4 ANOS DE IMPUNIDADE E LUTA POR REPARAÇÃO
No dia 25, o crime da Vale na Bacia do Paraopeba e na represa de Três Marias completa quatro anos. Nenhum dos responsáveis foi punido. Na quinta (19), o STF ordenou o andamento imediato do processo criminal para que não prescreva. Atingidos reivindicam a reparação integral aos danos, enquanto parte do recurso do acordo, firmado entre o governo Zema e a mineradora, tem sido direcionado para outros fins
Após 4 anos do crime da Vale em Brumadinho, atingidos convivem com impunidade
“Não passou, não acabou”, relata Andresa Rodrigues, atingida pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Após quatro anos do crime, as famílias da bacia do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias afirmam que convivem até os dias de hoje com as consequências.
“Adoecimento físico, psicológico e estrutural. Seguimos no luto interminável. O crime da Vale segue nos sacrificando. A lama da Vale nos sufoca e as manobras dela nos aprisionam”, complementa Andresa, que é integrante da Associação dos Familiares das Vítimas de Brumadinho (Avabrum).
Além das 272 vítimas fatais, três delas ainda não encontradas, a lama tóxica deixou seu rastro de destruição no rio, nas histórias e no modo de vida de milhares de atingidos e atingidas. Ainda assim, nenhuma pessoa foi formalmente responsabilizada e o processo contra as empresas se arrasta na Justiça.
Processo invalidado
Em dezembro do ano passado, uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou a ação penal que tramitava desde 2020 na Justiça estadual. No processo, além da Vale e da empresa alemã Tüv Süd, 16 pessoas físicas eram citadas, acusadas de homicídio do-
loso duplamente qualificado e de crimes ambientais.
Após receber recursos de dois dos acusados, Fabio Schvartsman, ex-diretor-presidente da Vale, e Felipe Figueiredo Rocha, engenheiro da mineradora, o STF considerou que o caso deveria ser julgado pela Justiça Federal.
Em abril do ano passado, Fabio Schvartsman foi nomeado membro do Conselho de Administração da Vibra Energia, antiga BR Dis-
tribuidora. Até março deste ano, o ex-diretor-presidente da Vale recebe remuneração de mais de R$ 16,5 milhões para desempenhar o cargo.
Na Alemanha, o Ministério Público de Munique também apura se atores do país têm responsabilidade criminal pelo rompimento da barragem. As investigações começaram após familiares de vítimas, junto ao Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos, apresentarem queixa contra a Tüv Süd.
272
Caso a decisão do STF seja definitiva, será necessário apresentar novamente as acusações contra os suspeitos de serem responsáveis por um dos maiores crimes socioambientais e trabalhistas da história do Brasil.
“Sem justiça criminal não há reparação possível. Só a punição dos culpados poderá amenizar o sofrimento das pessoas que estão traumatizadas pela perda de seus familiares ou pela mudança abrupta de seus projetos de vida”, avalia o advogado coordenador do Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia em Brumadinho, Danilo Chammas.
Três, das
vítimas fatais, ainda não foram encontradas
Ex-presidente da Vale recebe remuneração atual de mais de R$ 16,5 milhõesMarcela Nicolas
Atingidos relatam uma série de violações de direitos
Denúncias vão desde a falta de reparação até a perseguição de lideranças comunitárias
Ana Carolina VasconcelosSegundo as famílias atingidas, a demora para punir as empresas e os responsáveis pelo crime abre espaço para que a Vale determine por conta própria como deve agir nos territórios e siga reproduzindo a lógica que culminou no rompimento da barragem em 2019.
“A impunidade do crime propicia o cenário ideal para a Vale continuar controlando o processo de reparação e reproduzindo suas violências, pressionando trabalhadores terceirizados, negligenciando as demandas das comunidades, provocando o aumento do adoecimento físico e mental e perseguindo as vozes que destoam da sua narrativa”, avalia Marina Oliveira, uma das atingidas.
Defensora de direitos humanos e da natureza, Marina relata que a mineradora desenvolveu um método para inibir, oprimir e restringir as ações de denúncia contra a empresa, tornando o ambiente hostil.
“O objetivo central é amedrontar e desmoralizar lideranças, questionando a natureza dos seus valores de defesa comunitária e buscando quebrar elos e laços entre elas e suas comunidades”, relata a atingida.
