16ª Bienal de São Paulo (1981) - Exposição Arte Incomum

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ARQUIVOS HISTORICOS ~~NOA ~"::\n f'UNDACAO UltNAL ~AO PAULO

Volume rn CATÁLOGO DE ARTE INCOMUM



XVI BIENAL DE Sテグ PAULO 16 de outubro a 20 de dezembro de 1981

Pavilhテ」o Armando Arruda Pereira Parque Ibirapuera Sテ」o Paulo - Brasil


PATROCÍNIO

Governo Federal Ministério de Educação e Cultura - Funarte Ministério das Relações Exteriores Secretaria de Planejamento da Presidência da República

Governo do Estado de São Paulo Secretaria de Estado da Cultura

Prefeitura Municipal de São Paulo Secretaria Municipal de Cultura


XVI BIENAL DE SÃO PAULO

Diretoria Executiva

Luiz Diederichsen Villares Giannandrea Ma tarazzo Antonio Sylvio da Cunha Bueno Robert HeHey Blocker Roberto Duailibi Paulo Nathanael Pereira de Sousa Pedro Paulo Poppovic David Zeiger t

Presidente 1.o Vice-Presidente 2.° Vice-Presidente

Conselho de Arte e Cultura

W aI ter Zanini Ulpiano Bezerra de Menezes Paulo Sérgio Duarte Esther Emílio Carlos Donato Ferrari Luiz Diederichsen Villares Casemiro Xavier de Mendonça

Presidente

Exposição de Arte Incomum

Curador Geral da XVI Bienal de São Paulo Curador da Exposição Internacional de Arte Incomum Curador da Exposição Nacional de Arte Incomum Relações Internacionais

W aI ter Zanini Victor Musgrave Annateresa Fabris Josette Balsa



A BIENAL E OS ARTISTAS INCOMUNS

Oxalá a exposição Arte Incomum, uma das manifestações da XVI Bienal, possa atingir os objetivos para os quais foi proposta: despertar de forma ampla a atenção do público para uma produção altamente criativa, à margem do sistema da arte cultural, assim como trazer incentivo à sua pesquisa e preservação no meio brasileiro. Muito embora a exigüidade do tempo disponível para a sua organização impedisse maior número de contatos no exterior e no próprio país e, do mesmo modo, a solução de algumas diligências complexas, conseguiu-se reunir exemplos preciosos de expressões reveladoras de cosmogonias absolutamente pessoais para esta mostra. Não houve da curadoria da Bienal qualquer intenção de provocar confronentre duas realidades antagônicas: as tendências contemporâneas da arte, participantes dos Núcleos da Bienal, e as obras e a documentação da Arte Incomum, embora se possa saber de antemão que as ilações serão inevitáveis por parte dos visitantes das exposições. Por Arte Incomum, entendem-se aqui múltiplas manifestações individuais da espontaneidade de invenção não-redutíveis a princípios culturais estabelecidos. Por outras palavras, ainda, a produção de seus autores é independente dos padrões habitualmente reconhecidos na síndrome da artisticidade, opondo-se a espécie marginal de sua mensagem às características reguladoras da atividade profissional. to

Deveu-se a Jean Dubuffet, em meados da década 40, a tomada de consciência e o interesse pelas obras realizadas por "obscuros iluminados, primitivos ou iletrados mais ou menos delirantes" - para retomar as palavras de um catálogo dos anos 60 - às quais ele deu o nome art bruto Todo um domínio da instauração humana, diversificada no uso de materiais e técnicas absolutamente distintas da arte apoiada nas normas consagradas pela história da arte e monopolizadora das atenções dos museus de arte, tomava aos poucos lugar ao sol, mas não raro acoimada de "arte patológica". Sua presença peculiar afirmou-se não apenas em relação às categorias da arte de erudição, mas também no contraste com as valoradas visões da arte ingênua ou semiculta, com sua narrativa plácida e anedótica, assimiladora de repertórios populares, freqüentemente de fácil agrado do público, dos colecionadores e muito úteis aos marchands, diferenciando-se ainda l' art brut de outras classes de arte, como as originárias das conservadoras e hieráticas culturas africanas e oceânicas. As obras de art brut, coletadas ao longo do tempo pelo autor de Asphyxíante Culture, acham-se hoje no importante Museu de Lausanne e os conceitos que as qualificam, Dubuffet os reserva ciosamente para objetos e representação de uma escolha determinada. Para a exposição Arte Incomum, a Bienal conectou uma produção de ordem diversificada, cujos autores, sejam eles doentes mentais ou indivíduos desatados dos contextos normais da visualidade, sabem fazer fluir da lógica de seus mundos inconscientes uma grande força libertária. Sem dúvida esse poder espiritual não poderia materializar-se se lhes faltasse o apoio de um "reservatório de saúde moral" (para lembrar uma frase de André Breton aludindo à arte dos pacientes). Aproxima-os a predisposição para atingir harmonias transcendentes, emanadas das forças vitais de uma qualidade misteriosa de percepção agonística.

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As dimensões atingidas pela exposição podem ser aferidas por presenças célebres como as de Adolf Wülfli, Aloi'se, Müller, Scottie Wilson, Le Facteur Cheval e outros artistas, e pela inclusão de alguns poucos mas significativos outsiders brasileiros, como Eli Heil, G.T.O. e Antônio Poteiro, além dos grupos de internados do Engenho de Dentro e do Juqueri. Para que a exposição alcançasse suas finalidades contou a Bienal com a clarividente curadoria de Victor Musgrave, no plano internacional. O estudo de artistas incomuns brasileiros foi entregue à competente orientação da Professora Annateresa Fabris. Mas deveu-se muito ao interesse incansável de Josette Balsa - desde que esta curadoria propôs a realização da exposição, com apoio do presidente da Fundação, Luiz Diederichsen Villares, e do Conselho de Arte e Cultura da entidade - o mérito de levar adiante as articulações indispensáveis. Agradecimentos por diversas naturezas de colaboração e por atenções prestadas endereçam-se a pessoas e entidades, aqui se tornando necessário enunciar especialmente os nomes de Jean Dubuffet, Michel Thévoz, Clovis Prévost, Leo Navratil, Nise da Silveira, Paulo R. Rossi, Esther Emílio Carlos, Mafalda Caminada, Maria Prado e Paulo Fraletti, assim como o Museu de Imagens do Inconsciente (Rio de Janeiro), a Fundação Catarinense de Cultura, a Funarte e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Walter Zanini Curador Geral da XVI Bienal Agosto de 1981

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THE BIENNALE AND OUTSIDER ART

One sincerely hopes the Outsider Art exhibition, one of the manifestatíons of the XVI Biennale, achieves the objectíves for which it was proposed: to awaken extensively the attentíon of the public to a highly creative productíon, on the fringe of the cultural art system, as well as incentiva te its experimentation and presentation in the Brazilian panorama. Although the limitation of time available to the organization impeded a greater number of contacts abroad and in the country itseH, as well as the settling of some complex assignments, one was able to gather precious examples of deeply revealíng expressions of absolutely personal cosmogonies for thís display. There was no intention on the part of the curatorship to provoke a confrontation between two antagonistic realities: the contemporary trends of art, participating in the nuelei of the Biennale, and the works and documentation of Outsider Art, although it is possible to know beforehand that the conelusions on the part of the visitors to the exhibition will be inevitable. As Outsider Art, is understood here to be various individual manifestation of the spontaneity of invention not reducible to established cultural principIes. In other words, the works produced by its authors are independent from the standards habitually recognized in artistic cireles, opposing the marginal features in its message to the realístíc characteristícs of the professional activity. Jean Dubuffet, in the mid-forties, awakened the conscience and interest for the wo:rks of artists he called "enlightened obscure, primitive or illiterate more or less delirious - accordingly to the words of a catalogue issued in the sixties - whích he named Art Brut. A whole doma in of human establishment, diversified in the use of materiaIs and techniques absolutely distinct from the art based on the principIes consecrated by the history of art and monopolizing the attentions of the museums of art, distinguishing itseH, but not seldomly charged as "pathologícal art". I ts singular presence established itseH not only in relation to the categories of peculiar erudite art, but also in contrast with the valued visions of naive or semi-cultured art, with its placid and anecdotic narrative, the absorber of popular repertoires, frequently pleasurable to the public, to collectors and very useful to marchands, I' Art Brut still differentiated itseH from other types of art as the ones that originated from the conservative hieratic African and Oceaníc cultures. The works of Art Brut, collected over a long spell of time by the author of Asphyxiante Culture, are in the famed Lausanne Museum, and the concepts that qualify them, Dubuffet jealously reserves for a special purpose with a determined end. For the exhibition of Outsider Art, the Biennale thought out a production of a diversified order, whose authors, be they either mentally síck or individuaIs apart from the normal contexts of visuality, know how to make flow from the logíc of their unconscious minds a great libertarian force. No doubt this spiritual power would not be able to materialize if they lacked the support of a "reservoir of moral health" (to recall André Breton's phrase alluding to the art of patients). What brings them elose together is the predisposition to reach transcendental 9


harmonies, stemming from vital forces of a mysterious quality of agonistic perception. The dimensions reached by the exhibition can be determined by the presence of such distinguished personages as Adolf Wolfli, Alolse, Müller, Scottie Wilson, Le Facteur Cheval and other artists, and by inclusion of a few but significant Brazilian Outsiders, such as Eli Heil, G.T.O. and Antônio Poteiro, besides groups of patients from the Engenho de Dentro and Juqueri mental hospitaIs. To meet the exhibition's objectives the Biennale relied on the lucid curatorship of Victor Musgrave, in the international sphere. The study of Brazilian Outsider artists was assigned to the competent orientation of Professoress Annateresa Fabris. We are indebted to the untiring interest of Josette Balsa - from the time of the proposing of the exhibition by this curatorship, supported by the Foundation's president, Luiz Diederichsen Villares, and by its Art and Culture Council - the merit of carrying out the indispensable articulations. We are grateful to persons and entities for the various kinds of collaborations and attentions given, being necessary to stress, especially, the names of Jean Dubuffet, Michel Thévoz, Clovis Prévost, Leo Navratil, Nise da Silveira, Paulo R. Rossi, Esther Emílio Carlos, Mafalda Caminada, Maria Prado and Paulo Fraletti, as well as the Museu de Imagens do Inconsciente (Rio de Janeiro), the Fundação Catarinense de Cultura, the Funarte and the Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.

