Jornal Brasil de Fato RS - Número 01

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A cidade onde as mulheres não devem engravidar As mulheres de Santa Maria não devem engravidar. O aviso é da Secretaria de Saúde do município, depois de confirmado o maior surto de toxoplasmose já registrado no mundo.

Longe da Copa, o outro lado do futebol Nenhuma fama, nenhuma fortuna. A vida da maioria dos jogadores de futebol no Brasil destoa da imagem das celebridades sitiadas por tietes e câmeras. ESPORTE | PAG 12

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RIO GRANDE DO SUL

16 a 31 de julho de 2018 distribuição gratuita brasildefato.com.br/rs

/brasildefators

Ano 1 | edição 01

Veja no site do Brasil de Fato, a cobertura completa do processo contra o ex-presidente Lula Gibran Mendes / BdF Paraná

CHEGAMOS!

A partir de agora, a cada 15 dias, teremos um encontro marcado. Você, leitor, e o Brasil de Fato RS. Este é um jornal diferente. Ao contrário da mídia empresarial, é feito por e para os trabalha­dores, para os homens e as mulheres que são a imensa maioria da sociedade gaúcha. Ou seja, para você, sua família, seus vizinhos, seus amigos.

O Brasil de Fato RS vem olhar de outra maneira os temas do dia-a-dia que impactam a vida das pessoas, mas que os jornais, rádios e TVs costumam enfocar de modo a atender a minoria da população, aos especuladores, aos grandes proprietários, aos donos do dinheiro e do poder. Quer ser um palanque para expor, debater e amplificar as questões regio-

nais, nacionais e internacionais do ponto de vista das mulheres, dos pequenos assalariados, dos desempregados, dos trabalhadores informais, dos sem terra, dos sem teto, dos agricultores familiares, dos camponeses, dos índios, dos negros, do público LGBT, das populações enfim excluídas de tudo, inclusive da informação. Descubra o Brasil de Fato RS e junte-se à gente.


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OPINIÃO

PORTO ALEGRE, 16 A 31 DE JULHO DE 2018

A boa luta que nos espera EDITORIAL |

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jornal que chega hoje ao Rio Grande do Sul percorreu um longo caminho para chegar ao lugar onde nasceu. Parece estranho, mas é fácil de explicar: o Brasil de Fato surgiu justamente em Porto Alegre que, então, sediava o Fórum Social Mundial. Veio à luz em janeiro de 2003, no auditório Araújo Viana perante cinco mil pessoas quando do lançamento da edição nacional com 100 mil exemplares. Foi um momento histórico. Na mesa estavam, entre outros convidados, Eduardo Galeano, Leonardo Boff, Sebastião Salgado, Hebe de Bonafini, Aleida Guevara, Dom Tomás Balduíno, Plínio de Arruda Sampaio. Desde então, a partir da semente da edição nacional, o Brasil de Fato se multiplicou em edições regionais. A cada semana, circulam as do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco. Agora, após tão longa espera, chegou a vez do Rio Grande. A exemplo das demais, o

Brasil de Fato RS trará uma visão popular dos problemas do seu estado, do país e do mundo. Vem oxigenar o ambiente, sufocado por “aquela velha opinião formada sobre tudo”, como diz a canção. Sua própria presença – quinzenal, por enquanto – já significa a oferta de um enfoque diferenciado dos fatos, permitindo uma pluralidade que a mídia empresarial promete na propaganda e sonega na realidade. Com distribuição gratuita, o Brasil de Fato RS vai oferecer a todos, sobretudo aos trabalhadores e aos setores mais pobres da população, uma abordagem dos temas mais importantes do Rio Grande. É uma luta, também, por uma comunicação mais democrática. Que ouça os que não são ouvidos. Que lembre dos que nunca são lembrados. Entendemos que a informação é elemento essencial para a defesa do cidadão e da sociedade. Este será o combate que nós e vocês, lado a lado, travaremos a partir de agora. Boa luta.

CHARGE | Santiago

A maior das maldades ARTIGO |

Por Cláudio Augustin, Presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (SindsepeRS) e do Conselho Estadual de Saúde (CESRS).

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dívida pública interna do Brasil já ultrapassou os R$ 5 trilhões em dezem­ bro de 2017. Seu crescimento de­ corre das elevadas taxas de ju­ ros pagas aos banqueiros e ren­ tistas e não de empréstimos des­ tinados ao desenvolvimento na­ cional. Temos um baixo percen­ tual de dívida pública em rela­ ção ao PIB, mas somos o país que mais paga juros ao capital financeiro. Após o golpe de estado de 2016, que levou ao impedimento da presidenta Dilma, mesmo sem crime de responsabilidade, foi aprovada às pressas a Emen­ da Constitucional 95 que conge­ la o gasto primário da União por vinte anos. O gasto primário é o conjunto das despesas previstas no orçamento federal exceto os juros e a dívida. Com a decisão, só é possível aumentar aqueles valores destinados ao pagamen­ to de juros e da dívida. Ao congelar o gasto primário, a EC 95 impede o acesso aos re­ cursos necessários para fazer cumprir os direitos sociais pre­ vistos na Constituição. Assim, de uma tacada só, os golpistas a serviço do capital financeiro in­

Ao congelar o gasto primário, a EC 95 impede o acesso aos recursos necessários para fazer cumprir os direitos sociais previstos na Constituição. www.brasildefato.com.br redacaors@brasildefato.com.br /brasildefators @Brasil_de_Fato (51) 99956.7811 (51) 3228-8107 CONSELHO EDITORIAL Danieli Cazarotto, Cedenir Oliveira, Fernando Fernandes, Ezequiela Scapini, Ronaldo Schaefer, Milton Viário, Frei Sérgio Görgen, Ênio Santos, Isnar Borges, Cláudio Augustin, Maister Silva, Dary Beck Filho, Fernando Maia, Jonas Tarcísio Reis, Rogério Ferraz, Adelto Rohr, Vito Giannotti (In Memoriam)) | EDIÇÃO Katia Marko, Marcos Corbari, Ayrton Centeno e Marcelo Ferreira | REPORTAGEM Katia Marko, Marcos Corbari, Ayrton Centeno, Marcelo Ferreira e Catiana de Medeiros | DIAGRAMAÇÃO Marcelo Souza | IMPRESSÃO Gazeta do Sul | TIRAGEM 25 mil exemplares

ternacional rasgam a lei maior do país. Mesmo preservando to­ dos os direitos no papel, eles não serão efetivos por falta de verba orçamentária. Desta forma, bru­ talmente se transferem recursos que deveriam atender as neces­ sidades do povo como saúde, educação, moradia, trabalho, pesquisa, cultura, investimentos de saneamento básico, de infra­ estrutura etc. para os banquei­ ros e rentistas. O dinheiro que serviria para ações de prevenção às doenças e de promoção da saúde será mais curto. Sem a assistência adequa­ da, as doenças tenderão a se tor­ narem mais frequentes e graves produzindo maior sofrimento e mais mortes. As universidades públicas estão reduzindo vagas, cursos, pesquisas, e, mesmo as­ sim, estão sem verba para con­ cluir as atividades acadêmicas. Tanto o governo quanto os seto­ res associados ao golpe querem aprovar a contrarreforma da Pre­ vidência, dificultando aposenta­ dorias e encolhendo benefícios, para que parcelas importantes dos trabalhadores morram antes de conseguir se aposentar. As consequências são dano­ sas para a esmagadora maioria dos brasileiros. Temos o dever político de destruir aquilo que se pode chamar de “emenda constitucional da morte”. Uma das alternativas é apostar na ação de declaração de inconsti­ tucionalidade encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, ques­­ tionando a EC 95, embora a cada novo dia mais brasileiros dei­ xem de acreditar na justiça. Por outro lado, tem crescido nos movimentos populares, sindi­ cais e políticos a defesa do ple­ biscito revogatório de todas as maldades dos golpistas. E esta emenda é a maior delas.