EM MINAS GERAIS, 23 BARRAGENS DA VALE ESTÃO EM NÍVEL DE ALERTA OU EMERGÊNCIA
O outro lado Procurada pela reportagem, a Vale S.A não respondeu até o fechamento desta edição.
Escalada de violência contra lideranças
Reincidência
O último relatório mensal da Agência Nacional de Mineração (ANM), divulgado em dezembro do ano passado, indicou que 23 barragens da Vale S.A em Minas estão em nível de alerta ou emergência.
Entre elas, a barragem Forquilha III, localizada em Ouro Preto, foi classificada como nível 3, que indica risco iminente de rompimento. No mesmo município, outras cinco estruturas da empresa estão classificadas como nível 2.
Em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH, outras seis barragens da Vale também estão em nível de emergência. Os municípios mineiros de Itabira, São Gonçalo do Rio Abaixo, Barão de Cocais, Itabirito, Catas Altas, Mariana e Santa Bárbara também têm barragens da mineradora em nível de alerta ou emergência.
“A Vale S.A. segue operando normalmente em todo o território nacional, auferindo lucros exorbitantes e distribuindo dividendos vultuosos a seus acionistas”, comenta Danilo Chammas. Defensor dos direitos dos atingidos da região, o bispo da Arquidiocese de Belo Horizonte dom Vicente Ferreira foi vítima de ameaças no final do ano passado. Em uma das ocasiões, o agressor estava armado.
“O motivo das ameaças de morte certamente é a profética atuação pastoral de dom Vicente Ferreira, ao denunciar as injustiças e violências que a Vale e outras mineradoras vêm perpetrando”, avaliou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Minas Gerais, em nota divulgada na época.
Longe de ser apenas um caso isolado, dom Vicente contou ao Brasil de Fato MG, que lideranças e ativistas da bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias sofrem ameaças diretas e indiretas constantemente.
“Há várias pessoas dos territórios atingidos pelo crime da Vale que estão em programas de proteção de defen sores dos direitos humanos. Não es tou falando de coisas abstratas. Temos notícias reais de tentativas de homicí dios”, afirma o bispo.
Bacia do Paraopeba e represa de Três Marias
DottaOs municípios banhados pelo Rio Paraopeba e pela Represa de Três Marias e, portanto, atingidos, foram divididos em cinco regiões. Para cada uma delas, foi contratada uma Assessoria Técnica Independente (ATI) que produz estudos e faz o acompanhamento das pessoas atingidas. Com o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, da Vale, em 2019, a lama saiu de Brumadinho e chegou a Três Marias. Um percurso de 250 quilômetros.
REGIÃO 5
Aumento da violência
A Pesquisa Saúde, do Instituto Guaicuy, mostrou que a média móvel de casos de violência aumentou nas cidades das regiões 4 e 5. Depois do rompimento, as notificações de violência, como doméstica e autoprovocada (suicídio), cresceram 25% em Felixlândia, 25% em Três Marias e 18% em Pompéu.
Coceira e irritação na pele
Alterações na pele passaram a ser comumente relatadas pelas pessoas que tiveram ou têm contato com a água do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias. De acordo com levantamento do Instituto Guaicuy, em Curvelo, os atendimentos médicos para esses problemas subiram 114%. O aumento também foi preocupante em Morada Nova de Minas (70%), Três Marias (69%) e Felixlândia (57%).
Peixe passou a ser rejeitado
A insegurança sobre a qualidade da água da represa de Três Marias e do peixe passou a trazer sérias consequências.
“Estou aqui expondo minha pessoa, um velho guerreiro, para falar o que aconteceu com essa represa: a mudança de cor nas águas, o fato da gente não poder mais ingerir essa água. Para quem não sabe, a pesca do tucunaré mata a fome de muita gente aqui”, conta Serafim Gonçalves da Silva, morador de Lagoa do Meio, no documentário Além da Margem.
Apesar de terem perdido sua renda, atingidos dessa região não receberam pagamento emergencial, pois as regras determinadas pela Vale não os incluía.
Recursos naturais definitivamente destruídos
Solo ficou “mais seco”
Uma coleta de amostras de solo realizada pela Aedas, em 58 pontos e diferentes profundidades, identificou concentração de ferro, manganês, alumínio, sílica e fósforo, materiais que também foram identificados na análise do rejeito da barragem da Vale. No entanto, o estudo não conclui se a terra está contaminada.