Walter Zanini General Curato r of the XVI Biennale August/1981

(Versão de Laurence P. Hughes e Mário José de Araújo)

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APRESENTAÇÃO

Eis uma arte sem precedentes. É uma viagem órfica às profundezas da mente, plena de surpreendentes incidentes, transbordante de emoções e sentimentos, e no entanto disciplinada pelos mais altos recursos técnicos. É como se de súbito deparássemos com uma raça secreta de gigantes cria-

tivos, habitantes de uma terra que sempre soubemos existir, mas da qual só havíamos recebido pequenos sinais ou vislumbres. Talvez sejamos levados a pesquisar sua obra com humildade, pois eles parecem ter penetrado nos mais profundos e misteriosos recessos da imaginação, e de uma forma que os surrealistas teriam invejado. Despojado das informações históricas e das normas culturais, o espectador precisa confiar em sua própria percepção e sensibilidade. Para alguns, isso talvez seja uma experiência desconcertante; para outros, o princípio de uma exultante peregrinação ao inesperado. No momento em que grande parte da arte contemporânea repousa letárgica na bela armadilha de suas próprias obras, os Outsiders bradam com júbilo e vigor: "Somos exploradores - vamos aonde o homem jamais pôs os pés. Sigam-nos, os que tiverem coragem!" Mas quem são os Outsiders? O que realizam eles? O termo é impreciso, por não referir-se a nenhum movimento ou escola. Os Outsiders não podem ser rotulados, pois cada um deles é um. Na realidade, melhor seria chamá-los Insiders, se tivéssemos de dar-lhes um nome. Sente-se que não se situam à margem da arte, mas em seu centro, exatamente à beira das fontes de criatividade cujas forças enigmáticas cavalgam qual cavalheiros do Apocalipse, sem no entanto pretenderem dominar essas forças. É a viagem que lhes interessa. Acena-lhes um destino supremo e desconhecido, e em seu caminho expressam a magnitude de suas visões variadas e avassaladoras. Na exploração incessante dos colossais territórios que se estendem ao infinito diante de sua imaginação, muitas vezes trabalhando, como Wülfli, praticamente até a hora da morte, fazem com que muitos artistas oficialmente reconhecidos pareçam apenas artistas ocasionais. Sente-se que eles podem dispor à vontade daquilo que o poeta Robert Graves chamou de "transe poético" - um estado criativo de total absorção em si mesmos, de total obscurecimento do mundo exterior. Os homens de Porlock teriam tido dificuldades com eles. Não teriam van Gogh, Bosch e todos os grandes Outsiders (em termos culturais) admirado e respeitado como irmãos os que hoje chamamos Outsiders? A Outsider Art começou a ser identificada e individualizada por Jean DubuHet, há pouco mais de 30 anos. Ele começou a procurar e colecionar obras dessa arte, desenvolvendo um conjunto de critérios que a diferenciassem de outras formas de arte. Deulhe o nome de Art Brut. Entre outras coisas, DubuHet estabeleceu que a Art Brut era feita por indivíduos sem condicionamento cultural, sem assistência profissional e sem conhecimento algum das tradições e da história da arte. Dizia ele: "( ... ) trabalho executado por pessoas desprovidas de cultura artística, para quem a mimese, ao contrário do que ocorre com os intelectuais, desempenha função muito pequena ou nenhuma, de modo que seus criadores

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retiram tudo (temas, escolha de materiais, meios de transposição, ritmos, formas de escrever, etc.) de suas próprias profundezas e não dos estereótipos da arte clássica ou da arte do momento. Temos, pois, uma operação artística 'quimicamente pura' ( ... ) trata-se, portanto, de arte que nasce da invenção pura e que de modo algum baseia-se em processos mais próximos aos do camaleão e do papagaio, como costuma ocorrer com a arte cultural" . Aproximadamente na época em que Dubuffet começava a identificar o fenômeno da Art Brut} tomei conhecimento da obra de Scottie Wilson, que era sempre definido como "ingênuo" ou "primitivo moderno", o que me parecia um tanto incorreto. O artista ingênuo tende a ser tranqüilo e muitas vezes acomodado. Suas canhestras tentativas de reproduzir a vida e a natureza podem dar à obra um encanto razoável, mas seu desejo de agradar e de ser aceito por seus iguais e pelo mundo da arte oficial o exclui definitivamente do universo subversivo dos Outsiders. O ingênuo não muda: ele termina como começou. Já a visão de Scottie expressava-se em fase após fase, inteiramente diferentes umas das outras. As freqüentes referências e implicações de caráter social também estão ausentes da obra dos ingênuos. Quando Scottie dizia que o poeta William Blake amaria seus trabalhos, sabia o que estava falando. Construía um cosmo onde se travava uma batalha entre o mal e a inocência, entre o feio e o belo, e onde por fim sobrevive a bondade. Essas lutas épicas são típicas na obra de muitos Otttsiders. As idéias sobre Blake provavelmente tinham um caráter puramente intuitivo. Também é interessante e importante observar que dois dos artistas britânicos mais originais e cheios de imaginação, Scottie Wilson e Francis Bacon, não tiveram educação formal. Cada um desenvolveu suas próprias técnicas e idéias, mas Bacon possuía uma cultura à qual sempre se encontram referências em sua obra. Nesse sentido, os fundadores de Die Brucke} em 1905 - Kirchner, Schmidt-Rotluff e Heckel - , eram artistas autodidatas. Não é de estranhar que só agora comecem a ser mais aceitas suas fortes imagens emotivas. O que Dubuffet denomina "cultura asfixiante" parece ter gerado uma máquina enorme para perpetuar a esterilidade incestuosa. Deve-se também diferenciar a Arte Incomum da Arte Tribal, com a qual, em alguns casos, parece assemelhar~se, embora de formas diferentes. É possível que nesse caso a memória racial desempenhe alguma função. Mas é apenas uma possibilidade. A arte tribal, por mais que às vezes pareça bizarra aos olhos dos ocidentais, é na realidade uma arte conservadora, por seguir formas e técnicas tradicionais transmitidas de pai para filho. E não se diz isso para negar a sua força, naturalmente. A terceira importante categoria da qual urge diferenciar nitidamente a Outsider Art inclui os desenhos, as pinturas e outros trabalhos produzidos por pacientes de hospitais psiquiátricos, através de intermediação de um arte-terapeuta. Na coleção de Art Brut reunida por Dubuffet, hoje abrigada em museu próprio em Lausanne, pouco mais de 40% dos trabalhos são de pacientes desses hospitais. No começo do século, alguns pioneiros da psiquiatria, como o Dr. Hans Prinzborn, notaram que alguns dos pacientes produziam trabalhos que, considerados à luz de qualquer 12


padrão, eram obras de arte espantosamente originais e tecnicamente perfeitas. Esses trabalhos surgiam espontaneamente, fora do processo de terapia através da arte. A partir de então, essas pessoas passaram a ser descobertas por outros psiquiatras, como o austríaco Leo Navratil, de Klosterneuburg. Nota-se de imediato a diferença entre essa obra e a volumosa "arte" terapêutica, que, vista em quantidade, começa a tornar-se um tanto monótona em termos de tema e conteúdo. E também está presente o desejo de agradar e satisfazer às expectativas do terapeuta. Não se pode concluir de modo algum que, sendo doente mental, o indivíduo também pode ser artista (e muito menos um artista de talento), assim como não se conclui que, sendo saudável, uma pessoa pode ser artista. Numa exposição realizada .recentemente em Paris, no Musée d'Art Moderne, entre cerca de setenta Outsiders, não havia uma só pessoa que fosse ou já tivesse sido paciente do hospital psiquiátrico. Estavam presentes Madge Gill, Buighes, Chichorro, Lesage, Ratier, Verbena, Scottie Wilson e outros. E, da mesma maneira, em grandes mostras e coleções de "arte psiquiátrica" vistas nos últimos tempos, não encontrei um só Outsider. Dubuffet observou que, ou não existe o que se denomina arte patológica, ou então toda arte é patológica. Remmo MüIler-Suur, outro psiquiatra pioneiro, afirmou, por exemplo, que a arte de Wi::ilfli não é psicótica, mas "um desenvolvimento do material que compõe o tema de sua psicose". Dubuffet considera Wi::ilfli um dos maiores artistas de todos os tempos, com o que só se há de convir. Quando se crê que a Art Brut tem a ver com a arte dos loucos, não se compreendeu o conceito básico dessa arte. Trata-se de uma manifestação criativa espontânea de formidável intensidade, muitas vezes perturbadora por expressar as profundezas ocultas da psique, o Outsider que há dentro de todos nós, de uma forma que a arte profissional não faz. E é uma arte essencialmente destituída de estereótipos culturais. Entre os Outsiders, existem aqueles que apenas expressam uma visão original. Wi::ilfli, Scottie e outros grandes Outsiders não se incluem entre eles, pois criaram vastas cosmogonias próprias, universos totais com que o espectador, magnetizado pela força atordoante de seu instrumental técnico e assombrado por ecos atávicos, torna-se inevitável e emocionalmente envolvido. Falei no feio e no belo, mas na realidade as obras de Art Brut transcendem esses conceitos, ou até nem os levam em conta. Esses trabalhos funcionam como uma revelação de potencial oculto e um desafio à idéia de que só o nobre e o pitoresco são temas dignos do artista. No trabalho inédito de Jill Dow, "Dubuffet e a Art Brut)), afirma-se: "Criou-se o conceito de Art Brut em oposição à estrutura hierárquica do mundo artístico, que, para Dubuffet, é mantido por um sistema educacional abortivo, uma conspiração entre artistas, críticos, intermediários e compradores, e uma falsa santidade em museus e galerias. A Art Brut desafia a atual ausência de atividade de produção de imagens na vida da maioria das pessoas, que deixam essa tarefa a cargo de um punhado de especialistas, e 13


que são incentivadas a isso pelas exigências de uma sociedade de consulÍlO cuja arte, projetos e diversões se reduziriam a nada se cada indivíduo passasse a exercer seu próprio potencial criativo". Procuramos apresentar uma mostra que não seja um exercício acadêmico, não tentamos articular perspectivas históricas (por não existirem) e resistimos - embora, talvez, não totalmente - à tentação de fazer comparações culturais, o que trairia o espírito da invenção "quimicamente pura". Contudo, acaso os Outsiders não hlam em vozes que nos tocam o âmago? Poder-se-á olhar para Ramirez sem experimentar o inescrutável sentido de mistério próprio de todas as grandes obras de arte? As fáceis interpretações freudianas ou junguianas ocorrem à mente e logo desaparecem. As obras permanecem invioladas. A exultação rebelde de Schoder-Sonnenstern, o desespero cauterizante de Marshall, a delicadeza e a graça de Oswald Tschirtner provocam reação total, sem preconceitos. No trabalho desses grandes criadores, está nitidamente ausente o processo de desumanização que torna árida grande parte da arte contemporânea. Ausentes também estão as subvenções e o duvidoso apoio oficial. Estamos diante de uma redescoberta do poder e da extensão da imaginação, que permanece vitoriosamente viva.

