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de 5 a 11 de novembro de 2009

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brasil

O cadastro da casa, a luta e a história Fotos: Ricardo Almeida/SMCS

HABITAÇÃO Movimento Nossa Luta, Nossa História, nascido em Curitiba, luta para garantir o acesso ao programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal Pedro Carrano de Curitiba (PR) CLÁUDIO CORREIA não havia se organizado antes, a não ser nos trabalhos da igreja da comunidade. Ele vive de favor na casa do sogro. É pai e desempregado. Define a fila da Cohab (Companhia de Habitação) de Curitiba como desmotivadora. Agora, ajuda na coordenação do movimento “Nossa Luta, Nossa História”, organizado a partir da demanda do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo federal. Pode-se dizer que quase 8 milhões de “Cláudios” vivem a mesma situação incômoda no Brasil, pois este é o número de unidades necessárias para se atender o deficit habitacional do país. Nesses números, cabem aqueles que, a exemplo de Cláudio, moram de favor. Assim como os assalariados que não têm como adquirir a própria moradia e conhecem o peso mensal do aluguel. Com o anúncio de construção de 1 milhão de casas, por meio da injeção de R$ 33 milhões, e na vanguarda das medidas anticíclicas do governo federal, o programa Minha Casa, Minha Vida financia empresas da construção civil, por meio da Caixa Econômica Federal. As incorporadoras e empreiteiras executam projetos, que podem ser elaborados por elas mesmas, a partir de cadastramento centralizado pelo banco público e fornecido por prefeituras, Cohabs e movimentos sociais. Os terrenos podem ser vendidos pelas próprias empreiteiras ou reservados pelas Cohabs. Uma pequena parte dos cadastros e projetos – em torno de 3% dos recursos – é organizada pelo movimento social (associações, entidades da sociedade civil, movimentos

Moradias da Cohab de Curitiba: programa do governo para habitação despertou setor com maior capacidade de mobilização

Pode-se dizer que quase 8 milhões de “Cláudios” vivem a mesma situação incômoda no Brasil, pois este é o número de unidades necessárias para se atender o deficit habitacional do país de moradia). No Brasil, já são 18 milhões de cadastrados, o que indica que a demanda reprimida é muito maior que a oferta. Despertar O movimento Nossa Luta, Nossa História surge nesse caldo, em curto espaço de tempo, com 2,5 mil cadastrados em bairros e vilas da periferia de Curitiba. A maior assembleia de bairro atingiu 170 pessoas. Hoje, 15 grupos estão organizados na periferia e possuem seus coordenadores, o que resultou, no dia 27 de setembro, em uma assembleia com a participação de cerca de 1,5 mil pessoas – mobilização rara no movimento popular de Curitiba. “Percebemos, quando a Cohab começava a cadastrar, que o pessoal dormia nas filas e que em todo o lugar encheu de gente”, relata Adenival Gomes, um dos idealizadores do movimento. O programa do governo, na análise de Gomes, despertou um setor com uma capacidade de mobilização maior do

que a daqueles moradores em situação crítica, na iminência de despejos forçados. O movimento Nossa Luta, Nossa História é composto por pessoas que pagam aluguel. “Todo mundo tem sentimento de que aluguel é dinheiro jogado fora, sendo que podia estar pagando a mesma coisa no futuro, como um investimento”, avalia. Minoria Gomes reconhece as críticas na análise do programa (leia nesta página). Para ele, no entanto, trata-se de uma oportunidade para organização e debate de temas que são tabus para a questão da moradia, como o número gigantesco de imóveis vazios. “Temos de conseguir um instrumento de pressão sobre a Cohab e avançar na bandeira da taxação progressiva dos imóveis”, aponta Gomes, ao referir-se ao chamado IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) progressivo sobre imóveis vazios, que não cumprem a função social.

Os debates do Nossa Luta, Nossa História apontam para a entrada no programa a partir da modalidade de construção organizada por movimento social, na qual o cadastramento é feito pela organização, aberto à possibilidade de contratação de empresas ou do uso de mão-de-obra própria. No entanto, a característica do programa faz com que iniciativas como o novo movimento sejam, na realidade, uma franca minoria, visto que “97% do subsídio público disponibilizado pelo pacote habitacional, com recursos da União e do FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço], são destinados à oferta e produção direta por construtoras privadas, e apenas 3% a entidades sem fins lucrativos, cooperativas e movimentos sociais, para produção de habitação urbana e rural por autogestão”, descreve Pedro Fiori Arantes, em artigo publicado no Correio da Cidadania, assinado em conjunto com a urbanista Mariana Fix. Pode-se dizer que alguns se arriscam pela primeira vez na luta. “Nunca me organizei, mas achei que agora era o momento”, afirma o cozinheiro Severino Rocha, que calcula que o aluguel devora 40% do que é pago por sua força de trabalho. Rocha passou a atuar como coordenador do Nossa Luta, Nossa História na sua localidade e realizou cadastra-

mento junto a 120 famílias da região, na periferia de Curitiba. Percebe que o aluguel é a questão para a maioria. Outro motivo seria a moradia de favor, situação de 16 entre os 120 cadastrados da sua comunidade. Não ter imóvel e nunca ter sido subsidiário de algum programa é a condição. Contradições A relação do movimento popular com o Programa Minha Casa, Minha Vida tem sido áspera noutras situações. Em Minas Gerais, os movimentos sociais urbanos denunciam

