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de 15 a 21 de novembro de 2007

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brasil Eduardo Marques

A descoberta da democracia POLÍTICA Em meio a um modelo representativo “falido”, Congresso de Participação Popular retoma o verdadeiro conceito de democracia, em Diadema, São Paulo Eduardo Sales de Lima da Redação “TODO O poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Esse é o parágrafo único do artigo primeiro da Constituição de 1988. Colocado isso, os primeiros passos para a participação da população na política começam nos próprios bairros e comunidades, com a formação de fóruns, conselhos e conferências que detectam os problemas e as carências de grupo social. Entre os dias 23 e 25, Diadema (SP) sediará o 5º Congresso Paulista de Participação Popular, fruto do Fórum Paulista de Participação Popular, criado em 1999 por movimentos e organizações da sociedade civil, mandatos de deputados da Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) e prefeituras. O objetivo é debater experiências de participação popular e fortalecer a democracia participativa direta. Estão sendo aguardadas de 400 a 500 pessoas de 30 cidades. Porém, o fato é que muitos que perfazem o círculo da política institucional impedem o aprofundamento da participação popular. Baseados em um projeto mais radical, os fóruns de participação popular presentes em outras regiões do país pressionam, principalmente, as administrações “fechadas”, como a do Estado de São Paulo, afirma Gabriel Medina de Toledo (de Araraquara, São Paulo), integrante da coordenação do Congresso. Um dos artifícios da Alesp, por exemplo, é “propor” a participação da população, circulando a convocação de audiência pública em

um dia para, no dia seguinte, realizá-la. Uma outra pauta do Congresso é o fortalecimento dos conselhos gestores espalhados por todo o Estado. Gabriel aponta para um esvaziamento dos órgãos, instrumentos da participação civil. “O governante não quer aprofundar os canais e cria barreiras de incentivo”, revela.

Democracia direta O Congresso também objetiva aprofundar o debate sobre a participação e a fiscalização dos espaços do Estado pela própria população, em parceria com os governantes. “Nossa intenção é tirar estratégias para o Fórum Paulista. Criar novos mecanismos de participação, além de fazer diagnósticos”, informa Cátia Lima, de Guarulhos (SP), também integrante da coordenação do Congresso. De acordo com Eduardo Marques (da capital paulista), outro coordenador do Congresso, os mecanismos de democracia participativa, além de estarem baseados na Constituição de 1988, artigo primeiro, se fundamentam nas próprias experiências acumuladas de outros congressos e da regulamentação do orçamento participativo nas cidades. “Esses canais são mais necessários para a radicalização democrática. Só a democracia representativa não deu conta. Na Constituição, há instrumentos para essa radicalização”, salienta. Ele avalia que os movimentos sociais ficam muito sobrecarregados, pois não há sistemas mais efetivos de participação popular dentro da maioria das instâncias governamentais do país. “O modelo de hoje está falido. Uma combinação entre democracia representativa e democra-

Serviço 5º Congresso Paulista de Participação Popular Teatro Clara Nunes Rua Graciosa n° 300 Diadema-SP Entre os dias 23 e 25 Para maiores informações: (11) 4057.7883 ou visite www.diadema.sp.gov.br/ cppp/ cia direta faz com que haja a democratização do Estado e com que ele funcione para a maioria do povo”, reforça Gabriel Medina. Para ele, diferente de outros congressos, quando houve mais espaço para experiências locais, o próximo priorizará o debate organizativo do Fórum Paulista, apontando para os temas dentro do âmbito estadual.

Orçamento Uma das experiências que remetem mais fortemente para o exercício da participação popular é a criação e regulamentação dos conselhos de orçamento participativo nas cidades. Mas o 5º Congresso irá lançar a campanha de coleta de assinaturas para que também exista participação popular dentro do governo estadual. Em Belo Horizonte (MG) e Campinas (SP), por exemplo, as assembléias do orçamento participativo são realizadas a cada dois anos. Então, que a sociedade, juntamente com o poder público, defina se os investimentos serão na área da saúde, educação, moradia, infra-estrutura, lazer, cultura, entre outros serviços. Papel do Legislativo Além dessas duas cidades, outras 300 também realizam a experiência do orçamento participativo. Com is-

Reunião dos conselhos de orçamento participativo em Guarulhos (acima) e Santo André

so, o Legislativo perde seu espaço? “Esse Poder precisa se modernizar e enfrentar novos desafios”, afirma Cátia Lima. Para Marques, isso é fruto, em grande parte, da descaracterização do Legislativo, que teria se transformado em “despachante do Executivo”. Segundo ele, o Executivo,

quando cria esse canais como os orçamentos participativos, cumpre a legislação. Para Medina, no entanto, o orçamento participativo é importante, mas limitado. Ele destaca o problema das “verbas carimbadas”, isto é, resultantes de repasses de outras instâncias de governo e

com destinação específica. Se houve economia nos gastos, por exemplo, é necessário revertê-la à instância que cedeu os recursos, sem utilizá-la em outros programas que beneficiem regiões carentes. “A participação da sociedade precisa ser majoritária dentro desse debate”, pondera.