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PORTO ALEGRE, 16 A 31 DE JULHO DE 2018

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Em Santa Maria, cooperação e economia solidária celebram jubileu de resistência Foto: Marcos Corbari

De 12 a 15 de julho a Feira Internacional Jubilar do Cooperativismo e da Economia Solidária reforça o chamado à construção de um novo mundo possível e necessário. MARCOS CORBARI

PORTO ALEGRE (RS)

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tempo atual é desafiador para os que pensam e sonham a partir de uma visão inclusiva e progressista. Más há os que resistem e seguem lutando. Se em muitos campos o conservadorismo se fortalece, há um evento em especial que contraria essa lógica: no coração do RS, a cada mês de julho, a cidade de Santa Maria se transforma na capital mundial da solidariedade, renovando o so-

Irmã Lurdes é uma das idealizadoras da FEICOOP

Irmanados em resistência

Feira espera superar a marca de 255 mil participantes

nho profético de Dom Ivo Lorscheiter, através da FEICOOP/ECOSOL, hoje um evento que resiste e condensa em seu entorno pessoas que acreditam e lutam por utopias comuns. Organizada a partir do projeto Esperança/Cooesperança, tendo a participação da prefeitura de Santa Maria, a feira chega a sua 25a edição, sob a coordenação de Irmã Lourdes Dill, projetando superar a marca de 255 mil par-

ticipantes alcançada em 2017. Serão expostos na Feira cerca de 10 mil produtos, entre produção camponesa, agroindústria familiar, artesanato, alimentação, hortifrutigranjeiros, plantas ornamentais, publicações, vestuário, serviços e produtos de povos indígenas. Na edição anterior foram registrados visitantes de mais de 500 municípios brasileiros e participantes originários de de 20 países.

Por um mundo solidário São quatro dias de palestras, seminários, reuniões, comercialização de produtos e serviços, atividades culturais e, sobretudo, de vivência solidária. A cidade recebe participantes dos quatro cantos do Brasil. Além de delegações vindas de pelo menos duas dezenas de países. Todos dispostos a partilhar para debater projetos, expor iniciativas, trocar experiências e renovar forças. - A economia solidária de fato é uma organização e um movimento profético, que busca um novo modelo para o desenvolvimento

Foto: Catiana Medeiros

- A feira é um momento forte de integração e reanimação de nossas lutas, utopias e sonhos proféticos, no trabalho em rede para o desenvolvimento solidário, sustentável e territorial no Brasil e na América Latina em articulação com as redes intercontinentais de economia solidária -, comenta Irmã Lourdes, abrindo o sorriso que se transformou em bandeira para mais de 5 mil famílias que orbitam um dos projetos que nasce ali, mobilizando e organizando a produção de famílias camponesas. “Vamos ter uma Feira muito significativa, precisamos alimentar um pensamento positivo, queremos um clima alegre, esperançoso, profético, sobretudo este ano em que vamos celebrar este jubileu”, acrescenta. Trazendo como tema a construção da socieda-

de do bem viver, por uma ética planetária, a 25a FEICOOP/ECOSOL congrega pelo menos mais uma dezena de eventos paralelos, entre os dias 12 e 15 de julho, com destaque ao 3o Fórum Temático e a 3a Feira Mundial de Economia Solidária, a comemoração dos 10 anos do Fórum Mundial de Educação e a realização da 10a Caminhada Mundial Ecumênica pela Paz e Justiça Social. De modo especial coloca em debate a criminalização da produção camponesa, recentemente produtores familiares foram vítimas de terrorismo de estado na cidade – e convida os olhares do mundo a observar a luta dos pequenos agricultores e agricultoras do RS pelo direito de produzir e comercializar alimentos de qualidade. Foto: Arquivo LPJ

Juventude e Campesinato Túnel da Reforma Agrária é uma das atividades paralelas da Feira, organizado pela Via Campesina

solidário, sustentável e territorial para o bem viver, mas um bem viver que tem que ser para todos e não para alguns, acrescenta Irmã Lourdes. Para ela, nunca é demais repetir o desafio do Papa Francisco, evocando a defesa ao aces-

so do povo à terra, ao teto, ao trabalho e aos direitos. A coordenadora da FEICOOP/ECOSOL convoca todos os participantes à linha de frente da recuperação do sentido de ser inerente ao humano, frente ao ter pregado pelo capital.

O BdF/RS fechou esta edição poucos dias antes da FEICOOP/ECOSOL, o que garantiu sua circulação dentro do espaço do evento e o pré-lançamento no palco central, dia 14. O leitor pode acompanhar as informações a respeito dos acontecimentos desta edição da feira veiculadas pelos parceiros em ambiente virtual, como Rede Soberania (www.redesoberania.com.br), portal Sul21 (www.sul21.com.br) e portal nacional do Brasil de Fato (www.brasildefato.com.br), bem como nas respectivas redes sociais.

A juventude exerce protagonismo na FEICOOP

Entre as atividades paralelas dois destaques especiais são protagonizados pela juventude e pelos movimentos sociais da Via Campesina. Enquanto os integrantes do Levante Popular da Juventude (LPJ) realizam seu 11o Acampamento Estadual, relembrando seu histórico de lutas - foi justamente sob o abrigo da FEICOOP que o movimento foi fundado -, os agricultores camponeses estão organizados para mais uma vez ocupar o espaço denominado “Túnel da Reforma Agrária”, onde expõe e compartilham produtos agroecológicos, artesanato, publicações e simbologias.


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O Brasil à venda no balcão de negócios Foto: Katia Marko

Diversas categorias apoiaram greve dos petroleiros

Arranjos para concluir a privatização da Petrobras e Eletrobras até as eleições mostram plano de entrega do patrimônio nacional ao mercado. MARCELO FERREIRA E KATIA MARKO

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PORTO ALEGRE (RS)

desestatização tem sido uma bandeira do governo de Michel Temer

(MDB). Logo ao assumir a presidência, após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Roussef (PT), prometeu ao mercado um pacote de dezenas de empresas públicas, entre aeroportos, rodovias, portos, energia, entre outras. Mas a complexidade de algumas privatizações, as manifestações de movimentos sociais e o aumento de preços antes controlados têm dificultado algumas vendas. Conforme pesquisa CUT - Vox Populi, realizada entre

os dias 19 a 23 de maio, período da greve dos caminhoneiros, 60% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobras. Sobre as empresas públicas que foram privatizadas nos últimos 30 anos, a avaliação dos entrevistados também é negativa. Para 44%, as empresas não ficaram rentáveis nem fortes. Para 33%, a privatização não trouxe benefícios para o Brasil. Outros 50% disseram que não é um bom negócio para o país nem para os brasileiros.

