Luto e Desligamento Quando o Paciente se Despede do Terapeuta

Page 1


Luto e Desligamento: Quando o Paciente se Despede do Terapeuta

Grief and Termination of Psychotherapy: When the Patient Says Goodbye to the Therapist

Brisa Almeida Gomes1

Maria Eduarda Villar Magalhães 2

Natália Chaves Custódio3

Resumo: O presente trabalho aborda o luto sofrido no período pós-analítico e as consequências geradas em analisandos, especialmente quando defrontados com término abrupto causado por questões do terapeuta A pesquisa elaborada é de natureza teórica e baseada em uma revisão integrativa Discute-se sobre o fim de análise, sua compreensão teórica e técnica da clínica psicanalítica, por meio do levantamento e análise bibliográfica de estudos produzidos no período entre 2000 e 2020 encontrados nas bases de dados PePsic, SciELO Br, BDTD, LILACS, BVS, Periódicos Capes, Medline e por busca manual. Os resultados obtidos indicam a escassez de materiais que abordem sobre a temática, se limitando em apenas 10 artigos selecionados Devido à ausência de qualquer testamento que direcione os documentos sigilosos técnicos e encaminhamentos possíveis para novos terapeutas, as pesquisadoras levantam como crítica a ausência desses documentos e escassez de materiais brasileiros

Palavras-chaves: Psicanálise; luto; término da análise; analista; desligamento

Abstract: This paper addresses the mourning suffered in the post-analytical period and consequences generated in analysands, especially when encountered by the abrupt termination due to therapist issues This research is of a theoretical nature and based on an integrative review It discusses the end of analysis, its theoretical and technical comprehension of the psychoanalytic clinic, through the survey and bibliographic analysis of researches published between 2000 and 2020 found in PePSIC, SciELO Br, BDTD, LILACS, BSV, Capes, Medline databases and manual research The results obtained indicate the lack of materials that addresses the topic, limited to only 10 selected articles Due to the absence of directions that indicates the confidential technical documents and possible referrals to new therapists, the researchers raise a critic to the absence of these documents and the lack of Brazilian materials

Keywords: Psychoanalysis; grief; termination of psychotherapy; analyst

1 Aluno do curso de Psicologia Bacharelado da Universidade de Mogi das Cruzes E-mail: brisaalmeida@yahoo.com.br

2 Aluno do curso de Psicologia Bacharelado da Universidade de Mogi das Cruzes. E-mail: m eduardavillar@gmail com

3 Aluno do curso de Psicologia Bacharelado da Universidade de Mogi das Cruzes E-mail: nati chavescustodio@hotmail com

INTRODUÇÃO

O término de análise, assim como o seu início, pode ocorrer de maneira espontânea, contudo, espera-se que tal encerramento seja elaborado e trabalhado em conjunto ainda em terapia. Na relação psicoterápica é importante que conte com espaço relacional constante e contínuo, nesse sentido, pode haver um impacto quando a ruptura do par analítico se dá abruptamente. Pode-se dizer que é muito difícil, quase impossível, estabelecer regras gerais para qualificar o processo de término, podendo concluir que existem tantas modalidades de término de análise quanto de tipos de análises (SAIGH, 2008b).

Uma análise termina quando analista e paciente deixam de se encontrar, sendo esperado que tal acontecimento se dê quando duas condições sejam preenchidas: primeiro, que o paciente não mais esteja sofrendo de seus sintomas e tenha superado suas ansiedades e inibições; segundo, que o analista julgue que foi tornado consciente o material reprimido. Quando se é impedido, por dificuldades externas, de alcançar esse objetivo, pode-se falar de “análise incompleta”, de preferência “análise inacabada”. Outra possibilidade de término se dá de uma maneira mais ambiciosa, quando indagado que o analista exerceu uma grande influência sobre o paciente e que não se pode esperar nenhuma mudança caso a análise seja continuada (FREUD, 1937/2006). Espera-se que o profissional esteja capacitado para compreender e manejar diversas possíveis respostas emocionais do paciente frente ao desligamento da análise, contudo, situações adversas ao planejado podem acontecer durante o processo analítico (SAIGH, 2009).

Acredita-se que quando o desligamento da relação terapêutica ocorre a partir do analista, surge no analisando, tanto consciente como inconscientemente, um cenário psíquico bastante mobilizador Saigh (2008b, p.52) afirma que “a perspectiva de não mais voltar a encontrar seu analista provoca no analisando um sentimento de pesar, é vivida por este como uma perda, que faz aflorar outras perdas sofridas anteriormente”. Pode-se observar que, frequentemente, quando o término de uma análise se aproxima ocorre no paciente situações reativas mais arcaicas de separação tendo uma experiência de desmame. Ou seja, emoções sentidas pelo bebê na época do desmame, quando os conflitos infantis arcaicos chegam a um ponto máximo, são intensamente revividas nessa fase (KLEIN, 1950).

Ansiedade de separação e o luto também são características recorrentes deste processo. Segundo Freud (1926/2006) a dor é a reação real à perda de objeto, enquanto a ansiedade é a reação ao perigo que essa perda acarreta. O luto é uma temática que desperta interesse, estudo e produção em literatura psicanalítica, além de valiosas reflexões clínicas. Seu processo faz-se presente tanto no ciclo vital, como na experiência subjetiva de cada sujeito nas mais diferentes maneiras ou mesmo em cada par relacional, incluindo o par analítico. O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o seu lugar, como os pais, a liberdade ou o ideal de alguém, entre outros. Vale ressaltar que embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, não se é considerado como condição patológica, não sendo necessário submeter-se a um tratamento médico. Espera-se, portanto, que o mesmo seja superado após certo lapso de tempo (FREUD, 1917/2006).

