24ª Bienal de São Paulo (1998) - Roteiros / Routes

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Esta forma me pertence: trata-se de um curioso hábito europeu, de negare se apropriar, em diferentes épocas, por razões de conveniência ou de oportunidade. Você me ensinou a língua e o que lucrei com isso é que agora sei como amaldiçoar. ALONSO: Mas se a arte deve exercer algum efeito prático sobre como as pessoas conduzem suas vidas, ela deve ser capaz de funcionar de modo completamente diferente. A revolução na arte tem de ser alcançada por meio da destruição do conceito burguês e convencional da arte? CALI BAN : A denúncia abstrata de todo e qualquer aspecto da sociedade burguesa como algo terminalmente contaminado ... é, em si mesma, um sintoma do ódio burguês a si mesm0 8 • MIRANDA: A tentativa de revolução fracassou completamente: 'a partir do momento em que o mictório público ou de jardim, de Duchamp, assinado pelo fictício R. Mutt, passou a fazer parte da coleção permanente de u ma galeria de arte, acabou abri ncadei ra .. . [Ao] pôr abaixo as institu ições de arte, a vanguarda tornou-se sua própria instituição e, assim, nega seu próprio objetivo ... Isso não significou o fimda arte como uma atividade que se refere a si própria, mas quer dizer que a vanguarda, tal como foi compreendida na primeira metade do século XX, realmente te rminou . Em seu lugar sobrevive uma nova vanguarda, incorporada a uma versão oficial da produção cultural, que reserva um lugar especial para o novo e o experimental: o abrigo protegido, conhecido como museu de arte moderna 9 • CALlBAN : Isso para não falar das bienais. ADRIAN PI PER : É tão divertido observar como os argumentos de que já não existem mais margens sempre parecem virdaqueles que estão no centro. Assim como é divertido notarcomo os argumentos de que já não existe mais vanguarda sempre parecem virdaqueles que obtiveram a maiorquilometragem econômica devido ao fato de fazerem parte dela 10 . MIRANDA: Com o modernismo incorporado à cultura oficial do governo e das instituições, o pape l de oposição que a vanguarda poderia terdesempenhado outrora foi absorvido pela visão de mundo à qual essa mesma vanguarda se opunha 11 . CALlBAN: A era pós-colonial e pós-moderna é simplesmente uma era de "imperialismo sem colônias" 12. Não se abdicou da autoridade sobre um território; o que existe é simplesmente um controle remoto contínuo. MI RAN DA: É um si nal da confusão cu Itu ral do fi nal do sécu lo XX, o fato de não haver uma defi nição única do pós-moderno. O termo começou a ser usado na América na década de '960 ... 13 CALlBAN: Está se referindo aos Estados Unidos da América? MI RAN DA: . . . por um lado, o termo foi empregado positivamente, para descrever a ruptura com o alto modernismo elitista por parte dos artistas pop e da contracultura; e por outro lado, negativamente, para descrever a queda dos princípios do modernismo, que essas formas e atitudes representavam 14 . STEWART HOM E: OS "ismos" são categorizações emocionais e um exame mais detido reve la com freqüência que eles são intelectualmente incoerentes 15. MI RAN DA: De qualquer modo, isso foi encarado tanto pelos artistas quanto pelos críticos de arte como uma ruptura definitiva com o moderno. Na década de '970 ... a ruptura com o modernismo parecia oferecer novas possibilidades, na medida em que já não mais existiam quaisquer regras a ser aplicadas a um livre mercado de estilos. Mas onde o modernismo na arte e na arquitetura impl icou em renovação, o pós-modernismo significou unicamente a reciclagem de estilos ... 16 CALlBAN : Inclu indo os do próprio modernism0 1? MI RAN DA: Inevitavelmente, nu m período que percebe a si mesmo em termos de algo que chegou ao fim, o pós-modernismo é definido em termos daquilo que ele não é, a começar pela ausência de qualquer definição sobre si mesmo. Na condição pós-moderna, não mais existe a crença em qualquer CALlBAN:

Ahmed Makki Kante registro fotográfico da pun ição de um ladrão de te levisão [photographic record of a television robber] Mauritânia, 1988

209 África Lorna Ferguson e Awa Meite


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