Entrega da Petrobras na origem do golpe Ao assumir a Presidência, Temer iniciou um agressivo fatiamento e venda de ativos da Petrobras, junto da nomeação do empresário Pedro Parente para presidência da empresa. De 2015 até o terceiro trimestre de 2018, o processo de desinvestimento alcançou R$ 27,2 bilhões, segundo dados levantados por Cloviomar Cararine, técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e assessor da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Os prejuízos trazidos

pela operação Lava Jato for­jaram a justificativa pa­ ra a privatização da empresa, mas a ascensão de Temer ao Planalto acelerou o processo. O presidente do Sindipetro-RS, Fernando Maia da Costa, lembra que a entrega da Petrobras ao mercado estava sendo planejada desde as eleições de 2010, conforme denúncia do Wikileaks acerca dos contatos do então candidato à Presidência José Serra com multinacionais dos Estados Unidos. “Serra se comprometeu, caso eleito, a mudar a Lei de Partilha aprovada no governo Lula.

Derrotado em 2010, foi eleito Senador em 2014 e um de seus primeiros projetos foi retirar da Petrobras a participação de 30% do Pré-sal”, denuncia. Com o impedimento da Dilma, o Congresso Nacional começa a pautar e aprovar projetos que reduziram a participação da Petrobras do mercado interno. Enquanto isso, Parente dividia a empresa em subsidiárias, vendia seus ativos, reduzia a produção das refinarias e passava a importar combustíveis. Mas essa determinação esbarrou na liminar Foto: Rita de Cássia Pereira

do ministro do STF, Ricardo Lewandowski, que em junho proibiu o governo de privatizar empresas públicas sem autorização do Legislativo. Na decisão, o ministro considerou que há uma crescente onda de desestatizações que “poderá trazer prejuízos irreparáveis ao país”. Na avaliação de Costa, esse embate pode travar a venda de refinarias e do Pré-sal. “Foi uma injeção de ânimo para nós e para a Frente Parlamentar Con­tra

a Privatização das Refinarias. Nossa leitura é muito clara: essa política que vem sendo implementada tem prazo de validade: as eleições de outubro. Nossa luta é construir fôlego até lá e, então, elas serão o traço divisório da história. Se as urnas disserem que os rumos do país não devem ser ditados por essa política de redução do Estado e desestruturação social, provavelmente o novo governo vai mudar o rumo da Petrobras”, conclui.


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A corrida pela venda da Eletrobras

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ência no governo querem a privatização, querem ganhar mais dinheiro. E o governo faz o papel de servir a eles. Não há nenhum interesse maior nacional ou da população que será favorecido por isso”, afirma. Privatização vai contra interesse público Para Rodrigo Henrique Costa Schley, membro do Conselho Deliberativo da União dos Profissionais das Companhias de Energia Elétrica do Estado (UNIPROCEEE), a venda de empresas do setor energético vai trazer mais aumentos de tarifa ao consumidor e vai prejudicar o desenvolvimento econômico

e social do Estado. “Temos a experiencia de 1997, quando dois terços da CEEE foram privatizados. Pesquisas do DIEESE apontam um aumento da conta de mais que o dobro desde então”, analisa. Schley explica que, pela característica pública da Eletrobras, bem como da CEEE, empresa gaúcha que também está na mira da onda privatista, elas cumprem um papel social que não é baseado no lucro imediato da lógica privada: “Se um pequeno agricultor quer colocar uma ordenhadeira, um freezer mais potente ou uma ciladeira, ele vai precisar de uma rede mais potente. Para que essa rede chegue a ele, precisa de investimentos em ge-

ração e transmissão de energia. É o tipo de investimento que somente a empresa pública vai praticar”. “A privatização reduz empregos e salários, enfraquece a economia. E como as vencedoras são transnacionais, há ainda uma transferência de recursos para fora do país, impactando negativamente na balança financeira do país. Mesmo países capitalistas como Estados Unidos, França e Japão mantêm o controle público sobre suas fontes e serviços de energia”, afirma Schley, que conclui: “são poucos os países que vendem totalmente seu sistema de energia, pois este é um setor estratégico para a soberania nacional”.

Assim como Temer, Sartori também quer privatizar estatais

No Rio Grande do Sul, o governador José Ivo Sartori, do mesmo partido do Michel Temer, o MDB, também busca desde o início do seu mandato retomar o projeto privatista rejeitado pelos gaúchos no governo de Antonio Britto, no final da década de 1990. Além da extinção de fundações responsáveis pela pesquisa científico-tecnológica e pelo fomento à cultura, como a TVE/FM Cultura, Sartori quer privatizar empresas como a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM), Sulgás, Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e mesmo o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). Sua intenção ficou clara com a negociação do Regime de Recuperação Fiscal, proposto pelo governo Temer, que tem, entre

suas contrapartidas, privatizações nos setores financeiro, de energia e de saneamento. Segundo o deputado estadual Zé Nunes, coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Banrisul Público, “o governo está enganando a população, afirmando que as privatizações representam a solução para as dificuldades que o Estado enfrenta”. Ele afirma, que para isso, conta com a parceria da mídia, que vem recebendo recursos orçamen-

Foto: Luiza Castro

privatização da Eletrobras, gigante do setor de energia do país, tem sido outra insistência de Temer. Desde 2016, foram diversas cartadas buscando a alteração da legislação que impede a venda da empresa, além das mudanças nas políticas de preços para torna-la mais atraente ao mercado, que antes eram controlados e garantiam um preço justo à população. Temer ainda era interino quando veio a primeira medida provisória. A MP 735/2016, depois convertida na Lei 13.360/2016, com alterações no texto final, promoveu uma fragmentação do Setor Elétrico, alterando diversas normas já consolidadas e facilitando a transferência do controle de ativos e as privatizações de distribuidoras da Eletrobras. Depois, veio a MP 814/2017. Ela reestruturava o setor e incluía a empresa e suas controladas no Programa Nacional de Desestatização. A essa altura, o povo brasileiro já sentia no bolso o aumento da conta de luz, com a autorização de elevados reajustes pelo país. Para se ter uma ideia, no Rio Grande do Sul, em dezembro de 2017, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou um aumento da tarifa da CEEE em 29,29% para os consumidores. Em Roraima, o reajuste chegou a 54%. Para Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e professor de planejamento energético da Coppe, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a intenção do governo Temer passa longe de priorizar o interesse nacional. "A palavra privatização é mágica para o governo. Alguns órgãos de imprensa e os grandes grupos financeiros que têm grande influ-

tários pesados na forma de publicidade para reproduzir o discurso do governo. “Esse é um movimento que ocorre no país inteiro hoje, provocando uma distorção completa junto à opinião pública e tornando o ambiente fértil para esse tipo de iniciativa. Depois, como já ocorreu outras vezes, chega-se à conclusão que esse caminho, na verdade, provoca um grande atraso, empurrando o Estado mais ainda para dentro do buraco.”