Outra questão também que deve ser considerada muito importante para que uma análise chegue ao seu término é a dissolução da neurose de transferência. Não há término sem dor, se a neurose de transferência realmente se desenvolveu. É somente após relutar que o analisando abandona seu objeto amado, o analista (SAIGH, 2008b). Sabe-se que uma transferência está presente no paciente desde o começo do tratamento, e, por algum tempo, torna-se o recurso mais poderoso de seu progresso. A transferência pode aparecer como uma apaixonada exigência de amor, ou num propósito de amizade inseparável, mas não-sensual. Porém, pode-se também manifestar sentimentos hostis. Suspeita-se que esses sentimentos manifestos derivam de algum outro lugar, já intrínseco nos pacientes. Com a oportunidade estabelecida pelo tratamento analítico, são transferidos para o analista. Esses sentimentos afetuosos demonstram haver um vinculo afetivo, da mesma forma como a obediência, significa dependência. Caso haja uma transferência negativa, o paciente não se importa com o terapeuta e nem com seus argumentos (FREUD, 1916/2006).

Sabe-se que todo o processo terapêutico requer tempo, vínculo, escuta e acolhimento, não se diferenciando do período de término de análise que, apesar de incerto, é presumível de acontecer. O Setting analítico é composto pelos integrantes do processo analítico: analista e paciente. A sensibilidade do analista e seu tato

psicológico são fundamentais ao longo de todo processo, do início ao fim. Considera-se, para tanto, as características do paciente e as do analista, que se derivam de seu próprio percurso.

No campo psicanalítico, o setting é um espaço que se oferece para propiciar a estruturação simbólica dos processos subjetivos inconscientes, reunindo as condições técnicas básicas para a intervenção psicanalítica Nesse campo são englobados todos os elementos organizadores do setting: o espaço físico de atuação, o contrato estabelecido para seu desenvolvimento, assim como os princípios da própria relação, transferencial e contratransferencial, estabelecida entre analisando e analista (BARROS, 2013, p.71).

A figura do analista é constantemente relacionada a um ser inabalável e inexorável e por vezes se é colocado em um patamar inatingível e ideal, isento da possibilidade de ser acometido por uma doença, ter problemas pessoais, apresentar o desejo de aposentar-se, engravidar, mudar de cidade, ou, até mesmo, a ocorrência de sua morte de forma inesperada e repentina. Este tema foi escolhido a partir da observação de vínculos pessoais do sofrimento psíquico causado em analisandos com o fim da análise. Surgiu então o interesse pessoal das pesquisadoras, para maior compreensão em relação às questões clínicas e aos aspectos psíquicos envolvidos neste evento. Na comunidade psicanalítica este assunto sempre esteve presente nas discussões técnicas e teóricas, contudo, muito ainda pode ser realizado em pesquisa na área clínica para aprofundamento e ampliação deste tema, especialmente quando se refere a um término promovido pelo terapeuta de forma não planejada.

Assim, essa pesquisa justifica-se para a elaboração de discussões sobre o final de análise, a compreensão teórica e técnica da clínica psicanalítica, bem como a ampliação de discussão e reflexão teórica a respeito desta temática e levantamento de quantidade de estudos produzidos. Reconhecendo a relevância desta temática e a ausência desta discussão, especialmente no âmbito acadêmico, propomos uma revisão de literatura com o objetivo de analisar, sob o enfoque psicanalítico, as produções científicas sobre desligamento e término de análise a partir do terapeuta entre 2000 e 2020.

MÉTODO

O presente trabalho é uma pesquisa de natureza teórica realizada por meio de uma revisão integrativa. A revisão integrativa é a mais ampla abordagem metodológica uma vez que permite a inclusão de estudos experimentais e não experimentais, além de combinar tanto dados teóricos quanto empíricos. Este método promove a síntese de conhecimentos e a aplicação de resultados de estudos na prática (SOUZA, SILVA, & CARVALHO, 2010). Já a pesquisa teórica, conforme Gerhardt (2009), proporciona a definição de conceito, estabelece sistemas conceituais, auxiliam no aumento da construção de hipóteses, explicam, generalizam e sintetizam os conhecimentos. Tendo como objetivo descobrir respostas para indagações ou questões significativas, portanto, o estudo se utiliza de conhecimentos encontrados anteriormente, manipulando com cuidado os métodos, técnicas e outros procedimentos com o propósito de obter resultados (WITTER, 1997).

Foi realizada a busca eletrônica de artigos por meio das bases de dados Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Scientific Electronic Library Online (SciELO.Br), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Periódicos Capes, Medline e por busca manual. As palavras-chave utilizadas foram: “psicanálise”, “luto”, “analista”, “término de análise”, “fim de análise” e “desligamento”. Inicialmente o levantamento foi realizado por meio do cruzamento das palavras entre si, sendo organizadas pelas combinações “psicanálise AND luto” (597); “luto AND analista OR fim de análise” (930); “término de análise AND analista OR desligamento” (462); término de análise AND analista AND fim de análise (139); “término de análise AND analista OR fim de análise” (2); “psicanálise AND luto OR fim de análise” (193); “psicanálise AND término de análise OR luto” (485) e busca manual (27), totalizando 2.835 artigos encontrados.

Levando em consideração apenas os títulos dos artigos e sua relação com a temática da pesquisa, foram levantados 174 artigos. Ambos validaram os seguintes critérios de inclusão: I- idioma de publicação – artigos publicados em língua inglesa ou portuguesa, II- ano de publicação – foram selecionados artigos publicados no período entre 2000 até 2020, totalizando um período de 20 anos; III- referencial

teórico– Psicanálise; IV – temática - artigos que abordassem sobre luto ou desligamento clínico.

Por fim, foram aplicados os critérios de exclusão: I – temática: artigos sobre explicações generalizadas sobre luto (n=22); não relacionado à clínica (n=30); análise com crianças (n=2); luto não contextualizado ao setting terapêutico (n=21); tema principal abordado distinto ao foco da pesquisa (n=7); II - referencial teórico: outra abordagem teórica distinta da Psicanálise (n=22); III- acessibilidade: texto online não disponível integralmente (n=5); IV- temporalidade: mais de 20 anos de publicação (n=1); V- material repetido (n=54), totalizando 164 exclusões e 10 artigos incluídos para os resultados conforme quadro 1.

