Edição 429 - de 19 a 25 de maio de 2011

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de 19 a 25 de maio de 2011

internacional

Derrota histórica para Berlusconi Reprodução

OPINIÃO Em meio a escândalo, premiê italiano perde força nas eleições municipais Achille Lollo de Roma (Itália) NOS DIAS 15 e 16 de maio, 13 milhões de italianos foram votar para prefeito e representantes dos 76 Conselhos provinciais, sancionando a derrota política de Berlusconi e de seu governo direitista. O aumento da participação do eleitorado (72%) correspondeu à retomada política da esquerda, de forma que o reformista Partido Democrata, de Píer Luigi Bersani, deverá manter seu rumo político mais à esquerda, no lugar de fazer alianças com os moderados. Assim as listas da centro-esquerda colecionaram importantes vitórias em Turim, Bolonha, Salerno, Lucca, Gorizia, Ravenna, Benevento, Siena, Savona e Arezzo, que poderão aumentar com as vitórias no segundo turno em Milão, Nápoles, Trieste, Cagliari, Varese, Novara, Cosenza, Rovigo, Rimini e Pordenone. Milão: ponto crucial

Se o 2º turno, a ser realizado entre 29 e 30 de maio, confirmar a vitória da centro-esquerda em Milão e em Nápoles, para os italianos se abrirá um novo clima político que vai favorecer a implementação de novas alternativas e, consequentemente, enterrar a fábula política da direita e o mito de Berlusconi. Todos os analistas políticos e os editorialistas dos jornais admitem que se Giuliano Pisapia – o candidato da coalizão formada pela esquerda e o PD – derrotar no segundo turno a poderosa prefeita de Milão, Letizia Moratti, este resultado vai determinar um terremoto no governo, fazendo saltar todos os acordos que Berlusconi havia costurado nos últimos dois anos.

Tirar a Liga Norte e o partido de Berlusconi da prefeitura de Milão, depois de 14 anos de governo, tem um valor simbólico no contexto italiano De fato, tirar a Liga Norte de Bossi e o Partido da Liberdade (PdL) de Berlusconi da prefeitura de Milão, depois de 14 anos de governo, tem um valor simbólico no contexto italiano, a partir do momento que a prefeitura de Milão foi o primeiro passo de Berlusconi e de Bossi na longa caminhada em direção à presidência do Conselho. Por outro lado, Milão é a capital econômica e financeira do país e uma mudança política em sua administração vai influenciar, política e emocionalmente todo o eleitorado do Norte da Itália, em particular os separatistas-xenófobos da Liga Norte, pelos quais sua presença nas prefeituras de Veneza, Milão, Torino e Bologna simbolizava a concretização do ideal federalista da Liga Norte, a partir do qual era mais fácil promover o projeto separatista da “Padania”, isto é a criação de um estado independente na Itália do Norte. Il Giornale e o PdL

Entre os jornais italianos Il Giornale é considerado o mais feio do ponto de vista gráfico e o mais manipulador. Por isso é o menos vendido nas bancas, porém é o mais oferecido e o que mais circula gratuitamente nas escolas e nas instituições. Consequentemente seu dono, Silvio Berlusconi, a cada mês deve injetar, a fundo perdido, milhões de euros e por isso, para os editores de Il Giornale qualquer besteira que Berlusconi faça ou diga é um argumento de campanha eleitoral. Assim foi com Ruby - a menor marroquina que frequentava as festas “Bunga-Bunga” de Berlusconi ou com os juizes de Milão que moveram processos por corrupção contra o premiê, ou com os jornalistas de La Repubblica e L´Espresso que denunciavam as estranhas relações de Berlusconi e de seu braço direito, Dell´Utri, com elementos da máfia siciliana (Cosa Nostra), da napolitana (Camorra) ou da calabresa (Ndrangheta). Entretanto foi nas páginas de Il Giornale – considerado um dos mais falsos, desleais com o Brasil durante a campanha eleitoral para eleger Lula e depois Dilma – que foi definida a linha política “anticomunista” para essas eleições. Uma campanha que iniciou mesmo em Milão falsas acusações contra o candidato da esquerda, Giuliano Pisapia, segundo as quais este seria “...um amigo de terroristas, ligado a atos violentos dos centros sociais e indiciado por roubo de carro...” Um violento extremismo verbal que correspondia inteiramente à tônica eleitoreira dos mais diretos colaboradores