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ENTREVISTA |

“O povo precisa construir

Dos seus 65 anos, o economista João Pedro Stédile vai completar 40 de luta pela reforma agrária. Começou em 1979, apoiando a ocupação das granjas Macali e Brilhante, parte de um grande latifúndio chamado fazenda Sarandi, no Noroeste gaúcho. Cinco anos depois, tornouse um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do qual integra a direção nacional. Se a questão da terra foi e continua sendo central para o MST, o movimento e suas lideranças nunca deixaram de debater outros temas essenciais. É o que ele faz nesta entrevista, onde denuncia a pilhagem do patrimônio nacional, o ataque aos direitos dos assalariados e a apropriação das instituições pelas elites. E, nesta primeira edição que marca o lançamento do Brasil de Fato RS, ressalta a necessidade de romper e superar os latifúndios midiáticos através da democratização da comunicação. Embora reconhecendo que os tempos são de recuo das forças progressistas no Brasil e no mundo, não perde o ânimo. Pelo contrário, convoca a militância para os desafios que vem pela frente, a começar pela recuperação do trabalho de base, do debate político e da formação de militantes. Brasil de Fato RS - O Rio Grande está se somando agora aos estados que já possuem edições regionais do Brasil de Fato. Na sua visão, o que o jornal pode trazer para o Rio Grande, onde uma só empresa exerce praticamente o monopólio da informação? João Pedro Stédile - Um dos pilares de uma participação democrática da população na vida política da sociedade é a necessidade dela ter acesso a informações verdadeiras sobre a realidade e os contornos da luta de classe. Por isso, a classe trabalhadora precisa construir sua própria mídia, desde rádios comunitárias até pichações, passando por outros meios, como a músi-

ca e o teatro, e jornais como agora o nosso Brasil de Fato. Tudo o que pudermos fazer é necessário, e mais do que urgente, para que o povão tenha acesso a informações verdadeiras. E no Rio Grande é ainda mais importante pelo monopólio exercido pelo grupo RBS. BdF - No passado, o Rio Grande foi palco do renascimento da luta pela reforma agrária no Brasil, chamou a atenção do mundo com o orçamento participativo, teve o PT por 16 anos da prefeitura, mas vive hoje um quadro de retrocesso com o avanço da cultura de ódio e da agenda neoliberal. Como avalia esta situação?

A classe trabalhadora precisa construir sua própria mídia, desde rádios comunitárias até pichações, passando por outros meios, como a música e o teatro, e jornais como agora o nosso Brasil de Fato RS.

Divulgação

João Pedro Stédile é um dos gra

JP - Isso é passageiro. Os gaúchos sempre tivemos uma tradição de maior participação na luta política. Desde Sepé Tiaraju contra os invasores, a luta pela República contra a monarquia, o governo Leonel Brizola, que foi o mais importante governo de esquerda. Mas agora estamos vivendo tempos duros do refluxo do movimento de massas e de sérios desafios da esquerda, não só no Estado, mas em todo o Brasil e no mundo. BdF - Uma das críticas mais reiteradas aos governos Lula e Dilma foi e continua sendo a sua falta de ação quanto ao oligopólio da mídia, sobretudo quanto ao papel da TV Globo. Em 2009, a Conferência Nacional de Comunicação aprovou uma série de propostas para a democratização/regulação da mídia que não tiveram seguimento. Hoje, num quadro muito mais hostil, como se poderia avançar nessa pauta? JP - Foi um dos mais graves erros dos governos Lula-Dilma: não ter tido coragem de enfrentar a Globo. O projeto de democratização da mídia, construído pelas conferências e sistematizado pelo então ministro

Franklin Martins, está lá na gaveta. Lula já tem se manifestado claramente que será um dos primeiros projetos que precisa ser aprovado no Brasil. BdF - Até que ponto, na sua opinião, a concentração da mídia brasileira em um grupo de meia dúzia de famílias é responsável pela criminalização dos movimentos sociais e da esquerda de modo geral? JP - O controle dos meios de comunicação no Brasil pelo capital, e não mais como um serviço público, é um dos problemas da democracia brasileira e mundial. Mais do que criminalizar a todos que lutam pela igualdade e a justiça, eles fazem o papel de controle social da população e de controle ideológico do que o povão deve pensar. São um dos quatro poderes que a burguesia usa contra o povo: a mídia, o Judiciário, o Congresso e agora o Executivo federal, já que tem o controle absoluto sobre os quatro. BdF - Lula está na cadeia, Temer governa o país, o Judiciário mostra toda sua parcialidade, o patrimônio público está sendo entregue sem a menor cerimô-

nia. Como ter ainda esperança neste país? JP - A luta de classes é dinâmica e funciona em ciclos de ascenso e descenso, de acordo com o movimento das massas. Agora estamos em refluxo do movimento de massas e ascenso do capital. Mas logo as massas recuperarão o terreno e, tenho certeza absoluta, teremos mudanças estruturais no país. Imaginem nossos antepassados, militantes das causas sociais, que viveram sob o fascismo na Europa ou sob a ditadura militar no Brasil. Tudo parecia que nunca mais ia acabar... e acabou. O Brasil ainda será uma grande Nação, com uma sociedade mais justa e igualitária... BdF - Boa parte do preconceito contra mulheres, homossexuais, favelados, moradores de rua provém dos programas de entretenimento e sobretudo dos policialescos. Como são dirigidos às camadas mais pobres da população, o resultado tende a fazer o oprimido adotar o discurso do opressor. Como enfrentar esta questão? JP - A sociedade brasileira precisa controlar a televisão.


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r a sua própria comunicação” Foto: Catiana de Medeiros

O controle dos meios de comunicação no Brasil pelo capital, e não mais como um serviço público, é um dos problemas da democracia brasileira e mundial.

andes entusiastas do Brasil de Fato

É a maior arma oligopólica que os capitalistas têm contra nós. Por isso o projeto que já mencionei, organizado pelo Franklin Martins, está baseado na necessidade deste controle social. BdF - Você tem defendido a candidatura Lula mesmo com ele preso. Porque, a seu ver, essa postura é importante e qual sua avaliação das eleições de 2018, onde a direita se fantasia de centro e a extrema-direita aparece com uma força que se julgava impossível alguns anos atrás? JP - A sociedade brasileira vive uma grave crise econômica e ambiental, que se transformou em social e política, com o golpe aplicado pela burguesia para poder jogar todo o peso da recuperação sobre os trabalhadores. É o que seus autores têm feito. Mas eles, em vez de tirar a sociedade da crise, aprofundaram ainda mais esta mesma crise. Então, precisam de mais tempo para completar seu plano maquiavélico de sair sozinhos e mais ricos de tudo isso. Porém, não conseguiram unidade entre seus porta vozes. Hoje temos mais de dez candidatos da burguesia, mas não con-

seguiram enganar o povão. Derrotado nas instituições em que a burguesia tem hegemonia, o povo apelou ao voto e identificou no Lula o único personagem que pode engendrar as mudanças de rumo no país. E Lula se transformou na classe trabalhadora. Lula é maior do que o PT, do que a esquerda, do que os partidos em geral. Ele agora é a porta da saída para a crise. Com sua eleição, se abriria uma nova perspectiva para debatermos um novo projeto de Brasil. E ele será eleito presidente, preso ou livre. Por isso a tarefa principal de todo a militância popular é lutar pela liberdade do Lula, e depois elegê-lo presidente. E esse é o fantasma que não deixa a burguesia e seus porta vozes lumpens dormirem descansados. BdF - Chama a atenção que, em qualquer pesquisa de opinião, a população tem sempre se manifestado majoritariamente contra as privatizações, contra o corte dos investimentos em saúde e educação, contra a entrega da Petrobras, contra o desmonte do Estado. Contra tudo, em suma, que o governo Temer está fazendo. Como se explica,

