saluarmos ou perdermos para sempre! Tnbalhemos, lutemos e cuídemos das nosass obrigaçõesespirituaes,afim de tornarmos, como o preveniu S. Pedro (II, l, 10) sempre mais garantida a nossa salvação. E, apesar de todas as garantias que pudermos ter ganho para essa causa decisiva, conforme nos recommenda S. Paulo, deuemosaínda continuat a opetar a nosEd saluação com Eusto e trcmor, poís nunca estqremos qbsoíutqmente gq-


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rantidos, a não ser quando estioermos saluos no céo. tLssím, o pensamento do ínferno produzíró em nós o dettido resultado, preEefiJando-nosde toda Ieoíandade, descuído, brinquedo com Deus e com as coísas EantaE, emfim de todo abuso da graça, Este pensamento será sempre paft nós um bom conselheiro, de grande autoridade, obrigando-nos a nos mantermos peíante Deus em noElo lugat, com o devido respeito, e como convém a uma pobre creatura, Longe, pois, de ser a existencia do infev no contraditoria com a bondade divina, é a melhot defesa dos interessesdessa meEma bondade, o meio índispensauel de nos tornar Eempre mais dígnos dos seus fauores!


VilI -

O) valor das provas da existencia do inferno.

Lançando um olhar retrospectivosobre tudo o que foi dito em favor da existenciado inferno, úemos, que a argumentaçãose compõe de provas convíncentese apodicticas,que não permittem negat que ella está de pleno accordo com a nossa sã razão. Para resolverna medida do possiveltodas as objecçõesem contrario, procurámos encarar a questãopor todos os lados, afim de colhermos uma idéa exactada realidade.Reunindo todas essas perspectivas,descortina-se-nos no nosso horizonte espiritual um panorama que, afugentandoa sombra, nos faz exclamar:- De facto, é incontestavel: exísteo inferno! Cada uma das 4 grandesprovas subdivide-se em outras tantas, das quaescadauma de per si denota uma superioridadeinconteste,uma força irrespondível. Os "contras" se resolvem,empallidecem, desapparecem completamenteá vista da tealidade. juntas cqnstitúem uÍn feixe de provas as Todas


Valor das provas

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que não deíxam subsistir a provas esmagadoras, menor duvida a respeitoda thése: Exíste o inferno e deve existir. por tantos motíSendo o ínferno necessario ú:os, Deus não podía' deixar de creal-o para garantír os seusdireítos imprescriptitteìse os ínteresses da humanídade,aínda que pareçaduro que tantos ctíiam nelle, e que elle tanto pareça contraríar os sentímentosde um pae.Não ha duvida que Deus o Iamenta,e fez e faz tudo para preservatos.homens desse castigo tremendo, applicado áquelles pa:a quem fôram inúteis os esforçosda sua misericorda collectiuídadetêm de predía. Mos os ínteresses particularcs,, ualecersobre os sobre os dos homens de md uontade. Quem náo quizer ouvir e vêr, tem de sentir! E' direito, é justo! Quem não quizer vêr e acredítar,â luz da fé,e da sã razâo, na existencia della quando ínferno eterno,terá que convencer-se do nelle caír. Tel -o-â merecido. E quem não o acreditará laz da sã razão, é louco, ou mais verpeÍverso! Estessão incuraveis,e tradadeíramente zem rla sua obstinaçâoo proprio signal da reprovação. São essesos que pretendem acredítarno inferno só si o vissem, ou si um reprobo voltasse do outro mundo para thes contar. Nosso Senher,


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Valor das provas

porém, contando a historia do homem rico e de Lazaro, já resolveuo casodelles,proclamande'"Si não acteditamem Moysés e nos prophetas,tão pouco acredítariamsi alguem resuscitasse dos mortos". (Lucas,16,31).E qurtìdo,mais tarde,Nosso Senhor resuscitoudos mortos um outro Lazaro, para convencel-os e provar a divindade da sua mispalavras, são e das suas nem assim acredítarum. Portanto, quem não quízer acredítarna revelação, nem na sã tazão, só poderâ chegata convencer-se vendo o inferno, ou seja caindo nelle. De lá, porém, não terá mais saída para o céo, uma vez que um abysmo intransponivelos separa,como Nosso Senhorna mesmaoccasiãoo declarouformalmente. Consolam-seessesinfelízes porque ha muitos companheirosda sua opinião e descrença. Juntos, riem-se,troçam de tudo, da religião, de Deus, do inferno. - Será por terem razíes seriasem contraúo?| Serão talvez profissionaes em mateúa d,e rclígião, sabios,scientistasde renome, que acharam na scíenciaalgumaprova convincentedo contrario? Nada disto! Na maioria dos casossão uns ignorantes; em mateúa de religião disparatam,falam do que não entendem,blasphemamo que deviamadotat; e isto por causa dos seus vicios, da sua má. vontade, por não quererementenderdireito. Trç-


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çam poÍ medo, pa:.: üearem coragem!Não devemos tomal-os a sérío, nem fazer casodas suasinsanias!- A Voltaire escreveu um dos seus"irmãos em Beelzebub" (diabo), como elle proprio os intítulou: "O inferno é uma burla, uma lenda de velhas!" Respondeu-lhe Voltaire, o impio Voltafue: "Pódes provar que não ha inferno? Ohl então dou'te os meus parabenslEu, em todo caso, ainda não acheíprova alguma disso". - E assim por díante, com todos os que negam a existencia do inferno. Ãndam contra a convicçãouniversal da humanidadede todos os tempos,e, assimcontra o bom senso. Sim, a existenciado inferno, nas condições actuaesda humanidade,ê,tão necessaria como a propria existenciade Deus, de modo çluese possalançar o desafio: Si ha um Deus, ha um inferno! Si não ha inferno, não ha Deus! Prove-seque não ha inferno, e ficaráprovado que não ha Deus!


IX -

A universalidade da crença no inferno.

à crençano inferng existiu desdeo principio do mundo até hoje, entre todos os povos. Provas irrecusaveisdeste facto acham-senas obras religiosas,historicase literaríasque os antigos povos nos deixaram.Nellas encontramos,com as esparsas tradiçõesdassuascÍenças,tambem,de vez em quando, algumas passagensrcfercntesao inferno. Sendo a santa Biblia o lívro mais veneravel do mundo, convém collocar os seus documentos merecidamente â frente de quaesqueroutros. Não se consideramaqui os textos respectivos do A,ntigo Testamentosinão sob o ponto de vista puramente historico, o que é sufficientepara o escopoque visamos.Si as mais das vezesnão se encontranelles o nome de inferno, com todas as letras, ao lnenos é encontradoem termos equivalentes.Faz-semenção só daquellestopicos que indiscutivelmenteexprimem a eternidadedas penas.Sendo elles por si mesmos sufficienteçe compÍehçnsiveis,dispensagt


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ulterior commentario.Àssim, serão melhor destacadose verificados. Jâ no primeiro livro da Biblia, no Pentateuco 'de Moysés, escriptopelos l. 600 annos antes da éra christã, encontramoso primeiro texto de indiscutivel valor. Conforme o Deuteronomía,Deus fez sabera Mogsés (12, 22): "O fogo accendeuse na minha col$a, e os ardorespenetratam atê.âs profundezas do inferno; e orderd no ínferno Eem fím" . Job (c. 10) fala dos impios que zombam de Deus, dizendo: "Não temos necessidade de vós, nem queremosa vossalei; de que vale servir-vose orar!"; díz elle que esses,num instante, ctíem no inferno. - Job chama o inferno a regiãodas trevas, a regíãoenvolta nas trevasda morte, a rcgiáo da desgraçae das "trevas, ondg não ha ordem alguma e onde'reinamhorroreseternos". Judith (16, 2l): "Elle farâvfu sobreas suas carneso fogo, e os bichos para seremqueimados e pala sentirem eternamente". Isaías (33, 14): "Os peccadores fôram atel'rados em Sião, o medo assenhoreou-se dos hypoqual critas: de vós poderá habitar com o fogo devorador? qual de vós habitarâ com as dôres Eempiternas?"