Giuliano Pisapia, candidato da coalizão formada pela esquerda e o PD, candidato à prefeitura milanesa

de Berlusconi, como os ex-fascistas Daniela Santanché, Inazio La Russa e o exsocialista Fabrizio Cicchitto que, desta forma, ofenderam a inteligência dos eleitores, inclusive a dos moderados que, desta vez, não acreditaram mais nas fantasmagóricas histórias do premiê e de seus comparsas. E foi por isso que um grande número de italianos deixou de votar no PdL e na Liga Norte. Direita em pedaços

Uma das características da política italiana atual é o excesso de egocentrismo por parte dos líderes partidários. De fato com o desaparecimento dos partidos tradicionais da Primeira República (Partido Comunista, Socialista, Republicano, Social Democrata, Democracia Cristã e Liberal) os novos partidos ficaram muito dependentes do carisma e do dinheiro dos líderes, de forma que toda as estruturas partidárias se tornaram um fac-símile de cortes principescas onde cada um dos fidalgos fala mal do outro, mas todos lambuzam a mão do poderoso príncipe. E foi por isso que Berlusconi, através de seu império midiático, quis transformar essas eleições em um verdadeiro referendo que – em caso de vitória – o teria salvado dos processos por corrupção, impondo aos parlamentares dos partidos que sustentam o governo um código de atuação ainda mais estreito no que diz respeito às leis que salvaguardam os interesses dele, de suas empresas e as dos amigos mais fiéis. Porém a derrota eleitoral acentuou a divisão no seio do “Popolo della Liberta” – o partido de direita fundado por Berlusconi .

Com histórias fantasmagóricas, Berlusconi e seus comparsas ofenderam a inteligência dos eleitores, inclusive a dos moderados que deixaram de votar em seu partido Para estes o dilema é quase absoluto porque não sabem se devem voltar a apoiar totalmente o PdL e evitar que Berlusconi afunde definitivamente ou se é melhor ficar em cima do muro esperando herdar os setores do eleitorado conservador desiludidos com o premiê. Por outro lado, em caso de eleições em setembro, os analistas admitem que Berlusconi vá novamente querer transformar a campanha eleitoral em uma batalha contra o comunismo e desta forma o PdL vai perder entre 15 e 20% de seu eleitorado, reduzindo sua presença política em nível nacional a 12% ou talvez 14,5%.

Esquerda ou centro-esquerda?

em Nápoles, haverá um novo curso que tem sido alcunhado, pelos conservadores e mafiosos da camorra (os e leitores de Berlusconi), como “a louca revolução de um comunista.” A verdade é que, sobretudo nos territórios como Nápoles, Milão, Trieste, Cagliari, Cosenza, Novara, Crotone, onde a ausência do Estado é mais do que evidente e o avanço da crise econômica fez aumentar o desemprego, a delinquência e a desordem social, a ideia de refundar as prefeituras é uma proposta que conquistou muitos italianos, independentemente de ser levada a frente por um comunista, um socialista ou, simplesmente por alguém como De Magistris que acredita, apenas, na justiça social.

