Revista Bocada Forte Especial # 07 - DJ Kl Jay

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IIIII EDITORIAL Tem gente que reclama e cruza os braços. Têm aqueles que já preferem ficar resmungando pelos cantos. E muitos outros apenas observam as coisas acontecerem. Mas alguns poucos vão lá e fazem a parada rolar. Saiba que este aqui é um espaço de gente que faz! Não, não é clichê. É real! Quantas revistas sobre a cultura hip hop nacional você conhece? Garanto que poucas. E quantas rádios, programas de tevê? A perspectiva não melhorou muito, não é? A internet ainda é o local mais prolífero, pois ainda possui certa liberdade e não exige muita grana. Dentre esses exemplos, um que se destaca desde 1999 é o Bocada Forte, que hoje chega em formato de revista. Nesta, em especial, o entrevistado é Kleber Geraldo Lelis Simões, mais conhecido como Kl Jay. Foi numa tarde de quinta-feira que eu, o Daniel Cunha, a Nathália Leme e o Luiz Pires tivemos a chance de registrar um pouco da história de um “mestre”. Pessoa dedicada ao que faz, humilde, de incrível talento e simpatia; este é Kl Jay. Da sua importância para a cultura nem é preciso falar muito. Seu caminho no Racionais MC’s, nas inúmeras festas que toca, na 105 FM ou no Yo! MTV são alguns dos grandes feitos que falam por si. Acompanhe nas próximas páginas algumas das idéias e ensinamentos de Kléber Simões. De quebra, algumas imagens do dia dessa prosa exclusiva para a Revista Bocada Forte. Se você já conhece o Dj Kl Jay, aproveite para saber mais e, para quem ainda não conhece, essa é uma bela chance. Tenha uma ótima leitura! Eduardo Ribas


EXPEDIENTE A Revista Bocada Forte é uma publicação da Associação de Promoção Humana SERUMANO CNPJ 05.446.423/0001-53 Diretores André Cesário Fábio Pereira Textos Daniel Cunha Eduardo Ribas Nathália Leme Roberto FOTOS Luiz Pires Diagramação Luiz S. B. Cortez AGRADECIMENTOS Liliane Braga e Marquinhos, da loja Trucks Discos. APOIO Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR 5.000 Exemplares, conforme convenio nº 700703/2008


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Um pouco da história de Kl Jay Falar de Kleber Geraldo Lelis Simões pode ser mais complexo do que parece. Complexo, pois se faz necessário conhecer sua história para entender o que ele representa para o hip hop nacional. Tudo começou há cerca de 25 anos, especificamente no ano de 1984, quando começou a reparar nas pick-ups. Inspirado pela figura do Dj Cash Money e pela performance do Dj e rapper norte-americano ‘Kool Moe Dee’, que se apresentou no Brasil em 1988, descobriu que aquele era o caminho que queria seguir. Quem lhe ensinou as primeiras técnicas foi Edi Rock. Em 1987, Kleber conheceu Mano Brown, e da junção dos grupos “B. B. Boys” e “Edi Night e KL Night” (em 1989), firmou-se o Racionais MC’s. Tocou nas festas mais badaladas da noite black paulistana, como a ‘Soweto’ (entre 1994 e 1996) e o Clube da Cidade de Diadema (de 1999 a 2000). Logo no começo dos anos 90, iniciou uma parceria com o rapper Xis e juntos fundaram a 4P, que engloba vários serviços, entre eles selo musical, cabelereiro e grife de roupas street. Foi pela 4P que lançou a coletânea ‘Equilíbrio - A Busca - KL Jay na Batida vol. III’. Em 2000, foi responsável pela produção do álbum “Seja como for”, de Xis, que foi aclamado pela crítica e fez bastante sucesso com o som “Us Mano, as Mina”. Em 2002, passou a dedicar suas energias também para o que hoje é considerado o maior campeonato de Dj’s da América Latina, o Hip Hop Dj. Essa disputa acabou revelando grandes nomes das pick-ups como o Dj Cia (bicampeão 98/99), além dos Dj’s King, Ajamu, Will, Marco, entre outros. Em 1992, o Dj Kl Jay, juntamente com o Racionais MC’s, abriu o show do lendário grupo Public Enemy, em São Paulo. Por meio do selo ‘Cosa Nostra’, que o Dj mantém em parceria com os Racionais, revelou os artistas Apocalipse 16, RZO e Sabotage, além de colaborar com as produções de Rappin Hood, Potencial 3, Visão de Rua, SNJ, De Menos Crime, 509-E, e vários outros. Há nove anos, Kleber apresenta o programa “Balanço Rap”, que possui grande audiência nas ondas da rádio 105 FM. Em meio a isso, ainda teve tempo para se tornar VJ do Programa ‘Yo! MTV Rap’s’, em 1999. Lá, Kl Jay teve a chance de mostrar seu engajamento político voltado à conscientização da juventude das periferias por meio da cultura hip hop. Sem contar também a oportunidade de mostrar os mais diferentes clipes de soul, r&b, funk e muito rap. Atualmente, se apresenta todas as noites de quinta-feira, junto com os Djs Ajamu e Marco, na festa “Sintonia”, que existe há 4 anos.