Quadro 1 – Artigos Selecionados

Nº Autores Título dos Artigos Idioma Ano de Publicação

1 PINSKY (2002)

2 BEDER (2003)

'Mortal gifts: A two-part essay on the therapist's mortality part I: Untimely loss

Picking Up the Pieces

After the Sudden Death of a Therapist: Issues for the Client and the “Inheriting Therapist”

Inglês 2002

Inglês 2003

3 TRAESDAL (2005)

4 SAIGH (2008)

When the Analyst Dies: Dealing With the Aftermath Inglês 2005

Transferências: estudo dos períodos de término e pós-término Português 2008

5 CRAIGE (2009) Terminating Without Fatality Inglês 2009

6 SAIGH (2009)

A elaboração do luto e as dificuldades de desligamento no pós-término de análise

Português 2009

7 HOLMES (2010)

8 DEUTSCH (2011)

9 BECHER; OGASAWARA; HARRIS (2012)

ZATTI et al. (2018)

10

Termination in Psychoanalytic Psychotherapy: an Attachment Perspective

Voz perdida, voz encontrada: após a morte da analista

Death of a Clinician: The Personal, Practical and Clinical Implications of Therapist Mortality

O término de tratamento em psicoterapia psicanalítica

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inglês 2010

Inglês 2011

Inglês 2012

Português 2018

Foram avaliados o total de dez artigos e escolhido seis temas que se apresentam parcialmente ou predominantemente entre si, conforme indicado no quadro 2. Pode-se verificar que, dentre eles, as temáticas mais abordadas foram: I–Pacientes Enlutados e Suas Características (9) e II- Consequências de um Desligamento Clínico Abrupto (9). Em sequência: III– Estudos Empíricos e Materiais Atuais (6), cujos artigos indicavam estudos e citações sobre o tema no âmbito acadêmico e/ou atual; IV- A Morte como Tabu (5), verificando como, apesar da morte ser um tema muito discutido no contexto psicanalítico, na relação entre analista e terapeuta não é comumente abordado; e o tema central da pesquisa V – Quando o Terapeuta se Despede de Seu Paciente (5), relatos sobre possibilidades e motivações do desligamento clínico proveniente do terapeuta. Por fim, VI- Aspectos Legais e Confidencialidade (2), referente às possibilidades do que se fazer com o paciente que perdeu o terapeuta, terapeuta-herdado e questões documentais.

Quadro 2 – Temáticas principais

Artigos

PINSKY (2002)

Quando o Terapeuta se Despede do seu Paciente

Terapeuta morreu repentinamente e sentiu-se solitário mais do que nunca;

O trabalho de separação é denominado “término” e é natural;

A morte do analista atravessa a relação terapêutica;

É esperado que haja rompimento por motivo teórico, não imprevisto;

“Perda prematura” pode ser mais complexo que o falecimento do terapeuta; O ritual de despedida não é apenas uma tarefa, mas também uma certeza;

O objetivo dessa forma de proximidade psicoterápico é a separação;

Pacientes Enlutados e Suas Características

Consequências de Um Desligamento

A Morte Como Tabu

Clínico Abrupto

Tenta-se suprir a ausência ocupando-se de livros e pessoas;

Independente do período de distanciamento/separação a despedida é necessária;

O ritual de despedida é um direito do paciente;

O paciente corre o risco de apego, dependência e intimidade devido a relação transferências;

Lida-se com o fim da análise e fim da vida;

Lida-se com o duplo sentimento de solidão;

Aspectos Legais e ConfidencialidadeTestamentos

Profissionais Estudos Empíricos e Materiais Atuais

Freud não retrata em suas obras seu adoecimento; N A

Medo de confrontar a mortalidade impede de pensar a rescisão;

A teoria da rescisão e o evento da perda prematura devem ser vitais;

Enfatiza-se a fase de terminação, mas não outras ocasiões;

Na literatura psicanalítica não se encontra a voz do paciente;

BEDER (2003)

A interrupção não planejada ocorre geralmente devido a acidente ou morte;

O paciente provavelmente ficará zangado, se sente traído, reluta em confiar;

Paciente sente raiva do terapeuta falecido, pois se sente abandonado;

N.A

N.A

TRAESDAL (2005)

Rescisões forçadas ocorrem também por mudança de emprego, aposentadoria ou doença;

Cada forma de rescisão tem seu impacto exclusivo no paciente;

Terminações forçadas tendem ativar os desejos, fantasias ou medos do cliente; Relatos de casos;

Perda prematura de dois analistas durante o processo analítico;

O analisando precisa recuperar a parte perdida pelo fim analítico;

Paciente sente raiva do terapeuta herdado por não o achar tão capaz;

A literatura sobre a capacidade dos pacientes se engajarem novamente é escassa;

Primeiro estudo exploratório foi conduzido por Lord, Ritvo e Solnit em 1978;

O rompimento analítico no meio do processo é mais delicado; Falta de reconhecimento de Freud de sua própria doença prolongada;

É necessário comitê para auxiliar pacientes enlutados e procedimentos técnicos;

O objetivo é focar em aspectos não reconhecidos do assunto;

Não há apoio para pacientes que enfrentam a morte do analista; Existe diferença entre lamentar a perda do analista e da análise; Luto pode ser um aspecto vivenciado como normal ou patológico; Quando trata de morte, a voz ouvida é do analista; Há defesas para que o analista substituto seja conhecido do falecido; Há um estudo baseado nas reações de pacientes enlutados;

SAIGH (2008)

Doença terminal implica uma oportunidade de se ajustar à situação;

Ligação pode não ser benéfico para o paciente, mas uma correspondência sim;

No início o corpo doía, sentia-se vivendo existências distintas;

O luto pode ser traumático para camada psíquica do paciente;

É necessário suporte de outro analista para o paciente enlutado; É necessário lidar com a possibilidade de adoecimento e morte; É importante que paciente perceba o analista como pessoa real; Doze artigos na dec. 90 e um livro falam do assunto;

A perda causa ansiedade de trauma grave, mesmo sem sinais aparentes;

O paciente perde a análise e o relacionamento real;

Relatos de casos;

CRAIGE (2009)

Somente ao final da relação psicanalítica que as fantasias chegam à transferência;

Definir uma data torna o final da análise real;

A imagem do analista pode se corromper pelos

O fim da análise faz analisando vivenciar questões ainda reprimidas;

Perder o analista pode ser como perder uma parte de si mesmo;

Indivíduos com histórico de perda precoce são vulneráveis após rescisão.