Moradores relatam que, em muitas áreas, o solo ficou mais seco e com menos vegetação.
Um estudo da Aedas demonstrou que, nos municípios da Região 2, os danos se expressaram mais fortemente nas áreas rurais, o que configurou um “ecocídio”, ou seja, a destruição de ecossistemas, o que teria afetado e comprometido em definitivo uma série de recursos naturais.
As populações rurais, que geralmente passam por dificuldades no saneamento básico e também captam água do rio, foram as que mais sentiram os efeitos ambientais do rompimento.
REGIÃO 4
Necessitam água, mas pouquíssimos recebem
Sete entre dez lares da Região 4 precisam de abastecimento de água extra para o consumo humano. No entanto, o estudo do Instituto Guaicuy, feito em maio de 2022, apontou que apenas 5,93% recebem água da Vale. Na região 5, mais de 32% das residências sofrem com a falta d’água, mas não foram incluídas nas medidas emergenciais da Vale, que abastece apenas quem está a 100 metros da margem do rio.
NÚMEROS
REGIÃO 3
Enchente maior e agora com lama
A cheia do Rio Paraopeba passou a ser um momento a mais de apreensão após o rompimento da barragem. Segundo o estudo da ATI Nacab, ao menos 13 mil hectares ficaram debaixo d’água em 2021. Água que, segundo os moradores, vem agora “mais pesada”, possivelmente, por causa da lama da barragem.
A área atingida foi 25% maior que no ano anterior, sendo o município de Paraopeba o que mais apresentou alagamentos.
REGIÃO 1
Rio continua com toxidade aguda e pesca proibida
No total, 23 análises, feitas em 14 pontos do Rio Paraopeba e cursos d’água, deram resultado de toxidade aguda ou crônica. Os elementos que apresentaram maior concentração foram o ferro, manganês, antimônio, bário, cobre, estanho, magnésio, selênio e zinco. A recomendação da proibição de pesca no Rio Paraopeba permanece.
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) até hoje não recomenda a utilização da água bruta do Rio Paraopeba, desde o município de Brumadinho até a usina hidrelétrica de Retiro Baixo, em Pompéu.
DO CRIME 26 municípios impactados diretamente 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos espalhados 944 mil pessoas atingidas diretamente
Para lideranças, Zema usa recurso do acordo com a Vale em projetos que não interessam aos atingidos
Ana Carolina VasconcelosPassados quase dois anos da celebração do acordo de R$ 37,6 bilhões entre o governo de Minas e a Vale para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem no Córrego do Feijão, atingidos da bacia do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias criticam a destinação dada aos recursos.
Sem participação popular na definição dos termos do pacto, movimentos e moradores das comunidades impactadas avaliam que o dinheiro vem sendo utilizado por Romeu Zema (Novo) em iniciativas que não interessam aos atingidos.
Exemplos
As obras do Rodoanel Metropolitano, proposta do governador, receberão mais de R$ 3 bilhões vindos do acordo. Para Fernanda Portes, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de não contribuir com a reparação, a proposta tende a ampliar os danos aos atingidos.
“É uma mega obra que ameaça fontes de água e comunidades quilombolas. Além disso, o traçado passa por municípios já atingidos pelo rompimento, como Betim e Brumadinho, só aumentando os danos. Ou seja, mais atingidos na região “, avalia.
Entregue à iniciativa privada em dezembro do ano passado, o metrô de Belo Horizonte também receberá R$ 440 milhões para a expansão das linhas da Companhia Brasileira de
Trens Urbanos (CBTU) de Minas Gerais, leiloada por apenas R$ 26 milhões, mesmo sendo avaliada em R$ 900 milhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em 2021, Zema apresentou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um Projeto de Lei que destinou às cidades mineiras R$ 1,5 bilhão do recurso do acordo. Porém, na proposta, o repasse seria feito às prefeituras por meio de convênio com o estado. A proposta foi rechaçada pelos deputados mineiros, que conseguiram garantir que o repasse fosse direto, sem interferência do governo.