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Dj Kl Jay: referência no rap e na atitude

Com mais de 25 anos de vida, o hip hop brasileiro tem hoje no Dj Kl Jay um de seus maiores representantes. Tanta importância se deve, primeiramente, à sua participação no movimento desde os primeiros capítulos dessa história, como por exemplo nas sessões de rap com batuque nas latas de lixo da estação São Bento, no centro de São Paulo, em meados dos anos 80. Além disso, ele é integrante do maior grupo de rap do país, o Racionais MC’s, e um dos disc-jóqueis mais valorizados pelas casas de shows e baladas do Brasil inteiro. Para entender um pouco sobre essa representatividade, basta observar a chegada de Kleber em qualquer evento ou festa de hip hop. Quietinho, sem alarde, ele sempre aparece e faz questão de cumprimentar quase todos os presentes. Conversa, sorri, discute, aconselha. O carisma e a notória humildade de Kl Jay o permitem circular livremente por eventos de todas as vertentes do Rap, pois, por onde passa, ele é considerado um ídolo e, mais do que isso, um amigo. Com a humildade que lhe é de praxe, o Dj recusa o status de ídolo e explica que sua real intenção é ‘fazer o rap virar’. “Eu fico lisonjeado se os demais gostam de mim, da minha postura, mas eu nunca tive essa pretensão, não estou na cultura para isso”, explica. “Eu me sinto parte de uma cultura e eu quero fazer de tudo pra deixar ela forte, fazer ela ferver igual acontece lá fora. Todos têm a mesma mentalidade: fazer a sua parte. Eu quero fazer a minha. Só isso”. As contribuições concretas do Dj Kl Jay para a cultura são inúmeras. Além dos discos dos Racionais, que merecem óbvio destaque e reconhecimento, Kléber lançou, em

“Símbolo de resistência, longevidade, inovação e atitude, tanto para as gerações que se seguiram à dele quanto para seus contemporâneos”, afirma Kamau.

Por: Daniel Cunha


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2006, por meio de seu selo pessoal, chamado “Equilíbrio”, os discos de estréia de dois grupos muito talentosos da zona norte de São Paulo: Cagebê e Relatos da Invasão. Pela 4P, gravadora criada em parceria com o rapper Xis, ele lançou em 2004 a coletânea Kl Jay – Na Batida vol. III, disco duplo que foi muito aclamado pela crítica e reuniu revelações e artistas já consagrados da época. Seu último trabalho solo foi lançado em 2007 e seguiu a mesma linha da coletânea, no sentido de agregar outros artistas em um trabalho realizado por ele. Desta vez, Kl Jay lançou a mixtape Fita Mixada – Rotação 33 (veja a resenha nas próximas páginas), que conta com uma performance de cerca de 30 minutos do Dj utilizando apenas vinis de rap nacional, além da participação de alguns MC’s da nova escola. Kl Jay acredita que trabalhos como esse são um bom exemplo de como fortalecer a cultura em que se está inserido. “Fazendo música, tocando música, ajudando os demais, ajudando os talentos que aparecem...agregando mesmo. Falando: ‘Você! Vem aqui. Você, vem pra cá também.’ Chamando os bons mesmo, né? Fortalecer com os bons pra cultura ficar mais forte”, afirma. Uma pessoa que fala com propriedade sobre Kleber é o MC Kamau, envolvido em organizações de festas, participante de inúmeros projetos e agora artista solo. Eles se conhecem há quase 21 anos, o que dá a Kamau o direito de definir Kl Jay. “É um dos poucos que realmente transcendem a mesa dos toca discos e atingem o hip hop como um todo. É um exemplo como Dj, como apresentador, como micro-empresário e como amigo de quem tem o privilégio de estar próximo”. O MC também remete ao exemplo que Kl Jay representa para muitos. “Símbolo de resistência, longevidade, inovação e atitude, tanto para as gerações que se seguiram à dele quanto para seus contemporâneos”, conclui Kamau.