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Isaías (64, 24): "E elles sairão, e verão os cadaveresdos homens que prevaricaram contra Mim; o seut)ermenão morrerrí,,e o seuf ogo não se extinguírd; e servirão de espectaculoa toda caÍne, atê qae ella se fafte de vêr semelhanteespectaculo,'. Jeremías(23, 40) : "E entregar-vos-ei a um opprobrio sempíterno e a uma eterna ígnomínía, que nunca se apagqráda memoría", Doníel (12, 2): "E roda essamukidão dos que dormem no pó da terra acordarâ:uns pa:a a uída eterna e oatros para um opprobrio que terão diante dos olhos eternqmente". S. João Baptísta (Math., 3, lZ), falando da vinda do Messias,preveniu o povo de Jerusalém do que o Messiasia fazer com elle: ,.Eis que chegao Christo. Elle padejaráo seugrão; recolherá o trigo (os eleitos) nos seus celeiros;quanto ^ palha (os reprobos), lançal-a-tíao f ogo que nunca Eeopaga". Eis ahi testemunhosde grande valor, alguns dos quaes de venerandaantiguidade. Muitos seculos, pois, antesda historía gregae latina, já existia a crençano inferno, sendoque os livros sagradas falam nelle muitissímasvezescomo numa verdadereconhecida por todos, ao menospor todos os crentes.


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Tambem os antígos pagãos, e em pattícular grcgos e oE romanos, acreditauamna existencia os do ínferno com os seustormentoshorciueis.Disto nos deixaramdocumentosos seusliteratos,que chamam ao lugar do supplicio eterno o "Tartaro". Os espiritos mais adiantados da antiguidade, os o Tartaro: poetas,todos ensinarame descreveram Homero, Orpheu, Hesiodo, Museo, Lino Horacio, Ovídio, Virgilio, Seneca,etc. Eocrates,citado por seu discipulo Platão ( "Georgias") , diz: "Os impios que desprezarem as leis sagradas serão precipitados no Tartaro, para nunca saíremdelle e soffreremnelle tormentoE horriueis, eternos". O grande Platõo referc-nosa sua opinião do modo seguinte.- "psve-sedar creditoás tradições antigas e sagradasque ensinam que, depois desta vida, a alma serájulgada e punida severameúe,si não viveu como devía". Ãinda Platão, nas Georgias:"Os maiorescriminosos, cuja alma perversa merece ser incurauel, são reduzidosa servir de espantalho;e os castigos que os atormentamEemcural-os,só são uteis ás tes. temunhasda sua espantosae dolorosaeternídede" Ãinda Platão, no Livro das Leis: "Ãs almas que commetteramcrimesmaiores,são precipitadas


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no abysmo chamado Tartaro, ou de nome parccido. . Joven, tal é o juizo dos deusesque habitam o céo, os deusesque tú imaginas que não seoccupamde ti! Os bons serãoreunidos'aos bons, e os máosás almasdos máos", Igualmente falanm da mesma convicçâo geral: Arístoteles,o portento da philosophia antiga; Cicero, o portento da oratoria româna, e outros. Origínes,no começodo Christianismo, na sua obra "Contra Celso" (Celso, philosopho pagão, inimigo ardoroso do christianismo), referc haver esteescripto: "Os christãostêm ruzão de pensarque os que vivem santamenteserãorecompenòados depois da morte, e que os máos terão que soffrer Eupplicios eternos,Aliás, este Eentimentolhes é commum com todo o mtrndo^. A crençano inferno eta,pois, na antiguidade, uma crençauniversale incontestada.Este facto historico foi reconhecidopor Bagle, o primeiro philosopho sceptico.Seu collegano voltaireanismoe na impiedade, o ínglez Bolingbrohe, reconhece(Bol. Works, vol. V, p,237) a mesmaverdadedizendo: "A doutrina de um estado futuro de recompensa e de castigoparcceperder-senas sombrasda antíguidade,precedendotudo o que sabemosao certo. Mal começamos a desenredar o cáosda historia an-

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tiga, achamosessacrençâde maneiraa rfais solida, no espirito das primeirasnaçõesque conhecemos". Voltoíre (Addit. à l'Hist. Génér.) confessa a mesmaverdade: "Ã opinião da existenciatanto de um purgatorio quanto de um inferno, é da maís remota antíguídade". O mesmo Voltqíre (citado nas "Lettres de quelquesjuifs" ) , diz mais explicitamenteainda: "Desde essetempo (dos Assyrios, Chaldeus e Egypcios), encontramosas mesmascrençasentre os Gregose Romanos, e, numa palavta, em todas as naçõesdo mundo", Todo o mundo, pois, poetase philosophos, reis e subditos,homenscivilizadose barbaros,todos, até mesmo antes do christianismo,acceítama existenciado inferno eterno. Verdade terrivel, no entanto, que o mundo ínteiro tinha interesseem rejeitar! Qual então a conclusãoque, com todo direito, podemose devemostirar do facto universal,dessa crençaque a humanidadetoda adoptavaaté mesmo antes do christianismo?Esta: que a existenciado inferno é uma realidade,uma verdadede bom senso, que não póde ser negada,sob pena de se repudiar o sensocomum da humanidade,e de se faltar imperdoavelmenteá logica. Recorremosaos philoso-


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phos Cicero e Joubert para salientar o valor do argumento tirado do sensocommum, capazde proporcionar ceft,eza absoluta da verdade: et Essaiset Maximes, t. 1.o, Joubert (Pensées p. 31S) assimse exprime: "Desdeque um rsciocìnío ataque o instincto e a pratíca uniuersal, póde é enganaser difficil refutal-o, mas certíssímamente dor e falso". - A ter, pois, ainda o seu direito o velho axioma do sensocommum, a existenciado inferno estarâtambem,por seulado, soberanamente provada, Realmente,seria monstruosaousadia, verdadeiro desatino,pretender ainda que não haja inferno, e quererarrancardo coraçãohumano a convicção da existenciadelle, como o infeliz Lucrecio aconselhouno seu tempo. Lurecío (De natura rerum, lib. I, III) assím disse: "Jâ não se tem mais repouso,é impossivel dormir tranquillamente:porque? porque se têm que receiar,depois desta vida, penas eternas,pelo medo das quaesnenhum mortal póde serfeliz. . . E' preciso,a todo custo, arrancardo coraçãohumano essaapprehensãoe desterral-ado universo para sempre; porque perturba toda a paz do genero humano, e não permitte gozar nenhum socego, nenhumaalegria,nenhum ptazer".

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Vão furor, que apenaspóde sacudir, mas nunca quebrar, essacorrenteda justiça eternaque conservao mundo em seuseixos,obrigando os homens a observar as leis. O coraçãohumano tem continuado, desdeLucrecio, como antes, e continuará até o fim do mundo, a sentir o jugo desse temor salutar, que para elle é o fundamento da sabedoria. Houve, entretanto,duasépocas,na historïa da humanidade,em que a crençanum inferno parcceu a muitos um tanto desarraígadado coração humano, numa possivel rcalizaçãodo sonho de Lucrecio: a primeira sob Nero, e a segundasob Robespierre.. . Porém nessasépocaso proprio inferno mostrava-sena tetra, apparecendocomo que pata attestara necessidade da sua existencia,e os temerariosque o tinham evocadopara o negarem, apressaram-se a fecharsobre si o abysmo, proclamando: "Os bons como os máos desapparecem desta tefta, porém em condições differentes. Não, Chaumette,não! A morte não é um somno eterno... a morte é o começoda ímmortalídqde". (Maximilien Robespierre, séance du 18 floréal,an. II. Rapport fait au nom du Comité du salur publíc.)