Entrevista com Celso Furtado em 2003, publicada na edição zero do Brasil de Fato

então, que não se mobilize para defender suas ideias e seus direitos? JP - Porque vivemos tempos de refluxo do movimento de massas e de crise organizativa das formas tradicionais da esquerda. É normal que, nessas circunstâncias históricas, o povão fique puto da cara. Sabe que o estão roubando, porém sua única arma, por ora, é o voto. Mas logo teremos também a superação de outros desafios, e ingressaremos num novo período de reascenso do movimento, que vai gerar novos líderes populares e uma nova correlação de forças. E esses

que estão aí, bajulando os projetos da burguesia, serão enxotados da história, como foram banidos os líderes da Arena na redemocratização do país. BdF - Para finalizar, o que diria aos movimentos sociais, sindicatos, associações e federações ainda distantes, diante da urgência de se juntarem à grande frente para a retomada da democracia e a recuperação dos direitos dos trabalhadores e do patrimônio nacional? JP - Temos muitos desafios a superar enquanto organizações da classe trabalha-

Lançamento do Brasil de Fato no FSM/2003 em Porto Alegre

dora que queremos mudanças. E por querermos e lutarmos por mudanças estruturais é que somos de esquerda...Vou citar alguns dos desafios com que deveríamos nos preocupar cotidianamente: recuperar o trabalho de base, de ir de casa em casa, de fazer reuniões nos bairros, nas portas de fábrica, nos locais de concentração do povo; levar informação e debate político para o povo. O povo quer debater. Nesse sentido o Congresso do Povo nos municípios e bairros é uma importante metodologia de trabalho de base; construir nossos meios de comunicação; estimular todo tipo de lutas de massa. Nessas circunstâncias da luta de classe, toda greve se transforma em luta política. Vejam a greve dos caminhoneiros, que são despolitizados, porém nos ajudaram a derrubar o presidente todo poderoso da Petrobras; colocar energias permanentes na formação de militantes. A militância precisa ter uma visão estratégica e conhecer a história da luta de classes; e finalmente debater e construir um novo projeto de Brasil, que possa nos tirar da grave crise histórica que hoje vivemos.


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CIDADES

PORTO ALEGRE, 16 A 31 DE JULHO DE 2018

Maior surto do mundo leva casais a evitarem gravidez

TOXOPLASMOSE |

CaféComAfeto / Dragana Gordic / Freepik

As mulheres de Santa Maria não devem engravidar. O aviso é da Secretaria de Saúde do município de 280 mil habitantes, depois de confirmado o maior surto de toxoplasmose já registrado no mundo. As gestantes e seus fetos são as maiores vítimas da doença. No começo de julho, 594 casos haviam sido confirmados. Entre eles, 50 grávidas. “São a nossa maior preocupação”, reparou a secretária de Saúde, Liliane Duarte. Outras 435 pessoas estão sob observação. AYRTON CENTENO

SANTA MARIA (RS)

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surto veio da água. Esta convicção foi reforçada pelos exames realizados na Universidade Estadual de Londrina – único laboratório no país credenciado para toxoplasmose na água – que detectaram a presença do protozoário causador da doença no lodo decantado de reservatório de casa abastecida pela rede pública. Mas a cepa – tipo – do micróbio era diferente daquele que provocou o surto. Cautelosas, as autoridades não indicavam a água como única origem da epidemia. “Pode vir de hortaliças irrigadas com água contaminada, a contaminação cruzada”, ponderou o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB). Principais cuidados Causada por um parasita, o Toxoplasma gondii, a

Os gatos são os hospedeiros definitivos do Toxoplasma gondii, mas apenas os contaminados podem repassar a doença, sempre pelas fezes. toxoplasmose é de difícil identificação. Seus sintomas mais comuns são febre, cansaço, mal estar e ínguas - inflamação dos gânglios. Os humanos são infectados através da ingestão de carne crua ou malpassada; do consumo de água comprometida ou de frutas e vegetais mal lavados; do contato direto com solo, areia ou lixo contendo fezes de gatos infectados; e da transmissão da infecção da gestante para o filho. Neste caso, o agente transmissor pode atravessar a placenta e contagiar o feto, com o risco de abortos e malformações, além de problemas neurológicos e oftalmológicos. As grávidas são advertidas para evitar o contato com fezes de gatos, que podem conter oocistos – os ovos do parasita - usando sempre luvas ao trocar a areia da caixa. Os gatos são os hospedeiros definitivos do Toxoplasma gondii, mas apenas os conta-

E que lição o grande surto deixa para o Brasil em termos de prevenção? “Basicamente que essa doença existe e que sempre foi negligenciada”

minados podem repassar a doença, sempre pelas fezes. Devem ser alimentados com ração, nunca com carne crua ou mal passada. E mantidos distantes da caça de ratos. Sua água deve ser fervida. “Um bofetão na cara” Em Santa Maria, a confirmação do surto aconteceu em 20 de abril e deflagrou uma polêmica. Em maio, um grupo de 13 infectologistas locais lançou nota relatando que, já na segunda quinzena de março, informaram o município e o estado sobre o risco, mas que encontraram “exagerada e incompreensível tranquilidade”. Mais tarde, porém, o grupo voltou atrás, reconhecendo “a relevante atuação” das autoridades. O prefeito assegura que desde 6 de abril a situação estava sendo monitorada mas o surto só pode ser ratificado duas semanas depois. Outra divergência jogou o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, no centro da discussão. No dia 21 de junho, Occhi anunciou que o mistério estava deslindado: a infecção vinha da água. O prefeito retrucou, chamando a fala ministerial de “um bofetão na cara” da comunidade. Logo, Occhi voltou atrás,

alegando ser “uma grande tendência” de que a causa seja a água. Diante das análises de Londrina, a Corsan reagiu. A companhia estadual publicou nota, destacando que, das diversas coletas, apenas uma registrou resultado positivo.

Argumentou que, na residência em questão, além do parasita “foram identificados outros contaminantes biológicos/protozoários (decorrentes de fezes de animais), o que corrobora as condições inadequadas de manutenção e limpeza desse reservatório”.