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Por: Eduardo Ribas O Dj Kl Jay é dono de um carisma muito grande, mas possui também algumas opiniões bem fortes e próprias sobre alguns assuntos que ainda são um tabú no hip hop brasuca. Alguns temas abordados permitem que você tenha acesso a idéias e opiniões particulares de um dos mais renomados Dj’s do país. Não é porque trabalhou em rádio por um longo período que Kl Jay concorda com seu funcionamento. Apresentador do “Balanço Rap”, da rádio 105 FM, juntamente com Paulo Brown e Ice Blue, Kleber acredita que as rádios possuem ainda uma mentalidade muito conservadora. “Precisamos mudar a programação da rádio, por exemplo. Na programação da rádio 105, nós precisamos mudar a mentalidade artística de quem seleciona a música. Alguns locutores têm que mudar. Tem que ir mais Dj’s pra rádio. A rádio tem que ampliar mais“, dispara. E o Balanço Rap é suficiente para suprir as necessidades do rap? “O Balanço Rap é um programa semanal, que acontece três horas na semana. Então, ele faz a parte dele. Mas é pouco, porque o louco é todos os dias. E outra, se tem um programa de rap na TV, tem que ser de uma hora. Uma hora por dia ou uma hora por semana!“. O Dj também é partidário da profissionalização do rap, o que permitiria que aqueles que se destacam recebam devidamente por isso. Questionado sobre o antigo pensamento que permeia a cultura hip hop, de que o dinheiro que circula nesse meio torna as pessoas vendidas, Kleber tem a resposta na ponta da língua. “Essa mentalidade foi pregada anos atrás e enraizou um pouco. Então você vai tocar num pico que a entrada é R$50 e as pessoas falam que você se corrompeu.

A mudança de mentalidade necessária para que o dinheiro deixe de ser inimigo do hip hop

Profissionalização do Hip Hop


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Porra nenhuma, tá ligado?! Ronaldinho Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Robinho, esses caras jogam nos clubes, ganham R$ 1 milhão por mês e ninguém fala nada! O povo quer ver os caras jogando bola!” É preciso saber diferenciar as coisas na hora de apontar que fulano se vendeu ou ciclano foi corrompido. Simplesmente reproduzir essa fala é sinal de mentalidade parada no tempo. “Se corromper é outra coisa. Se vender, todo mundo se vende. ‘Ae Kl Jay, quanto é pra você tocar?’ Eu tô vendendo meu trabalho: ‘É tanto’!”. Se corromper então seria tocar um som que esteja na moda, como por exemplo foi a Kelly Key em outros tempos? “Não. Se corromper pra mim, é você tocar o que alguém mandar você tocar. Se eu quiser tocar Kelly Key, eu toco, mano. Tá ligado? Se eu quiser tocar um drum’n’ bass, eu toco. Se eu quiser tocar um funk? ‘Solta essa porra!’ Tun-tun-tá (risos). Eu toco! Isso não é se corromper, né? Se corromper é o cara dizer assim: ‘Ó, meu! Tem um milhão aqui, mas você vai ter que fazer um negócio que você não gosta’. É...um milhão, né? Daí eu vou lá e pego esse dinheiro. Isso é se corromper. Entendeu?” Ainda existe uma preocupação em relação a esse estigma criado na cultura hip hop, mas Kl Jay tranquiliza:“Ta mudando. O Racionais com esse novo disco vai influenciar muito. Porque as idéias tão bem assim: pra frente! Vamo aí meu! As idéias já estão sendo ditas: ‘A Cosa Nostra vem só pra contar as de 100. O bang louco tá aí com a Black Rio, zen’, Entendeu?” Para Kléber, o recado já vai ser dado. “A idéia tá aí, já tá falando: Aí mano, vâmo (sic) ganhar esse dinheiro aí, que nóis (sic) merece”, finaliza.