Victor Musgrave Curador Internacional

(Tradução de Aldo Bochini Neto)

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PREFACE

Here ís an art without precedent. It offers an orphic journey to the depths of the human psyche, filled with amazing incident, overspilling with feeling and emotion yet always disciplined by superlative technical resources. It is as íf we have abruptly stumbled upon a secret race of creative giants inhabiting a land we always knew existed but of which we had received only glimmers and intimations. We may well feel impelled to survey their work with an appropriate humbleness for they seem to have penetrated the most profund and mysterious recesses of the imagination in a way that the Surrealists would have envied. Bereft of historícal guidelines and cultural norms the spectator must rely on his own perceptions and sensibilities. For some this may be a disconcerting experience, for others the beginning of an exultant pilgrimage into the unexpected. When so much contemporary art is bland and supine in the well-crafted chains of its own making, the Outsiders give a great and joyous shout: "We are artists, we are explorers, we go where no man has trod before. Follow us íf you dare!" Who, then, are the Outsiders, and what is it they have achieved? The generic name is imprecise. It describes no movement, no school. The Outsiders resist convenient labelling, for each is an individual. Indeed, Insiders might be a better name for them íf one has to be found. There is a feeling that they stand not on the margins of art, but at its centre, at the very verge of the sources of creativity whose enigmatic forces they ride like Apocalyptic horsemen without any desire to tame them. It is the journey that concern them; an unknow, ultima te destination beckons and on their way to it they express the magnitude of their varied and mortal visions. Ceaselessly quarrying the imperial terrítories that stretch for ever before their mind's eye, working often, like Wülfli virtualIy to their dying moment, they make many official artists look like part-timers. One feels that they can call forth at will what Robert Graves has called "the poetic trance", a creative state of utter self-absorption in which the exterior world 1S blanked out. Men from Porlock would have had a hard time with them. Would not van Gogh, Bosch and alI the other great cultural outsiders have admired them and respected them as brothers? Outsider Art first began to be recognised and isolated by Jean Dubuffet somewhat more than thirty years ago. He began to search for it and to collect it and evolved a set of cri teria to differentiate it from other forms of art. He called it Art Brut or U nadulterated Art. Dubuffet laid down, among other things, that Art Brut was made by individuaIs free from cultural conditioning, professional instruction and any knowledge of the traditions and history of art. To quote: " ... work executed by people free from artistic culture, for whom mimesis, as opposed to what happens to intellectuals, plays líttle or no part, so that their creators draw up everything (subjects, choice of

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materiaIs, means cf transposition, rhythms, way of writing, etc.) from their own depths and not from the stereotypes of classical art or of modish art. We have here a 'chemically pure' artistic operation ... this, therefore, is art springing fram pure invention and in no way based, as cultural art constantly is, on chameleon or parrot-like processes". At about the time that Dubuftet had begun to isolate the phenomenon of Art Brut I had become acquainted with the work of ScottieWilson, who was always described as a 'naive' or 'modern primitive'. This seemed to me quite wrong. The naive artist tends to be comforting and often cosy; his maIadroit attempts to copy fram life and nature can Iend his work considerabIe charm, but his desire to please and to be accepted by his peers and the ofticial art world excludes him for ever from the subversive universe of the Outsider. The naive artist does not change; he ends as he began, while Scottie's vision expressed itself in phase after phase which are completely diftereht. The frequent social comments and implications are also lacking from the work of naives, and when Scottie said that Blake would love his work he knew that he was about. He was constructing a cosmos in which a battle is fought between innocence and evil, beauty and ugliness, and in which goodness ultimately survives. These epic struggles are typically to be found in the work of many outsiders. His ideas of Blake were probably purely intuitive. It is also interesting and relevant that two of the most original and imaginative British artists, Scottie Wilson and Francis Bacon, were both untaught. Each evolved his own vision and techniques, but Bacon possessed a cultural background to which work continually alludes and refers. In this connection the founders of Die Brucke in 1905, Kirchner, Schmidt-Rotluft and Heckel, were self-taught artists. No wonder their powerful, emotive images are only now beginning to achieve growing acceptance. What Dubuftet calls "asphyxiating culture" seems to have engendered a huge machine to perpetuate incestuous sterility. The distinction must be made, too, between Outsider Art and tribal art which it, on occasion, seems to resemble, although in indirect ways. There is perhaps, a possibility that race memory could play a part here. But it is only a possibility. Tribal art, however bizarre it may sometimes appear to Western eyes, is actually a conserva tive art because it follows traditional forms and techniques handed down from father to sono To say this is not to deny its power. The third important category from which Outsider Art must be sharply separated includes the drawings, painting and other works produced by mental patients via the intermediaryship of an art therapist. In the Art Brut collection which Dubuftet built up and which is now housed in its own museum in Lausanne little more than forty per cent consists of the product of mental patients. Ear1y in this century psychiatric pioneers such as Dr Hans Prinzhorn realised that occasionally patients in their care were producing what by any standards were staggeringly original and technically consummate works of art. Their works were spontaneously generated and did not go thraugh the art therapy processo Such people have since been discovered by later psychiatrists such as

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Dr Leo Navratil of Klosterneuburg in Austria. Their work is immediately distinguishable from the vast amount of therapeutic 'art' which, seen in quantity, begins to become somewhat monotonous in theme and content. There is also present a desire to please and satisfy the expectations of the therapist. It does not in any way follow that because an individual is mentalIy disturbed he can also be an artist, let alone one of outstanding talent, just as it does not follow that because a person is sane he toa is an artist. In a recent exhibition at the Musée d' ArtModerne in Paris of some seventy Outsiders not a single one was or had been a mental patient. They included Madge Gill, Buighes, Chichorro, Lesage, Ratier, Verbena, Scottie Wilson and others. Likewise, at large exhibitions and colIections of 'psychiatric art' seen in the last twelve months I was unable to find a single outsider. Dubuffet has observed that there is no such thing as pathological art, or else alI art is pathological. Hemmo Müller-Suur, another pioneer psychiatrist, made the distinction that Wülfli's art is not psychotic but "rather a development of the material which forms the theme of his psychosis". Dubuffet regards Wülfli as one of the greatest artists of all times, and with this one can only concur.

If it is thought that Art Brut is consonant with the art of the insane then the basic concept of what is implied by it has not been grasped. It is a spontaneous creative eruption of remarkable intensity, often disturbing because it expresses the hidden depths of the psyche, the outsider that is buried within all of us, in a way that professional art does not, and it is essentially free from cultural stereotyping. Among the Outsiders there are those who cannot be said to do more than express an original vision. Wülfli, Scottie and all the realIy great practitioners surpassed this. They created vast cosmogonies of their own, total universes with which the spectador, mesmerised by the stunning power of their technical devices and haunted by atavistic echoes, becomes inevitably and movingly involved .

I have spoken earlier of beauty and ugliness but in point of fact the works of Art Brut transcend such concepts, or rather do not even consider them. Their effect is one of illumination, they come as a revelation of concealed potential and a challf>ngc to the idea that only the picturesque and the noble are suitable subjects for the artist. To quote from Jill Dow's unpublished manuscript "Dubuffet and Art Brut", "the concept of Art Brut was formed to oppose the hierarchical structure of the art world, which, according to Dubuffet is maintained by an abortive educational system, a conspiracy between artists, critics, dealer and buyers, and a false sanctity in museums and galIeries. Art Brut challenges the lack of image-making activity in the lives of the majority of people today, who leave it to a handful of experts, and are encouraged to do so by the demands of a producer-consumer society whose art, design and entertainment would grind to a halt if each individual were to exerci se his own creative potential." 17


We have tried to present an exhibition which is no academic exereise, we have attempted no historical perspectives because none exist and we have resisted, though not, perhaps, totally, the urge to make cultural comparisons, which would be a betrayal of the spirit of "chemically pure" invention. Yet do not Outsiders speak in voices which move us to the core? Can one gaze at a Ramirez without feeling the inscrutable sense of mystery that all great works of art possess? The easy Jungian and Freudian interpretations enter the mind and steal away. The works remain inviolate. The rebellious jubilation of a Schroder-Sonnenstern, the cauterising despair of Marshall, the delicacy and wit of Oswald Tschirtner invoke total response without preconceptions. In the work of these great originators the dehumanising process which invests so much contemporary art with its aridity is conspicuously lacking. Lacking, too, are the grants in aid and the doubtful backing of offieial attention. What we survey is a rediscovery of the power and extent of the imagination which remains triumphantly alive. Victor Musgrave International Curator

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COSMOGONIAS OUTRAS

Em 1933, São Paulo é chocada por uma exposição inusitada - desenhos de crianças e loucos - organizada por Flávio de Carvalho no quadro de manifestações polêmicas do Clube de Artistas Modernos. Ataque frontal aos métodos e à estética da Escola Nacional de Belas Artes, a mostra é também uma ocasião para criticar o medíocre gosto da classe média, que, centrado em cenas de amor/procriação, repele o "anormal" por colocar em crise seu sistema de valores, por revelar o que há de mais profundo no homem e na natureza: o "( ... ) demoníaco, mórbido e sublime", "o que há de raro, burlesco, chistoso e filosófico no pensamento, alguma coisa da essência da vida" 1.

o desafio de Flávio de Carvalho, que já tinha um precedente nos estudos sobre a expressão artística dos alienados, iniciados em 1925 por Osório César, interessa de perto às nossas considerações sobre arte incomum, pois, mesmo sem desenvolver a pesquisa sistemática encetada por Dubuffet a partir de 1945, o artista brasileiro lança uma série de idéias que reencontraremos nos escritos sobre a arte bruta. Sem querer chegar a afirmar que o Brasil é pioneiro nesse tipo de pesquisa, torna-se necessário lembrar, no entanto, a polêmica de Flávio de Carvalho, uma vez que, pelo menos em duas frentes, ela antecipa a posterior campanha de DubuHet em prol da arte não-cultural: quando afirma "a importância psicológica e filosófica da arte do louco e das crianças", quando se opõe às "paredes opressoras e asfixiantes da Escola de Belas Artes que, corrigindo e polindo, procuram sempre impor aos alunos a personalidade freqüentemente mofada e gasta dos professores" 2. É bem verdade que Dubuffet radicaliza a postura perante a chamada arte

