BDF_70

Page 8

8

De 1º a 7 de julho de 2004

NACIONAL VULNERABILIDADE EXTERNA

Transnacionais empobrecem o país

Empresas estrangeiras aumentam os preços dos serviços públicos, a exploração do trabalho e a remessa de lucros Jorge Pereira Filho da Redação

EVOLUÇÃO DAS REMESSAS PARA O EXTERIOR em bilhões de dólares

S

e você está irritado com a alta na sua conta de luz e de telefone, acha que os preços no Carrefour são um estorvo ou não consegue mais ir ao cinema porque o Cinemark aumentou o ingresso, saiba que sua legítima insatisfação pessoal é a ponta do iceberg de um problema nacional: os efeitos da crescente presença das transnacionais na economia brasileira. Novos números mostram a dimensão desse problema. As empresas estrangeiras estão aumentando suas remessas de lucros e dividendos ao exterior. Nos primeiros cinco meses de 2004, 3,23 bilhões de dólares deixaram o Brasil – volume 51% maior do que o registrado em 2003, segundo o Banco Central (BC). Apenas no mês de maio, sob a forma de pagamento de empréstimos para as matrizes, as empresas estrangeiras retiraram do país mais 745 milhões de dólares. Mas se a economia não cresce a um ritmo extraordinário, por que as transnacionais estão elevando tanto suas remessas? O que, na verdade, permite a essas empresas mandar mais dinheiro são operações como aumento dos preços em setores onde há monopólio privado (veja reportagem abaixo), ou maior exploração do próprio trabalhador. “No caso atual, a economia está crescendo lentamente e as empresas conseguiram, também, aumento da lucratividade, com redução de empregados e aumento dos preços”, explica o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp.

14,9

14,7

REMESSAS DE JUROS

13,1

REMESSAS DE LUCROS

12 9

8,3

9,5

8,8

7,9

7,2

80

DEPENDÊNCIA

Fonte: Banco Central

A conta, obviamente, não fecha. Como o governo resolve esse problema? “Essa mágica é feita por novos empréstimos que o país toma no exterior. É por isso que a dívida pública aumentou tanto”, diz Maria Lúcia. Para se ter idéia do peso desses

números, a dívida pública brasileira, hoje, é seis vezes maior do que há dez anos. Em 1994, somava R$ 54,9 bilhões. Em maio de 2004, chegou a R$ 946,7 bilhões. “A crescente necessidade de dólares leva o país a manter a política de

7,2

6,7

6,3

6

5,3

4,9

4,1

3

1,8

13,6

13,0

11,5

Essa remessa é feita em dólares, moeda fabricada apenas pelos Estados Unidos, que são comprados com reais no Banco Central. Mais uma fonte de sangria de moeda forte, indispensável para o Brasil fechar suas contas externas. “Temos três possibilidades para arrecadar dólares: exportar mais, receber mais investimentos externos, ou nos endividar”, explica Maria Lúcia Fattorelli, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). A previsão mais otimista para as exportações de 2004 é de um saldo de 26 bilhões de dólares. Quanto aos investimentos externos, como se viu, estão em níveis mais baixos do que os esperados. E o país terá de enviar 63 bilhões de dólares ao exterior, entre amortizações e juros da dívida, lucros das transnacionais e serviços contratados (veja quadro).

2,5

2,6

5,6

5,2

3,3

2,3

0,6

0

1992

Fonte: Banco Central

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

COMPARAÇÃO ENTRE O SALDO COMERCIAL E REMESSAS PARA O EXTERIOR previsão para 2004 (em bilhões de dólares)

REMESSAS PARA O EXTERIOR TOTAL 63,4 Serviços contratados no exterior 5,7 7,2 Lucros das multinacionais

70 60 50 40 30

13,6 Juros da dívida externa SALDO COMERCIAL TOTAL 26,0

20

Amortizações

36,9 da dívida externa

10 0

juros elevados, travando o crescimento econômico”, acrescenta Maria Lúcia. A explosão do endividamento brasileiro é mais uma conta a ser computada na herança maldita dos oito anos do governo Fernando

2001

2002

2003

2004

Henrique Cardoso, com destaque para a contribuição da privatização das estatais no endividamento. “O Brasil, a partir do começo dos anos 90, principalmente 94, sofreu muito com o aumento das remessas para o exterior. Isso representa uma pressão adicional sobre o balanço de pagamentos”, afirma Belluzzo. Entre 1994 e maio de 2004, as remessas de lucros ao exterior chegam a 46 bilhões de dólares. O governo Lula, no entanto, está produzindo sua própria maldição. Ao optar pela alternativa neoliberal, a dívida cresceu cerca de 40% desde janeiro de 2003. Recentemente, o governo fez uma nova emissão de títulos no valor de 750 milhões de dólares, em condições totalmente desfavoráveis, às vésperas de os Estados Unidos elevarem seus juros. Sinal de que a necessidade por dólares era mais que urgente.