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A opinião de Kl Jay sobre a mídia no Brasil Por: Nathália Leme Não é o fato de fazer parte do grupo Racionais MC’s que afasta o Dj Kl Jay da mídia. No entanto, isso faz com que ele tenha mais distinção a respeito do assunto. É de conhecimento geral que a cultura hip hop não tem tanto espaço na tv ou no rádio, mas concentra sua força na internet. Kléber conta um pouco mais da sua relação com a mídia, o que pensa dela e de seu futuro. Kl Jay é um homem multifuncional. Seu negócio é ser Dj e “tocar música”, mas apesar disso, ele não escapa de ser produtor e empresário. Assume o comando da festa Sintonia, do concurso Hip Hop Dj, revelando Djs como Cia, Tano e o comentado Erick Jay, além dos microfones e da seleção musical do programa Balanço Rap na rádio 105 FM. O Dj acredita que o espaço conquistado pelo rap na mídia brasileira ainda não é o suficiente para que a cultura hip hop alcance a visibilidade merecida e desejada. O que se ouve nas rádios ainda é muito pouco do que o rap tem a dizer, mas para que o espaço seja devidamente ocupado, Kl Jay manda o recado: “Pra ter outras rádios precisa ter outras músicas. Tem que ter mais música louca! Tem que ter muito mais música boa pra atingir outras rádios. A música rap tem que ser vista como música de gente grande”. Ainda que a semente plantada por quem faz rap se mantenha em evolução e atinja um outro patamar, a mentalidade artística dos produtores, pauteiros e programadores precisa estar aberta


“Eu acho importante, mas eu só falo com quem eu quero e o que eu quero”

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para receber esse gênero musical. Além das rádios, a internet, por ser uma mídia extremamente democrática, também assume uma importante função. “A internet é a televisão do século XXI. Televisão virtual, que todos podem ter. Você quer ver um vídeo do Jay Z, você vai na lan house, coloca lá: vídeo do Jay Z e ‘Bum’! Tá lá. Entendeu? Você quer o vídeo do Mos Def, do Little Brother, do Racionais, do Emicida, do Kamau...é só clicar o nome. Então essa comunicação democrática ajudou muito na cultura no geral”, filosofa. Convicto de que na maioria dos casos a televisão, o maior meio de comunicação de massa, é usada de forma indevida, visando apenas os interesses da classe média, o Dj não descarta a importância exercida pela mídia na projeção de um artista para o bem mas também para o mal. “A mídia divulga, coloca você pra outras pessoas verem. Eu acho importante, faz parte do trabalho, faz parte da cultura, da arte. Faz parte da arte ter a mídia. Depende de como você lida com ela. Pra certas mídias eu não falo nem fodendo. Não falo mesmo e acabou! Eu acho importante, mas eu só falo com quem eu quero e o que eu quero. E mesmo assim é editado, mas faz parte. Acho que tem que ter. Se não fosse a mídia, o rap não tava como tá hoje, o futebol não tava como tá hoje. É o que projeta você, coloca você no holofote.” As opiniões são fortes e diretas, mas refletem a realidade. Para quem está no rap há 25 anos, os obstáculos e portas fechadas serviram para distinguir bem aqueles que podem ser confiáveis dos demais. A mídia, principalmente a “grande”, ainda é um caminho nebuloso para o rap no Brasil, mas nem tudo está perdido, afinal: “Estamos plantando as sementes”- enfatiza KL Jay.


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Entrevista com Kl Jay Bocada Forte - Em 2004, você comentou em um evento que ficava muito ansioso para tocar. Você ainda sente toda essa expectativa, em relação a você e ao seu público? Você sente que está retribuindo? Como você se prepara pra isso? Kl Jay - Naquela época que eu falei aquilo eu tinha muito menos segurança do que hoje. Porque é complicado você ver mil, duas mil pessoas ali na sua frente. Elas tão esperando que você represente, né? Então às vezes você está com problemas, ou triste, sei lá...doente. Às vezes você não está na mesma sintonia. E aí você fica ansioso, pensa: “Puta! O que é que eu vou fazer?”. Tocar é uma coisa muito de improviso, né? Você às vezes planeja uma coisa e, quando chega na hora, não tem nada a ver. É outro público, outro clima, outra sintonia. Aí é uma coisa que você tem que improvisar também. E quando eu falei aquilo foi uma maneira de extravasar também, né?! Acabou dando certo. Hoje eu me sinto muito mais seguro. Porque eu cuidei mais dessa minha carreira de DJ, eu tenho cuidado muito mais. Eu cuidei muito mais da planta. Então é isso...é foda, improviso mesmo! O show dos Racionais, por exemplo. A gente monta todo o show, mas você está ali no camarim e consegue sentir o clima, você sabe como estão as coisas e aí às vezes você muda. O Brown muda toda hora, o Edy Rock também...a gente faz uma escalação de show, uma lista e ela é sempre mudada no decorrer das apresentações. Depende muito do nosso estado de espírito. É improviso, cada lugar é um lugar, cada lugar é um clima. Cada dia é um dia. Cada cidade, cada bairro é uma reação. É louco isso aí.