"anormal", negando essa adjetivação, pejorativa a seu ver, e afirmando a absoluta igualdade do "são" e do "louco", pois o que lhe interessa é uma obra pessoal, criada fora de toda influência das artes tradicionais, que exprime um universo próprio, o qual seja uma "contestação de todas as imagens do mundo exterior apresentadas pela cultura" 3. Em outros termos, essa mesma preocupação está presente em Flávio de Carvalho, quer quando chama a atenção sobre as forças do inconsciente, reveladas pela arte "anormal", quer quando rechaça a correção "ritualística" que converte em rotina o que era espontâneo, primacial. Talvez o verdadeiro ponto de encontro entre o artista brasileiro e Dubuffet se dê no plano da contestação do ensino formal, que tolhe e asfixia toda expressão criadora para adaptá-la a regras preestabelecidas, para negar o papel da individualidade. O que Flávio de Carvalho havia dito a respeito da Escola de Belas Artes aparece também nos escritos a respeito de seu colega francês, que desenvolve uma verdadeira diatribe contra a figura do professor, "o qual é por definição uma pessoa que não se mostra animada de qualquer gosto criativo, e deve dar o seu louvor de forma indiferente a tudo o que nos prolongados desenvolvimentos do passado prevaleceu" 4. Se a verdadeira criação não é "o que prevaleceu", o que é a arte? É o que desconhece a cultura artística, o mimetismo, a mentira cultural; o que é 19


reinventado pelo criador a partir de seus próprios impulsos subconscientes; o que é espontâneo, imediato, íntimo, pessoal; o que faz vir à tona - nao - deve ser, entretanto, conf unos "1 va ores se1vagens ,,5.. Essa expressa0 dida com a chamada "arte ingênua" que, apesar de ser fruto de pessoas simples, mostra respeito pela "arte cultural", tenta imitá-la, deseja participar de seu mundo 6. A reflexão de Dubuffet tem um paralelismo com certas afirmações de Antônio Poteiro que, embora se declare primitivo, estabelece uma linha demarcatória entre suas obras e aquelas dos demais primitivos: o desejo de romper com os esquemas preestabelecidos, de negar a história, de opor-lhe um mundo que não foi aprendido nos livros, mas recriado, reelaborado a partir das próprias dúvidas, das próprias indagações, contrasta com a repetição temática, com o medo de desagradar que refreia a livre expressão de muitos artistas que poderiam ser altamente criadores em sua espontaneidade 7. Poteiro é, sem dúvida, um artista portador duma cosmogonia própria, revelada quer por seus temas transgressores da história (Adão e Eva no Brasil, São Francisco montado no porco, a Virgem e Madalena crucificadas, Madalena amante de Cristo, a santa ceia no inferno, Deus balança, Cristo maracujá, a arca de Noé povoada só de animais, como se o ser humano não merecesse a salvação), quer pelo tratamento a eles conferido, que desconhece hierarquias e faz conviver no mesmo espaço animais, santos, homens acumulados iterativa mente em verdadeiras montagens, quase a repetir o primeiro gesto da criação do mundo. Se o contato diuturno com o barro é talvez o elemento mais expressivo dessa metáfora da criação, o artista fornece-nos um outro índice de sua vontade de dar vida a U11!- novo mundo, a um mundo próprio, quando, referindo-se a Adão e Eva no Brasil, se coloca como o primeiro pintor da humanidade. Num tom quase bíblico, declara: "E o primeiro pintor foi o Poteiro, que era primitivo" 8.

o mundo singular de Poteiro, fruto de sonhos, mas mais freqüentemente daquelas camadas profundas da psique que Jung denomina de inconsciente coletivo, revela-nos uma riqueza imaginativa e criadora que o leva a buscar incessantemente formas através das quais possa extravasar a própria ânsia de moldar novas realidades, de contar a própria verdade, não raro crítica e caricatural, tingida dum salutar erotismo, abeberando-se nas forças na turais primárias, não-disfarçadas em prol do formalismo social. Se a presença do elemento circular é recorrente na obra de Poteiro, o mesmo pode ser dito do "trabalho feio" 9 de G.T.O., cujas estruturas evocam quase sempre a roda ou a mandala, independente do aspecto formal de suas toscas esculturas em madeira, que guardam as marcas do canivete, do formão, mesmo quando o artista as considera acabadas. Suas formas nascem diretamente da madeira, sobre a qual G.T.O. registra o desenho preliminar, respeitando a natureza peculiar da matéria-prima, procurando adaptar-se a seus pontos de resistência, de maleabilidade. Sem ter nunca tido nenhum tipo de formação ou de experiência artística, G.T.O. começa a esculpir suas intrincadas composições em 1965, sob o 20


impulso dum sonho obsessivo, no qual se via moldando a madeira. A partir desse momento, tomam corpo estranhos seres arquetípicos, acorrentados, entrelaçados, superpostos, que parecem nascer um do outro, encerrados em círculos, pirâmides, que os delimitam formal e existencialmente. Um profundo sentimento religioso perpassa a obra de G.T.O., cioso de sua originalidade criadora, de sua autodidaxia: "( ... ) eu invento tudo, eu sou criador. Nem no sonho eu não tive professor; quem me ensinou fazer estas coisas foi eu mesmo, mas eu desco];,ri que podia fazer isso foi no sonho" 10. Acreditando mais na criação do que na técnica, atualmente o artista dedica-se às "coisas da imaginação", pois o sonho recorrente terminou. Mas, de vez em quando, há uma volta ao estado onírico, a cujo chamado continua a obedecer para dar vida a mais uma figura arquetípica, a mais um inquietante ser primitivo, que nos faz esquecer o artista quase tragado pelo mercado. Se G.T.O. está preso na "gaiola do êxito", como nos diz Carlos Drummond de Andrade Jl, um caso diametralmente oposto é representado por Eli Heil, simbiose extrema de criador e criatura. Dona duma sensibilidade agudíssima, duma inventividade sem limites, a artista catarinense criou um verdadeiro universo indissolúvel, no qual a presença das obras de ontem é condição indispensável para a criação de hoje e de amanhã. Não quer isso dizer que Eli Heil busque na produção precedente estímulos, estilemas, fórmulas. Ao contrário, recusa-se a fazer o que já fez, uma vez que para ela o trabalho artístico é um contínuo "renascer", é um "abrigo das maravilhas" 12 que não se podem repetir, sob pena de perder seu encanto.

o apego de Eli Heil à própria obra como um cosmos tem outras explicações, que devem ser buscadas em sua intensa religiosidade, em sua psique voltada como uma antena a captar as vozes sofridas da humanidade, em sua concepção da criação artística como uma outra forma de dar à luz, como um verdadeiro parto. A existência da arte é uma prova irrefutável da existência de Deus, que escolhe determinadas pessoas para que se desvelem todas as belezas do mundo. Essa missão, no entanto, é difícil parque o artista se faz portador dos sofrimentos alheios, concentrados no ato da criação, doloroso como o nascimento duma criança. Por essa associação profunda com o parto, Eli Heil não pode separar-se de suas criaturas. Como ela mesma escreve no "Testamento Artístico": "( ... ) eu sou a varinha mágica que os criou, deu vida; perdê-los era a mesma coisa que perder a varinha e não criar mais (. . . )" 13 • Definindo-se "um carretel de linha se desfazendo sem parar" 14, a artista não se fixa em técnicas determinadas, é irredutível a qualquer classificação estilística, porque conhece e obedece a um único imperativo: o da criação constante, que jorra em continuidade de seu inconsciente, dando vida a um universo mágico e de densa expressividade, povoado de retalhos do cotidiano, de visões fantásticas, de múltiplas metamorfoses, que nos remetem a outras realidades, ora míticas, ora fantasmagóricas, em que o dado de fato é utilizado pàra logo em seguida ser negado em sua concreticidade.

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Cores, formas, faturas em perpétua mutação constituem o universo singular de Eli Heil que, desde que descobriu fortuitamente a arte (1962), não consegue refrear sua necessidade criadora, aquele "monstrinho doce" que "constrói e não destrói", aquelas mãos que "trabalham sem parar", aquela inspiração permanente: "( ... ) Sou como um olho de água nos morros, que as pessoas não conseguem contê-lo, tapa um lado, ele aparece noutro lugar; quer dizer, termina uma criação, vem outra, outra, outra sem parar ( ... ) " 15 . A construção constante dum mundo que, para artistas como Antônio Poteiro, Eli Heil, se manifesta sobretudo em estruturas bi e tridimensionais, pode adquirir caracteres arquitetônicos como na Casa da Flor, obra de Gabriel dos Santos, que a construiu entre 1912 e 1923, acrescentandolhe até hoje novos elementos, todos cuidadosamente datados. A partir dum sonho que tivera quando criança, Gabriel dos Santos molda seu universo fantasmático, servindo-se de materiais pobres - detritos culturais (cacos de louças, garrafas), elementos naturais trazidos pelo mar (búzios, conchas), amalgamados em formas plásticas de rara eficácia estética, que mais uma vez vêm confirmar a existência de forças criadoras em todo ser humano. Se não acreditarmos nesse lastro criativo, como poderemos explicar a obra desse humilde salineiro quase iletrado, que se revelou um arquiteto espontâneo de rica inventividade, fugindo do banal com suas combinações cromáticas, com aquela floração de louça que pontilha a casa e o quintal, com as várias soluções construtivas bizarras e ao mesmo tempo funcionais, que transformam um espaço convencional num mundo de faz-de-conta? Enquanto para Gabriel dos Santos a Casa da Flor é uma espécie de retiro, no qual o artista pode ficar só com Deus, para Jakim Volanhuk, o Simitério do Adão e Eva) ambiente dos mais inusitados e provavelmente sem precedentes, parece revestir-se dos caracteres dum ato de expiação em prol da humanidade. Concebido inicialmente como Museu de Jesus (1939), o Simitério do Adão e Eva começa a ser construído em 1952, após uma visão mística de seu autor, que acreditou ter encontrado o corpo de Abel ao deparar com a "terra perfumada" no quintal de sua casa. Guiado por uma leitura original do Gênese, Volanhuk coloca o Paraíso terrestre no Brasil, num território compreendido entre a Amazônia e a Praça da Sé (São Paulo), e dá início à construção de seus túmulos (Adão, Eva, Cristo, Abel - o deste último tem a configuração dum barco tal como o mundo), para os quais usa pedras ritualisticamente purificadas antes da entrada no chão sagrado do "simitério" 16. Ao elemento da criação, contrapõe-se o verdadeiro movente da construção de Volanhuk: a anunciação do Apocalipse, documentada através duma série de pinturas, fruto de visões (Deus e Diabo) e da leitura da Bíblia (a descrição acurada do dragão com sete cabeças e dez chifres; o arcanjo Miguel; Babilônia; a guerra até a destruição final da terra pelo fogo). O "simitério" é um ato de expiação, pois Volanhuk, em sua visão agônica, não chega a entrever a nova Jerusalém, esperando com sua ação deter o fim inevitável da humanidade. Nesta rápida resenha de alguns artistas incomuns brasileiros, resta ainda a referência a dois acervos fundamentais - o do Museu de Imagens do 22


