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De 27 de janeiro a 2 de fevereiro de 2005
AMBIENTE SEGURANÇA ALIMENTAR
Embrapa muda, a favor do agronegócio O ministro da Agricultura demite toda a diretoria da empresa por dar atenção à agricultura familiar
F
oi mais uma decisão de governo para expandir o modelo agrícola exportador, baseado no agronegócio, em detrimento da agricultura familiar, defendida pelo então presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Clayton Campanhola. Seu substituto é o físico Silvio Crestana, técnico especializado no agronegócio na região de São Carlos, interior paulista. “O que se pretende é reforçar o papel da Embrapa na área de planejamento de ações para a inclusão social do agronegócio”, declarou o ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura, para explicar a troca de comando da empresa de pesquisa. A decisão de Rodrigues teve o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, de acordo com fontes ligadas ao governo, está cada vez mais deslumbrado com o agronegócio. Mostra isso, por exemplo, a assinatura da medida provisória, dia 13 de janeiro, que liberou o cultivo e a comercialização da soja transgênica na safra 2004/2005. Há um ano, quando Roberto Rodrigues colocou seu cargo à
desenvolvida pela instituição. A seu ver, diferentemente do que argumenta o ministro de Agricultura, Campanhola se pautava pelo programa de governo do PT para a agricultura. “Ele se subordinava ao programa para o qual o governo foi eleito. Ao contrário do que faz Rodrigues”, critica Hoffman.
João Paulo Lacerda/AE
Claudia Jardim da Redação
DESEQUILÍBRIO
Pesquisadora da Embrapa durante experimento com transgênico, que terá prioridade na empresa
disposição, o que o presidente rejeitou, o ministro criticou a “insubordinação” do presidente da Embrapa ao Ministério da Agricultura, argumentando que Campanhola respondia diretamente ao Planalto. O ex-presidente da Embrapa , indicado por José Graziano, representava o núcleo do PT. Defensor de projetos que privi-
legiassem a agroecologia, a contenda entre o ex-presidente da Embrapa e o ministro de Agricultura se acentuou com a liberação da soja transgênica. À época, Campanhola defendeu a realização de estudos de impacto ambiental antes da autorização para o plantio e o consumo. “Os setores conservadores não se conformavam em ter na presidência
da instituição alguém preocupado com essas questões”, afirma o deputado do PV, Edson Duarte, para quem a decisão significa mais um retrocesso do governo Lula. Para o ex-secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul, José Hermeto Hoffman, a saída de Campanhola significa uma volta atrás na linha de trabalho
Contaminação por transgênico poderá ser punida
COMUNIDADES TRADICIONAIS
Roberto Barroso/ABR
Integrantes do Greenpeace inspecionam produtos expostos em supermercados, durante ação contra os transgênicos
Tatiana Merlino da Redação As instituições que pesquisam organismos geneticamente modificados (OGMs) podem ser responsabilizadas em casos de contaminação do meio ambiente e por possíveis prejuízos causados à saúde humana e animal. É o que propõe o Projeto de Lei 4495/04, de autoria do deputado Edson Duarte (PV-BA), em análise na Câmara. Nos casos de negligência ou falta de controle, a empresa responsável pelo dano será obrigada a indenizar a parte prejudicada, além de estar sujeita ao cancelamento do registro ou da autorização de uso do produto. De acordo com Duarte, após a Medida Provisória 223, que autoriza o plantio da soja transgênica na safra 2004/05, não ficou claro quem seria o responsável por possíveis danos causados pelos OGMs. O parlamentar diz que o projeto pretende “que os empresários assumam o ônus caso algo dê errado. Além dos lucros, eles têm que ter responsabilidades”, argumenta. Sobre a aprovação do projeto na Câmara, Duarte sabe que não será fácil. “Porque hoje não se sabe onde começa e onde termina a bancada ruralista, que cada vez mais tem apoio da bancada do PT”, afirma.
Segundo ele, antes havia bancadas que defendiam os setores populares, mas hoje “o lado conservador cresceu”.
ESPERANÇA? O economista Jean Marc Von de Weid, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA) considera que, se o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) chegar à presidência da Câmara, é possível que o projeto não seja aprovado. “Ele tem se mostrado bastante coerente e preocupado com os impactos dos transgênicos, e não acredito que vá ceder às pressões dos ruralistas”, pondera. Duarte concorda, porém, adverte: “Ele está mais próximo dos anseios da sociedade brasileira, mas não devemos nos iludir”. O deputado do PV lembra que os consumidores e os agricultores convencionais são os mais afetados pela introdução dos produtos transgênicos no país. “Por isso, é necessário haver um dispositivo legal para exigir a reparação em caso de problemas com a saúde dos consumidores e com os produtores que tiverem suas plantações contaminadas ”.