Reais objetivos do acordo
Marcelo Barbosa, do Movimento pela Sobera-
nia Popular na Mineração (MAM), acredita que, ainda que na narrativa criada sobre o acordo se fale bastante em reparação, os reais objetivos da Vale e de Zema sempre foram outros.
“Não dava para os investidores conviverem com incertezas sobre como e quando a mineradora seria punida pelo Estado brasileiro. Da parte da Vale, é daí que nasce o acordo. Já para Zema, o objetivo era se promover eleitoralmente”, argumenta Marcelo.
O outro lado Procurados pela reportagem, o governo de Minas e a Vale não responderam até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
Realidade é cruel
Enquanto isso, os moradores das comunidades atingidas sentem na pele as consequências da falta de reparação. A pescadora e artesã atingida Eliana Marques Barros conta que é testemunha de uma “realidade cruel”.
“Animais de pequeno e grande porte estão morrendo. O meio ambiente está adoecido, assim como nós, atingidos. A violência aumentou muito e hoje não temos mais segurança de viver como vivíamos antes do crime bárbaro, premeditado e repetitivo da Vale”, relata Eliana.
A pescadora ainda afirma que os atingidos têm dificuldade de acessar até mesmo o valor do acordo destinado às indenizações e auxílios individuais.
“A empresa criminosa entrou no território e o dividiu. Para alguns, ela não negou o auxílio, mas a grande maioria não teve acesso ao direito. Além disso, até hoje a Vale não pagou a indenização”, denuncia.
Alguns destinos do dinheiro do acordo
R$ 1,5 bi para as prefeituras, antes das eleições
R$ 3 bi para as obras do Rodoanel Metropolitano
R$ 440 mi para a empresa que adquiriu o metrô de BH
Projetos estão em disputa
Do total de quase R$ 40 bilhões, o anexo 1.3 do acordo garante R$ 2,5 bilhões para projetos de políticas públicas nos municípios ao longo da bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias, e o anexo 1.1 destina R$ 3 bilhões para projetos voltados às comunidades atingidas.
“Para a garantia do recurso do anexo 1.3 para obra de interesses dos atingidos, por exemplo, tivemos de enfrentar propostas que iriam beneficiar empresários. Chegou a ir para votação, graças a Deus não passou. Também enfrentamos segundas intenções de políticos”, relata Francisco Hélio dos Santos, membro da Comissão de Atingidos de São José do Buriti, distrito de Felixlândia.
Acordo foi celebrado a portas fechadas, sem a participação das comunidades
Mais da metade das crianças da comunidade de Brumadinho tem excesso de metal pesado no corpo
DESOLADOR Doenças de saúde mental e de pele continuam aumentando quatro anos após o rompimento
Rafaella DottaExames feitos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) recolheram amostras de urina e sangue de 3.297 pessoas, com o objetivo de identificar a presença ou não de metais pesados.
O estudo, divulgado em fevereiro de 2022, concluiu que 33,7% dos homens e mulheres adultos apresentavam níveis elevados de arsênio na urina e 37% apresentavam manganês no sangue.
Metade das crianças de 0 a 6 anos possuía pelo menos um metal pesado no corpo, das quais 41,9% apresentaram níveis elevados de arsênio e 13% de chumbo.
Água e ar contaminados?
A conclusão do estudo surpreendeu a todos, em especial aos moradores da comunidade de Aranha. Eles não tiveram contato com a lama na época do rompimento, mas apresentaram os maiores níveis de metais pesados no corpo.
Alexandre Gonçalves, morador de Aranha e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), recebeu seu resultado por correspondência. “Foi apavorante”, relembra. O documento informava que ele estava com alto nível de arsênio, sua esposa com elevados níveis de arsênio e manganês, e a filha mais que o do-
CONTAMINAÇÃO POR METAIS PESADOS
bro do nível recomendado de chumbo.
“Teve análise de criança com quatro metais pesados acima do recomendado. Uma situação muito complexa e de incerteza”, conta.
Suspeita-se de que a água e o ar podem estar contaminados pelo material da barragem da Vale, que se rompeu em Córrego do Feijão. Aranha está a 7 quilômetros do local.
São várias doenças
Nas cidades banhadas pelo Rio Paraopeba e pela represa de Três Marias, houve au-
mento de várias doenças, em especial as relacionadas à saúde mental, alterações na pele, distúrbios gastrointestinais e agravamento de hipertensão.