Inconsciente e o da Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri, isolados do contexto anterior não para aplicar uma distinção entre sadio e doente, mas para poder analisá-los em sua especificidade de métodos de trabalho. Se a atomização do acervo da Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri dificulta um estudo mais aprofundado de suas realizações, é inegável que entre os freqüentadores do empreendimento de Osório César estão presentes verdadeiras personalidades criadoras, como Sebastião, com suas visões religiosas, enriquecidas por um colorido denso e dramático; Farid, com suas peculiares perspectivas em três planos sucessivos; Aurora, que funde desenho e escrita numa curiosa mistura de realidade, passado e fantasia; Albino, cuja obra se caracteriza por fecunda simbologia freudiana, composição harmoniosa, colorido sóbrio; António Sérgio, ora abstrato, ora figurativo, sempre em busca de intensas harmonias cromáticas, podendo-se afirmar que em sua produção plástica tudo tende à cor. Bem diferente é a fortuna crítica dos artistas do Museu de Imagens do Inconsciente, que mereceram estudos dum Sergio Milliet, dum Mário Pedrosa, o qual encontrou um termo específico para definir suas expressões plásticas - "pintores da arte virgem" 17, querendo com ele designar a ruptura com qualquer convenção representativa, com qualquer critério na turalista / fotográfico. E, de fato, o que caracteriza as obras de Adelina, Carlos, Emygdio, Fernando, Isaac, Octávio Ignácio e Raphael é a busca de expressões genuinamente próprias, a configuração de universos particulares, irredutíveis a qualquer denominador comum, apesar da presença constante do elemento mitológico, analisável em termos de inconsciente coletivo. Um dos exemplos mais significativos nesse sentido é constituído pelas metamorfoses (animal, vegetal, mineral) de Adelina, de formas quase toscas, dum cromatismo de acordes freqüentemente inusitados ou fortemente acentuados, mas de grande valor expressivo. Ao contrário de Adelina, a obra de Carlos caracteriza-se por uma sábia construção compositória, em que a simetria e o espacialismo são motivos dominantes. Cria um universo denso de símbolos e de significações arcanas - do mito dionisíaco às cidades fantásticas, usando cores chapadas, distribuindo as figuras na tela e/ou no papel de maneira a criar paralelismos, balizas espaciais quase rigorosas que, no entanto, não destroem a primeira impressão de absoluta liberdade da composição, fazendo avançar e recuar os planos de acordo com sua geometria secreta. Pintor por excelência, Emygdio constrói seus quadros com cores vibrantes, com contrastes cromáticos violentos, mas equilibrados por passagens harmoniosas. Sua pincelada é densa, a matéria é espessa. A composição desenrola-se quase toda no primeiro plano, sem grandes preocupações com a profundidade, com a perspectiva. O desenho é conciso, de traços incisivos, enquanto a forma é definida pelo cruzamento, pelo entrechoque das pinceladas, que criam uma impressão de dinamismo e vitalidade.

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A vasta produção de Fernando tem como denominador comum a busca do espaço cotidiano, conseguida através duma série de processos ordenadores: enquadramentos de números, letras e figuras; mandalas; estruturas celulares; naturezas mortas; interiores, etc. Às vezes, sua composição poderá parecer caótica, mas se trata de uma falsa impressão, pois Fernando estrutura suas obras com precisão, exatidão, embora não revele qualquer constrição. O colorido é vibrante, intenso, ou ritmado pelo jogo de claro-escuro, e se associa a uma pincelada densa, espessa, que faz da matéria um dos protagonistas principais de seus quadros. No caso de Isaac, é difícil, até mesmo impossível, determinar um estilo dominante: a expressão varia muito num mesmo período, indo dó figurativo ao abstrato. Elemento a ser destacado é seu sutil sentido colorístico, traduzido pelo equilíbrio entre massas cromáticas, cores contrastantes. Entre os artistas do Engenho de Dentro, Octávio Ignácio e Raphael representam a expressão eminentemente gráfica. Autor dum desenho preciosista, requintado, muito atento aos detalhes, o primeiro. Lúdico, luxuoso, o desenho do segundo é dominado por uma linha sóbria, concisa, que freqüentemente reduz as formas a seus índices mais significativos para desestruturar a figura e recriá-la em planos superpostos, delicadamente ritmados, negadores do mundo das aparências. Raphael trabalha quase exclusivamente com o nanquim, mas quando utiliza a cor, apesar de jogá-la violentamente no papel, obtém resultados harmoniosos. A análise deste último conjunto de autores demonstra de maneira cabal que Dubuffet tem razão quando nega qualquer validade às distinções baseadas em categorias psicológicas radicais. As noções de normal e anormal desaparecem diante desses universos criativos variados, sem nenhum parentesco com estilos e categorias preconcebidas, pois cada artista soube construir um mundo próprio, uma linguagem própria, buscada nas forças mais secretas do ser. Para explicar essas visões particulares, essas formas que parecem desafiar a história por representarem imagens desde sempre presentes no homem, seria mais fácil recorrer à terminologia estilística corrente. Mas que sentido teria falar em gótico, barroco, expressionismo, fauvismo, primitivismo, art nouveau, e assim por diante, se o que devemos buscar nessas expressões é o gesto primeiro, é a gênese da criação, que não hesita em sujar suas mãos de barro e tinta, em trabalhar com os instrumentos mais rudimentares, em inventar novas técnicas, porque o que importa é transmitir ao mundo a própria mensagem, de qualquer maneira, em: qualquer suporte? Embora os artistas apresentados nesta seleção sejam quase todos conhecidos e tenham uma participação no mercado que parece desmentir a idéia duma visão espontânea, pessoal, não se pode desconhecer uma das grandes peculiaridades da cultura brasileira: seu constante contato com aquelas manifestações consideradas "primitivas", "ingênuas", "populares", que dificilmente conseguem subtrair-se à imissão no circuito artístico urbano. Esse elemento, no fundo, é circunstancial, porque não se pode 24


pretender, nos dias de hoje, uma pureza edênica, uma total imunidade à CULTURA. O que importa ressaltar nesses artistas é como, apesar do mercado, tenham conseguido manter uma visão própria, um frescor e uma ânsia de criação que fazem passar para um segundo plano os holofotes da publicidade. Se não aceitarmos essas circunstâncias, se quisermos a todo custo encontrar o artista íntegro e integral, deveremos, então, recorrer àquela divisão entre normal e anormal, que acabará por negar a força da criatividade latente em todo indivíduo e da qual os artistas incomuns se fazem portavozes pelos caminhos da recusa e do sofrimento. Annateresa Fabris Curadora da Exposição Nacional de Arte Incomum j

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Flávio de Carvalho, "A única arte que presta é a arte anormal", Diário de São Paulo, 24 set. 1936. Flávio de Carvalho, "Recordações do Clube dos Artistas Modernos", RASM, São Paulo, (1), 1939, SP. Jean Dubuffet, Cultura asfixiante (Lisboa, 1971), p. 105. Id.) 16. Dubuffet, Prospectus et tous écrits suivants (Paris, 1967), I, p. 201, 202, 212, 210.

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Id., 217

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Entrevista à A. Goiânia, 29 jul. 1981.

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Id.

Depoimento à A. Divinópolis, 1.0 ago. 1981. 10 Apud: Marcio Sampaio, "GTO Primeiras estórias", Minas Gerais (Suplemento Literário), VII (293),8 abro 1972, p. 3. 11 G.T.O. e a crítica, Centro de Artesanato Mineiro, Belo Horizonte, 1979. 12 Depoimento à A. Florianópolis, 20 jul. 1981. n Eli Heil, "Meu Testamento Artístico". Florianópolis, 19 jul. 1980. 14 "Eli Heil, A obsessão de criar", Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 ago. 1971.

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Apud: Adalice M. de Araújo, Mito e magia na arte catarinense (Curitiba, 1977), p. 151. Depoimento de Maria Prado à A. São Paulo, 13 jun. 1981. Mário Pedrosa, Dimensões da arte (Rio de Janeiro, 1964), p. 105-15.

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OUTSIDER COSMOGONIES

In 1933, São Paulo is shocked by an unusual exhibition - drawings executed by children and mentalIy-handicapped individuaIs organized by Flávio de Carvalho within the series of polemical manifestations set forth by the Clube de Artistas Modernos. A fierce attack to the methods and aesthetics of the Escola Nacional de Belas Artes, the display also represents an opportunity to criticize the mediocre predilection of the middle-class, which, centered on love/procreation scenes, rejects the "abnormal" for bringing its system of values to a crisis, and for revealing the deepest insights of man and nature: "( ... ) demoniac, morbid, and sublime", "that which is rare, burlesque, humorous and philosophical in thinking, something out of the essence of life" 1. Flávio de Carvalho's chalIenge, which already had been preceded by a study on the artistic expression of alien people, initiated in 1925 by Osório César, is particularly interesting to our considerations on Outsider Art, since the Brazilian artist, even not developing the systematic research carried out by Dubuffet from 1945 onwards, launches a series of ideas we will reencounter in the essays on Art Brut. Without affirming to be Brazil pioneer in this kind of investigation, it is necessary to recalI, however, Flávio de Carvalho's polemics, since, in at least two fronts, it anticipates Dubuffet's folIowing campaign in support of non-cultural art: when stating "the philosophical and psychological importance of the art of the insane and children", when opposing "the oppressing and asphyxiating walIs of the Escola de Belas Artes, which, by correcting and polishing up, always aim at imposing on the students the professor's frequently musty personality" 2. It is very true that Dubuffet radicalizes his attitude in the face of the so-calIed "abnormal" art, denying such naming, depreciative in his point of view, and affirming the absolute equality of the "sane" and the "insane", since what interests him is a personal achievement, conceived apart from any influence of traditional art, expressing a universe of its own, presenting an opposition to alI images of the outside world set forth by culture" 3. In other aspects, this same concern is present in Flávio de Carvalho, either when he attracts attention towards the powers of the unconcious, revealed by "abnormal" art, or when he rejects the "ritualistic" correction which turns into routine what was spontaneous, primaI. Perhaps the real intersection between the Brazilian artist's and Dubuffet's ideas is in the opposition to formal education, which restrains and asphyxiates every creative expression to adapt it to pre-established rules, to deny the role of individuality. What Flávio de Carvalho had said concerning the Escola de Belas Artes, also appears in the writings of his French colIeague, who casts a sound diatribe against the teacher-stereotype, "who is, by definition, one who doesn't show keeness towards any creative effort, and must indifferently express his praise to all that prevailed within the prolonged developments of the past" 4.