Sete mil poços A controvérsia também deixou os trabalhadores em estado de alerta. Arilson Wunsch, presidente em exercício do Sindiágua, o sindicato dos empregados nas empresas do setor, é um deles. “Se o problema fosse a água da Corsan não have­ ria 600 pessoas doentes, mas 50 mil”, comentou. Lembrou que a cidade possui sete mil poços artesianos. “Onde está a fiscalização desses poços?” indagou. E questio­ nou: “Quem sabe de onde vem a água mineral que as pessoas estão tomando?” Ele receia que a exposição ao descrédito atrite a Cor­ san com a população, o que serviria ao interesse de pri­ vatizá-la ou, ao menos, de re­ tirá-la do abastecimento de Santa Maria. “Seria um ba­ que para a empresa, que dá lucro”, enfatizou. Antes de Santa Maria, o

maior surto do mundo tam­ bém foi brasileiro. Ocorreu em 2002 na cidade de Santa Isabel do Ivaí, Noroeste do Paraná, com 375 casos com­ provados entre seus 9.154 moradores. Lá, confirmou­ -se a água como elemento difusor. Abrigados na esta­ ção de tratamento, gatos te­ riam contaminado o líqui­ do com fezes. E que lição o grande sur­ to deixa para o Brasil em termos de prevenção? Um dos maiores especialistas em toxoplasmose ocular no Brasil, o oftalmologista Cláudio Silveira responde: “Basicamente que essa do­ ença existe e que sempre foi negligenciada”. Ele ressalta que “um dos ensinamentos de Santa Maria pode ser a toxoplasmose fazer parte das doenças de notificação compulsória. E que isso seja cumprido”.


TERRA

PORTO ALEGRE, 16 A 31 DE JULHO DE 2018

Interesse econômico coloca saúde humana em risco

PACOTE DO VENENO | Especialistas e lideranças alertam para retrocesso que representa o PL defendido por ruralistas e indústria química

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que 80% dos casos de câncer são atribuídos à exposição a agentes químicos.

MARCOS CORBARI E KATIA MARKO

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PORTO ALEGRE (RS)

egue em ritmo acelerado a tramitação do Projeto de Lei (PL) 6.299, mais conhecido como o “Pacote do Veneno”. Depois de aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em reunião a portas fechadas, a matéria está apta para ser apreciada no plenário da Casa. Pesquisadores, ambientalistas e movimentos do campo tem denunciado o avanço da proposta e apontam o uso de agrotóxicos como gerador de graves riscos para o ambiente e a saúde humana. Para o engenheiro agrônomo e dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores Marcelo Leal “o agronegócio caminha de maneira acelerada para o fim e quer arrastar toda a sociedade para sua agricultura de morte”. Ele alerta que os efeitos previstos serão desastrosos para o meio ambiente e a sociedade. “Uma tragédia para a saúde pública e exige uma ampla aliança envolvendo movimentos, formadores de opinião e trabalhadores da saúde e da alimentação.” Para Leal, o problema não é tecnológico, visto que já há tecnologias sustentáveis a disposição para se fazer a transição de matriz produtiva. “O problema é a subordinação do Congresso que funciona com títeres das transnacionais do veneno, financiadoras de suas campanhas”, acrescenta, explicando que se houvesse o mesmo empenho do Legislativo e políticas de Estado, em uma década o Brasil poderia se tornar numa grande potencia agroecológica. Denúncia Marina Lacôrte, especialista do Greenpeace em Agricultura e Alimentação, denuncia a forma como o projeto está seguindo na contramão do que a sociedade quer. “Os membros da comissão viraram totalmente as costas para a população, nem mesmo a opinião de instituições científicas, de saúde e meio ambiente, que se posicionaram contra o PL do Veneno, foram consideradas”, comenta. A ativista cita entre estas a Organização das Nações

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Unidas (ONU), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Nacional do Câncer (INCA). “Fica muito claro que esses parlamentares atendem apenas aos interesses da indústria de pesticidas e do agronegócio”, afirmou. Parlamentares de oposição realizaram diversos requerimentos para que instituições de pesquisa científica fossem ouvidas durante as discussões, entretanto, a maioria ruralista rejeitou os pedidos neste sentido. Fato é que atual-

mente o Brasil já é o maior mercado consumidor de agrotóxico, utilizando cerca de 20% do total produzido no planeta e registra uma média de oito casos diários de intoxicação por contato direto com as substâncias tóxicas. Casos de câncer A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que 80% dos casos de câncer são atribuídos à exposição a agentes químicos. No RS, estado que despejou quase 100 mil toneladas de veneno nas lavouras em apenas dois anos e onde o consumo per capita é de 30 litros de

Saiba as consequências do Pacote do Veneno Entre outras coisas, o PL do Veneno pretende: - Revogar a atual Lei de Agrotóxicos (7.802/1989) e liberar o uso ainda mais amplo dessas substâncias; - Garantir o registro de substâncias comprovadamente cancerígenas; - Mudar o termo “agrotóxico” em uma tentativa de mascarar a nocividade dessas substâncias sem atender a realidade brasileira do campo; - Conferir registro temporário sem avaliação para aqueles agrotóxicos que não forem analisados no prazo estabelecido pela nova Lei; - Transferir, basicamente, todo o poder de aprovação ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tornando apenas consultivo no processo de avaliação e aprovação órgãos importantes como Ministério do Meio Ambiente e Anvisa.

agrotóxicos por ano, o dobro da média do país, o câncer é a primeira causa de morte em 140 municípios. Na região Noroeste, em média dez agricultores são diagnosticados com câncer por dia. Estes dados podem ser encontrados no Atlas do Agrotóxico, lançado no ano passado, com base em dados do Sistema Nacional de Atendimento Médico (Sinam). A pesquisa alerta que dos 504 ingredientes ativos vendidos no Brasil, um total de 140, ou 30%, estão proibidos na União Europeia. “Os casos que temos de intoxicação são sempre a ponta do iceberg de algo mais complexo, de doenças crônicas como o câncer. O mapeamento desses casos agudos ilustra uma situação mais profunda. É possível afirmar essa correlação”, diz a coordenadora do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP) e autora do Atlas, Larissa Bombardi. Junto com outros profissionais, ela constrói agora outro estudo, que promete ser ainda mais impactante: mostrar as conexões entre más formações fetais e câncer e os agrotóxicos. Fonte: Com informações do Greenpeace Brasil, Movimento dos Pequenos Agricultores, Atlas do Agrotóxico e jornal Brasil de Fato

Como votaram os deputados gaúchos Quatro deputados federais do RS participaram da comissão especial que debateu o PL do Veneno. Votaram a favor do projeto que facilita o aumento da incidência de agrotóxico nos cultivos e consequentemente na comida que chega até a mesa da população, os deputados Alceu Moreira (MDB), Luis Carlos Heinze (PP) e Vilson Covatti Filho (PP). O único voto contrário entre os gaúchos presentes na comissão foi de Elvino Bohn Gass (PT).


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CULTURA & LAZER

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HORÓSCOPO CÂNCER (21/6 A 22/7) Aproveite que um novo ciclo solar está iniciando em sua vida para usar sua discreta influência a favor de um projeto popular para o Brasil. O que a gente sabe que não é algo simples. Esforce-se para superar suas contradições internas, elas serão avaliadas por terceiros, é importante neste momento não facilitar para os inimigos. Nenhum esforço será em vão e cada detalhe é crucial para a complexidade do mundo que queremos construir. O amor ao povo é a chave para nossa vitória e você tem muito a nos ensinar.

