Crimes da Vale expõem perigos da mineração no Brasil

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Edição Especial Nº 10 / 2019 Circulação nacional Distribuição gratuita

CRIMES DA VALE EXPÕEM PERIGOS DA MINERAÇÃO NO BRASIL


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Mariana e Brumadinho: os maiores crimes socioambientais do país ATÉ ONDE VAI A LAMA?

Quase 300 mortos e mais de 600 quilômetros de lama em cursos d'água expõem falhas no modelo de mineração brasileiro

Os rejeitos acumulados no processo de mineração contêm óxido de ferro, amônia, sílica, silte e argila. As barragens de rejeitos podem ter também elementos tóxicos, como arsênio.

Do Rio Doce a Abrolhos

Pedro Aguiar / BdF

▶▶No dia 25 de janeiro de 2019, uma cena

se repetia nos noticiários de todo país: o mar de lama com rejeitos de mineração, que há pouco mais de três anos havia consumido o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), agora devastava mais uma comunidade rural de Minas Gerais, a 150 km do primeiro local. O rompimento da barragem 1 da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, concorre ao posto de maior crime socioambiental no Brasil. Uma “competição” perversa que tem um responsável em comum: a mineradora Vale, a maior do Brasil e quarta do mundo. A tentativa de conferir um tom de tragédia e fatalidade ao crime de Mariana em novembro de 2015 já não se sustentava. Brumadinho mostrava que a lição não havia sido aprendida. Em pouco mais de mil dias, o modelo de mineração no Brasil fez pelo menos 289 vítimas. “O que aconteceu em Mariana e Brumadinho não são acidentes. São crimes. O estado de Minas Gerais e o Estado brasileiro deveriam monitorar, fiscalizar, prevenir e proteger as populações destas situações. Mas o Estado no Brasil é historicamente subordinado aos interesses das mineradoras privadas”, avaliou Maria Júlia de Andrade, da coordenação do Movimento Popular por Soberania na Mineração (MAM).

REPARAÇÃO “Nenhuma casa até hoje foi construída e nenhuma família foi indenizada. E a cada dia são direitos que são continuamente violados”, afirmou Mônica dos Santos em evento na sede das Nações Unidas, em Genebra, no último dia 19 de março. Ela era moradora do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), até o dia 5 de novembro de 2015, quando a casa dela foi completamente destruída pelo rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Para Mônica, a responsabilização dos culpados é uma forma de evitar que tragédias se repitam. “Não vai trazer a pessoa de volta [para quem perdeu familiares], mas não vai ser nem punido? Talvez se os culpados em Mariana tivessem sido punidos, não teria acontecido de novo em Brumadinho”, pontuou. Camila Brito, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), aponta que a falta de reparação aos atingidos faz com que os crimes das mineradoras se renovem a cada ano em Mariana. “Não tem nenhuma casa para o povo atingido e soubemos que o prazo para fazer o reassentamento de Bento Rodrigues, que seria março, foi adiado para agosto de 2020. Isso é uma tremenda falta de respeito”, denunciou.

Os cerca de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos vazados da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), poluíram a Bacia do Rio Doce e avançaram sobre o Oceano Atlântico. De acordo com o Ibama, a onda de destruição percorreu 663,2 km de cursos d'água. Os corais do Parque Nacional dos Abrolhos (BA), onde se abriga mais de um terço de toda a biodiversidade marinha global conhecida, também foram contaminados pelos rejeitos.

PI

Paraopeba a São Francisco

PE AL SE BA

Os rejeitos de minério que devastaram o Rio Paraopeba, após o rompimento da barragem 1 do Córrego do Feijão, já atingem o Rio São Francisco. Relatório da Fundação SOS Mata Atlântica indica que o Alto São Francisco apresentava, entre os dias 8 e 14 de março, MG grande concentração de ferro, cobre, cromo e manganês, tornando a Brumadinho Mariana água imprópria para o uso da população e já há trechos com perda SP RJ de animais aquáticos e desaparecimento de aves da região.