De fato com o desaparecimento dos partidos tradicionais da Primeira República , os novos partidos ficaram muito dependentes do carisma e do dinheiro dos líderes

Partido Democrático

No campo da esquerda – que nas últimas eleições desapareceu do cenário parlamentar em função de sua fragmentação ideológica - e da centro-esquerda, representado pelo Partido Democrático, de Píer Luigi Bersani e a Itália dos Valores, do ex-juiz Antonio Di Pietro, o problema é, antes de tudo, a convivência política nas prefeituras, nos conselhos provinciais, nas juntas regionais e no Parlamento. Uma convivência - diferente da aparente unidade eleitoreira costurada por Romano Prodi em 2006 - que surge da necessidade de realizar um programa político alternativo ao atual status quo imposto pela direita durante 15 anos.

É importante dizer que um dos fatores que determinaram a vitória dos candidatos das coalizões formadas pela esquerda e o Partido Democrático foi a volta às urnas dos italianos desiludidos com a política oportunista de Ugo Bossi e enjoados das “fábulas” de Berlusconi. Por outro lado, foi determinante a participação do eleitorado juvenil que influenciou esta eleição não só do ponto de vista numérico mas, também, em termos qualitativos. Por exemplo, foi muito importante a veiculação na sociedade das propostas do Movimento Cinco Estrelas - fundado em 2006 pelo ator Beppe Grillo apenas como um movimento de protesto juvenil e que hoje pretende refundar o sistema político, considerado corrupto e incapaz de garantir desenvolvimento socioeconômico para todos. A crítica ao sistema político foi o argumento central de outros candidatos da esquerda que relacionaram a crise do sistema com as degradantes administrações municipais. Por exemplo, em Nápoles, Luigi De Magistris, o candidato da coalizão Itália de Valor e Refundação Comunista, apresentou um programa que prevê a reformulação geral da prefeitura de Nápoles e de seus 80 mil funcionários, além da revisão de todos os contratos assinados com as empresas fornecedoras de serviços e de mercadorias. Enfim, se De Magistris ganhar Reprodução

Com esta eleição o Partido Democrático, de Píer Luigi Bersani, Walter Veltroni e Massimo D´Alema passa a ser o primeiro partido nas principais cidades italianas que jogam um papel determinante na economia industrial, isto é, Milão, Turim, Bolonha, Genova e Florença. Isto significa que os administradores dessas prefeituras vão lidar, por um lado com as pressões de um empresariado e de uma classe média cada vez mais insegura após 15 anos de neoliberalismo e com as reivindicações de seus eleitores que, antes de tudo, querem trabalho e serviços públicos eficientes. Não podemos esquecer que a lei do federalismo fiscal (votada em março pelo governo Berlusconi), na realidade penaliza as prefeituras que, a partir de 2012, não poderão mais renegociar as dívidas herdadas das administrações anteriores. Consequentemente, os prefeitos deverão administrar cidades caóticas com pouco mais da metade das verbas que recebiam antigamente e para muitos prefeitos haverá apenas duas alternativas: governar as cidade convivendo com a desordem e o caos, como aconteceu em Nápoles, onde nos últimos três anos a prefeitura não conseguiu tirar o lixo das estradas ou programar reformas estruturais profundas que para alguns serão consideradas o início de uma revolução, enquanto para outros será a desejada alternativa ao caos herdado do governo de direita.

Os analistas creem que Berlusconi vá novamente querer transformar a campanha eleitoral em uma batalha contra o comunismo e desta forma o PdL vai perder entre 15 e 20% de seu eleitorado Pier Luigi Bersani, logo após a confirmação da vitória absoluta de Virgilio Merola em Bolonha e da vitória parcial de Giuliano Pisapia em Milão disse: “Aconteceu uma inversão de tendências e agora o vento do Norte sopra contra o PdL de Berlusconi e a Liga de Bossi. Assim, após o segundo turno – que nós vamos vencer – se abrirá uma nova fase política que, possivelmente, determinará a crise do governo. Por isso, desde já vamos trabalhar para unificar a centroesquerda e assim, determinar primeiro a falência do governo e depois demonstrar nossa capacidade de governar”.

A atual prefeita de Milão, Letizia Moratti

Achille Lollo é jornalista italiano, editor do programa de TV “Quadrante Informativo”


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