Profissional deve agir objetivamente se o tema sobre morte surgir;

O paciente pode estar na defensiva para minimizar e recusar auxílio; Assunto morte durante análise é interpretado como fantasioso e simbólico;

A díade pode ser a maior relação de segurança do paciente; Paciente pode permitir acesso ao material analítico tendo analista como suporte;

O fim da análise sempre será sofrido e abrupto;

O luto começa durante a rescisão permanece depois da sessão final;

O desligamento evoca dores relacionadas às

seus comportamentos pós-término;

Se o analista ferir seu ex-paciente, pode não haver oportunidade para reparar;

Mesmo que paciente e analista se relacionem pós-término a perda é inevitável; Relatos de casos;

SAIGH (2009) Dificuldades de desligamento permeiam todo o processo da análise;

O luto inicia desde quando a data final é anunciada;

Encerrar a terapia é um segmento significativo na vida do cliente;

Vivenciar o luto possibilita analisando a lidar com mundo externo;

separações do passado.

HOLMES (2010)

O luto existirá independente de como o pós-término aconteceu;

O final pode ter vários significados dependendo da perspectiva do paciente; Quando a separação é irreversível, é necessário lidar com o luto até que se torne sustentável; Não pensar a morte é não pensar a transitoriedade da vida;

O término traz ganhos e perdas como autonomia e ausência de conforto momentâneo;

A elaboração do luto dá-se na ressignificação relacional;

Falta do outro na forma da disponibilidade que ele fornecia;

A ausência dá-se primordialmente da disponibilidade que possuía do tempo do outro;

DEUTSCH (2011)

Soube do falecimento de sua analista por outra psicóloga;

Sentia falta da analista falecida e também de sua análise;

Refazia um trabalho psicológico como se analista estivesse viva;

Temia que entrar num “novo relacionamento” estragasse o antigo;

Lidar com a perda necessita de uma rede de apoio; A gravidade do trauma direciona como será vivido até elaboração desse luto; Perde-se tanto o lugar transferencial quanto a pessoa do analista

Impossibilidade de começar uma nova relação analítica; Se fala sobre o ponto de vista do analista, não do analisando; N A

Sentia culpa pois parecia trair a antiga;

Sentia falta de como pensava; da analista e de como se falavam; Não consegue e perde o prazer de falar em análise;

BECHER; OGASAWARA ; HARRIS (2012)

Pouca atenção é dada à morte e falecimento prematuro do terapeuta; N.A N.A

A morte é inevitável, mas nos EUA a discussão é tabu; Indica-se testamento direcionando os documentos e a continuação de análise;

Poucos artigos existem e abordam geralmente como ajudar o paciente;

Não há artigos que atravessem o atuar terapêutico e

ZATTI et al. (2018) N.A

sua mortalidade;

A cultura da negação da morte traz impactos e riscos; Pesquisas não abordam termos de proteção e confidencialidade sobre morte do terapeuta; Segundo estudos empíricos, a morte do terapeuta resulta em luto intenso;

O medo de se falar da morte, humaniza a mortalidade; Na Flórida foi proposto a criação de testamento de confidencialidade; Apesar das recomendações, terapeutas não pensam sobre sua própria mortalidade; É responsabilidade do terapeuta prevenir quanto a registros do paciente; Facilita o cuidado com a clínica e cliente, evitando confusão; A ideia de testamento é pouco tratada dentro da literatura; Incapacidade em lidar com a própria mortalidade dificulta adesão do testamento;

Finalizar o tratamento pode desencadear sentimentos primitivos; O término retoma sentimentos N.A N.A N.A

dolorosos e arcaicos;

Quando o Terapeuta se Despede do seu Paciente

A partir dos resultados obtidos, notou-se que dois dos artigos selecionados foram escritos por autores e profissionais de Psicologia que vivenciaram a perda de seu terapeuta em algum momento ainda durante o processo analítico (PINSKY, 2002; & DEUTSCH 2011), outros dois, utilizaram relatos de casos para discorrer sobre o assunto (BEDER, 2003; CRAIGE 2009) e um, utilizou tanto seu relato pessoal quanto outros casos (TRAESDAL, 2005). Os demais artigos, apesar de conterem informações relevantes sobre o desligamento clínico, abordam a temática como algo trivial na relação terapêutica, não levando em consideração as possibilidades de términos abruptos ou não elaborados adequadamente.

Enfatizando a importância de se abordar as formas de desligamento não somente partindo de um pressuposto de um término comum acordado entre paciente e terapeuta, mas também, levando em consideração as possibilidades adversas que existem, Pinsky (2002) evidencia que, apesar do trabalho de separação ser considerado “natural”, o término abrupto traz consequências à relação terapêutica, pois é esperado que o rompimento ocorra por motivos teóricos, não imprevistos. Esses imprevistos podem ser caracterizados por acidentes, morte, mudança de emprego, aposentadoria ou doença. Com doenças terminais pode-se implicar em uma oportunidade de ajuste à situação, uma vez que se é comunicado sobre a situação com o analista ainda em vida (BEDER, 2003; TRAESDAL, 2005).