X -

O christianismo e o inferno.

Não ha duvida que a existenciado inferno é uma das verdadesfundamentaesda religião de Christo. E' uma verdadetão rigorosa e tão intimamente ligada ao conjunto do seu systema reIigioso, que negal-aserianegartodasas demaisverdadeschristãs.Christo veiu ao mundo para salvar os homens,paÍa salval-osda desgraçado peccado e do seucastigo,do inferno. São essas as duas gtandes desgraças, do tempo e da eternidade.Nosso Senhor veiu ao mundo para preservaros pobrespeccadoresda ultima desgraça,do inferno, offerecendo-seElle proprio como victima dos seuspeccados, pela morte na clntz.Si não houvessepeccadosgraves, nem inferno, o mundo não ptecisariado beneficio immenso da salvaçãodo Filho de Deus. Toda a razão de ser de Christo, da sua existencia, suppõe portanto a existencia do inferno. Ãs provas da sua divindade são tambem, indirectament?, provas da existenciado inferno. Ahi está o christianismotodo, com todas as provas e factos

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O christianismo e o inferno

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extraordinarios, como gar:intia da existencia do inferno. Ãinda que essa exístencia seja uma verdade de senso commum e uma convicção positiva da conscienciahumana, Nosso Senhor não deixou entretanto de proclamal-a bem alto, prevenindo os homens, para todo o sempre, contra qualquer duvida a respeito. Não proclamou nem recordou essa verdade uma ou outra vez, potém quinze uezeE,e isto de modo o mais explicito e impressionante. Comtudo, basta citar os tres textos mais salientes do evangelho de Nosso Senhor e os de alguns dos Ãpostolos, nos quaes é formalmente declarada a etercidade das penaó do inferno, para convencer definitivamente a todos de que essa existencia é uma verdade incontestavel do christianismo, como é dogma definido da Igreja Catholícq Querendo um dia Nosso Senhor convencer os seus ouvintes da importancia da salvação e da necessidadede fazer todos os sacrificios para assegural-a, apresentou esta exposição tocante (Mar'Si a vossa mão é para vós occos, IX, 42): casião de peccar, cottae-a: mais vale entrar na outra vida com uma só mão, do que com ambas ír para o ínferno, pera o fogo que nunca se apaga, onde o uetme do rcmorso nunca morf,e, e o fogo


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Ochristianismoeoinferno

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não se extinguírti nunca. . ." - Na parabola do pobre Lazaro e do homem do mundo, rico porém sem caúdade(Lucas, XVI, 19), estandoesteno outro mundo e soffrendohorrivelmenteno fogo do inferno, pediu a Abrahão que lhe mandassepor Lazaro, que estavano seio das delicias,uma gôttinha d'agua para lhe mitigar ainda que de leve a sêdeabrasadoraque o consumia; Nosso Senhor põe nos labios do patrïarcha estas palavras "entre nós e vós está lançado um grande abgsmo, de maneíraque os que quízerem pqssqrd'aqui para uós nõo o podem, nem d'ahi para cd". - Quando Nosso Senhor predisseo grande acontecimentodo juizo final (Math., 25, 4I), fez cítar até os termos da sentençadefinitiva que o Filho do Homem proferirâ contra os reprobos: "Retirae-os de mim, malditos, para o fogo eterno, apparelhado para o diabo e seus anjos". E accrescentou: !'Estesírão para o supplícíoeterno". Poderâ haver declaraçáomais formal e explicita do inferno e da sua eternidadel Para completar as pÍovas, citemos mais alguns textos parallelosdos apostolos: J u d a s ( 7 ) : " . . . s o f f r e n d oa p e n a d o f o g o eternocomo exemplo". S. Pauío (2 Thessal.,I, 9) : "Os quaespagarão com a pena eterna da perdição. , . "

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O christianismoe o inferno

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S . J o ã o ( A p o c . ,1 4 , 1 1 ) : " . . . e o f u m o dos seus tormentos se levantarâ pelos seculosdos seculos,sem que elles tenham descançoalgum nem de diq nem de noíte, os que tiveremadoradoa besta easuaimagem..." l \ i n d a E . J o ã o ( A p o c . ,2 0 , 1 0 ) : " . . . c o m o o falso propheta, serãoatormentodos,de dia e de noite, pelos seculosdos seculos" , Para o christão,não ha nem pódehaverduvida a respeitoda existenciado inferno. Ou lhe acceítaa existencia,ou deixa de ser christão! A alternativa é rigorosa.- Além de ser uma verdade clarissimamente expressana SagradaEscriptura, a existenciado inferno é um artigo da fé catholica, um dogma definido. Àssim, o catholico que recusar acceítal-o."ipso facto" se exclúe do gremio da Igreja, tornando-seinfiél. Resumindo tudo quanto foi exposto, vê-se que a contsicçãodo inferno eterno é uníoersal,de todos os tempos, de todos os pottos, de todas as tradições,profanas e sagradas.Concorde com ella está o testemunhoda natíJrezahumana, da sã razão, da consciencía,em atteEtar-nosa certezaa,bsoluta de gue ha um ínferno eterno de fogo, parc castigo dos impíos, dos peccadoresimpenítenteE.


XI -

Quaes os homens que trilham do inferno?

o caminho

Depois de prova da a existeltcia do inferno, é de interessecommum conhecerquaes os que na terta trilham o caminho delle, ou quaes os peccadosque a elle levam, afim de evital-os. Podernos, a respeito, distinguír varias classesde peccadores: 1.") Em 1." lugar uêm os uerdadeírosimpios, que são propriamente os maiores inimigos de Deus. São essesque não querem saber de Deus nem da religião, e que até odeíam tudo isso; ou então que vivem e fazem como si Deus não existisse e não lhes fôsse tambeml o Senhor, quer propositadamente O ignoram, ou ao menos praticamente não O reconhecem. Todos esses querem saber tudo melhor do que o proprio Deus, atrevendose a reformadores do mundo sem Deus e contra Deus. São os chefes do campo adverso, do grande exercito de Satanaz, tendo â frcnte os corruptores do povo, os publicistas impios, os mestres atheus e herejes, a muÍtidão dos escriptores sem fé

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e sem conscíencia, que procuram af.astaros homens do serviço de Deus e aftarLcar-lhes a fé e o amoÍ de Deus. Fazendo isso intencional e conscientemente, agindo com malicia, devem ser considerados como verdadeiros impios. São representantesvisiveis do demonio, e seus auxiliares na tarefa execranda de corrompeÍ o mundo. Para ganharem a recompensa do demonio e as bôas gÍaças do mundo, estão esses taes sempÍe promptos a mentít, a calumniar, a deturpar a Ye? dade, e disfarçal-a, a blasphemar, etc. Seguem a inspiração do demonio, pae da mentira, para illudir os incautos e perder as almas. Serviço aliás bem caro, pois lhes ha de custar muito a todos! Prejudiciaes a si e aos outros, essessão os maiores malfeitores da sociedade.Por isto, antes de terem a sorte que os aguarda, ou seja a sua reclusão no inferno eterno, deveriam elles ser quanto antes relegados para o fundo das cadeias, afim de serem tolhidos na sua obra deleteria. São os falsos prophetas de que Nosso Senhor fala no Evangelho. S'ão os herdeiros da negregada casta dos escribas e phariseus, cabendo'lhes o mesmo anathema que Nosso Senhor lançou contra aquelles: "Desgraçados de vós, escribas e phariseus hypocritas, porque fechaes ao homem o reino do céo. Como não haveis de èntrar .*