SAÚDE Um dos maiores prejuízos causados pela utilização dos transgênicos,
é na saúde. O herbicida glifosato Roundup – indispensável ao cultivo da soja transgênica – afetou a saúde de ratos, aponta em sua tese de doutorado a bióloga e médica Eliane Dallegrave, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os principais efeitos foram aumento na massa relativa do fígado e rins, redução no número de espermatózóides e dos níveis de testosterona e alterações nos testículos. Eliane demonstra que o glifosato não é inofensivo como afirmam seus defensores. Para Edson Duarte, as empresas de engenharia genética têm estudos sobre os impactos nocivos dos OGMs sobre a saúde e o meio ambiente. “Mas são informações que eles não querem divulgar”, afirma, acrescentando que a engenharia genética mexe com a caixa preta da vida, e as mudanças são feitas para atender interesses comerciais. Apesar de tudo isso, a área plantada com transgênicos cresceu. Em 2004, o aumento foi de 66%, de 3 para 5 milhões de hectares, conforme estudo do International Service for the Acquisition of Agribiotech Applications (ISAAA), baseado nos Estados Unidos. Entre os cinco principais países produtores de transgênicos – Argentina, Canadá, China e EUA, o aumento brasileiro foi o mais expressivo.
No Planalto, a batalha entre os defensores do agronegócio e do meio ambiente em relação ao uso de sementes transgênicas fica ainda mais desigual. Enfraquecida nas últimas brigas com Rodrigues, com a saída de Campanhola, a ministra Marina Silva perde o apoio da Embrapa na luta contra a liberação das sementes geneticamente modificadas na agricultura. O projeto de lei que definirá o tema está em tramitação no Câmara. “A partir de agora, a área está livre para os ruralistas e para os defensores dos transgênicos. Todas as linhas de pesquisa da Embrapa devem se orientar para a biotecnologia” diz o ex-secretário gaúcho de agricultura. Até a queda de Clayton Campanhola, apenas 20% do orçamento da Embrapa era destinado à pesquisa de organismos geneticamente modificados.
Impactos da omissão das políticas públicas Luís Brasilino da Redação Os prejudicados pressionam e o governo federal sai do marasmo para sanar uma séria deficiência do Estado: uma lacuna institucional. No caso, a omissão total das políticas públicas em relação às comunidades tradicionais – grupos que criam uma relação prolongada com o território onde vivem, e diferenciada com o resto da sociedade. São os povos quilombolas, indígenas, seringueiros, extrativistas (como as quebradeiras de coco), pescadores e ribeirinhos. Segundo Carlos Eduardo Trindade, subsecretário de políticas para comunidades tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, não há, atualmente, qualquer estimativa de quantas pessoas vivem nessas comunidades. “Sabemos que existem trechos do território ocupados por elas, mas, quantificar, talvez, só em 2010. Isso é uma lacuna institucional”, afirma Trindade. Ele conta que os integrantes das comunidades enfrentam problemas como o racismo, a desigualdade social e a exclusão histórica. Mais recentemente, também passaram a encontrar dificuldade no acesso a equipamentos sociais como escola, postos de saúde, Previdência etc. “Eles têm que deixar a comunidade em busca dos serviços, e o que queremos é levá-los até eles”, informa Trindade.
CONTRASENSO Por serem institucionalmente ignoradas, as comunidades sofrem os impactos negativos de políticas de Estado feitas à sua revelia. Adriana Ramos, coordenadora do programa de políticas e direito socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA) exemplifica: “Há casos de criação de zonas de proteção ambiental – onde as pessoas não podem morar – em territórios habitados por povos tradicionais”. Para Adriana, os principais
problemas das comunidades giram em torno da falta de especificidade das políticas públicas em relação a elas. É o caso da educação, mostra Ivo Fonseca Silva, da secretaria executiva da Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq). Normalmente, diz, os professores não direcionam o ensino para a sua comunidade. Os quilombolas têm a mesma aula que qualquer brasileiro, sem qualquer abordagem diferenciada. “É necessário adaptar o ensino à realidade local”, destaca Silva.
DECRETO Para superar essas deficiências, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, em 27 de dezembro de 2004, um decreto criando a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais. Cabe a ela, entre outras atribuições, propor medidas para implementação de um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável em favor das comunidades tradicionais; regulamentar as atividades de agroextrativismo e seu desenvolvimento; apoiar, propor, avaliar e harmonizar os princípios e diretrizes das políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais no âmbito do governo federal. Para o quilombola Ivo Silva, a criação da comissão é fruto da mobilização dos movimentos de comunidades tradicionais, e ela pode dar certo. No entanto, ele alerta: “O governo fala e muitas vezes não cumpre. Precisamos acompanhar de perto o andamento da comissão”. Silva considera que, no governo Lula, alguns ministérios têm atuado de modo mais integrado e eficiente no que tange às comunidades tradicionais. “O diálogo aumentou e, agora, existe um orçamento próprio para nós. Como a política é nova, o governo vem tendo algumas dificuldades, mas estamos tendo resultado. Pouco, mas algum”, completa.