Nesses casos, ligações telefônicas podem não ser benéficas para o paciente, dependendo da condição de saúde do terapeuta, mas correspondência sim. Porém, mesmo que paciente e analista se relacionem pós-término a perda é inevitável. Outro acontecimento possível também é a imagem do terapeuta ser corrompida caso seu comportamento desagrade o paciente, uma vez que, com o desligamento clínico, o vínculo não será mais como anteriormente (TRAESDAL, 2005; CRAIGE, 2009).

Sabe-se que as dificuldades de desligamento permeiam todo o processo da análise, contudo, terminações forçadas tendem ativar os desejos, fantasias ou medos do cliente além de ser segmento significativo na vida do analisando. Mesmo que seja impossível em alguns casos, definir uma data é o mais recomendável, pois torna o final da análise real, tornando-se possível trabalhar com o luto que se inicia

desde o anúncio do término (BEDER, 2003; TRAESDAL, 2005; SAIGH,2009; CRAIGE, 2009; HOLMES, 2010). Com o desligamento clínico o paciente perde tanto a análise quanto o relacionamento real. Infelizmente, quando se trata de um desligamento abrupto, pouca atenção é dada à morte e falecimento prematuro do terapeuta e quase não há apoio para pacientes que a enfrentam (TRAESDAL, 2005; BECHER; OGASAWARA; HARRIS, 2012).

Pacientes Enlutados e Suas Características

Dentre os dez artigos analisados, somente um autor não abordou sobre essa temática. Autores como Zatti et al. (2018), Craige (2009) e Traesdal (2005) acreditam que o fim de análise desencadeia sentimentos primitivos que obrigam o indivíduo muitas vezes a entrar em contato com conteúdos psíquicos ainda reprimidos. Nesse processo o paciente perde parte de si mesmo, sendo necessária a elaboração e recuperação dessa parte, mostrando o quanto o luto pode ser traumático para o analisando.

Outros autores como Holmes (2010) e Saigh (2008) ressaltam a possibilidade do rompimento sendo uma forma de lidar com o mundo externo. Esse rompimento pode gerar significados subjetivos a depender do paciente em questão, trazendo ganhos, como por exemplo, a autonomia, ou perdas, como a ausência de conforto momentâneo.

A subjetividade, para Craige (2009), também aparece quando relata que o histórico de perdas precoces na vida do sujeito pode ser um agravante para o sofrimento após a rescisão da díade (terapeuta e paciente). É possível compreender o posicionamento do autor a partir do pensamento de Klein (1952) quando afirma que a transferência ocorrida em análise faz com que o paciente recorra a mecanismos de defesas semelhantes aos utilizados no passado. Conforme o processo analítico ocorre, conteúdos conscientes e inconscientes são revividos gradualmente.

Em alguns exemplos trazidos por Beder (2003), Deutsch (2011), Traesdal (2005) e Pinsky (2002) os pacientes enlutados podem suprir a ausência do analista

ocupando-se com livros e pessoas, bem como podem vir a se sentirem traídos, zangados e terem relutância em confiar novamente, e até apresentarem dores físicas por todo corpo.

Outra característica apresentada foi a recorrente frequência de sonhos, sendo estes, segundo Freud (1900/2016) realizações de desejos e fenômenos psíquicos de inteira validade. Deutsch (2011) descreve uma série de sonhos, em que refazia um trabalho psicológico como se a analista estivesse viva. Nesses sonhos, foi possível tanto revivê-la, ouvir seus relatos pessoais referentes ao seu estado de saúde, se despedir e chorar de tristeza pela sua perda, sendo fundamental para a realização de seu luto.

As pesquisas acerca dos sonhos demonstram que estes também podem ajudar a integrar afetos que incomodam o enlutado Isso está relacionado com a segunda tarefa do luto - permitir que os sentimentos sejam processados. Sentimentos de culpa, raiva e ansiedade são experiências comuns após uma perda, porém há momentos que esses sentimentos são tão intensos que tendem a prejudicar a funcionalidade da pessoa enlutada As mortes traumáticas podem conduzir a afetos problemáticos consideráveis, tais como os vistos em flashbacks e no comportamento hiperativo Os sonhos podem contribuir para uma pessoa integrar essas emoções do trauma de uma forma que, às vezes, não pode ser realizada no estado de vigília (WORDEM, p. 123, 2013).

Pinsky (2002) traz outras interessantes pontuações sobre a importância da despedida, indicando que deve ser um ritual de direito do paciente devido ao apego, dependência e intimidade da relação transferencial. Fante (2016) confirma tal apontamento, enfatizando que, participar de rituais facilita o reconhecimento da realidade da perda. Nesse sentido, o funeral simbólico refere-se a um cerimonial de despedida, auxiliando no processo de contatar com a perda. Assim, pode-se compreender que a ressignificação relacional é uma forma de elaboração do luto (HOLMES, 2010).

Consequências de Um Desligamento Clínico Abrupto

A respeito do término analítico abrupto, autores discorrem sobre um deparar-se com aspectos primitivos do paciente relacionados à sentimentos de abandono e solidão, angustias e raivas, e o encontro com a mortalidade de si e do outro (PINSKY, 2002; BEDER, 2003; SAIGH, 2008; CRAIGE, 2009; ZATTI et al., 2018). Em decorrência desse trauma, a possibilidade de uma nova relação terapêutica é afetada (BEDER, 2003; TRAESDAL, 2005; CRAIGE, 2009; HOLMES, 2010; DEUTSCH, 2011), uma vez que mesmo em términos tidos como saudáveis o luto é inevitável (SAIGH, 2009).

Pouco se fala de término, e quando trazido em literatura, trata-se de uma visão positivista do encerramento resultado de uma boa resolução da análise. De acordo com o que foi levantando com este trabalho, percebe-se que as consequências advindas de um rompimento analítico abrupto são em sua maioria negativas para o paciente, uma vez que se trata de uma análise inacabada, resultando em traumas e impossibilitando, muitas das vezes, um retorno imediato ao setting terapêutico.