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nelle, impedís os outÍos de nelle entrarem. Desgraçadosde vós, escribase phariseus ! porque peÍcorreisa tercae o mar pata fazer um proselyto, e, quando o ganhaes,fazeisdelleum filho do inferno, duas vezespeor do que vós" (Math., 23, 13). Ã esta categoria pertencemos sectariosda maçonariae das demais socíedadelEecretoE, emquanto procuram rcalízaros perversosfins das suas seitascontra Christo e contra a sua religião, ainda que se não consagremdirectamenteao demonío, jurando porém viver e morrer f&a da lgreja, sem seussoccorros,sem seussacramentos. Pertencemainda a esta categoúaos orgulhosos, ou os "fortes" destemundo, com Euasrecheiqdqs bolsqs,que os tornam os potentadosdo seculo, emproados,arrogantes,desprezadoresdo pobre. Não precisammais de Deus, pensam elles; mas Deus tambemnão precisadellestSão-theinuteis; e por isto mesmo,como a palha seccae inutil, lançal-os-áDeus ao fogo - e que fogo! o fogo do inferno eterno,que arde para sempree que castiga a alma! Julgam-seos mais felízesdo mundo; mas serãomiseraveispela eternidade,porque lhes faltará alli esseDeus que desptezaramnestavida. E verão então o que é prescindir de Deus. 2,") Em 2," lugar gêm os peccadores ímpeni-


2.oOs impenitentes

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tentes,os que vivem habitualmenteno-peccado,sem proposito de sair delle, vilmente aferradosâs cteaturas, sem cuidadodos interesses da sua alma. Não só os primeiros,os impios, que odeiama Deus,estão no caminho do inferno; mas tambem estes,os peccadoresimpenitentes,a reipeito dos quaesS. Paulo proclamou em nome de Deus: "Não vos enganeis: nem os impios, nem os idolatras, nem os adulteros, nem os ladrões,nem os avarentos,nem os ebriospossuirão o reino do céo" (1 Cor., 6,9). -- NumeÍosossendoos peccados, só é possivelchamar a attençãopara algunsmaiores,que particularmente predispõeïnpara o inferno. São os peccadosgraúesque secommettem,por exemplo, contru a justíça, seja por fraude, seja por calumnía, etc,, peccadosque não serão perdoados si os seusautoresnão tiverem a vontade firme de Íeparar o damno feito, ao menos na medida do possivel. Aliás, succedeás vezesserem tantos os damnos causados,que os seusautoresse resignam a ir parc o inferno antesque a reparal-os.Ã perdíção torna-se-lheassimcomo que uma fatalidade! Estão ainda no caminho do inferno os que pé,ccamgrauementecontra a caridade, especíalmente entregando-seao odio ínfernatr,que os leva a desejar mal, día e noite, aos seus inimigos, a perse-


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Quemtrilha o caminhodo inf.

guil-os sem tregua, ao menos pelos negÍos sentimentos do seu infeliz coração.Pessôasdistinctas e bôas câemâs vezesnesseabysmo de ínimízade,julgando que poÍ terem soffrido grandemal dos seus inimigos, possam ao menos desejar,lhemal interiormente. Conlcusão errada.Podem desapprovar sempretodo o mal que thes foi feito, exigir rcpatação, chamar até aos tribunaesos seusmalfeitores, mas não por sentimentosde odio e de vingança, sinão apenasde justiça; e por ísto mesmo nunca lhes devem desejar mal. Deus reservoup'ra si o direito de vingança.Persistindo'senesses sentimentos de odio até á morte, ellesvirão a lançarno inferno aquellesque os alimentam. Esseodio como que se voltarâ contra elles,e os perseguirápela etev nidade. "Com fulano não quero ir nem para o céo!" ouve-sedízer levianamente;pois bem: si o vossoinimigo alimentar os mesmossentimentos, tel-o-eis comvoscono inferno, paru mútuamente vos torturardespor todo o sempre! Outros peccadosfataessão os da luxuria, r:uínosospara seusautoÍese pal.aos que ellesarrastam na sua seducção.Os escravosdesse vicio de tal forma se enredam nelle pela rcpetiçãodo peccado interior e exterior, que difficil e bem difficil se lhes torna se desvencilharemdas suas malhas. O


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2.oOs impenitentes 'do

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prazer carnal expõe a alma a cair facilhabitb mente no inferno. Si a morte não colhe de repente os libertinos, até os seusultimos momentoso demonio, que não se dá por vencido,continúa a acenar-lhescom os deleitessensuaes. O perigo persiste grande pois até á morte. O simplesconsentimento interior nas más suggestões do demonio,justamente quando o espirito enfraquecidomais accessivel se torna ás mesmas,implica o castigoeterno, si a morte sobrevémnesseestado. De par com os peccadoscontra a castidade, anda a moda indecente,que lhes é cumplice.E referimo-nosaqui a todos os abusosda indumentaria feminína, eü0 são por si, ou procuram íntencionalprovocações mente,ser,verdadeiras dasdesordens da carne.Nestesentido,estáclaro que não póde deixar de ser aqui incluida essainfanda nadez das praias. Essa falta de pudor brada aos céos,e canalízacettamente para o inferno uma grande corrente de -daquellas que pretendem achar almas, até mesmo tudo isso muito innocentee natural. Na mulher, nada póde desagradar.mais a Deus do que a falta de recato, a provocação,a impudicicia. Mas é, o mundo que assimdicta, que assimquer: estábem, mas quem é do mundo náo ê de Deus. Essespeccadose outÍos mais, emquanto não


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3.oOs que abusamda religião

fôrem renegadospor um arrependimento sincero e opportuno, por uma penitencia verdadeira,ao menos por uma contríção perfeita, arrastarão ao inferno os seusautores. 3.") Vêm em 3.o lugar,,na ordem dos candidatos certosoo inferno, os que, meEmopratícando a religião, abusam dello, São os que, juntamente com a relígião, praticam peccadosgraves,conservando-seimpenitentes,Neste caso, está bem claro que a religião não adianta. Os christãosque assím vivem, são galhosseccosna videira de Jesús-christo, na arvore da Igreja. São hypocritasl O seu coração está longe de Deus; e si nelle guardam esses taesos seuspeccados,a sua oração fíca até profanada,e, no dízet da SagradaEscriptura (ps. l0g, 7), quasise torna um peccado:.E a sua oraçãose torna peccado- uma abominação pìuTrLteo Se_ nhor". Ã vida, os sentimentosde coraçãodesses taesconstitúeú um desmentídoformal a todos os protestosde amor a Deus que formúlam na oração. claro está que isto só díz rcspeítoaos p...adà.es impenítentes.O proprio Nosso Senhor,aliás, estabeleceua differença (Lucas, l g, 14) da oração do peccadorimpenitenteda do peccadorarrependido ou humilhado: taes as figuras do phariseu e do publicano que subiram ao templo paÍa orar.


4.oOs in,fieisaos deveresestado

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Ãquelles que, praticando a religião, e atê mesmo frequentando os sacramentos,persistemnas suas faltas graves,toÍnam-se peóresdo que si os não recebessem. De feito, melhor é nâo se confessardo que se confessarmal; mil vezesmelhor não recebera sagradaCommunhão, do que recebel-a indignamente.Sem receberem, na confíssão,o perdão de Deus, antes onerando,sede mais uma culpa gravissima,como Judas elles comem e bebem a propria condemnação, segundodeclarouN. Senhor, quando comem e bebem na sagradaCommunhão o corpo do Senhor indignamente.pretendem essestaesenganaro mundo, e talvez tambema Deus, mas só a si proprios enganam! 4.o Vem fínalmente s üez dos que se candidatam mui prouaoelmenteao ínferno pela ínfide' lídqde grsue qos deueresdo proprío estado, a) São primeiramenreos casadosinfiéís aos deveresdo matrimonio, ou por infidelidadeao outro conjuge, ou pela restricçãocriminosa da natalidade.São duas condiçõespositivas do casamento chrístão: a fidelidade reciprocados conjuges, e a acceítaçãoíntegral da próle que, sem violação das leis naturaes,dessaunião naturalmenteresultar. Os christãosou não christãos qae fazem "ta-


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Quem trilha o caminho do inf.