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If the true creadon Ísn't "that which prevailed", what is art? It is that which is not acquainted with the artistic culture, the mimesis, the culturallie; that which is re-invented by its creator out of his own subconscious impulses; that which is spontaneous, immediate, intimate, personal; that which makes surface the "untamed values"s. This expression mustn't, however, be mistaken for the so-called "naive art" which, in spite of originating from simple people, shows respect towards "cultural art", attempts at ímitating it, wishes to participate ín its world 6. Dubuffet's reflexÍon places itself parallel to some affirmations of Antonio Poteiro who, although claiming to be prímitive, traces a demarcation line between his works and the works of other primitive artists: the will to sever the links with pre-established schemes, to . deny history, to oppose to it a world that was not apprehended ín the books, but re-created, reelaborated from actual doubts, from actual questioning, contrasts with thematic repetition, with the fear of displeasing that curbs the free expression of many artists who could be highly creative in their spontaneity 7. Poteiro is, no doubt, an artist who bears a cosmogony of himself, set forth either by his history-transgressing themes (Adam and Eve in Brazil; Saint Francis rides a píg; The Virgin and Madelein crucified; Madelein, Christ's lover,' The Holy Supper in Hell,' Godswings; Passion-fruit Chríst; Noah's ark peopled only by animals, as if mankind didn't deserve salvation), or by the treatment conferred to them, which is not familiar with hierarchies, and whích places sharing the same space animaIs, saints, men accumulated interactively in actual mountings, nearly repeating the first gesture of creation of the world. Being the continuous handling of clay, perhaps, the most expressive element of this metaphor of creation, the ar1Íst provides us with another indication of his will to give life to a new world, to a world of his own, when, referring to Adam and Eve in Brazil, he presents himself as mankind's first painter. In an almost bíblical tone, he declares: "And the first painter was Poteiro, who was primitive" 8. Poteiro's singular world, stemmed from his dreams, but more frequently from the deep layers of psyche which Jung calls collective unconcious, discloses an imaginative and creative abundance that leads him to íncessantly search ways through which to express his own eagerness to shape new realities, to tell his own truth, not seldomly criticaI and caricatural, tinted by a healthy erotism, soaking himself in the prime natural powers, not disguised so as to shore up social formalismo

If the presence of the circular element is recurrent in Poteiro's works the same can be said concerning G.T.O.'s "ugly work"g, the structures of which almost always remind the wheel or the mandala, independently from the formal aspects of his rough wood-carvings, which keep the scars left by the artist's pocket knife or chisel, even when he declares them finished. G.T.O.'s mouldings are born straightly from wood, where 27


he sketches the preliminary outline, respecting the peculiar nature of the raw material, trying to adapt himself to its resistance and malleability points. Having never had any kind of artistic formation or experience, G.T.O. starts to carve his intricate compositions in 1965, under the impulse of an obsessive dream, in whieh he saw himself shaping wood. From this moment on, strange archetypal beings take shape; chained, entangled, overlaid, seeming to be born one from the other, locked in circles, pyramids, whieh delimit them formally and existentially. A deep religious feeling is registered throughout the works of G.T.O., who is aware of this creative originality, of his selftaughtness: "( ... ) I invent everything, I am creator. Not even in my dream I had a teacher; I taught myself to make these things, but it was in my dream I found out I could to it" 10. The artist, believing more in creation than in technique, presently dedicates himself to the "things from imagination", for the recurrent dream is over. There is however, on occasion, a return to the oneirie state, whose call he continues to observe to give lHe to one more archetypal figure, to one more disturbing primitive being, that make us forget the artist almost swallowed up by the market.

If G.T.O. "is jailed in the cage of success", recalling Carlos Drummond de Andrade's words 11, a diametrically opposite case is represented by Eli Heil, extreme simbiosis of creator and creature. Showing an extremely sharp sensibility, an unlimited inventiveness, the artĂ­st from Santa Catarina created quite an indissoluble universe, where the presence of yesterday's works is an indispensable condition for today's and tomorrow's creation. This doesn't mean that Eli seeks in the previous production stĂ­muli, styles, formulae. On the contrary, she refuses to do what she has already done, since, to her, the artistic work is a continuous "rebirth", "a shelter of the wonders" that cannot repeat themselves, under the risk of losing their enchantment 12. Eli Heil's fondness towards her own work as a cosmos presents further explanations whieh must be sought in her intense relig-iosity, in her psyche, ready, as an antenna, to piek up the long-suffering voices of humanity, in her conception of the artistie creation as another form of giving birth, as an actual delivery. The existence of art is an undeniable proof of God's existence, who designates certain persons to disclose for themselves all the wonders of the world. This mission, though, is demanding, since the artist turns himself in to bearer of other people's sufferings, centered in the act of creation, painful as the birth of a child. Due to this profound association with birth, Eli Heil cannot set herself apart from her creatures. As she herself writes in the "artistie testament": " . . . I am the magie wand that created them, that gave them lHe; losing them would mean losing the wand and not being able to create anymore. . . " 13 .

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Defining herself "a lining spool undoing itself continually" 14, the artist doesn't stick to the use of standardized techniques, remaining irreducible to any stylistic classification, for she knows and follows one single rulíng: the one of constant creation, that continually flows from her unconcious, giving life to a magic and densely expressive universe, filled with images of everyday life, with fantastic visions, with multiple metamorphosis, which convey ourselves to other realities, now mythical, then phantasmagorial, in which the actual element is used to be, soon afterwards, denied as concrete. Colours, forms, doings in perpetuaI mutation make up the singular universe of Eli Heil's who, since fortuitously discovering art (1962), cannot restrain her creative necessity, that "sweet little monster that constructs and doesn't destroy", those hands that "work without stopping, that permanent inspiration: . .. I'm like a water spring on the . hills, that people cannot hinder; closing one side, ir comes out in another; that is, after creation, there is another, another, another, non-stop. .. "~ . The constant construction of a world that, for artists like Antonio Poteiro, Eli Heil, manifests itself principally in bi and tridimensional structures, may acquire architectural features as in Gabriel dos Santos' work Flower House (Casa da Flor), which the artist constructed between 1912 and 1923, and to which he has been adding new elements up to today, all of them carefully dated. Qut of a dream he had as a child, Gabriel dos Santos shapes his phantasmagorial universe, making use of valueless materiaIs _. cultural debris (fragments of broken crockery and bottles), natural elements brought by the sea (cowries, shells), amalgamated in plastic forms of rare aesthetic efficacy, which once again confirm the existence of creative powers in every human being. If we don't believe this creative ballast, how will we be able to explain the works of this humble, almost illiterate saltminer, who proved himself to be a richly inventive, spontaneous architect, stepping away from corny creativeness with his chromatic combinations, with that crockery flowering speckling the house and the yard, with the several bizarre constructive solutions and, in the meantime functional, which turn a conventional space into a make-believe world? Meanwhile the Flower House (Casa da Flor) is a kind of refuge to Gabriel dos Santos, where the artist can be alone with God, to Jakim Volanhuk, Adam and Eve)s Cemetery (O Simitério do Adão e Eva), most unusual environment which was probably never thought out before, seems to contain the features of an expiation act on humanity's behalf. Conceived initially as Jesus) Museum (1939), Adam and Eve)s Cemetery began to be set up in 1952 following a mystical vision of its author, who believed he had found Abel's body when coming across perfumed earth in the yard of his house. Guided by an original reading of Genesis) Volanhuk places the terrestrial Paradise in Brazil, on a territory between the Amazon and Praça da Sé (São Paulo) and initiates the construction of tombs (for Adam, Eve, Christ, and Abel, whose grave portrays the configuration of a boat such as the world) for which he uses 29


ritualistically purified stones before entering the cemetery's holy ground 16. To the creation element there opposes itself the real drive behind Volanhuk's construction: the announcement of the Apocalypse, registered through a series of paintings, inspired by visions (God and Devil) and by the reading of the Bible (the accurate description of the seven-headed ten-horned dragon; Archangel Michael; Babylon; the war till the final destruction of the Earth by fire). The cemetery is an expiation act, since Volanhuk, in his anguished vision, doesn't get to the point of foreseeing the new Jerusalem, hoping by his move, to avoid the inevitable collapsing of humanity. In this quick survey on some Brazilian outsider artists, we are still to refer to two significant lots - sheltered by the Museu de Imagens do Inconsciente and the Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri, kept apart from the previous context not to support a distinction between healthy and sick, but to analyse them according to the specificity of their working methods.