ES

Barragem do Fundão Mariana

Barragem Feijão Brumadinho

Data do rompimento

5 / 11 / 2015

25 / 01 / 2019

Volume de rejeitos (m3)*

45 milhões

12 milhões

19

233

----

37

Mortos** Não encontrados**

* Ibama **Dados da Defesa Civil de Minas Gerais em 1 o de maio de 2019


A dor que não passa RENATA VILAÇA, MUSICISTA DA BANDA SÃO SEBASTIÃO DE BRUMADINHO

Quando aconteceu o rompimento da barragem, numa sexta-feira, o sábado seria um dia regular de ensaios [na banda]. Não conseguimos fazer, porque foi um impacto grande para todo mundo. Este ano a banda está completando 90 anos. Com o rompimento da barragem e essa tristeza toda na cidade, vamos fazer o concerto em maio, mas vai ser voltado para as pessoas que perderam os entes queridos e para quem está ajudando a cidade a superar tudo isso.

RAQUEL ANDRADE, PARÓQUIA DE SÃO SEBASTIÃO

SÔNIA FERREIRA, CABELEIREIRA

Eles falam que não vão cessar as buscas enquanto não acharem todo mundo. Eu fico ansiosa porque eles falaram que, outro dia, acharam corpos mais profundos, embaixo da lama. Acharam um corpo com macacão, sem crachá. Os colegas falaram que ele parecia ter o perfil do meu irmão [técnico mecânico Aroldo Ferreira]. Ficamos na expectativa, mas não chegou nada de notícia. Se tivesse encontrado o corpo e feito o sepultamento, ia ter um pouco mais de alívio.

Antônio Cruz/ Agência Brasil

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Brumadinho é uma cidade interiorana, onde as pessoas conhecem todo mundo. Vivem na tranquilidade, na serenidade. Isso acabou. Hoje, o encontro é diferente: é choro, é olhar baixo. Brumadinho está doente. O povo perdeu o lugar onde recomeçar. O segundo domingo do mês era a turma do Denilson que cantava [na missa]. Não temos mais o Denilson, não temos mais a irmã dele, que perdeu o marido e não dá conta de cantar. Assim, acabou o ministério de música. Praticamente todas as pastorais perderam gente.

NOVAS AMEAÇAS OPERAÇÕES INTERDITADAS A suspensão de 32 barragens da Vale tem ocorrido tanto por decisão da Justiça, como da Agência Nacional de Mineração (ANM), da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) ou da própria mineradora. Além de Brumadinho, há barragens interditadas nas cidades mineiras de Nova Lima, Ouro Preto, Itabirito, Itabira, Barão de Cocais, Rio Piracicaba, Mariana e Sabará. A Vale tem 133 barragens de minério de ferro no Brasil, sendo 105 em Minas Gerais.

MAIS DE MIL DESALOJADOS Por causa do risco de novos rompimentos, mais de 1,3 mil pessoas tiveram que deixar suas casas em Minas Gerais. O município mais afetado é Barão de Cocais, onde 456 pessoas não sabem quando poderão retornar às suas residências. Em Brumadinho, há 259 pessoas desalojadas. De acordo com a Defesa Civil Estadual, evacuações também afetam os municípios de Itatiaiuçu (228 desalojados), Ouro Preto (186), Nova Lima (152) e Rio Preto (38).

RISCOS 2 E 3 O nível 2 de segurança é obrigatoriamente acionado quando a declaração de estabilidade é negada pela empresa terceirizada contratada pela mineradora. O nível 3 é o alerta máximo que significa risco iminente de ruptura e há quatro barragens nesta situação em Minas Gerais: Forquilha I e Forquilha III, em Ouro Preto; B3/ B4 em Nova Lima; e Sul Superior, em Barão de Cocais.

TERRAS INDÍGENAS A despeito dos recentes crimes socioambientais provocados pela mineração em Brumadinho e Mariana, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) vem defendendo a exploração mineral em terras indígenas. Pela Constituição Federal, as reservas tradicionais demarcadas são de "usufruto exclusivo" dos indígenas, incluindo as riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.


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CRIMES

LUCROS

Falta de fiscalização e segurança e dependência econômica dos municípios abrem caminho para o colapso da atividade no país

▶▶Os crimes praticados por grandes mine-

radoras nas cidades mineiras de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) têm provocado reflexões e ações em diferentes setores da sociedade. Se as mortes e o desastre ambiental decorrentes do rompimento da Barragem do

Um pouco de história Não é de hoje que o modelo de mineração no Brasil é predatório. A história remonta aos tempos coloniais, com mão de obra escravizada de negros e indígenas. Uma notícia publicada no jornal O Constitucional, em 30 de novembro de 1867, recuperada pelo grupo de pesquisa PoEMAS, descreve um dos primeiros grandes crimes da mineração documentados no país. Um incêndio na antiga mina do Morro Velho, em Nova Lima (MG) matou pelo menos 22 pessoas.