Segundo Rosenfeld (1988), o bom manejo do analista é essencial para a evolução analítica. Este desempenha um papel importante nos processos introjetivos, desenvolvendo as relações objetais do paciente bem como fortalecendo seu ego e sua capacidade de integração e crescimento psíquico. O autor aborda também o conceito de transferência, pontuando que o analista será posto em muitos papéis pelo paciente. Deste modo, quando ocorre o rompimento precoce, esse papel ocupado pelo terapeuta é violentamente retirado do paciente, podendo desestabilizar sua capacidade de integração e declinar seu crescimento psíquico. O autor também aponta que em pacientes traumatizados e carentes, as ansiedades primárias infantis em geral continuam a existir em seu formato original. Assim, a volta à terapia se dá com um paciente possivelmente regredido em suas relações de confiança, o que inicialmente pode dificultar esse novo processo.

A Morte Como Tabu

Ainda há estranheza quando se ouve comentários de estudantes, pesquisadores e profissionais que pretendem se aprofundar sobre o tema “morte”, seja por curiosidade, razões pessoais ou até mesmo para se prepararem na

realização de trabalhos com pessoas enlutadas (KOVÁCS, 2008). Apesar de a morte ser um processo natural, indiscriminável, e que afeta todo e qualquer ser vivo, falar a respeito ainda é um tabu para a cultura brasileira, além de prevalecer a noção de que a morte é um erro ou até mesmo, um fracasso.

Possivelmente, o que mais aflige na morte é a sua irreversibilidade e o desconhecido, pois ninguém esclareceu de forma convincente o que ocorre depois da morte biológica (BIFULCO; CAPONERO, 2016). Freud (1913/2006, p. 37) afirma que “as proibições dos tabus não têm fundamento e são de origem desconhecida”, complementando que:

Essas proibições devem ter estado relacionadas com atividades para as quais havia forte inclinação Devem então ter persistido de geração para geração, talvez meramente como resultado da tradição transmitida através da autoridade parental e social. Possivelmente, contudo, em gerações posteriores devem ter-se tornado ‘organizadas’ como um dom psíquico herdado (FREUD, 1913/2006, p 48)

Tal afirmação pode-se se constatar também no cotidiano de um processo terapêutico. Por vezes o assunto é trazido pelo paciente, seja por vivências pessoais, medos ou até mesmo o desejo de morrer, contudo, pouco se é trabalhado dentro do setting terapêutico sobre a possibilidade da finitude do próprio analista. Dentre os dez artigos selecionados, cinco comentaram sobre o assunto, sendo que, apenas três discorreram mais amplamente. Curiosamente, apesar de 70% dos artigos levantados sejam publicações estadunidenses, revelou-se que, assim como ocorre no Brasil, nos Estados Unidos falar sobre morte também é um tabu (BECHER; OGASAWARA; HARRIS, 2012).

Apesar de ser necessário e recomendado, terapeutas não pensam sobre sua própria mortalidade podendo trazer consequências como: impacto e ansiedade para os pacientes que vivenciaram a morte do terapeuta, preocupações com a perda e risco de confidencialidade para clientes (TRAESDAL, 2005; BECHER; OGASAWARA; HARRIS, 2012). Evidencia-se que, apesar de o medo demonstrar as fragilidades do próprio terapeuta, esse assunto deve ser tratado objetivamente caso surja durante o processo, pois, o medo de confrontar a mortalidade impede de pensar a rescisão (BECHER; OGASAWARA; HARRIS, 2012; TRAESDAL, 2005;

PINSKY, 2002) e, quando essa rescisão se é enfatizada durante o processo e é impedida de ocorrer devido a um evento de perda prematura, pode gerar consequências ao paciente (PINSKY, 2002).

Quando este assunto aparece durante análise, por vezes é interpretado como fantasioso e simbólico, podendo ter como exemplo o próprio Freud, que não relatou sua doença em suas obras (PINSKY, 2002; TRAESDAL, 2005). Infelizmente, não falar sobre essa temática traz angústias para ambas as partes, especialmente para os pacientes que, segundo revelado por dois autores, quase nunca são ouvidos, sendo geralmente ouvido apenas do ponto de vista do terapeuta (TRAESDAL, 2005; DEUTSCH, 2011).

É notório que existe um distanciamento expressivo sobre a possibilidade da mortalidade do terapeuta ser discutida abertamente. Tal afirmação pode ser enfatizada pelo escasso número de materiais que discutem sobre o assunto e também, pela ausência de discussão durante a graduação. Presume-se que, tal resistência, além de impedir que a convivência entre paciente e terapeuta se torne humanamente semelhante, também corrobora para que tal evento se torne ainda mais chocante, caso venha ocorrer, uma vez que é considerada uma ideia muito abstrata e distante de uma realidade ideal na relação terapêutica.

Aspectos Legais e Confidencialidade –

Testamentos Profissionais

Pouco se obteve de resultados sobre o assunto de Aspectos Legais e Confidencialidade - Testamentos Profissionais, em que apenas dois autores abordaram a temática. Traesdal (2005) defende a necessidade de um comitê capacitado para auxiliar pacientes enlutados e todos os procedimentos técnicos necessários, assim como a importância de que o paciente possa perceber seu analista falecido como uma pessoa real, para tal, sugere que o analista substituto seja alguém que conheça o antigo terapeuta.

Becher, Ogasawara e Harris (2012) também compreendem a importância de um testamento para direcionamento de documentos e encaminhamento do paciente, resultando no prosseguimento de análise com um segundo analista, evitando o caos

e confusão para a clínica e pacientes; assim como, frisa ser responsabilidade do terapeuta a prevenção quanto a segurança e confidencialidade dos registros e dos analisandos. Em seu artigo relata que na Flórida foi proposta a criação desse modelo de documento, mas essa ideia pouco é tratada na literatura, de modo que não são abordados termos de proteção e confidencialidade, sendo entendida como uma das razões, a dificuldade do profissional em entrar em contato com a própria mortalidade.