If the atomization of the production load of the Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri makes difficult a deeper insight into its achievements, it's undeniable that among the participants of the undertaking carried out by Osório César there are quite creative personalities, as Sebastião, with his religious visions, enriched by adense and dramatic colouring; Farid, with his peculiar perspectives in three successive planes; Aurora, who blends drawings and writings in a queer mergíng of reality, past and fantasy; Albíno, whose works are characterízed by a fertile Freudían symbology, harmoníous composition, austere colouring; António Sérgio, now abstract, then figurative, always searchíng intense chromatic harmonies, and in whose plastic production, one míght affirm, all tends to colouring. Quite different is the crítical fortune of the Museu de Imagens do Inconsciente artists, whose works werefocussed by Sérgio Milliet, and Mário Pedrosa, who found a specific term to define their plastic expressions - "vírgin art painters" 17, with whích he tried to designate the breaking away from any representative convention, from any na turalistic / photographic crí terion. And, what actually characterízes Adelina's, Carlos', Emygdio's, Fernando's, Isaac's, Octávio Ignácio's and Raphael's works is the search for genuinely personal expressions, the configuration of particular universes, irreducible to any common denominator, despite the constant presence of the mythological element, susceptible of being analysed in terms of the collective unconcious. One of its most outstanding examples is set forth by Adelina's metamorphoses (animal, vegetal, mineral), with almost rough forms of a chromatism containing frequent1y unusual or heavily stressed chords, but portraying great expressive vigour. Opposite to Adelina's, Carlos' works are characterized by a wise composition technique, where symmetry and spatialism are prevailing 30


motives. He creates adense universe of symbols and arcane signHicates from the dionysian myth to fantastic cities, using downright colours, distributing the figures on screen andj or on paper so as to create parallelism, nearly rigorous space boundaries which, however, don't destroy the first impression of absolute freedom of composition, making the planes advance and retreat according to their secret geometry. A talented painter, Emygdio constructs his pictures in vibrant colours, with violent chromatic contrasts, but balanced by harmonious passages. His brush stroke is dense, his matter is thick. His composition takes place almost completely in the foreground, without worrying much about profundity, about perspective. The drawing is concise, of incisive tracing, meanwhile form is defined by the crossing, by the coIlision of the brush strokes, which create an impression of dynamism and vitality. Fernando's vast production portrays as common denominator the search for the quotidian space, obtained through a series of ordering processes: framing of numbers, letters and figures; mandalas; cellular structures; stilI lHe scenes; interiors, etc .... At times his composition is likely to Iook chaotic, but that's a faIse impression, since Fernando structures his works with precision, exactness, although he doesn't reveal any constriction. The colouring is vibrating, intense, or cadenced by the light-dark game, and associates itseIf to adense, thick brush stroke, which turns matter jnto one of the main protagonists of his paintings. As to Isaac, it is difficult, even impossible, to determine a prevailing style: his expression varies considerably within one same period, spanning from figura tive to abstract. The outstanding eIement is his cunning colouristic sense, expressed by the balance between chromatic masses, contrasting colours. Among the Engenho de Dentro artists, Octรกvio Ignรกcio and Raphael represent the eminently graphical expression. The forme r is author of a polished, affectedly refined drawing, being very attentive to details. Ludicrous, Iuxurious, the latter's drawing is ruled by a concise, austere line, which frequently reduces the forms to their most significant eIements to disrupt the figure and re-create it in overlaid planes, delicateIy cadenced, denier of the world of appearances. Raphael works almost excIusiveIy with India ink, but when using colour, in spite of throwing it violently on paper, he achieves harmonious results. The analysis of this last group of authors demonstrates throughly that Dubuffet is right when denying any validity to the distinctions based on radical psychological categories. The notions of normal and abnormal disappear before these varied creative universes, without any relationship with styles and previously conceived categories, since every artist knew how to construct a world of his own, a language of his own, taken from the most secret powers of his seIf. To explain these particular visions} these forms which seem to defy history, for they represent images always present in man, it would be easier to resort to the actual stylistic terminology. But what sense 31


would it make to speak about gothic, baroque, expressionism, fauvism, primitivism, art nouveau and so forth, if what we should search for in these expressions is the primaI gesture, the genesis of creation, that doesn't hesitate in dirtying its hands with clay and ink, in utilizing the most rudimentary instruments, in inventing new techniques, for what matters is to transmit to the world the actual message, no malter how, through the use of any material? Although almost all artists introduced in this survey be known and share a participation in the market that seems to deny the ide a of a spontaneous, personal vision, one cannot ignore one of the chief peculiarities of Brazilian culture: its constant contact with those manifestations considered "primitive", "naive", "popular", which can hardly avoid the urban artistic circuito This element is, in reality, circumstantial, because one cannot, nowadays, aspire to an edenic purity, to a total immunity to CULTURE. What is important about these artists is that they have, despite the market, managed to sustain a vision of their own, an exuberance and eagerness towards creation without concerning themselves with the spotlights of publicity.

If we don't accept-these circumstances, if we wish, at any cost, to find the righteous, complete artist, we shall need to resort, then, to that division between normal and abnormal, which will end up denying the power of latent creativity in every individual and of which the outsider artists tutn themselves into spokesmen through the paths of refusal and suffering. Annateresa Fabris National Cura to r 1

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Flávio de Carvalho, "A única arte que presta é a arte anormal", Diário de São Paulo, set. 24, 1936. Flávio de Carvalho, "Recordações do Clube dos Artistas Modernos", RASM, São Paulo, (1), 1939, s.p. Jean Dubuffet, Cultura asfixiante (Lisboa, 1971), p. 105. Ditto, 16. Dubuffet, Prospectus et tous écrits suivants (Paris, 1967), I, p. 201, 202, 212, 210 Ditto, 217. Interview to A. Goiânia, jul. 29, 1981. Ditto. Statement to A. Divinópolis, aug. 1, 1981. Apud: Márcio Sampaio, "G.T.O. - Primeiras estórias", Minas Gerais (Suplemento Literário), VII (293), apr. 8, 1972, p. 3. G.T.O. ea crítica, Centro de Artesanato Mineiro, Belo Horizonte, 1979. Statement to A. Florianópolis, jul. 20, 1981. Eli Heil, "Meu Testamento Artístico", Florianópolis, jul. 19, 1980. "Eli Heil, A Obsessão de Criar", Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, aug. 6, 1971. Apud: Adalice M. de Araújo, Mito e Magia na arte catarinense (Curitiba, 1977), p. 15l. Maria Prado's Statement to A. São Paulo, jun. 13, 1981. Mário Pedrosa, Dimensões da arte (Rio de Janeiro, 1964), p. 105-15.

(Versão de Mário de Araújo)

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LUGAR AO INCIVISMO

Em nossa época, como em outras, determinadas vias de expressão, favorecidas pelas modas ou pelas circunstâncias, acabam por prevalecer; determinadas formas de arte acabam por receber, excluindo todas as outras, atenção e consideração; enfim, elas são erroneamente olhadas como as únicas fundamentadas, como as únicas possíveis. Abre-se um canal para o qual convergem logo todos os artistas, sem ter consciência de seu caráter específico e perdendo de vista o fato de que se oferecem inúmeras outras vias, todas igualmente admissíveis. É tão grande o poder de atração desse estreito sulco que constitui o lugar da arte cultural, que as produções que se servem de outros caminhos não são mais percebidas, parecem ultra-sons. Elas são relegadas a uma condescendente rubrica de arte das crianças) dos primitivos e dos loucos, que implica uma falsa idéia de um balbuciar desajeitado ou aberrante, no início do caminho que leva à arte cultural. O caráter comum que alguns acreditam perceber em todas as produções reunidas nessa rubrica é ilusório. Essas obras só têm . em comum o fato de ignorar o estreito e arbitrário sulco por onde passa a arte habitual e de traçar livremente seu percurso nos imensos territórios que o grande caminho da cultura deixou periclitar a ponto de esquecer que eles existem. A impressão de uma diversidade da arte cultural e de uma uniformidade de todas as formas de arte que lhe são estranhas tem por origem uma ilusão ótica, uma falta de distanciamento em relação aos hábitos adquiridos. Com o nariz demasiadamente metido nesses hábitos, a perspectiva é falseada e tudo o que se afasta deles parece nebuloso. Na realidade, é a arte cultural que é específica e uniforme; as outras formas de arte oferecidas apresentam uma diversidade infinita. Iniciadas em 1945, as coleções de Art Brut são constituídas por obras de pessoas estranhas ao ambiente cultural e resguardadas de sua influência. Os autores dessas obras têm, em sua maioria, uma instrução rudimentar. Em outros casos, conseguiram, ou por perda de memória ou por uma disposição de espírito fortemente contraditória, libertar-se do magnetismo da cultura e reencontrar uma fecunda ingenuidade. Acreditamos, contrariamente à idéia clássica, que os impulsos da criação artística, longe de serem privilégio de indivíduos excepcionais, abundam em qualquer um, mas são comumente refreados, alterados ou contrafeitos, pela preocupação de ajustamento social e de deferência aos mitos herdados. Acreditamos, diga-se de passagem, que a própria arte cultural se ressente dessa deferência; que ela também, na maioria das vezes, é condicionada e contrafeita. O objetivo de nosso empreendimento é a busca de obras que escapam, o mais possível, a esse condicionamento e que partem de posturas de espírito verdadeiramente inéditas, profundamente diferentes daquelas às quais estamos acostumados. Se os pressupostos "dons" atribuídos aos "artistas" estão, no nosso entender, profusamente espalhados, são raros, ao contrário, extremamente raros, aqueles que têm a ousadia de exercê-los em toda sua pureza e liberdade, e subtrair-se, dessa forma, ao condicionamento social - ter, ao menos, um bom distanciamento em relação a ele. É necessário observar que essa libertação implica um humor a-social, uma postura que os sociólogos chamarão de alienada. Entretanto, é esse humor que nos parece 33


ser a própria mola de toda criação e invenção - o inovador é, por essência, alguém que não se contenta com o que se contentam os outros, e assume, portanto, uma postura de contestador. Deixemos que os moralistas dêem sua opinião sobre o caráter meritório ou repreensível do não-conformismo, que se preocupem com o que possa servir ao bem público ou prejudicá-lo, pois isso, certamente, não é tarefa nossa. Estaríamos, entretanto, inclinados a pensar que a presença de opositores aos valores recebidos é, em toda coletividade, muito salutar; mas não é este o momento de desenvolver esse ponto de vista. Quanto a nós, desejosos de produções que escapam às normas e abrem novos caminhos para a arte, orientamos uma parte de nossas pesquisas para determinados setores onde existem as melhores possibilidades de se encontrarem indivíduos bastante recalcitrantes, em todos os campos, às convenções sociais e bastante animados do humor de alienação necessário. Isso nos levou a pesquisar as obras daqueles que, por muito tempo, foram designados pelo termo alienados e que, tomados de um forte individualismo e tendo levado mais longe que os outros suas conseqüências, foram declarados inaptos à vida social e internados em asilos. Encontramos alguns casos (raros, na verdade) de obras extraordinariamente inventivas e, a observação faz-se necessária, mais lucidamente acabadas, das mais metodicamente construídas e administradas que conhecemos. Seja porque as pesquisas foram feitas por nós nesses setores mais fáceis (os a-sociais aí se encontram em maior número do que em outros lugares menos disfarçados), seja porque os lazeres ociosos que aí reinam, assim como a solidão e a privação de qualquer tipo de festa, são fatores favoráveis à produção de arte, chegou-se, enfim, à conclusão de que uma boa parte das obras recolhidas - mais ou menos a metade - é a daqueles que a polícia e os psiquiatras denunciaram como anti-sociais e desprovidos de cidadania. Seria bem errôneo, entretanto, deduzir que as obras apresentadas - e, não menos que as outras, aquelas cujos infelizes autores estão internados em centros psiquiátricos - possam ser justificadas por um olhar que lhes confira um caráter patológico. É exatamente contra isso que protestamos, contra a deplorável idéia de não se levar em consideração nada daquilo que pensam, dizem ou produzem esses indivíduos, uma vez declarados pelos médicos diferentes do tipo tido como normal na cidade. É provável que a questão da loucura deva ser inteiramente reconsiderada e desde o início, e sem outro critério que não o social. Sem dúvida, a cidade, de seu próprio ponto de vista, está constituída de modo a eliminar os perturbadores, expulsar e desconsiderar todos os que pretendem questionar a convenção social e se recusam a ajustar-se aos imperativos que constituem a cultura da nação. Os funcionários do Estado estão encarregados de inculcar e impor essa cultura a todos os membros da coletividade e de declarar doentes e indignos os que se' opõem. Nosso ponto de vista, entretanto, não é da mesma natureza, a partir do momento em que estamos justamente em busca de produções de artes estranhas à arte cultural e fruto de modos de pensar livres dos mimetismos nos quais se fecha - e se cega - a cultura. Quanto ao resto, e de todo modo, a noção de uma arte patológica, que se opõe a uma arte sã e lícita, parece-nos de todo sem fundamento; não somente em virtude daquilo que uma definição de normalidade apresenta 34