bula tasa" dessesdois principios, collocam-seespontaneamente no caminho do inferno. Ha ainda a consideÍar,nesseterreno, a infidelidade dos paes que não cumprem seus deveres para com os filhos, deixando de educal-oschristãmente, parlaserembons filhos do verdadeiroPae que é Deus. São os paeslevianosou desnaturados, que deixam os filhos frequentaremos lugaresperigosos,expondo-osao vicio; ou que não os corrigem; ou que não se importam com que os filhos rezem, assistam â missa e cumpram os seus demais deveresrelígiosos,inclusive a frequenciados sacramentos, tão necessaria delles;ou á preservação que não têm escrupulo de confial-os a collegios hereticosou agnosticos,onde correm risco imminentede perdera fé ou a virtude. Essespaestrilham o caminho do inferno, porque não encaminhamos filhos para Deus, para o Deus que lhes deu esses filhos, e não raro se perdemjuntamente com elles. Como se vê, a estradado inferno é. ampla, e muitos são os,que a trilham, pensadaou impensadamente.Por isso mesmo, câemelles no abysmo eterno tão numerososcomo, no outomno, sacudidas pelo vento, câemas folhas das arvores.. . "Muitos são chamados,disseNosso Senhor,porém poucosos escolhidos"(Math., 29, 16); e si tan-


4.o Os infieis aos deveres estado

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tos são assim os que andam na trilha do inferno, qLíe se díró do podre, do sacerdote, que tem par míssão sqloar eE almas? Ìr.'qo corre elle proprio graúe perígo de perder-se deixando-se perderem as suos ouelhasl

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b) Vêm em seguida os sacerdotes que não cumprem os deueres do seu estsdo. Os sacerdotes são os operarios da vinha do SenhoÍ, os administradores da palavra de Deus e dos seus santos Sacramentos. São substitutos e ministros de Christo na sublime míssão da salvação das almas; nessees'empregar copo devem todos os seus esforços e tempo, como os operarios no serviço do seu amo. Vivendo do povo, têm que se sacrificar pelo bem espiritual dessemesmo povo. Infiéís sos seus compromissos são, pois, os sacerdotesque não emprcgam seu tempo no proprio officio, que não dão instrucção sufficiente aos fiéis que lhes são confiados; que não se conservam á disposição destespara ministrar-lhes os sacamentos; que, em vez de procutar e atúahir almas para Jesús Christo, só a si mesmos procuram, as suas commodidades, as suas vantagens, pecuniarias ou outras; que invertem assim a ordem das coisas, fazendo do accessorioo principal, f.azendo passar o interesse material â frcnte das suas sagradas func-


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Quemtrilha o caminhodo inf.

ções;que exaggeramos proprios direitos e exigencias, com immenso prejuizo das almas, tornando odiosa;finalmente, assima religiãoapparentemente gu€, sendo simples administradoresda vinha do Senhor, se consideramdonos della, explorando-a e estragando-a;os sacerdotesçlue, em yez de attrahirem o povo, o molestame afastamcom a sua falta de mansidãoe de doçura,com os seusmodos arrogantes,com a sua indifferençae fÁeza,etc. loA' vista de tamanhas responsabilidades, sacerdogicamentese afigura bem mais difficil aos tes se salvarerndo que aos simplesfiéis. Pareceaté que para elles só existe esta alternativa: ou ganharem um lugar bem alto no céo, ou cairem nas profundas do inferno. Para elles se salvarem, a condição é procuraram com todo afinco salvar o mór numero d'almas! Por isso mesmodeve-seter grande compaixão delles, tezat muito por elles, paÍa que se affirmem digaos ministros de Christo; deve-se-lhesfacilitar o arduo ministerio, e não difficultal-o; deve-seajudal-os fraternalrn€nte,como írmãos em Nosso Senhor, da mesma familia, cuja sorte corr€ conjuntamente.

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XII -

Conclusão.

SÏIMMARIO: Os verdadeiros motivos intlmos da descrença 1p. 211). Reduzem-se á má vontade (p. 212 ). A nossa grande obrigação: bôa vontade! (p.219). Utilidade do pensamento do inferno (p. 222). Para que e para quem serve este opusculo (p, 226). Suppli-ca a Deus (p. 229).

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Ao percorrer este opusculo, um pensamento apodera-se do leitor: tantas e tão convincentes sendo as provas que militam em favor da existencia do inferno, porque então ha tantas pessôas que duvidam desta verdade fundamental ? Como é possioel que ainda hajo tanÍcs pessóas que uíuem como si não houtsesseinferno? QuaI o motiuo da dísrepancía entre a rccta razão e a uida quotidianal Antes de encerrarmos este trabalho, é preciso esclareceresta quest'ao e darmosIhe a verdadeira proveito de todos, reÃesposta,em sultando della a conclusão final. Desde o inicio salientámos a pretensão de


t 212

Má vontade

tantos homens que, negando a existencia do inferno, julgam estar de accordo com a sâ nzáo. Desde o começo tivemos de protestar contra semelhante filaucia. No decorrer da explanação alludimos muitas vezes á propria ruzão da descrençano inferno. Adduzindo provas tão evidentes em favor da nossa thése, provámos conjuntamente que cósolutsmente não é o bom uso dq logica que leua a descrêrdo inferno, porém, muito antes, o qbuso da logìca, e, msis aíndq, a md uontqde. Esta verdade resalta nitida através da nossa exposição. Agora, antes de terminarmos, resta-nos apontar essa causa directamente, e assignal-acomo o verdadeiro motivo pelo qual tantas almas, sem bem o pensarem, cáem no inferno é tanto uma questão de íntelligencia quanto uma questão de uontade, e de mó uontade. Não ha duvida que a descrençaa respeito do inferno é tambem questão de intelligencia, isto é, negativamente, pelo não uso e desaproveitamento da luz natural da razáo, €ffi míra a aprofundar a realidade; numa palavra, é porque não reflectem bem, como declan a Sagrada Escriptura (Jer., L2, 1 I ) . (Jma primeira causa da descrençae concausa com q mó uontsde é, pofianto, a írreflexão, a não consideração das coiscs, das rcalídades, das nosscs

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Má vontade

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tão sériasobrigações.Ã irceflexão facílmenteé um defeito natural, uma preguíça, uma \eoíandadede espírito, uma negligencía,perfeítamenteao alcance da nossauontade,'\índa mais dependentes da oontade são os outras cquEasda descrençano inferno, como sejam: a despreoccupação do futuro, a apqthia relatiuamentea tudo quq,nto nõo é em proueito da uida mqterisl, uísíuel e sentímental; a ínsinceridadecomsigo meEmo; o medo e a couardía de encqrar só por alguns minutos essc tremenda realidade do ínferno como castígo do pouco coso que se f az de Deuse dos detteresque elle nos ímpõe: q couardiq em confessaras proprias ínconsequencíasdas cofsase conf essor:" Si continúo assím., condemno-mea mím mesmo: o inferno paru mim será certo! Não deoo, poís,contínuar assím".E a pteguíça e a couardía em reagir cóntru as faltas, em sacudír a ínercía e a indolencía espírítual, em cotrígír tantas íncoherencíqs,em rcsoluer-Ee,uencet-Ee e trabalhar sériamentepela propria soluação.Sôo esresos uerdadeirosmotiuos ínteriores da descrença no ínferno. Em todos elles oerifica-seuma enorme falta de conscíenciosidade, e portanto uma grande culpalidade. E, note-sebem: essesque tanto Íaltam â sâ nz-ao são os que mais alarde f.azemem proclamat