“Se o desastre ainda está em curso, a pessoa continua com alteração do modo de vida e continua sofrendo”, explica Paula Mota, coordenadora da equipe de Saúde e Assistência Social do Instituto Guaicuy.
Sem vontade de solução
Em todos os casos, as pessoas atingidas reivindicam
que o Estado e a Vale realizem exames aprofundados e forneçam auxílio coerente com a gravidade da situação.
“Eu posso te afirmar, com toda certeza, que para a saúde nada foi feito”, indigna-se Paula, relatando a falta de atitude da empresa e do Estado nos pontos necessários.
Respostas
A mineradora e o governo de Minas Gerais foram procurados para comentar a situação, mas não responderam até o fechamento desta edição.
O POVO FALA
“Esperança é luta que se faz no coletivo. Esperança é verbo, luta que se faz juntos. As lutas e os avanços sociais já mostraram que só é possível chegar mais longe quando estamos lutando por nós e pelo outro”
Jaqueline Júlia dos Santos, da comunidade de Padre João, em Esmeraldas
Estudos feitos pelas assessorias técnicas independentes foram diferencial para atingidos
CABO DE FORÇA As três ATIs são responsáveis por auxiliar tecnicamente a população, garantindo a “participação informada”
Rafaella DottaNesses quatro anos pós-rompimento da barragem da Vale, em Córrego do Feijão, Brumadinho, um elemento parece ter feito a diferença na mobilização e na informação dos atingidos: o trabalho das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs).
O formato foi desenvolvido há sete anos, quando a barragem da Samarco se rompeu em Mariana e as comunidades só tinham acesso a informações repassadas pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, donas da Samarco.
No Rio Doce, nasceu a luta pela assessoria técnica independente, por meio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Em 2020, os atingidos da Bacia do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias conquistaram na Justiça que a Vale fosse obrigada a contratar assessorias para as cinco regiões.
ATIs alertam para direitos
“A assessoria tem feito vários estudos sobre a água, o solo e os animais. E todos eles têm nos mostrado o alto índice de contaminação dos nossos territórios”, aponta Tatiana Diniz, atingida moradora de Cachoeirinha, em Esmeraldas.
Já na comunidade de Aranha, em Brumadinho, a atingida Schirlene Gerdiken concorda que os trabalhos de campo feitos pelas ATIs são essenciais, mas é necessário que as instituições de justiça acolham os resultados e ofereçam solução para os problemas.
“A sensação que a gente tem é que depois de serem feitos, os levantamentos só ficam nos ofícios”, lamenta. “Você não vê reparação”, acrescenta.
Cabo de força
Segundo decisão da Justiça, as três assessorias que atuam na Bacia do Paraopeba e na Represa de Três Marias (Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy) são responsáveis por auxiliar tecnicamente a população, garantindo uma “participação informada” dos atingidos no processo judicial contra a Vale.
“Não fossem as ATIs, o território teria sido dominado pela Vale e muito provavelmente as pessoas atingidas teriam seus direitos mais prejudicados”, aponta Alexandre Chumbinho, gerente jurídico do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab).
“O trabalho da ATI tem sido eficiente na organização dos assuntos de nosso interesse. Porém, não estamos tendo resolução porque as observações e relatórios da assessoria não têm sido aceitos de forma efetiva pelas instituições de Justiça”
Maria dos Anjos Alves da Silva, de Ribeirinha da Rua Amianto, em Brumadinho
“Fomos entendendo que é um passo de cada vez e que a luta é longa. Se não tivéssemos conquistado a assessoria, teria muito mais gente adoecida. Não é somente um acompanhamento técnico, mas também afetivo”
Eunice Ferreira Godinho, de Cachoeira do Choro, em Pompéu“Com muita luta e persistência, o Programa de Transferência de Renda foi uma conquista muito importante. Hoje faz a diferença na vida dos atingidos. De alguns, é a única renda após tantas perdas com o crime bárbaro da Vale”
Michele Rocha, de Monte Calvário, em Betim“Só da assessoria técnica vir até a nossa casa, nos ouvir, entender com detalhes como o rompimento afetou nossa saúde, nossas relações familiares, nossa alimentação e nosso lazer, já é uma luz no fim do túnel. Eles nos lembram que temos direitos”
Márcia Geralda Martins, de Angueretá, em Curvelo