COMUNICAÇÃO

TV pública cada vez mais estatal Discussão rebaixada Roosewelt Pinheiro/ABr

Especialistas criticam mecanismos de gestão propostos pelo governo para a TV Brasil

Oposição, ligada à mídia corporativa, reclama alegando “desperdício” de dinheiro e não discute direito à comunicação

Mayrá Lima de Brasília (DF) Carro-chefe da medida provisória (MP 398) que cria a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), a TV Brasil, proposta para ser uma emissora pública, já sofre uma enxurrada de críticas. Segundo Valério Britto, pesquisador e professor da pós-graduação em ciências da comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos/RS), a MP teria que ser reeditada para que avance “em vários sentidos”. O modelo de gestão proposto pelo governo federal é o que mais o incomoda. “A indicação dos conselhos de gestão não deveria ser feita diretamente do Executivo. E como pode não ter nenhum tipo de vinculação social? As pessoas precisam representar setores da sociedade”, reclama. De acordo com a MP publicada no dia 24 de outubro, a TV Brasil será vinculada quase que exclusivamente ao governo federal, pela Secretaria de Comunicação Social, comandada pelo ministro Franklin Martins. O presidente Lula, por exemplo, terá o poder de indicar 80% do conselho administrativo e 95% do conselho curador, responsável pelas diretrizes da nova TV, pela sua linha editorial e que seria formado com a participação da sociedade civil com o perfil de “personalidades” isoladas, sem representatividade social.

dentro do Congresso

de Brasília (DF)

O presidente da Abetec, Antonio Aquiles, o deputado Paulo Bornhausen e a presidente da EBC, Tereza Cruvinel, debatem a TV Pública

“Em principio, o Estado não é incompatível com o público, mas corre-se o risco de que haja uma comunicação pouco comprometida com as necessidades da sociedade e venha a ser mais um lugar de apresentação dos órgãos de governo”, analisa Britto.

Anti-democrático Já Murilo Ramos, professor do Laboratório de Políticas da Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), vai mais longe e considera que, “idealmente”, o assunto TV pública deveria ser tratado por projeto de lei (PL), não por MP. “O PL permite que, no Parlamento, haja a possibilidade mínima de ter a discussão por meio de audiências públicas e que exista um debate amplo numa questão tão sensível quanto essa”, disse. O pesquisador da UnB ainda chama atenção para a questão da auto-

nomia financeira da TV Brasil que, segundo ele, não está clara na MP 398. De acordo com Ramos, a autonomia da BBC inglesa, por exemplo, só é garantida por que as taxas recolhidas vão direto para os cofres da TV pública da Inglaterra. “Se o orçamento puder ser contingenciado, ou reduzido por decisão do Executivo, vai haver prejuízo para a autonomia independente do conselho que se implantar.”, explica. Para Ramos, o governo federal entrou no “equívoco” que vem desde a Constituição Federal de 1988. “Em 1988, quando se colocou que haveria a complementaridade entre o sistema público, privado e estatal, aceitamos que pudesse existir um sistema essencialmente privado, o que é um grande equívoco. Todo sistema de radiodifusão é público, o que é dada é uma concessão para exploração comercial”, observa o professor.

Os especialistas ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato, Valério Britto, da Unisinos, e Murilo Ramos, da UnB, concordam que é legítima a criação de um sistema público de comunicação no Brasil, independentemente do formato da TV pública. De acordo com Britto, é “fundamental” um sistema público de comunicação, “não necessariamente estatal”. “É um sistema que permite que a sociedade dialogue com ela própria e que contribui com o que se chama de espaço público, que deve ser um lugar de encontro da sociedade com ela própria. A TV comercial pode até ter um papel desses, mas eles são regidos pela lógica de mercado e isso não é por excelência um espaço onde a sociedade se encontra”, explica. Já Ramos diz “não negar” o que ele chama de “boa intenção do governo”. “O processo é que veio errado, porque ele não leva em conta o todo, mas uma parte”, diz.

Disputa No entanto, na tentativa de barrar a criação de um sistema público de comunicação, a oposição liderada pelo DEM e pelo PSDB não pensa dessa forma. Agarrados na onda da aprovação, ou

não, da CPMF, parlamentares ligados a esses partidos insistem em declarar que o governo estaria “desperdiçando dinheiro” com o que eles parecem considerar irrelevante: o direito à comunicação. “Pergunto: que significado e alcance tem esse dispositivo? Vale para o MST e outros movimentos sociais que atuam à margem da lei, inclusive sem ato constitutivo formal? Talvez seja para esses que venha servir propriamente”, afirmou, em plenário, o deputado federal João Almeida (PSDB/BA). Por outro lado, a bancada governista já dá sinais de que vai apoiar incondicionalmente a MP do Executivo. “Eu acho muito importante a criação da TV pública. Acho que é um marco no que diz respeito a divulgar a diversidade cultural do país, fazendo um contraponto com a TV comercial”, diz a deputada Maria do Carmo Lara (PT/MG). Até mesmo a tramitação por MP é defendida com veemência pelos governistas. Para o deputado Fernando Ferro (PT/PE), a MP é “mais que oportuna”. “Há a critica da oposição de que isso não veio por PL, mas é o tipo de discurso que quem quer jogar esse debate para daqui dez anos. A hegemonia dos setores privados impede a democratização dos meios de comunicação”, afirma. (ML)


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