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Má vontade

que a seguem,e qúe o inferno contÍaria essaftzão. Contradizem-sea si propríos e contradizem a sã razão! E assim será todas as vezes que recriminarem a Deus ou a religião! Quanto mais'alarde fizercm da sua tazão, vontade e coração contra Deus e contra a teligião, tanto mais, necessariamente, hão de serconfundidose condemnados por tudo isso, E' fatal: experimental-o-ãotoda vez que ousarem apresentarcontra-provase procurar destruir as verdadesdivinamente estabelecidas. Quebrarão a cabeçaantes de conseguiremprovar o impossivel! A respeitoda existenciado inferno, podemos Iançar-lheo caft.ëlde ilesafioe calmamenteesperalos! - Está verificado que não se acha resquicio algum de razãoem tudo quanto os adversariosallegam tão insensatamente contra a veracidadedesse dogma. E com a completajustificaçãodo inferno, fica Deus plenamentejustificado. No fundo, q mó uontade é a uerdqdeiracousa pela qual muitos não admíttem, ou não querem admíttir, a existenciado inferno. Mas a md uontade estd em flagronte contradição com a sã razão. Elles não a sdmittem por causada fraquezaou pe? uersídadeda sua úontade, da corrupção do Eeucorução, Ahi estd,o segredoda descrença a respeítodo


Mâ vontade

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inferno;'d'ohí deoe tírar-se d solução do mgsteríoso e grande problema da eterna condemnação, E, sondando mais além, podemos indagar da orígem dessa peroersídode. Onde nasce, e cemo se forma? No fundo de cada um e aos poucos! E' obra de cada pessôa, explicauel peía influencíq fqtal das paixões, dos peccadose uícios sobre a üontade, e, em seguida, sobre a íntellígencia, peruefiendo-as ambas, e pondo especialmente sobre a intelligencia um vidro opaco. Ã descrençavem então a ser o resultado de infidelidades e iniquidades repetidas. Ã criança innocente gosta naturalmente de tudo o que a religião lhe propõe; sente em tudo conformidade com a sua naturcza não estragada; ê a verifícação de Tertuliano, quando dízia: .,Ã alma humana é naturalmente christã". E vem ainda aqui a proposito a recommendaçãode J. J. Rousseau a seu filho a respeito da existencia do proprio Deus, applicavel por analogia á especie : " Meu f ilho, guarda tua alma em estqdo de sempre desejaresque haja um Deus, e nunca. duuidqrósf ". E tambem Seneca jâ lhes havia patenteado a consciencia erronea, a descrença affectada, dizendo: "Ãquelles qae dízem não sentir que ha Deus, mentemi pois, embóra o affirmem, succedeque á noite, quando sózinhos, duvidam dessasua asserç/s", - E final-


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Mâ vontade

inente occorre o que denunciavaOvidio: "Video meliora proboque,deteríorasequor", vejo e provo o que é melhor, mas sigo o que é peor. na não existencia Muitas vezes,os interessados do inferno não podem deixar de enxergaro valor das provas em favor da mesma;mas não a querem reconhecernem professar,porque não querem incommodar-secom ella: realmente,teriam que Ínudar de vida, e isto decididamente não lhes convém! - O peccadopeor é resistir â verdadeconhecída. E' o signal mais evidenteda reprovaçãopresente e futura ! Quem não se dírígir na sua uída pelasrealidades exístentes,quem não fízer casodellas, é ínsensato! Quem andar á borda de um abysmosem tomar cuidado,caírâfatalmentenelle! O grandeabysmo que temos a evitar é o infergro.Elle é uma rcalidade, e entre todas as realidadesa mais terrivel, uma realídadetremenda, eüe nos causa arrepios por pouco que a comprehendamos. Com fogo não Ee brinca! Foi um homem certa vez tentado por uma forte tentação contra a pvteza. Lembrou-se do inferno para vencel-a. Persistindo, porém, e augmentandoa tentação,decidido pÍocutou o fogão. Estendeua mão e poz alguns dedosno fogo, dizendo


Má vontade

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cuÍando com toda energiasupportaÍ a dôr das "Ah! si não posso queimaduras,accrescentou: siquer conservaros dedosnestefogo e supportal-o alguns minutos, como poderia supportar o fogo eterno?" Com esta experiencïa,passou-lheo gosto do prazer carnal, O que seria pa:.adesejara todos aquellesque negama existenciado inferno, ou que não querem incommodar-secom elle, é que lhes fôsse dado padecera millesima pa(te do que terão de soffrer numa só hora no inferno. Como então gritaríam no augeda dôr, dôr que de certo desesperadamente se lhes afigararïainsupportavelpor um só minuto! Ficariamcuradospara sempreda sua incredulidade; e tomariam então as mais seriasprovidencias,sacrificando tudo para se garantiremuma eternidade f eliz. Seriasalutar,semduvida,masDeusassimnão quer. Como jâ explícâmos, Elle nos guia dignamente, nâo pela força, mas pela sã razão, ennobrecida pela fê; quer que sejamosbons filhos, e não escravos. Não quer obrigar-nos de modo nenhum. Quem nõo quízerseguil-oe cumprír-lheas leíscom bôa uontade,setá,reprouado! menosptezare deNão d,euemosdesconhecer, sattendet a üoz da conscíencíq!E' uma voz quasi


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Má vontade

imperceptivel, um sussuro interior, uma \az que não arde por emquanto, mas que se impõe imperiosamente, e que temos de seguir com promptidão. Conhecemos as obrigações. Não temos que exigir mais outros signaes. Si Jesús, o mestre do mundo, de repente rcapparecesse, certo não proferiria nenhuma palavra mais, nem faría.oovos rïÌilagres parc nos dar melhor garantial ,\s garantias, temol-as, sufficientes para agir ruzoavelmente. Quem até aquï menosprezou essa voz tão delícada da consciencia, não o faça mais d'ora em diante ! Deuemos comprehender o que Deus queÍ, e aprender com Elle a avaliar as coisas. Deus atftibúe maior importancia aos actos humanos do que nós geralmente o fazemos, por não teflectirmos. E' de summa importancia notar isto! Devemos considerar as nossasobrigaçõescomo Deus as considera, corÌÌ todas as suas consequencias,e conformqr-noE ós suas uístq,s,Ãcceitar, por exemplo, eÍn pensamento am prazet carnal, üÍr sentirrÌento de odio contra o proxímo, parece insignifícante; entretanto, si morrermos logo em seguida sem arrependimento, será o sufficient e parc cak_ mos no inferno. Faltar á missa aos domingos é tão facíl, posto que já o não seja tanto deixar-se de attender a um amig-o que convíde parc um ne-


Bôa vontade

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gocio urgente, ou mesmo pa:.a um divertimento' Parecetambem uma coisa insignificante,e todavia gravissimasl comporta consequencias "Pequei,e que Não se diga insensatamente: Ainda que o mal aconteceu?"(Eccli., 5, 4). castigo de Deus não sobrevenhaimmediata e instanüaneamerlte,cômo um raio, não deixatâ 'de ou persobrevira seutempo. Àdiar não é esquecer doar. Por emquantoDeus deixao peccadorÍazer o que quizer, sem se incommodar. Breve, porém, o dono voltarâ, para exigir conta rigorosissimade tudo. Seráentão o tempo dos " aï!" para todos os que a seu tempo não quízeram ouvir. Mas será tatde, e tatde para sempre. Portanto, si qtrizermosgarantir os nossosineternos,não sejamoslevianos,irreflectidos, teresses illogicos, incoherentes! Tenhamos sempre para com Deuse para com s nossctsaluaçãotoda bôa porque é de uontqde! E' de primeira necessidade, ! Por effeito da bôa vontade, summa consequencia a sentençadecisiva,de vida ou de morte, de eterna ser-nos-áfavoravel! felicidadeou de eternadesgraça, Bôa uontade, eís a palartra matauílhosaque une o céo d terra, a palawa que refulgiu pela primeira vez em sua verdadeira luz nos campos de Belém, quando ttazida â terra pelo canto dos an-