Marcas do modelo de mineração no Brasil

Fundão, em 2015, não foram suficientes para apresentar soluções que evitassem a repetição dessa história, em 2019, um novo alerta se acende. Qual o problema estrutural que está por trás desses crimes? Relatório do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), que envolve pesquisadores de oito instituições de ensino superior, traçou um panorama dos impactos da forma de exploração mineral no Brasil e apontou a necessidade de mudanças neste modelo.

A receita de Brumadinho em 2017 somou R$ 175,5 mi. Seis vezes menos que as operações das empresas da Vale no município (R$ 1,1 bi)

A produção ▶▶O rompimento da Barra-

gem 1 da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, é um exemplo de como os interesses dos donos da Vale em reduzir os custos de produção são mais importantes do que a segurança dos trabalhadores e moradores. “Ela [a Barragem 1] apresentou uma série de problemas construtivos e de manutenção ao longo de sua história de vida, iniciada em

1976. (...) Foi possível identificar que a mineradora não mobilizou recursos suficientes para corrigir algumas falhas importantes do ponto de vista de segurança”, indicou análise do PoEMAS. De acordo com o grupo de pesquisa, enquanto os investimentos diminuíram, a Vale distribuiu R$ 5,54 bilhões aos acionistas em 2017 e R$ 13,06 bilhões em 2018.

A fiscalização

▶▶O processo de licenciamen-

to, concedido pelo Estado, facilita a liberação dos projetos e não protege as populações locais dos riscos potenciais. O monitoramento e a fiscalização não garantem o controle do Estado sobre as mineradoras. Um exemplo é o automonitoramento: quem informa se uma barragem de rejeitos no Brasil está segura

ou não é a própria empresa mineradora. Ela contrata uma consultoria, paga pelo serviço e informa o resultados aos órgãos responsáveis do Estado. A Barragem do Fundão, em Mariana; e a barragem B1, em Brumadinho, possuíam o laudo de estabilidade dado pela empresa e validado pelos órgãos estatais. Porém, estavam em perigo.

O Brasil tem oito agentes exclusivos para fiscalização de 425 barragens


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As barragens ▶▶Muitas barragens de rejei-

tos que até o crime em Brumadinho eram consideradas estáveis estão passando por análises mais rigorosas e novas classificações do fator de risco. Empresas de consultoria agora se recusam a dar os laudos de estabilidade. De acordo com nota técnica da Agên-

cia Nacional de Mineração (ANM), de março deste ano, há 425 barragens no Brasil que fazem parte de um plano de segurança. Dessas, 369 tiveram a estabilidade atestada por laudos contratados pelas mineradoras. Mas 17 tiveram laudo de instabilidade e em 39, laudos não foram enviados e,

portanto, foram interditadas. Das 56 barragens, 20 são da Vale (35% do total). “A verdade é que o problema já existia, mas estava sendo escondido pela empresa e não fiscalizado pelos órgãos públicos”, avaliou Maria Júlia de Andrade, do Movimento Popular por Soberania na Mineração (MAM).

Das 425 barragens inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens, 219 estão em Minas Gerais

Cidades Dependentes 21% dos postos de trabalho de Brumadinho estão na mineração, sem contar os terceirizados

O modelo de mineração no Brasil cria economias locais que são dependentes da cadeia de produção de minérios. Com isso, a tendência é que não haja o desenvolvimento de outras alternativas econômicas. “Cidades de Minas Gerais estão vivendo um colapso econômico e social devido ao fechamento de complexos minerários com a crise das barragens”, alertou Maria Júlia Andrade, do MAM. O relatório do PoEMAS apontou que a arrecadação no município de Mariana, de 2014 a 2018, foi reduzida quase pela metade: de R$ 445 milhões para R$ 264,6 milhões. Os postos de trabalho no setor extrativo mineral também diminuíram. Foram 652 demissões em 2016 e 515 em 2017.Houve prejuízo ainda na agricultura: com a redução da área plantada (de 2 mil hectares para 53 hectares), a produção de milho caiu de 6.480 toneladas para 80 toneladas.

