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De 12 a 18 de fevereiro de 2004

NACIONAL TRABALHO

Uma dolorosa luta pela sobrevivência

Desemprego na América Latina Jan-Set 2002 (%)

Na América Latina, o desemprego aumenta, o poder aquisitivo cai e 100 milhões de pessoas trabalham em condições precárias Anamárcia Vainsencher da Redação

E

lementar: se a economia não cresce, o desemprego aumenta. Entretanto, o crescimento econômico não gera, automaticamente, novos postos de trabalho. Por isso, os governos devem adotar políticas públicas voltadas para a criação de empregos – uma questão chave para o crescimento sustentável da economia porque, afinal, não há desenvolvimento sem consumidores com renda suficiente para adquirir os bens e serviços produzidos. Essa lógica, porém, não tem prevalecido no Brasil, nem na América Latina, onde o quadro é desolador: 100 milhões de latino-americanos – a grande maioria jovens e mulheres – trabalham em condições precárias, de acordo com o Panorama

Laboral 2003, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado no início do ano. No continente, a taxa de desemprego passou de 7,2%, em 1980, para 10,7%, em 2003; o poder aquisitivo dos salários mínimos caiu 25% (em nove países a redução chegou a 50%); o número de trabalhadores informais aumentou de 32,7% para 46,5% do total de ocupados, enquanto o de empregados no setor formal diminuiu de 67,4% para 53,5% – sete de cada dez novos postos de trabalho criados foram no mercado informal; a cobertura da seguridade social se reduziu de 63,3%, em 1980, para 51,7% em 2003 – só quatro de cada dez novos postos de trabalho têm acesso à seguridade social e apenas dois em cada dez trabalhadores do setor informal têm proteção social.

Em resumo, desde 1990, na região, é sistemático o aumento do emprego em condições precárias, e do trabalho sem proteção social. Mulheres e jovens ainda são os grupos mais atingidos, mesmo onde o desemprego recuou, como no Peru. Um em cada três jovens está desempregado na América Latina. Segundo a OIT, as legislações trabalhistas vigentes facilitam as demissões em períodos de baixo crescimento econômico, barateando os custos trabalhistas sem aumentar a produtividade. Apesar do fim do ciclo recessivo desde 2002, a América Latina continuou registrando altos níveis de desemprego em 2003. Para 2004, com a projeção de crescimento médio de 3,5% do PIB dos países da região, a OIT estima que o desemprego terá recuo de um ponto percentual, passando dos 11% registrados no ano passado para 10%.

Jan-Set 2003 (%)

Venezuela

15,7

18,9

Uruguai

16,5

17,4

Colômbia

16,8

16,3

Argentina

21,5

15,6

Panamá

16,5

15,6

Brasil

12,0

12,4

Peru

9,7

9,4

Chile

9,3

8,9

Equador

6,3

6,7

Costa Rica

6,8

6,7

México

2,8

3,2

Total de desempregados

19 milhões

Fonte: Organização Internacional do Trabalho — Panorama Laboral 2003

O duplo desafio: criar e manter empregos Não será fácil o governo cumprir uma das promessas de campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, qual seja a de geração de 10 milhões de empregos ao longo de seu mandato. Para isso, a economia precisaria ter um crescimento vigoroso no período para superar restrições como o aumento da produtividade (as empresas conseguem produzir cada vez mais com menos trabalhadores) e a modernização tecnológica (que acaba dispensando mão-de-obra, sobretudo não especializada). A partir de 1990, com a descontrolada abertura da economia brasileira, até 2001, a adoção de novas tecnologias resultou na eliminação de 10,8 milhões de empregos no Brasil. No mesmo período, as importações implicaram no fechamento de 1,5 milhão de postos de trabalho. Esses números foram levantados pelo Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a pedido da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Em números absolutos, o fim de 12,3 milhões de empregos (tecnologia + importações) foi contrabalançado pela criação de 15,56 milhões de vagas (mercado interno + exportações), com saldo positivo de 3,24 milhões de empregos (veja quadro).

TAREFA PESADA Entretanto, em onze anos, esse montante de postos de trabalho é insignificante, a considerar que, to-

dos os anos, chegam ao mercado de trabalho de 1,5 milhão a 1,8 milhão de pessoas. Ou seja, para não haver desemprego, seria necessário criar de 16,5 milhões a 19,8 milhões de empregos no período. O quadro levantado pelo grupo da UFRJ além de derrubar alguns mitos, mostra, mais uma vez, a perversidade do modelo econômico vigente no país. Entre os mitos, a falsa contraposição entre mercado interno e exportações: embora o comércio internacional seja importante, é a demanda doméstica, isto é, o mercado interno, o maior gerador de empregos: 12 milhões,

em relação aos 3,6 milhões da atividade exportadora.

NÃO HÁ VAGAS Outra balela é a capacidade de o agribusiness (agricultura voltada para o mercado internacional e baseada em latifúndios) criar uma quantidade significativa de novos postos de trabalho. Sobretudo em função de mudanças tecnológicas (leia-se mecanização acelerada), a agropecuária foi a que mais fechou vagas entre 1990 e 2001: quase 9 milhões de desempregados, ou mais de 83% de todos os postos de trabalho fechados em conseqüência de inovações tecnológicas.