Foi pesquisado no site do Conselho Federal de Psicologia a respeito do tema, assim como no Código de Ética Profissional do Psicólogo, porém, quando se trata da morte do profissional, não existe uma regulamentação específica, apenas o que se refere no ao Art. 15 – “Em caso de interrupção do trabalho do psicólogo, por quaisquer motivos, ele deverá zelar pelo destino dos seus arquivos confidenciais” (CFP, 2005, p. 14) assim como, ainda no Código de Ética também consta no Art. 15 parágrafo 2° “Em caso de extinção do serviço de Psicologia, o psicólogo responsável informará ao Conselho Regional de Psicologia, que providenciará a destinação dos arquivos confidenciais” (CFP, 2005, p. 14) em que ambos não esclarecem e abordam a situação de morte do profissional.

Diante desse resultado, é importante pensarmos no quanto a ausência de um suporte técnico e documentado pode agravar, ainda mais, o processo de luto vivenciado por um paciente diante a morte do seu terapeuta. Assim como, o quanto seria de grande valia e necessidade a produção de um possível testamento, mesmo que para o terapeuta em vida e saudável, possa ser um tanto angustiante produzir algo que verbalize sua possível e real mortalidade, porém, futuramente, pode vir a servir como um amparo e continência para o analisando, mesmo no pós-vida desse profissional.

Estudos Empíricos e Materiais Atuais

Os resultados apontam uma escassez em produções literárias voltadas à atuação terapêutica e sua mortalidade (TRAESDAL, 2005; DEUTSCH, 2011; BECHER; OGASAWARA; HARRIS, 2012). Mesmo quando encontrada, abordam um olhar sobre o paciente e seu luto, visando uma forma de auxiliá-lo e não a partir de

suas vivências a respeito da morte de seu analista (PINSKY, 2002; BEDER, 2003; DEUTSCH, 2011; BECHER; OGASAWARA; HARRIS, 2012).

Ao realizar esse trabalho, deparou-se com a dificuldade em encontrar produções voltadas ao desligamento advindo da morte do terapeuta. Pouco se tem de material a respeito de término de análise e, quando direcionado ao adoecimento do terapeuta, é ainda mais limitado. Becher, Ogasawara, Harris (2012) confirmam que há uma carência de estudos sobre o impacto que a morte inesperada de um terapeuta tem sobre seus clientes, o que torna o conhecimento superficial.

Em 1978 foi realizado o primeiro estudo sobre as reações de pacientes em relação à morte de seu terapeuta em uma entrevista com 27 pessoas que vivenciaram esse rompimento. Na década de 90 foram produzidos 12 artigos e um livro que abordam o tema. Os textos encontrados são em maioria internacionais, evidenciando a necessidade de investimento em produções nacionais em estudos e materiais que explorem esse assunto, uma vez que no levantamento de artigos apenas dois foram encontrados e não abordavam de fato o tema proposto a ser estudado. O Brasil atualmente apresenta 384.510 psicólogos cadastrados no Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2020), o que demonstra ainda mais essa necessidade, não devendo ser uma situação atípica considerando a quantidade de profissionais na área.

CONCLUSÃO

Todos os terapeutas irão se despedir de seus pacientes em algum momento. O processo analítico percorre um caminho, às vezes, longo e tem como objetivo o resultado de evolução e alta psicoterápica, porém, quando esse desligamento ocorre especialmente por questões provindas do terapeuta e não é possível ser trabalhada ainda em análise, podem ocorrer diversas consequências prejudiciais ao analisando. Os resultados encontrados indicam que, além do luto, esses pacientes podem apresentar ansiedade, raiva, desconfiança, solidão, angústia, sentimentos de abandono e até a revivência de conteúdos psíquicos inconscientes, como mecanismos de defesa já utilizados no passado frente a situações semelhantes de perda no decorrer da vida.

O estudo realizado mostrou que pouco se fala sobre desligamentos abruptos, especialmente quando decorrentes da morte do terapeuta. Inicialmente o critério de inclusão delimitava à língua portuguesa e ao período de 10 anos da produção literária, mas devido a falta de material, foi necessário abranger à língua inglesa e aumentar o período para 20 anos. Tendo em vista a escassa quantidade de materiais produzidos no Brasil, entende-se que poucos, profissionais da área de Psicologia estão preparados para conversar sobre a própria morte e suas possíveis consequências. Nesse sentido, o presente trabalho desperta o questionamento sobre o tabu no qual a morte está englobada, o que torna praticamente inexistente a discussão sobre finitude do terapeuta, mesmo que somente em forma de prevenção e segurança de materiais e dos próprios pacientes. Talvez muito dessa resistência se dê também devido às diversas culturas distintas as quais estão inseridos e que na sua grande maioria trata a morte como algo negativo, incerto e rotulado de dogmas e fantasias.

Muito se é abordado, tanto durante a graduação quanto no próprio Código de Ética, sobre o cuidado e zelo que os profissionais de Psicologia devem exercer ao longo da carreira. Porém, é importante ressaltar o quanto a ausência de um documento técnico ou outra orientação fornecida pelo Conselho Federal de Psicologia dificulta e impossibilita um suporte técnico e ético em casos de términos abruptos. Posto isto, se faz necessário pensar na possibilidade da elaboração de um documento como forma de segurança, confidencialidade e suporte tanto para os registros confidenciais quanto para os próprios analisandos, no caso de se depararem com uma situação atípica, mas real de se ocorrer. Essa produção oportunizará também a visibilidade e reflexão do tema.

Sendo a psicanálise a abordagem teórica escolhida para o embasamento desse estudo, seria de grande valia a realização de novos materiais a partir desta temática, uma vez que possibilitaria a atualização teórica, pois pouco se encontra de trabalhos que abordem tanto o fim de análise quanto a finitude do terapeuta. Estudos empíricos também são necessários, não apenas com pacientes que passaram por desligamento clínico abrupto, mas também com terapeutas enfermos, permitindo a eles e demais profissionais sobre a reflexão do atuar terapêutico

nessas situações a fim de possibilitar tomada de providências a respeito da continuidade da terapia de seus pacientes com outros analistas de sua confiança.