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Bôa vontade

jos, annunciandoa vinda do Messias,o nascimento do menino Jgsús.Proclamando o poder maraviIhoso da palavn "Bôa vontade", juntaram-lhe os anjos outra palavra encantadora "Paz!" -, dizendo: "Paz aoshomensde bôa uontade!" tlssím cantaram elles, alternando com ô uoto "GIoúa a Deus nas alturas!", fazendoassímsentir que o Menino Jesúsuiéraao mundo paru promooer a gloría de Deus pela bôa uontade dos homenE,recompensando esEepouco, essasimplesbôa uontade, com o gloria e felícidade do céo, Dorsúonte, paz em Jesúspara quem a queíra! - foi a bôa nova dos anjos! Pela afffumaçáode Deus, o céo aberto e o inferno fechadopara toclos os que tiverem bôa vontade, Era o menos, e ao mesmo tempo o mais, que Deus podia exigir dos homens,e exigerealmente.A criançapequena,como o velho decrepito,póde e deve tel-a, e dal-a a Deus seu Creadore sobeÍanoSenhor, merecedorpor todos os titulos dessetributo da nossavontade lívre. Essapalavra ê,a estrellade alegria de Belém, por cima do presepiodo Menino Jesús,a estrella da felicidadepresentee futura, que acompanhaos homens de bôa vontade durante a sua peregrínação terrena.Jesúsveiu buscar na terca os homens de bôa vontade para conduzil-osao reino do céo; os


Bôa vontade

22L

de mâ vontade ficam fóra dessereino, delle excluidos para sempre,e reclusosIá onde ha chôro e ranger de dentes. Essa palaura, pofianto, é a diuísa,a senhapara o céo! E símultaneemente a gloria de Deus e a paz e a felícídadeeternados homens! Bôa uontade, pois! E' a grande condiçõo da saluação!Della ninguem é dispensado.Não nos illudamos a respeïto,DeuemoEter real bôa uontqde, bôo uontadeeffícqz! Só estaé salvadora. Bôa é a uontadeque se hqrmoniza com a recto rqzão; que estâde accordocom as exigenciasda - os mais belreligião.E' serlogicoe consciencioso los predicadosde um homem! Convencidosda existenciado inferno, ponhamos a nossavida de accordocom esta convicção. Quem se enganou atê hoje, não persistano seu erro funesto. Errar é humano; mqs perseüerarno erro é diqbolicol "Hoje que ouvistesa voz de Deus, não queiraesendurecero vosso coração! " , disse Deus varias vezes (Pr. 94, Hebr., 3 e 4), isto é, não vos obstineis,não resistaesá graça. Lembraeda morte, do juizo vos dos futuros acontecimentos, e do inferno, e não pequeismais (Eccli., 7, 40) . Salvar-vos-eis;vivereis e moÍrereiscomo bons fiIhos de Deus, como santos! Oh! que beneficío íncalculaoel é o de nos


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O pensamento do inferno

Iembrarmosftequentementedo inferno! "Si eu estivesse convicto da existenciado ínferno, seriaum santo", affirrnou um dia certo cavalheirode destaque.E contínuou: "E si o sr. Bispo estivesse convencido da existencíado inferno, não viveria assim no palacio.. . e os padresnão . . .,, procurando resolveçlhe a'objecção,replicámos-lhemais ou menos: "Não deve o amigo exaggew o effeito destaverdade,como si a convicçãodo inferno tirasseo livre arbitrio, a vontadepropria, os vicios, as contrariedades, a fraquezahumana e a fascinação do mundo. Àinda que acreditasse no inferno, o Snr. ainda não seria santo! Podia continuar no seu Banco, e o sr. Bispo no seu palacio,e os padresa seremhomenscomo os outros. O pensamento do inferno é um freio vigoroso contra todos os peccados, e um estimulosalutar paraa santificação, Comtudo, si o amigo quizer experimentata influencíasalutar dessepensamento,compenetrando-se profundamente dessaverdade formidanda, como o fizerum os santos, setâ até, um santo. À' sua disposiçãoestamos para provar-lhe cabalmentea existenciado inferno; e quando o Snr. fôr santo, ou ao menos quando se converter,estarâ de pal:'bens!" O pensamentodo inferno fez profunda ím_


A pregação sobre o inferno

223

pressão em todos os sdnfos; estimulava-os a ptaticar heroicamente a virtude, e ajudou-os a chegar â santidade. Houoe até críanços que se santif icaram por eíle. Refere o Padre Schouppe êste facto: Em 1815, no collegio de Sto. Ãcheul, perto de Amiens, morÍeu o joven Luiz Francisco Beauvaís. Contava apenas quatorze arlnos, mas jâ estava maduro par:ao céo, pois a sua vida tinha sido innocente e santa. Tão solida virtude em idade tão tenra en devida ao pensamento do inferno. Sendo ainda muito críança, estava um dia sentado junto a sua mãe e diante dum braseiro, disse-lhe: "Ma"Aí, mãe, o fogo do inferno arde como este?" meu filho, este fogo não é nada em comparcçáo "Oh! e sí eu caíssenelle!", com o do inferns". -- replícou com horror o menino "O ínferno é só para os peccadores.Si disse-lhe sua mãe Estas evitares o peccado, nada tetâs a temet" palavras gravaram-se no coração de Luíz Francisco, e fôram o principio do seu horror ao peccado e da sua vida santa. E', pois, optimo para nos santificar e salvar o lembrarmo-nos frequentemente do inferno, e serrnos muitas veze's lembrados da sua realídade telrivel ! E para lostimar que os sacerdotes préguem talvez tão raramente essatrcmenda uetdade, -


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Sciencia da theologia

com receio de não serem acredítados.Oxalá observassem todos melhor a recommendação do immortal pontifice Pio IX a um missionarío: "Prégae muitas vezes as grandes verdades da salvação. Prégae sobretudo o inferno, Nada de moderação; dízeí claromente e bem alto toda a oerdade acerca do ínferno. Não ha coisa melhor para fazer reflectír, e conduzir q Deus os pobres peccadotes". Ãlludindo ao presente escripto, póde parcceÍ que não é necessarionem conveniente tratar do inferno tão a fundo e por provas de ruzão. perante um publico religioso que acredíta piamente na existencia delle, tanto mais quanto as provas philosophicas são de difficil exposição e comprehensão. E' porém, pata notar, que as verdadesda razão formam a base racional das da fé e que estas se provam muitas vezes tambem pela nzão. Ademais: Ã sciencía,e especíalmentea sciencía das scienciasa philosophia é ìgualmente de Deus, como o theología, e Ee completam mútuamente, Na "Summq theologica", obra prima de S. Thomaz, a maior pafte é de pura philosophia, de tal sorte que, separada nella a philosophia da theologia, esta ultima ficaúa rcdazída a um livrinho como a "Imitação de Jesús-Christo", quiçá á ducen-


Razõesda nossa fé

tesima patte da obra. Comtudo, essaobra monumental é a Scienciada theologia, uma das principaes fontes onde os nossostheologos.vão buscar os seusthesouros.S. Thomaz consegaeconuencernos soóeranamenteda racíonabilídade du nossa santa relígião, do suo admirqrlel concordanciacom a sã razõo. E o que hoje em día tanto falta saber! Falta maís do que nunca a scíenciada religíão, falta comprehendel-aa fundo, pela razão, A este Í€speito, a idsde média era bem o tempo íllumínado, emquantoo tempo moderno é o tempo escuro; sabe-seum pouco de tudo, mas nadaa fundo, e muito menosa religião. Assim, hoje em dia é de summa utílidade e necessidade fazer comprehenders religíão pela razão,' é optima coisa pôr em relevo o accordoda nossadoutrina com as exigenciasda sã razão, Sendo a exístenciado inferno uma das verdadesfundamentaesda religião, e o "inicio da sabedoria", é de Eumma,utílidade conhecel-anão só pela reuelação,mas corrtprehendel-atambem pela razão. à quem não ê,bem esclarecido na religião, o simples facto da rcvelaçãodeixa, as mais das vezes, bem frio. ,\ fê fuacae a ignorancia dão margem a subterfugios,e á descrençaa respeitodo inporém, a conheceressaverdade ferno. Chegando-se,