que a aprovação do projeto de lei, submetido à legislação local, apresenta o componente de que “as invasões” não serão contempladas pelo programa, em uma cidade com ocupações organizadas pelo movimento social. Bruno Meirinho, advogado da Ambiens Cooperativa, Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano e Rural, enxerga uma desvinculação do programa com o planejamento urbano e produção da cidade mais justa. “Está focado na resolução do problema das construtoras, e em faixas mais altas de rendas, na lógica do mercado”, opina. Sobre a característica dos cadastros, três modalidades se apresentam: de 0 a 3 salários mínimos; de 4 a 6; e de 6 a 10; atingindo, portanto, trabalhadores com salário de até R$ 4,5 mil. A primeira modalidade, embora represente a maioria da demanda, não será a maior contemplada pelo programa (leia nesta página). O teto mínimo de pagamento para essa faixa é de R$ 50 por prestação, incluindo desempregados. Com faixa de salário acima de R$ 500, as prestações correspondem a 10% da renda do trabalhador. O problema, na avaliação de Meirinho, consiste no fato de que os empreiteiros vão optar pelas maiores faixas de renda, fonte de maior lucro, “favorecendo uma faixa populacional que não demanda para o programa o dispêndio de tantos recursos, uma vez que é uma faixa menor da população”, comenta.

Raio-x da habitação no Brasil Trabalhadores que recebem menos de três salários • mínimos são responsáveis por 82,5% do deficit

habitacional brasileiro, mas receberão 35% das unidades do programa Minha Casa, Minha Vida, ao passo que os que se posicionam na faixa entre 3 e 10 salários mínimos ficarão com 60% das unidades*;

A política do Banco Nacional de Habitação (BNH), • vigente do regime militar até os anos 1980, resultou

em 4 milhões de moradias e uma prática de construção às margens das cidades e dos imóveis vazios para especulação*;

O setor da construção liderou a alta da Bovespa em • 2006*; Curitiba apresenta 40 mil imóveis vazios sem utilização • no centro da cidade**. *Fonte: Pedro Arantes e Mariana Fix (publicado no Correio da Cidadania). **Fonte: Plataforma de lutas pelo direito à cidade e à moradia, Coletivo Despejo Zero.

Companhias de habitação não socializam a terra urbana Programa federal não se caracteriza pelo planejamento urbano. Especulação imobiliária, exclusão das regiões valorizadas e falta de regularização de áreas de ocupação são contradições que se acentuam ou que seguem pendentes

Analisado como um todo, um dos riscos do Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado recentemente pelo governo federal, está nas políticas das companhias de habitação locais, isso porque a Caixa Econômica avalia os cadastros que são repassados por aquelas. As empreiteiras apresentam-se com um projeto pronto, em busca do cadastramento em mãos do banco federal, que não deixa de fazer uma análise de mercado. “Pode ser um terreno de terceiros, apresentado pela construtora, avaliamos e fazemos a proposta. O terreno é sem-

pre apresentado para nós, como opção de compra e venda”, comenta representante da Caixa para a reportagem do Brasil de Fato. Em Curitiba, a Cohab acena utilizar os cadastros já realizados ao longo de dez anos. A fila para o acesso aos programas da construtora pública já amarga mais de 50 mil famílias. “Ainda que a demanda seja até maior, em dez anos, muitas famílias talvez tenham buscado outras alternativas”, aponta Bruno Meirinho, advogado da Ambiens Cooperativa, Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano e Rural.

As companhias de habitação começam a reclamar dos preços dos terrenos, que passaram a se inflacionar devido justamente à especulação da terra Especulação Por sua vez, Adenival Gomes, um dos idealizadores do movimento Nossa Luta, Nossa História, defende que o problema é o critério de tempo de espera. “Não precisa fazer outro cadastramento. O problema é quando não se atende o critério de maior

Especulação e valor da terra

de Curitiba (PR) “Se for com a Cohab, o projeto não anda!”, exclama uma das coordenadoras do movimento Nossa Luta, Nossa História, em reunião da coordenação do movimento, em Curitiba. Uma outra integrante denuncia o padrão de casa no formato “pombal”, com apenas 37 metros quadrados, modelo padronizado pela Companhia de Habitação. “O movimento tem de denunciar a Cohab, para mostrar que a cama de casal não cabe no quarto”, comenta.

necessidade, e sim o de tempo na fila”, analisa. Na opinião da coordenação do Nossa Luta, Nossa História, o programa federal prevê a possibilidade de construção em terrenos para até três unidades habitacionais. Por esse motivo, estão mobilizando os coordenadores de bairros

para buscar imóveis à venda nas suas regiões. Por outro lado, as companhias de habitação começam a reclamar dos preços dos terrenos, que passaram a se inflacionar devido justamente à especulação da terra. De acordo com informações da Caixa à reportagem do Brasil de Fato, desapropriações com indenização não devem acontecer, dentro da ideia de ser um projeto para construção, e não de planejamento urbano. Ainda não há uma normativa de como o programa será operacionalizado. (PC)

de Curitiba (PR)

Família comemora casa recebida da Cohab Curitiba; mas, segundo movimentos, nem cama de casal cabe na casa

De acordo com Adenival Gomes, um dos idealizadores do movimento Nossa Luta, Nossa História, o preço dos terrenos em Curitiba subiu até 30% logo depois do anúncio do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. Bruno Meirinho, advogado da Ambiens Cooperativa, Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano e Rural argumenta que a inflação do preço da terra nas cidades

pode ser a desculpa das companhias para não realizarem desapropriações, buscando, então, terrenos em regiões periféricas da cidade, longe de uma infraestrutura completa. São as “periferias extremas”, na expressão de urbanistas. “O programa poderia suprir lacunas se a Cohab não tivesse interesse de mercado, mas a própria Cohab argumenta que os preços de terreno aumentaram. O programa poderia então congelar o valor da terra ou atender os preços do mercado de 2008”, problematiza. (PC)


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