LEÃO (23/7 A 22/8) Desde o começo do mês, Mercúrio está transitando por seu signo, é um ótimo momento para a comunicação e a vida social. Aproveite para mandar aquele clássico #FORATEMER

VIRGEM (23/8 A 22/9) Você estará mais fechado (a) emocionalmente nos próximos dias. Com um sentimento saudosista, será saudades de um ex de 9 dedos? Tudo muda a partir do dia 10, quando o planeta Vênus inicia um passeio por seu signo.

LIBRA (23/9 A 22/10) Os trabalhos em equipe serão beneficiados nos próximos dias. Ótimo momento para conspirações contra o governo golpista. Haverá mudanças em sua vida profissional. Prepare-se.

ESCORPIÃO (23/10 A 21/11) A imagem que as pessoas têm de você melhorará. Aproveite sua sensual simpatia para mobilizar as massas. Seu discurso estará mais eloquente do que o usual.

SAGITÁRIO (22/11 A 21/12) Cuidado, sua energia vital pode baixar drasticamente nos próximos dias. Procure retirar-se e descanse bem para receber as novidades que virão depois deste período. Resistência é a palavra de ordem.

CAPRICÓRNIO (22/12 A 20/1) Para os dias que vêm você estará mais contemplativo, aproveite para cultivar sua espiritualidade. Mudanças importantes podem chegar a partir de seus relacionamentos. Você perceberá a unidade como um elemento fundamental para as mudanças que deseja.

AQUÁRIO (21/1 A 19/2) Momento para fazer uma limpeza emocional. Retire de sua vida o que não serve mais, amizades, situações e sentimentos. Isto te dará um novo fôlego e injetará mais paciência para construir sua vida de militância.

PEIXES (20/2 A 20/3) Cuidado para não cair em contradição nos próximos dias. Bom momento para afirmar alianças duradouras. Use sua sensibilidade para cativar o povo para a causa que lhes interessa.

ÁRIES (21/3 A 20/4) No dia 6, a Lua entra em fase minguante em seu signo. A energia vital baixa, não dê chance para os golpistas: cuide-se e aproveite para meditar. Há de ter a velha paciência histórica para o momento que atravessamos.

TOURO (21/4 A 20/5) Sua casa será seu principal quartel general nos primeiros dias do mês. Sua vida emocional ganhará novos ares a partir do dia 12. Não há nada melhor que um amor também organizado no campo popular.

GÊMEOS (21/5 A 20/6) Você estará sem paciência para conversas vazias. Por isto procurará estar nos círculos da vanguarda política dos lugares onde frequenta. Novas oportunidades surgirão. Mateus Além Pisciano, jornalista, comunicador popular e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Tem mais facilidade em guardar o mapa astral do que o nome das pessoas.

Cineasta gaúcho Tiago Köche resgata a vida de Olívio Dutra

O GALO MISSIONEIRO A trajetória de um militante conta a história do exgovernador do RS Olívio Dutra Documentário “O Galo Missioneiro – a trajetória de um militante” emociona em exibições no estado. KATIA MARKO

PORTO ALEGRE (RS)

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irigido pelo cineasta gaúcho Thiago Köche, o documentário resgata a vida de Olívio Dutra. O filme mostra desde a convivência com a família na cidade natal, São Luiz Gonzaga, passando pela vinda do missioneiro para a capital gaúcha e sua luta sindical e política, que o le-

vou a prefeito de Porto Alegre e a governador do estado. Conforme Thiago, a ideia é lembrar dos bons exemplos da política num mundo tomado pelo ódio e intolerância. “É essencial resgatarmos os bons exemplos de políticos e gestões que priorizam o papel do povo como sujeito, e não objeto da política”, conta o diretor. Um roteiro na cabeça e uma câmera na mão O documentário também resgata imagens históricas do Partido dos Trabalhadores em Porto Ale-

gre e no Rio Grande do Sul. Foi gravado sem orçamento e sem captação de recursos públicos por meio de leis de incentivo à cultura. Thiago acompanhou Olívio de forma independente e militante durante um ano, com uma câmera e um microfone lapela no protagonista, além de resgatar imagens de arquivo e entrevistas com pessoas envolvidas na história. Após o lançamento na Assembleia Legislativa, dia 26 de junho, o filme está sendo exibido em diversos municípios do stado. Também poderá ser visto, na Caravana Cultural Cine O Galo Missioneiro, com participação especial do Grupo Unamérica, em locais públicos de Porto Alegre. As primeiras exibições serão na Lomba do Pinheiro, no dia 22 de julho, em Herdeiros, no dia 29 de julho, na reinauguração da Praça Roseli Nunes, na Santa Helena e dia 30 de julho na Aldeia Kaigang, na Parada 24.

TIRINHA | Armandinho (Alexandre Beck)


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Contragolpe reúne artistas para pensar a atualidade brasileira A Terreira da Tribo de Atuadores Oi Nois Aqui Traveiz, em parceria com o Memorial Luiz Carlos Prestes, realiza a Primeira Feira Brasileira de Opinião – Contragolpe em Porto Alegre, de 15 a 29 de julho. KATIA MARKO

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Terreira da Tribo de Atuadores Oi Nois Aqui Traveiz aceitou o desafio de Cecília Boal, e em parceria com o Memorial Luiz Carlos Prestes, convidou mais de 50 coletivos culturais e artistas para apresentar, através de suas obras, a sua visão sobre o momento social e político do Brasil hoje na forma de artes visuais, cênicas, música e poesia, além de debates. Serão 15 dias de atividades no Memorial, de terça a domingo. Todas as atividades serão gratuitas e abertas ao público em geral. A proposta é ouvir a todas e todos e propor uma refle-

xão sobre as alternativas para o Brasil a partir da diversidade, do respeito, da igualdade e da luta pela retomada de direitos usurpados. A inspiração - 50 anos depois O encontro se inspira na Primeira Feira Paulista de Opinião realizada em 1968 por Augusto Boal, idealizador do Teatro do Oprimido, diante da repressão e da censura da ditadura militar no Brasil da época. “O que pensa você do Brasil de hoje?”, questionou Boal. A resposta foi o espetáculo produzido pelo Teatro de Arena, com direção de Augusto Boal, reunindo dramaturgos - entre eles Lauro César Muniz, Bráulio Pedroso, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade e Plínio Marcos -, atrizes como Aracy Balabanian, Cecília Thumim Boal e Myriam Muniz, além de compositores como Edu Lobo, Caetano Veloso, Ary Toledo, Sérgio Ricardo e Gilberto Gil.

Quem foi Augusto Boal (1931/2009) Augusto Pinto Boal foi a principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo, na década de 1960. Criou o "teatro do oprimido", metodologia que une teatro e ação social e que tornou seu trabalho conhecido internacionalmente. Depois de concluir o curso de química na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1950, embarca para Nova York, onde estuda teatro na Universidade de Columbia. Cursa direção e dramaturgia. Volta ao Bra-

sil em 1956, quando é contratado para integrar o Teatro de Arena de São Paulo, onde aprofunda o trabalho de interpretação, adaptando o método de Stanislavski às condições brasileiras e ao formato de Teatro de Arena. Sua atuação é decisiva para o engajamento do grupo na opção ideológica de esquerda. Dirige, então, "Ratos e homens", de John Steinbeck, que lhe rende o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes APCA, como revelação de diretor. Depois do golpe militar

de 1964, Boal dirige, no Rio de Janeiro, o show Opinião, com Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia). O evento passou à história como um ato de resistência cultural contra a ditadura. A partir de 1978 vive em Paris, criando um centro para pesquisa e difusão do teatro do oprimido, o Ceditade. Retorna ao Brasil em 1984, com a anistia, fixando-se no Rio de Janeiro. Em 2009, é nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco. Sofrendo de leucemia, falece aos 78 anos, de insuficiência respiratória, no Rio de Janeiro.