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BF - Durante um tempo você foi o apresentador do Yo!, na MTV, que era um ótimo canal pra divulgar talentos e fez um grande sucesso. Por que você acha que a emissora cortou o programa? Kl Jay- O Brasil é louco, né, a cultura é foda. É muito difícil lidar com essa classe média daqui, que só visa o interesse deles, interesse medíocre, interesse da cultura mediana. Tá ligado? A televisão não é nada. O programa estava fazendo barulho, influenciando os jovens, e eles sabem disso. Por isso que tiraram do ar. Eles sabiam que eu não ia aceitar a redução horária que eles propuseram. Tem gente que ia pra escola e ficava assistindo Yo! até as 3 da manhã. Chegava carta falando “Fico acordado até as 3, tenho que acordar no outro dia às 6, mas eu fico!”. Então tinha o público, tinha audiência no Brasil inteiro. Mas não adianta, é uma plantação. Você tem uma plantação e é pra aquela época de colheita. Depois tem que plantar de novo. Por isso que lá fora é foda. Os judeus sacaram o negócio e investiram no rap. Eles falaram “O bagulho é louco!” E investiram dinheiro no rap pra ganhar também, entendeu? É o dinheiro girando. Sem o dinheiro as coisas não acontecem. BF - Você acha que o dinheiro está girando dentro do rap? Kl Jay – A coisa ainda está devagar, mas estamos plantando as sementes. Você vê aí na cena alternativa, vários picos já estão prestando atenção no rap. Vários Dj’s tocando, MC’s sendo chamados pra cantar. Picos que estão fazendo sessões de rap. Pagando pra trazer os MC’s.


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O Sarajevo mesmo está fazendo isso. Na Hole a gente também sempre faz um show de rap aqui e ali. O Dj ganha, a menina que trabalha na portaria ganha, o MC ganha. O dinheiro é pra isso aí, pra girar. Quais são seus projetos pessoais, o que você ainda quer conquistar? KL Jay- Ah, eu me identifico com astrologia. Desde pequenininho eu queria ser astronauta! E é uma ciência complicada, tem que estudar muito. Talvez quando eu esteja com 50 anos eu comece a estudar. Eu já tenho algumas coisas, o pessoal me manda material e tal. Mas não é a hora agora. Eu sei muito pouquinho ainda, mas eu me identifico muito, eu leio meu horóscopo todos os dias em vários sites. Mas eu quero ter minha casa noturna também, com os meus Dj’s, os que eu escolher. Quero ter meu restaurante, vender suco, comidas naturais, essas coisas. Quero fazer astrologia. Eu quero viver...deixa eu ver, hoje eu tenho 40? Vou viver mais uns 50 anos, meu. Quero viver! Quero estar aqui pra ver o que vai acontecer daqui uns anos. Como você costuma buscar músicas novas? De que forma os sets que você toca nas festas de renova? Quais são suas fontes? KL Jay - A informação vem de vários lugares. Vem de filme, vem das lojas, vem da internet, vem dos sites. Você vê lá no site “música nova de não sei quem”, tem vários sites, vários blogs. Esses dias eu assisti o filme Slumdog Millionaire, e a trilha sonora é nervosa. Muito boa mesmo. Eu já fui procurar! Porque as músicas são muito boas. A informação está aí, é natural...você tá andando na rua, na 24 de maio, aí o camelô tá tocando uma música e você fala “Nossa, que louco! Vou tocar no baile! Vou tocar hoje!” E dá certo. Então você tem que ter um radar pra captar tudo. Não tem que ficar só em casa treinando. O mundo tá aí, tem que olhar o mundo.