Serviços públicos custam um absurdo

ENDIVIDAMENTO Segundo Belluzzo, as remessas para o estrangeiro crescem quando as empresas não têm perspectiva de fazer mais investimentos no Brasil em função, por exemplo, do baixo crescimento econômico. Não por acaso, o fluxo de investimento direto estrangeiro (IDE) registrou queda expressiva em maio. Para se ter uma idéia, o BC projetava, para 2004, entrada mensal de 1,08 bilhão de dólares, mas só vieram, em média, 680 milhões de dólares nos primeiros cinco meses do ano. Porém, demissões e preços mais caros não são os únicos problemas relacionados à remessa de lucros.

14,9

15

Pagar a conta dos serviços públicos está mais difícil. Estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que brasileiro gasta, hoje, mais para pagar as tarifas públicas do que antes. Em 2003, uma família despendeu, em média, 16,81% de seu orçamento mensal com esses serviços. Em 1996, o percentual era de 12,98%. Esse foi mais um reflexo das privatizações feitas pelo governo Fernando Henrique Cardoso que, em 1994, vendeu as estatais de

energia e telefonia. Segundo o economista da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo, todo esse processo culmina com um brutal transferência de renda, com prejuízos para as classes pobres e médias. “Na verdade, isso tudo foi uma trapalhada, porque não estabeleceram obrigações de investimentos. Foi algo ridículo, bolado para dar ganho de capital para três ou quatro espertalhões”, analisa. A tendência é que esse problema piore cada vez mais, porque os contratos de privatização estabelecem

como índice de reajuste das tarifas o IGP – Índice Geral de Preços, calculado pela Fundação Getúlio Vargas, indicador mais sensível aos efeitos do aumento do dólar. Para efeito de comparação, o IGP subiu 297% de junho de 1994 até maio de 2004, enquanto o IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, também do IBGE (indicador oficial da inflação) subiu 167%. O governo Lula ameaçou, em 2003, rever o índice de correção desses contratos, mas recuou. Mesmo assim, o Tribunal de

Contas da União (TCU) condenou, em relatório, os reajustes concedidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e os autorizados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Também se cogita, na Câmara dos Deputados, na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as privatizações de Fernando Henrique. Mas, como o governo decidiu esquecer esse passado comprometedor, a caixa preta dessas operações continua fechada. (JPF)

PETRÓLEO

Luiz Antonio dos Santos do Rio de Janeiro (RJ) Ao mesmo tempo em que o consumo mundial de petróleo aumenta, e a produção começa a depender de novos investimentos em grande escala, o governo brasileiro, por intermédio da Agência Nacional de Petróleo (ANP), pretende realizar em agosto o leilão da 6ª Rodada de Licitação das áreas sedimentares brasileiras. Aberto à participação de qualquer interessado, inclusive estrangeiro, o leilão do bloco – conhecido pelos especialistas como B-60 e avaliado em 3,3 bilhões de barris – é visto por muitos como uma ofensa aos interesses nacionais. Contra tal medida, entretanto, inúmeras entidades representativas da sociedade brasileira estão se organizando para impedir mais um ataque aos interesses nacionais. Heitor Pereira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), considera que falta ao governo uma visão estratégica e denuncia que a Petrobras sofre um processo de destruição que se agrava no governo Lula. O bloco B-60 foi descoberto pe-

Martin Bureau/AFP

Com leilão de reserva, país perde 144 bilhões de dólares

A Petrobras teve o B-60 devolvido à ANP por causa do compromisso do governo com o superávit primário

la estatal, mas foi devolvido à ANP sob a alegação de que a Petrobras não teria condições de investir. O que ocorre, na verdade, é que a Petrobras tem dinheiro disponível, mas a sua ação está sendo tolhida em função do compromisso do governo federal de manter superávit primário (economia para pagar

juros) de 4,75% do Produto. Pereira recorda que o próprio diretor financeiro da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, admite haver quase R$ 10 bilhões em disponibilidade. Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia (CE) e ex-funcionário da ANP, demitido à época de Fernando Henrique por criticar os

leilões, informa, em artigo do boletim eletrônico Aepet Direto, que a exploração do óleo existente no B-60, considerando-se o modesto preço médio de 75 dólares para os próximos 30 anos, proporcionará lucro líquido de 144 bilhões de dólares ao longo do período. Na fase FHC foram promovi-

dos os quatro primeiros leilões, o governo Lula fez um, e quer mais. Segundo o presidente da Aepet, a continuação destes leilões pode pôr em risco a meta de o Brasil chegar à auto-suficiência, o que deve acontecer em 2006 ou 2007. Ele acrescenta que, sem crescer, o país consome 2 milhões de barris por dia. Crescendo 5% ao ano, o mínimo indispensável para garantir os empregos que os brasileiros tanto precisam, as reservas calculadas para durar 17 anos acabam antes. O presidente da Aepet lamenta o fato de o atual secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia (MME), Maurício Tolmasquim, anunciar a realização do leilão como a oferta de um filé mignon. Ele lembra que Tolmasquim, quando era pesquisador universitário especializado na área de energia, sempre defendeu posições nacionalistas. No governo, mudou rapidamente. Para enfrentar tudo isto cerca de 70 entidades estão se reunindo e promovendo debates para alertar a sociedade sobre a 6ª Rodada. Pereira finaliza afirmando que é essencial a reação popular, conclamando os cidadãos para resistir a mais um ataque à soberania nacional.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.