Visite o site http://feiradeopiniaoport.wixsite.com, clique no link e confira a nossa programação.

Pedro Munhoz grava DVD O trovador Pedro Munhoz, autor de canções que se transformaram em verdadeiros hinos de luta – como “Canção da Terra” e “Quem tem Coragem” - prepara a gravação de seu primeiro DVD. O show de onde vai derivar o registro em vídeo será realizado no dia 30 de agosto, no Café Fon fon, em Porto Alegre. Sob o título de “Outras Canções Urgentes”, a apresentação deve priorizar o formato intimista, composto por voz, violão e – claro – muita poesia. Munhoz está gravando também um CD com o mesmo título, que em breve deve estar à disposição de todos que apreciam o cancioneiro legitimamente latino-americano. Os interessados em participar da gravação podem entrar em contato diretamente com o cantor ou com a casa, através de seus perfis nas redes sociais.

Divulgação


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ESPORTES

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Longe da Copa, o outro lado do futebol REALIDADE | Nem Cristiano Ronaldo, nem Messi, nem Neymar. Nada de carrões, nada de iates, nada de jatinhos. Nenhuma fama, nenhuma fortuna. A vida da maioria dos jogadores de futebol no Brasil destoa da imagem das celebridades sitiadas por tietes e câmeras. AYRTON CENTENO

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Oliveira, o lateral: “A realidade é cruel” (Foto: Ayrton Centeno)

Abismo salarial Neymar recebe R$ 82.867.50 por hora

80% dos jogadores brasileiros recebem R$ 1.000,00 por mês

itenta e dois por cento dos profissionais da bola no Brasil ganhavam até R$ 1 mil em 2016, data do último levantamento realizado pela CBF. Outros 13% recebiam entre R$ 1 mil e R$ 5 mil mensais. É um panorama que não mudou desde então. “Te pagam uns mil reais e, se tu deres um sorriso, quem sabe possam avançar um pouquinho mais”, testemunha com certa auto-ironia o lateral-esquerdo Ivan Oliveira, 25 anos, ex-São José, Cruzeiro, Porto Alegre, Cerâmica, Palmeirense, Nacional. Em 2018, Oliveira, fechou dois anos sem trabalhar na profissão. O último emprego foi no Atlético Clube, de Ipanema, de Alagoas. Desde então, sustenta a família – esposa e três filhas – trabalhando como manobrista de restaurante. O último clube de Lúcio Rassier, 25, foi o Guaraí, de Tocantins, em 2017. Volante e lateral direito, Lúcio Gaúcho, seu apelido, vestiu as camisetas de cinco equipes do interior do Rio Grande. Submetido à cirurgia de meniscos, está voltando aos poucos. Casado e sem trabalho, Lúcio Gaúcho desfruta de situação melhor do que a maioria dos colegas, graças ao aluguel dos dois apartamentos que comprou em Porto Alegre em tempos melhores. “Com eles, consigo uma renda três mil mensais”, explica. O goleiro Leandro Nery continua treinando mas, aos 36 anos, encontrou outro ofício para o lugar do futebol. É faixa preta e instrutor de taekondo. Começou nas categorias inferiores do Paraná Clube de onde seguiu para o Paranavaí. Recebia um salário-mínimo. Partidas para manter a forma Leandro, Lúcio e Oliveira foram reunidos com mais 25 cole-

gas pelo ex-ponta-esquerda Milton Pedroso, 62. Diretor técnico do Sindicato dos Atletas Profissionais/RS, o Siapergs, Miltinho, como é conhecido, organiza partidas para manter a forma dos jogadores sem clube. Ele calcula que as 45 equipes das três divisões de futebol profissional do Estado empreguem 1200 jogadores. Terminada a competição, repete-se a mesma história: se o clube não se classificou, fecha o departamento de futebol e os profissionais são dispensados. A cada três meses, o setor produz centenas de desempregados, obrigados muitas vezes a tentar a sorte em outros estados. Paulo Mocelin, 47, jogou por Esportivo, Farroupilha, Ibirama e Laguna. “Era goleiro, mão de alface”, brinca Mocelin, atual presidente do Siapergs. De lá para cá, pouco mudou. Ele enumera os problemas: baixa remuneração, contratos de três meses, carreira curta. Como as chances acabam por volta dos 35 anos e poucos ex-jogadores se transformarão em técnicos ou preparadores físicos, é preciso achar outra profissão. O abismo salarial Nacionalmente, o quadro de dificuldades é o mesmo. Trabalhando com os dados de 28 mil jogadores, a CBF encontrou 23.238 deles na faixa salarial em torno de R$ 1 mil. Para dimensionar o abismo que separa este contingente do faturamento de um supercraque, basta dizer que Neymar recebe três milhões de euros por mês no Paris Saint Germain. Ou seja, R$ 13.230.000,00 mensais. Dividindo-se este valor por 160 horas – soma mensal do tempo de trabalho – descobre-se que a estrela da seleção e do PSG fatura R$ 82.687,50 a cada 60 minutos. Ou R$ 1.378,12 a cada 60 segundos. Foi o que ganhou enquanto você estava lendo este parágrafo... Para qualquer dos 23.238 boleiros embolsarem aquilo que Neymar ganha em apenas um mês de PSG, teriam que correr atrás da bola durante um milênio, um século e dois anos, quer dizer até o ano 3.120... A distância entre o topo e a base da pirâmide agravou-se nas últimas décadas. Em

2014, o blog Achados Econômicos comparou os salários dos maiores astros dos anos 1980 com os do século 21. O corintiano Sócrates e o flamenguista Zico ponteavam a lista das maiores remunerações e ambos recebiam – atualizados os valores do cruzeiro, moeda da época, em reais - abaixo de R$ 150 mil mensais. Hoje, algumas dezenas de profissionais atuando no Brasil ultrapassam em muito esse patamar. A TV só mostra o lado bom A transformação do futebol em indústria de entretenimento turbinou os ganhos e o poder dos grandes clubes. A receita da TV, dos patrocínios, da bilheteria e da venda de produtos permitiram, por exemplo, a contratação de uma legião estrangeira de craques pela Europa. Equipes europeias converteram-se em marcas globais. E o jogador de futebol passou a ser percebido pelo público como um artista, rivalizando com os astros do cinema e da música pop. É a imagem predominante, mas totalmente distorcida do mundo do esporte. “Quando a gente diz que é profissional, as pessoas pensam que o cara ganha muito. Que nada, a realidade é cruel”, acentua Oliveira. . “A TV só mostra o lado bom do futebol”, registra Mocelin e acrescenta: “E o lado ruim não dá mídia”.

Nery, o goleiro, virou instrutor de taekwondo (Foto: Ayrton Centeno)


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