REFERÊNCIAS

BARROS, G. O Setting Analítico: Situações Clínicas Especiais. Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte-MG, n. 40, p. 71–78, dezembro. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372013000200 008#:~:text=No%20campo%20psicanal%C3%ADtico%2C%20o%20setting,b%C3%A 1sicas%20para%20a%20interven%C3%A7%C3%A3o%20psicanal%C3%ADtica. Acesso em: 03 dez. 2020.

BECHER, Emily H.; OGASAWARA, Tomoko; HARRIS, Steven M. Death of a Clinician: The Personal, Practical and Clinical Implications of Therapist Mortality. Department Of Family Social Science, Minneapolis, v 34, p. 313-321, ago. 2012. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/257549216_Death_of_a_Clinician_The_Per sonal_Practical_and_Clinical_Implications_of_Therapist_Mortality

BIFULCO, Vera Anita; CAPONERO, Ricardo. Cuidados Paliativos: conversas sobre a vida e a morte na saúde. Barueri: Manole, 2016. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520452592/cfi/5!/4/4@0:23.1. Acesso em: 22 nov 2020.

CRAIGE, Heather. Terminating Without Fatality. North Caroline, v. 29, p. 101-116, mar 2009. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/238319074_Terminating_Without_Fatality

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Disponível em: https://site.cfp.org.br/ Acesso em: 23 de novembro de 2020.

DEUTSCH, Robin A. Voz perdida, voz encontrada: após a morte da analista. Rev Bras. Psicanálise, São Paulo, v 45, n. 3, p. 133-144, jul/set. 2011. Disponível em:

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2011000300

015&lng=pt&nrm=iso

FANTE, Neusa Picolli. Caminho dos Girassóis: uma abordagem sobre luto. Caxias do Sul: Educs, 2016. 148 p.

FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: FREUD, Sigmund. Moisés e o Monoteísmo, Esboço de Psicanálise e outros trabalhos (1937-1939). Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 231-270. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.

______________. O Sonho é uma Realização de um Desejo. In: FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos I: (1900). Rio de Janeiro: Imago, 2006. Cap. 7. p. 157-167. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud). Volume IV.

_____________. Ansiedade, Dor e Luto. In: FREUD, Sigmund. Um Estudo Autobiográfico, Inibilões, Sintomas e Ansiedde, Análise Leiga e outros trabalhos: (1925-1926). Rio de Janeiro: Imago, 2006. Cap. 2. p. 164-167. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud). Volume XX.

______________. Luto e Melancolia. In: FREUD, Sigmund. A História do Movimento Psicanalítico, Artigos sobre a Metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916) Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 249-263. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Volume XIV

_________________. Totem e Tabu: tabu e ambivalência emocional. In: FREUD, Sigmund. Totem e Tabu e outros trabalhos: (1913-1914). Rio de Janeiro: Imago, 2006. Cap. 2. p. 37-87. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud). Volume XIII.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (org.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Ufrgs, 2009. Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil –UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf

HOLMES, Jeremy. Termination in Psychoanalytic Psychotherapy: an Attachment Perspective. American Psychological Association., Washington, v 44, p. 63-82, 2010. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/2010-09107-005

KOVÁCS, Maria José (comp.). Morte e Existência Humana: caminhos de cuidados e possibilidades de internveção. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. (Fundamentos da Psicologia). Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-277-1992-6/cfi/0!/4/2@100: 0.00. Acesso em: 23 nov. 2020.

In: KLEIN, Melanie. Inveja e gratidão e outros trabalhos: 1946-1963. Rio de Janeiro: Imago, p. 64 – 69. Edição: As obras completas de Melanie Klein, Vol. 3.

PINSKY, Ellen. Mortal gifts: a two-part essay on the therapist's mortality Part I: untimely loss. Journal Of The American Academy Of Psychoanalysis, EUA, v. 30, n. 2, p. 173-204, jun. 2002. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12197250/

ROSENFELD, Herbert. Impasse e interpretação: fatores terapêuticos e antiterapêuticos no tratamento psicanalítico de pacientes neuróticos, psicóticos e fronteiriços. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1988.

SAIGH, Yeda.A elaboração do luto e as dificuldades de desligamento no pós-término de análise. Psicol. USP [online]. 2009, vol.20, n.1, pp.109-124. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/41991/45659.

____________. Transferências: estudo dos períodos de término e pós-término. Jornal de Psicanálise. São Paulo, p. 181-191. dez. 2008a. Disponível em:

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352008000200 013&lng=pt&nrm=iso

____________. Término de Análise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1º edição, 2008b.

SOUZA, Marcela Tavares de; SILVA, Michelly Dias da; CARVALHO, Rachel de. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein (São Paulo), São Paulo , v. 8, n. 25

1, p. 102-106, Mar. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-45082010000100102&ln g=en&nrm=iso

TRAESDAL, Tove. When the Analyst Dies: Dealing With the Aftermath. Institute For Psychotherapy, Oslo, p. 1235-1255, jan. 2005. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/7367240_When_the_Analyst_Dies_Dealing _With_the_Aftermath

WITTER, G. P. Produção científica em psicologia e educação. Campinas, SP, editora Alínea, p. 182, 1997.

WORDEM, J. William. Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental. 4. ed. São Paulo: Roca, 2013.

ZATTI, Cleonice et al. O término de tratamento em psicoterapia psicanalítica. Rev. Bras. Psicoter, Porto Alegre, p. 49-59, abr 2018. Disponível em: http://rbp.celg.org.br/detalhe_artigo.asp?id=244. Acesso em: 15 jul. 2020.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Luto e Desligamento Quando o Paciente se Despede do Terapeuta by Brisa Almeida - Issuu