José Cruz/ Agência Brasil

E tem alternativa? Para o Movimento Popular por Soberania na Mineração (MAM), há saídas para que a exploração mineral seja feita de forma a diminuir os impactos socioambientais. Um deles é definir áreas livres de mineração, que garantam a proteção dos balneários e mananciais de abastecimento, das áreas de agricultura e que construam outras formas de geração de emprego, inclusive mais duradouras que a mineração. O movimento também destaca a necessidade de construir alternativas à mineração para diversificar a economia local. Dessa forma, as cidades não ficam dependentes ou entram em colapso quando as minas fecham. Um terceiro ponto

é a maior participação da sociedade e fiscalização do Estado. O grupo de pesquisa PoEMAS também aponta alternativas, especialmente voltados a segurança das barragens: fim do automonitoramento das barragens pelas mineradoras, comissões mistas com representação das comunidades para monitoramento das barragens, tornar o licenciamento ambiental mais rigoroso, fortalecer os órgãos de fiscalização e controle, obrigar que as mineradoras reservem recursos para situações de fechamento de minas ou compensação de desastres socioambientais e unificar as leis relacionadas à mineração.


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Privatização da Vale: menos transparência, mais impactos socioambientais Valor de venda da mineradora representou apenas 27% do capital total da empresa

▶▶Em 6 de maio de 1997, a Companhia

Vale do Rio Doce — até então uma das mais lucrativas e estratégicas empresas públicas brasileiras — foi privatizada. Na época, milhares de trabalhadores foram demitidos e o valor de venda estipulado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) representou apenas 27% do capital total da empresa. Passados 22 anos, a antiga estatal impõe um modelo de mineração predatório, resultando em crimes como o de Mariana (2015) e o de Brumadinho (2019). O sociólogo Tadzio Coelho, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), aponta que, após 1997, as escalas de produção e extração mineral da empresa aumentaram com a utilização de mais aparelhagem tecnológica nos métodos de exploração, o que também elevou o risco dos projetos. Outra mudança que veio com a privatização, segundo o pesquisador, foi a diminuição da participação dos trabalhadores e das comunidades nos caminhos da empresa. “A Vale, na medida em que foi privatizada, implementou a lógica rentista e financeira. Ela começou a ser pautada pelos interesses de seus acionistas e do mercado financeiro”, pontua. “E aí há uma diferença de agentes que são centrais nesses processos decisórios”.

dirigentes, engenheiros, supervisores, mas a grande massa de trabalhadores, o chão de fábrica, foi terceirizada, quarteirizada e quinterizada”, analisa Zonta. Em 2017, a empresa possuía 57 mil trabalhadores terceirizados de um total de 131 mil funcionários. Ou seja, 44% do quadro de empregados. “Ela repassa toda a obrigação empregatícia para outras empresas, o que vai diminuindo sua parte de gasto com processos trabalhistas e vai aumentando sua taxa de lucro”, complementa. Outra prática da Vale é o subfaturamento de minérios vendidos para a China e o Japão. Estudo feito pela Rede Latino-americana sobre Dívida, Desenvolvimento e Direitos aponta que o processo provoca uma perda de R$ 3,96 bilhões por ano para o Brasil.

A venda da Vale: “Nós não vamos pagar nada” $

A Vale do Rio Doce foi criada em 1942

$

Ela foi vendida para o Consórcio Brasil no governo FHC por R$ 3,3 bilhões

$

O valor de venda não levou em conta as reservas de minério de ferro que, segundo especialistas, somavam mais R$ 100 bilhões e eram suficientes para abastecer o mercado por mais de 400 anos

$

O dinheiro para comprar a Vale foi disponibilizado aos compradores pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a juros subsidiados

Márcio Zonta, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), avalia que o aumento dos lucros da empresa está apoiado na automatização da produção, na precarização do trabalho e na destruição do meio ambiente. “A Vale sumiu, nos últimos anos, com 170 mil postos de trabalho. Manteve um corpo de funcionários formado por

José Eduardo Bernardes/ BdF

Lucro a que preço?