Isso, aliás, mostra, mais uma vez, que a reforma agrária não é uma questão ultrapassada, e que são as pequenas e médias propriedades as únicas que criam emprego no campo. Quanto às áreas de atividades dependentes do desenvolvimento do mercado doméstico, apresentaram saldo positivo de empregos, mesmo com o avanço de mudanças tecnológicas. Aqui, a exceção foi a administração pública que, no período analisado, sabidamente enxugou a máquina governamental. Nada indica que a adoção de novas tecnologias vá arrefecer no país, nem que as empresas pensem

em reduzir ganhos de produtividade para empregar mais. Entre 1990 e 2001, a produtividade do trabalho cresceu, anualmente, em média, 5,12% na agropecuária; 2,52% na indústria; 1,21% na administração pública; 1,23% na construção civil, segundo o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Nesse cenário, resta saber se o governo Luiz Inácio Lula da Silva vai olhar com mais atenção para o avanço da pobreza no Brasil, dando prioridade ao crescimento com distribuição de renda, ao invés de continuar privilegiando um modelo concentrador e excludente. (AV)

Geração e eliminação de postos de trabalho, 1990-2001 (*) Setores

Mercado interno

Exportações

Mudanças tecnológicas

Importações

Saldo

Agropecuário

4.713.438

1.425.104

(8.983.273)

(235.770)

(3.080.500)

65.840

47.199

(192.944)

(8.096)

(88.000)

2.765.043

748.470

(3.633.578)

(684.736)

(804.800)

Eletricidade, gás, água

103.906

13.725

(233.077)

(5.154)

(120.600)

Construção civil

617.664

6.870

(757.413)

(4.221)

(137.100)

(1.459.088)

885.831

3.383.645

(397.888)

2.412.500

1.174.030

(37.760)

(561.464)

21.094

595.900

467.046

297.447

916.742

(95.834)

1.585.400

2.661.719

152.083

200.330

(107.732)

2.906.400

859.789

50.186

(902.181)

(30.194)

(22.400)

11.969.389

3.589.156

(10.763.212)

(1.548.532)

3.246.800

Mineração Ind.manufatureira

Comércio Transportes e comunicações Serviços empresariais Serviços pessoais e sociais Administração pública Total

(*) Números entre parênteses significam saldo negativo

Fonte: Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

No governo, contradição entre o discurso e os fatos No Brasil, para tentar reverter o desemprego, o governo decidiu fixar metas setoriais de emprego para 2004, e dar prioridade para as áreas de saneamento e habitação, tidas como as que mais necessitam de investimento. Mas o ministro Antonio Palocci, da Fazenda, avisou, desde logo, que o objetivo não seria “criar números globais, mas realistas e críveis”. Para ele, “o Brasil decidiu, de forma definitiva, ser um país arrumado. A arrumação de contas e o equilíbrio das contas públicas são o objetivo do país. Não há lugar para procedimentos diferentes, para aventuras, para projetos mirabolantes”. O ministro considera que o país tem todas as condições de entrar

numa fase de crescimento econômico prolongado, mas, para isso, o equilíbrio das contas públicas é vital. Traduzindo, crescimento e geração de emprego continuam subordinados aos instrumentos de ajuste fiscal, controle da inflação e equilíbrio das contas. Contraditoriamente, porém, foi em nome de um suposto controle da inflação, que o Banco Central decidiu, em janeiro, interromper o corte da taxa básica de juros (Selic), deixando-a em 16,5%, sob os protestos dos setores produtivos.

PALAVRAS X ATOS Pode-se, ainda, ver a distância entre o discurso e os fatos quando o ministro da Fazenda destaca a

importância dos setores de saneamento e habitação para a criação de emprego. Nenhum dos dois, porém, escapou do enorme aumento (de 3% para 7,6%) da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), em vigor a partir deste mês. Levantamento da GV-Consult para o Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (SindusCon) mostra que o aumento resultante do fim da cumulatividade da contribuição significará um aumento médio de 22,3% da Cofins arrecadada no setor. Pior: o aumento é maior nos segmentos mais intensivos em mão-de-obra, como o de obras de acabamento e serviços auxiliares de construção. No de

alvenaria e reboco, por exemplo, o aumento chega a 84%. Além disso, os Estados do Norte e Nordeste devem sofrer um impacto maior que o da média nacional. E, de maneira geral, o segmento de empresas pequenas e médias – que empregam entre 40 e 100, e entre 100 e 249 empregados – terão aumento superior à média do setor. “Por fim, os dados permitem concluir que há uma clara penalização dos segmentos formais do setor que são intensivos em mãode-obra”, avalia a GV-Consult.

TRISTE RECORDE As festas de final de ano aliviaram, momentaneamente, o grave panorama do desemprego na re-

gião metropolitana de São Paulo (RMSP), mas não impediram que a taxa de desemprego atingisse o escandaloso patamar de 19,9%, o mais elevado desde 1985, quando Fundação Seade e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) iniciaram a pesquisa. Em 2003, eram 1,94 milhão os desempregados na RMSP. No ano passado, o rendimento médio dos ocupados diminuiu 6,4%, declinando pelo sexto ano consecutivo. Os mais prejudicados foram os autônomos (-13,3%) e empregados domésticos (-9,8%), ambos excluídos da proteção dos direitos trabalhistas. De 1998 a 2003, a renda dos ocupados despencou 30%. (AV)


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