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Você faz parte da seleta galeria de Dj’s que ainda comanda as festas usando discos de vinil. Como é a sua relação com a tecnologia? Você acompanha o que está sendo lançado, pretende aderir à ela um dia? KL Jay - Eu tenho Serato, eu toco Racionais com Serato! (Serato é um programa que permite que o Dj toque as músicas que estão em seu computador utilizando um disco de vinil especial). Eu acho assim: eu respeito todos os caras, todos os Djs, respeito a contemporaneidade, a modernidade e a evolução natural das coisas. Você nunca vai ouvir eu falando mal de um cara que toca com Serato. Eu toco com Serato. Pra um show de rap, por exemplo, é mais eficaz, porque a saída de inline não dá rummer e o som fica mais limpo. Então eu não vou pensar só em mim e prejudicar os demais. Os três MC’s que estão lá na frente, então eu tenho que pensar em soluções pra não prejudicar eles também, né? Mas eu continuo tocando com vinil, pra mim vinil é igual bola. Os estádios mudaram, mas o cara continua correndo atrás da bola. Ainda se fazem filhos com o homem dentro da mulher, com camisinha você não consegue fazer filho (risos), sabe assim? Então, por isso eu acredito no disco. Eu acredito no vinil e continuo comprando vinil. É outra coisa você pegar o disco, é a magia do negócio. No computador você tem 10 mil músicas disponíveis pra você, num malote você tem 100. Mas eu duvido que das 10 mil músicas, em uma hora você toque 100. Tá entendendo a relação?


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Fita mixada Rotação 33 Por: Daniel Cunha Utilizando um par de toca-discos e um mixer, Kl Jay realiza uma performance de cerca de 30 minutos, mixando apenas com discos de vinil de rap nacional. Traduzida ao pé da letra, mixtape significa fita mixada. Como o próprio Kl Jay explica em seu DVD, a idéia surgiu na época das fitas cassetes, quando os Djs gravavam suas performances, com viradas e scratches, nessas fitas e as comercializavam. “É uma seleção musical escolhida pelo Dj, temperada com scratches, colagens, viradas, batidas. Com o tempo, esse formato evoluiu e foram acrescentadas gravações de MCs cantando sobre instrumentais de outros instrumentais”, detalha o Dj dos Racionais. A fita mixada Rotação 33, apesar do nome, não foi disponibilizada em fita cassete, mas ganhou outros dois formatos: foi gravada em um CD que contém 18 faixas, todas elas mixadas entre si, além de mais sete faixas bônus gravadas por diferentes grupos de rap do país; e um DVD, onde pode ser acompanhada toda a performance de Kl Jay, que gravou suas mixagens ao vivo, em uma tacada só, em um estúdio de São Paulo. Utilizando um par de toca-discos e um mixer, Kl Jay realiza uma performance de cerca de 30 minutos, mixando apenas

com discos de vinil de rap nacional, e impressiona quem assiste o DVD com suas viradas criativas e com toda a energia que imprime em sua atuação. Entre as músicas utilizadas por ele, estão sons de Xis, SP Funk, MV Bill, GOG, 509-E, SNJ, Racionais, Rota de Colisão, De Leve e outros. No meio de algumas das mixagens, ainda surgem alguns instrumentais isolados em que outros MC’s mandam rimas inéditas, gravadas especialmente para a mixtape. É ai que entram em cena alguns dos melhores emcees do país, como Gaspar (Zafrica Brasil), Max B.O., Aori, Parteum (Mzuri Sana), Kamau, além de revelações como Lívia Cruz e o grupo Andrômeda. O grande mérito de Kl Jay com essa fita mixada foi realizar um trabalho extremamente coeso, ligando as músicas entre si e dando um real sentido ao produto final. Alguns momentos se destacam mais pelo nível de criatividade alcançado por ele, como na entrada do MC Gaspar durante a música “U Barato é Louco”, do 509-E. Nesse som, Dexter cita diversos nomes do rap nacional e, quando chega a parte de “Fernando Gaspar, Zafrica Brasil”, o MC zafricano entra com tudo. Outra parte muito legal de assistir é a transição entre as músicas “Se tu lutas, tu conquistas”, do SNJ, e “Vida Loka”, dos Racionais. Kl Jay espera o momento em que Cris, do SNJ, canta “fé em Deus” e intercala diversas vezes a mesma frase com a música dos Racionais, até finalmente deixar o disco rolar: “Fé em Deus, que ele é justo...” Das rimas feitas exclusivamente para a mix, destacam-se as de Parteum e Kamau, que cantam junto em “Tribal”. Vale a pena conferir esse som, que tem inclusive uma breve rima cantada pelo próprio Kl Jay, mostrando que também sabe fazer bonito com o microfone.




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