Ato na Praça da Sé, em São Paulo (SP), em solidariedade aos atingidos de Brumadinho, em fevereiro deste ano


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Quanto Vale? Lucro em 2018:

R$ 25 bilhões 45,6% a mais

Mineração é a atividade mais letal para trabalhadores no Brasil ▶▶O rompimento da Barragem 1 do

2017

2018

Valor de mercado em 2018:

cerca de

R$ 300 bilhões Fonte: Relatório de Resultados Financeiros / Vale

Outros impactos PONTE SOBRE RIO MOJU A Biopalma, subsidiária da Vale, responsável pela carga transportada em uma balsa que colidiu e derrubou a ponte do Rio Moju, em Acará (PA), vai pagar R$ 128 milhões para o estado do Pará, após acordo assinado pelo governo estadual em abril deste ano. ACIDENTES A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) contabiliza 312 acidentes ao longo da Estrada de Ferro Carajás (EFC), entre 2006 e 2013. No período de 2010 a 2017, 39 pessoas morreram por atropelamentos na linha. A EFC foi incorporada pela Vale após a privatização.

Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG), deixou 232 mortos — 115 eram funcionários da Vale, além de outros 117 terceirizados ou da comunidade do entorno. Nos relatórios da Defesa Civil, que também são disponibilizados pela mineradora, os terceirizados não aparecem como trabalhadores. Contato com rejeitos, trabalho noturno, exposição à poeira, ao calor e a ruídos são alguns dos agravantes da mineração. Essa atividade empregatícia mata quatro vezes mais do que

Terceirizados TOTAL DE TRABALHORES:

qualquer outra ocupação no Brasil. Os dados são do extinto Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e abrangem apenas os trabalhadores com carteira assinada, que são minoria, cerca 30% da categoria. Ou seja, o número pode ser ainda maior. Nove anos de trabalho na mina Morro Velho, em Raposos (MG), foram suficientes para o ex-minerador Jorge Antônio Pires, 62 anos, contrair silicose. Cansaço, dores no peito e tosse foram os sintomas que anunciaram que Jorge tinha "poeira no peito", como é conhecida a doença respiratória que causa fibrose pulmonar. O problema é adquirido pelo contato com partículas contendo dióxido de silício e poeiras minerais. "É algo que não larga da gente, só depois que morre”, lamenta o trabalhador. Nas empresas de extração mineral e garimpo, o número de trabalhadores que tem silicose chega a 500 mil, conforme dados da Frente Sindical Mineral e Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro). Jorge entrou para a mineração aos 21 anos e, desde então, viu muitos colegas morrerem por causa da doença. "Minas [Gerais] é a terra dos silicóticos", diz. Ele tosse e em

1 3 1 mil TOTAL DE TERCEIRIZADOS:

em média

(44% do total)

R$ 221,5 mil

O Brasil de Fato pediu posicionamento das mineradoras Vale e Samarco, mas não houve retorno até a publicação.

SALÁRIO BASE DOS TRABALHADORES:

R$ 1.396,55

(R$ 90,3 bilhões para 34 executivos)

Fonte: Vale/2017

O que dizem as mineradoras?

Sofri muito. Mas não tem advogado nenhum que pegue essa causa, porque o dinheiro fala mais alto. Não tem um juiz a favor dos silicóticos”

Quanto ganham os trabalhadores da Vale? EXECUTIVOS:

5 7 mil

seguida e continua: "Sofri muito. Mas não tem advogado nenhum que pegue essa causa porque o dinheiro fala mais alto. Não tem um juiz a favor dos silicóticos". Além de doenças respiratórias, como a de Jorge, acidentes de trabalho são recorrentes. Somados os casos de mutilação, morte e doença, os principais estados mineradores no Brasil – Goiás, Minas Gerais e Pará – tornaram-se os mais perigosos para acidentes fatais no trabalho. De 2000 a 2010, a Fundacentro constatou que o Índice Médio de Acidente Geral no Brasil foi de 8,66%. Já o indicador médio de acidente da mineração, em Minas Gerais, foi de 21,99%, quase três vezes mais que a média nacional.