* 226

Salutares avisos aos descrentes

pelas imposições da sã razão, a intellígencía não rcsiste mqís, € o homem de alguma bôa uontade fíca definitíLtqmente gonho á causa da religiõo. Ã propria pessôa religiosa, compenetrando-se bem dessa verdade pelos motivos da nzão, fica mais firme e maís fíél a Deus, vigorosamente estimulada a uma maior perfeição e santidade. Si para o homem re_ Iigioso é tão util e ás vezes até necessariopôr na balança das suas decisõeso formidaver peso do inferno, maís necessarioé ísso aos que uíttem afqsta_ dos dq lgreja, qos gue são meio ou totarmente irreligiosos e descrentes, Foi para estesque este opus_ culo foi mais especialmente escripto. Foi es*ipto tambem para as pessôasreligiosas que quizerem verificar ainda melhor a questão e convencer_se profunda e definitivamenre dessagrande, dessateriiver verdade, nem sempre explicada satisfactoriamente nas igrejas. Ãssim, hq de ser este opusculo um precioso auxilíor do sqcerdote,vm manual de instrução, tratando o fundo a grande questão. A, falta de outro llvro que assim considere a existencia do inferno sob o ponto de vista da sua harmonia com a razão, preenche este uma verdadeira lacuna. Será elle assim um optimo propagandista da vetdade, ganhando almas para Deus. A verdade im-


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Aos amigosdos transviados

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pôr-se-á por si mesma! Às rczães irrespondiveis que elle invoca,encontrarãocertamenteforte êcona consciencía,náo a deixando em paz atê,que se resolva por Deus, entregando-se-lhe definitivament€, ou então merecero inferno eterno, o que de certo ninguem quererá.l\ bôa vontade facilmente vencee se decídea seguir a sã razâo, integrandose no cumprimento dos deveres.Permítta, assím, Deus que eEteopusculo, escríptocom oE maís carídososíntuítos, consíga abrír os olhos a muítos transuíaãosou recalcitrantes,e reconduzil-os assím pora Deus, Iiurando-osdo eternocastigo! Escripto com profunda compaixão, deue este opusculoseruir aosdeueresda carídade,A caridade mais necessaria e mais meritoria é soccorrero proximo na maior miseria e salval-o do perigo mais funesto.Ora, a miseriadas miseriasé a morte eterna; o perigo dos perigos é o da condemnaçãoao inferno! Ora, a carrdadeobriga não só pela miseria que a solicita, como tambem pela proximidadeem que de nós se encontramos que nella estão ou se acham por ella ameaçados.Quem nío teút parentes,amigos,conhecidos que trilham o caminho do inferno? Quiçá serãoos proprios paes,serãoos irmãos! Pois bem: sería faltq de carídade,dureza de coraçã,o,crueldadeo não se íncommodar com


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Os que esperaaos incredulos

a eterna sorte daquellesque lhe são caros, deíxando-os resoalarsocegadospara o abgsmo infernal sem tentar saloal-os.Si elles alli vierem a caír, amaldiçoarãoos seuscaros que nada tenham feito para evítar-lhesessatremenda desgraça.Por isto, terâ este livrinho a sua utilidade, permittindo ás almas caridosaso conúencerempelos argumentos ímperíososda razão os que não queremsabernem ouuír falqr de relígíão, despertando-lhes a conscienciada sua lethargia,do seusomno de morte. Desperte-se-lhes, pois, caridosamente a curiosidadepor este opusculo. Si elles não se renderemaos argumentos da logica mais segura,aos imperativosda sua sã razão, tão pouco se renderiamá verdadesi um reprobo viéssedo inferno a advefttl-os. Nem Deus os salvará! Que desdejá se representemos increduloso que lhes ha de acontecerinfallivelmente.Malgrado as suaspretensasimpossibilidades,, apesardos seus argumentoscapciosos,de ordem logica ou sentimental, no grande día do J:uizo Final vêr-se-ão certamentecollocadosá esquerdado Filho de Deus, como reprobos,verificando então como pura rcalidade.,posto que absolutamente f6ra de tempo, irquanto lhe foi declaradocomo remediavelmente, verdade pela religião e pela propria consciencia.


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,i ConfiaÍrça!

Vêr-se-ão na eterna desgraça,relegados para sempre ao convivio dos demonios, rejeitados por Deus. Experimentando então como a si proprios se enganarom durante q uída. Sob o peso de opprobrios e

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remorsos incomportaveis, chamarão sobre si as collinas e os montes para os cobrirem e subtrahil-os á vista dos bons, dos bemaventurados. Apenas proferida a ultima palavra da sentença aterradorra: "ftetírae-uos de tnim, para o fogo eterno!", serão irrernediavelmente precipitados no eterno abysmo. Consequencía fatal da mó uontode, da obstinação oté o fim! ïulgsterio da maldade humana! Afastemos o olhar dum espectaculotão horroÍoso e tríste. Lembremo-nos da infinítq bondade de l{osso Senhor Jesús-Christo, da sus ínfinita mísericordíq, que nos é offerecïda como o foi a todos os infelizes que padecem naquelle lugar de torturas. Lembremo-nos dos scnÍos e bemqt)enturados no céo, e reflictqmosl O que elles puderom, tambem nós podemos! Onde elles chegaram, com a graça de Deus, tambem nós podemos chegar. ,Está nas nossas mãos preservarmo-nos da terivel desgraça do inferno. E por uma real bôa oontade! Digamos cada um comsigo: Não quero attrahir sobre mim a maldição de Deus, e sim a gtaça e mísericordia de Nosso Senhor Jesús Christo. Vou,

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Coniuração

pois, resolutamente cooperar com a graça de Deus doravante, cumprindo todos os meus deveres,todos os devetesque Elle me impoz. Para isto, não olharei a sacrificios. Sim, meu Jesús, entrego-me ao vosso amor! Sois tão bom, táo meígo, tão amante das almas de bôa vontade ! Fizestesimmensos sacrificios para me salvar, pa:.a me provar o vosso infinito amor e ganhar-me o coração. Eil-o, pois, este meu pobre coração; eu vol-o dou, vol-o entre-

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go para semprel Só quero é amar-vos, servir-vos, seguir-vos até onde quizerdes! Quero viver doravante bem unido a vós, ó meu bom Jesús,e trilhar assim o caminho da eterna recompensa,do paraiso das vosas eternas deliciasl Tenho medo do ínferno, medo da uossq iustiça úgorosa, que leoa em conta tudo, as grades como qs pequenqs fultas. Mas tenho tambem pleno confíança na uossd ínfiníta miserícordia,,no auxílío da uossc graça, naE dmorosas disposiçõesda uossc díuina Prouidencía! Quero ter mqis desconfionça de mím, e maíot bôa uontade! Ajudae-me com a vossa graça, previna ella as minhas quédase infidelidades! Mantenha-me no caminho da verdade e da virtude. Disponha tudo em favor da minha salvação e da vossa gloria ! Confío na vossa bondade, entrego-me ás vossasdisposições, por mais que me custem. Srm, ó meu Jesús, guar-

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conjuração final

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231

dae-me EemprecomooEco,pard que no dia do grcnde juízo eu possaouuir dos uossos labios diuinos a jubilosa chsmada para a uida eternu: "Vinde, bemditos de meu Poe, possuí o teino que uos estd pre' parado!" E cantarei então eternamentea vossa incomprehensivel bondade, a vossa misericordia sem limites! Oh! meu Jesús, não sejaes pata mim Juiz' mas Salvador! Ofrt meu Jesús, sêde Para mim Jesús! Dôce Coração de Maria! Sêde a minha salvação! S. José, Padroeiro da bôa morte,

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