Fonte: Conselho Fiscal da Vale/2016

▶▶A Fundação Renova, entidade criada

para coordenar as ações de reparação dos atingidos em Mariana, informou que a previsão para o reassentamento das famílias de Bento Rodrigues é 2020. Sobre o não cumprimento dos prazos, a instituição apontou que foi necessário estabelecer uma legislação própria que considerasse essa “situação inédita” e que, para

alinhar as decisões, foi criado um grupo de trabalho com Ministério Público, atingidos, assessoria técnica e a própria fundação. Sobre a recusa da Renova em compor negociações coletivas, a entidade respondeu que os valores das indenizações foram discutidos com as comunidades impactadas, representantes do Poder Público e entidades técnicas.


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Quem são os atingidos pela mineração? Movimentos populares que atuam na região atingida pelo rompimento das barragens defendem que os impactos dos crimes socioambientais promovidos pelas mineradoras Vale e Samarco não podem

ser medidos apenas no imediato. A pouco mais de três anos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, é possível apontar exemplos de atingidos que fogem à contabilidade das empresas. Quem são?

Conquistas A lama de rejeitos da mineradora Vale, seja no curso do Rio Doce ou no Rio Paraopeba, tem deixado um rastro de destruição, mas também provocou a mobilização das pessoas.

De igual pra igual PESCADORES

MORADORES

AGRICULTORES

Após três anos, a pesca segue restrita no Rio Doce. De acordo com o Ibama, serão necessários mais de 15 anos para resultados concretos de recuperação ambiental.

Quem mora nas cidades atingidas vê a arrecadação do município despencar. Diminuindo os investimentos em educação, saúde, segurança, entre outros serviços públicos.

A área plantada diminui, pois o solo e a água ficam contaminados com a lama de rejeitos de minérios, impactando na renda dessas famílias.

AGENTES DE TURISMO

TRABALHADORES DA MINERAÇÃO

O distrito de Regência, no município de Linhares, viu a atividade turística diminuir depois que a lama de rejeitos chegou a essa cidade do Espírito Santo.

São maioria entre os mortos de Brumadinho e Mariana. O relatório da Defesa Civil aponta que, em Brumadinho, 115 eram funcionários “próprios” da Vale, e 117 eram terceirizados ou da comunidade do entorno.

Os atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, reivindicaram assessorias técnicas para auxiliar as famílias nas negociações. “As empresas vêm com um corpo técnico de especialistas, e nós não. Há um abismo de diferença nesse processo”, reclamou Camila Brito, da coordenação do MAB. Segundo ela, o dinheiro será liberado pelas mineradoras, mas será um corpo autônomo de profissionais de diversas áreas que acompanharão os atingidos e fornecerão laudos técnicos que comprovem os danos causados aos moradores.

Xô, urânio O Ibama negou, em fevereiro de 2019, pedido de licenciamento ambiental para a instalação de um complexo industrial de mineração e beneficiamento de fosfato e urânio no município de Santa Quitéria (CE). O arquivamento do processo foi comemorado por organizações da sociedade civil, que formaram a Articulação Antinuclear do Ceará para se contrapor ao projeto.

Em defesa das águas A Serra do Brigadeiro, em Muriaé (MG), possui uma das maiores jazidas de bauxita do país e é alvo de cobiça das mineradoras desde a década de 1950. A mobilização dos moradores, organizados pelo MAM e outras entidades, fez com que, em dezembro de 2018, fosse aprovado o Projeto de Lei 192, que nomeia a área como Patrimônio Hídrico do Município de Muriaé. Com isso, mais de 10 mil hectares de mata e 2 mil nascentes foram preservados da mineração.

Seis anos de luta Desde 2010, a mineradora multinacional Ferrous Resources ameaçava comunidades rurais e centros urbanos de Viçosa, no interior mineiro. A empresa queria instalar um mineroduto que levaria minério de Minas Gerais ao Espírito Santo e atravessaria a Bacia do São Bartolomeu. A Campanha Pelas Águas e Contra o Mineroduto da Ferrous articulou diferentes setores da sociedade e, em 2016, o projeto foi derrotado.

Expediente: Edição especial. Circulação nacional gratuita. Maio/2019 | Reportagem: Camila Maciel, Rute Pina e Wallace Oliveira | Edição: Nina Fideles | Jornalista responsável: Nina Fideles(MTB 6990/DF ) | Revisão: Vivian Fernandes | Artes e diagramação: Fernando Badaró, Fernando Bertolo e Michele Gonçalves| Capa: Gabriela Lucena | Contato: brasildefato.com.br / jornalismo@brasildefato.com.br


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