de arbitrário e de ocioso, mas também porque as formas de afastar-se dela são bem diferentes e só por absurdo poderiam constituir um todo: seria como dividir a botânica em duas categorias, uma englobando a camélia, e a outra, todos os outros vegetais. Há vários motivos para ser preso e levado ao asilo, como, por exemplo, não pensar bastante ou pensar demais, não ter imaginação ou desenvolvê-la a tal ponto que seja considerada excessiva; e fazer de uma ou de outra categoria - do demasiado ou do muito pouco - uma única categoria, não tem sentido algum. O que se espera da arte não é, sem dúvida, que seja normal. Espera-se, ao contrário - e isso dificilmente será refutado - , que seja o mais possível inédita e imprevista. Espera-se, também, que seja extremamente imaginativa. Por isso, fazem rir as acusações feitas a algumas obras de serem demasiado imprevistas ou imaginativas e sua conseqüente relegação ao departamento de uma arte patológica. O melhor, o mais coerente, . seria dizer, para terminar, que a criação de arte, não importa onde surja, existe sempre em todos os casos patológicos. No final das contas, o homem normal, na acepção do funcionário do Estado, trabalha no escritório ou na fábrica e, aos domingos, vai ao estádio ou assiste à TV; não lhe passa pela cabeça fazer quadros. E muito menos, se ele se aventurar nesse campo,' fazê-los de forma diferente à recomendada. Nosso único desejo de encontrar obras representativas da ctlaçao cerebral, surgidas com toda espontaneidade e ingenuidade em sua pureza bruta (com isso queremos dizer: imune às polarizações da cultura, aos mimetismos da arte cultural), nos levou a conduzir nossas pesquisas ao menos uma parte delas - pelo lado daqueles que são, por excelência, os campeões do não-ajustamento, os porta-estandartes do pensamento pessoal e não-condicionado, os grandes adeptos do imaginário e os grandes refutadores de todo dado inculcado. Uma parte apenas, entretanto, pois logo veremos que as obras apresentadas são, como dissemos, em igual medida, também de autores cujo status social é irrepreensível e cujo bom equilíbrio mental não poderia ser incriminado. Veremos também que não h:=\ entre as produções destes e aquelas de supostos doentes nenhuma diferença de equilíbrio que possa motivar uma abordagem de uns e de outros com olhos diferentes. Expressemos, para terminar, todo o nosso pensamento, mesmo que ele possa parecer subversivo. Não somente nos recusamos a reverenciar apenas arte cultural e a considerar menos admissíveis que as suas as obras que aqui apresentamos, mas reputamos, ao contrário, que estas últimas, fruto da solidão e de um puro e autêntico impulso criativo (onde não interferem preocupações de competição, de aplauso e de promoção social), são, por esse motivo, mais preciosas que as produções dos profissionais. Após uma certa familiaridade com essas florações altamente febris, tão total e intensamente vividas por seus autores, não podemos subtrairnos à sensação de que a arte cultural, ao lado delas, parece, em seu conjunto, fútil jogo de sociedade, falaciosa ostentação. Jean Dubuffet (Texto introdutório à exposição das coleções de Ar! Emt realizada no Musée des Arts Décoratifs, em Paris, em 1967. Figura no Tomo I de Prospectus e! tous écrits suivants) Ed. Gallimard, 1967.) (Tradução de Mariarosaria Fabris)

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A EXPERIÊNCIA DO ENGENHO DE DENTRO

Quando se fala em ateliê de pintura instalado num hospital psiquiátrico, de ordinário supõem-se duas alternativas. Tratar-se-ia de um setor de terapêutica ocupacional onde os doentes fariam cópias de estampas vulgares, tentariam reproduzir objetos colocados diante de seus olhos, decorariam vasos, cinzeiros, etc., sempre sob a orientação de um técnico. A criação espontânea seria habitualmente cerceada. Ou tratar-se-ia de anexo a um serviço de psicoterapia analítica, no qual as pinturas seriam utilizadas como ponto de partida para associações vetbais, aceito o critério de que as imagens constituem, segundo Freud, meio muito imperfeito para as representações tornarem-se conscientes. Seriam apenas dados para a busca dos elos intermediários que são as recordações verbais. Só através dos elos verbais o material reprimido, simbolizado nas imagens, chegaria ao consciente. Esta posição de psicanálise ortodoxa permanece atual. Claude Wiart, da direção do Centre d'Étude de l'Expression (Paris), utiliza a pintura como medium. Ele escreve, em 1980: .. , "será necessário que a pessoa que pinta venha a falar. Se utilizamos a pintura é justamente porque o doente se encontra numa situação em que, devido a inibição neurótica ou a fechamento esquizofrênico, não pode falar" 1. Muitas vezes nos perguntam se seguimos essa diretriz no ateliê do Museu de Imagens do Inconsciente. No nosso ateliê a pintura não é um medium, tem valor próprio, não só para pesquisas referentes ao obscuro mundo interno do esquizofrênico, mas também no tratamento da esquizofrenia. Atribuímos grande importância à imagem em si mesma. Se o indivíduo que está mergulhado no caos de sua mente dissociada consegue dar forma às emoções, representar em imagens as experiências internas que o transtornam, se objetiva a perturbadora visão que tem agora do mundo, estará desde logo despontencializando essas vivências, pelo menos em parte, de suas fortes cargas energéticas. A experiência mostra que a pintura poderá mesmo ser utilizada pelo próprio doente em tentativas para reestruturar a ordem interna. Daí a freqüência do aparecimento, na pintura de esquizofrênicos, de agrupamentos simétricos mais ou menos rudimentares e de imagens do círculo, configurações das forças instintivas de defesa da psique, que se opõem à dissociação e ao caos. Ver-se-á também o doente recorrer à pintura como a um verdadeiro instrumento de trabalho que o ajuda a discriminar os objetos do mundo externo deslocados de suas posições utilitárias pelas explosões internas, a lutar pela reconquista do espaço cotidiano e reconstrução da realidade. A pintura dos esquizofrênicos é muito rica em símbolos e imagens que condensam profundas significações e constituem uma linguagem arcaica 36


de raízes universais. Linguagem arcaica, mas não morta. A linguagem simbólica desenvolve-se em várias claves e pautas, transforma-se e é transformadora. Um dos objetivos principais de nosso trabalho é o estudo dessa linguagem. Não nos preocupamos em fazer o debulhamento da imagem simbólica, ou dissecá-la intelectualmente. Nós nos esforçamos para entender a linguagem dos símbolos colocando-nos na posição de quem aprende (ou reaprende) um idioma. Procuramos ir até o doente. É essa a nossa intenção, quando estudamos os símbolos e seus paralelos históricos, seguindo rotas descobertas por C. G. Jung. A fim de dar uma idéia do que pode acontecer na condição denominada ordinariamente esquizofrenia, citaremos Fernando: " ... o mundo das imagens mudei para o mundo das imagens mudou a alma para outra coisa as imagens tomam a alma da pessoa". São raras as verbalizações explícitas. Aquele cujo campo do consciente foi invadido por conteúdos emergentes das camadas mais profundas da psique estará perplexo, aterrorizado ou fascinado por coisas diferentes de tudo quanto )pertencia a seu mundo cotidiano. A palavra fracassa. Mas a necessidade de expressão, necessidade imperiosa inerente à psique, leva o indivíduo a configurar suas visões, o drama de que se tornou personagem, seja em formas toscas ou belas, não importa. Se o ambiente do ateliê for livre de toda coação, se o doente encontra aí suporte afetivo e em outros o desejo de aproximação, inicia-se não raro um processo movido por forças intintivas de defesa em luta contra correntes poderosas que se movem na direção das funduras do inconsciente. Decerto essas forças autocurativas são derrotadas muitas vezes, entretanto não se apagam de todo, mesmo nos casos mais graves. Será preciso estar de antenas ligadas e conhecer algo da linguagem dos símbolos para acompanhar o processo que se desdobra em séries de imagens, tornando "visível o invisível". Os sonhos observados em séries, diz C. G. Jung, revelam surpreendente continuidade significativa na estrutura e tom emocional. Exatamente o mesmo acontece na expressão plástica dos psicótícos examinada em séries, tomando-se em conta que, na produção da psique dissociada, os conteúdos do inconsciente apresentam-se muito mais tumultuados e imbricados uns nos outros, as imagens são mais estranhas e arcaicas que nos sonhos. Entretanto, se dispusermos as pinturas em séries não será necessário possuir paciência extraordinária para apreender o fio que lhes dá sentido. Esta é a lição aprendida na escola viva que é para nós o ateliê de pintura. Octávio, depois de sair de surto psicótico, veio freqüentar o ateliê do museu, em regime de externato. Seus desenhos e pinturas mostram o desenvolvimento de um processo psíquico que tende a aproximar opostos em violento conflito, através de imagens de cavalos. Nesta exposição da Bienal podem ser vistos quatro cavalos pertencentes a uma série de mais de trezentos, desenhados por Octávio. 37


o

cavalo é conhecido em psicologia como representante de impetuosos impulsos animais existentes no homem. De fato, os impulsos instintivos eram fortes em Octávio, e também fortes eram suas aspirações espirituais.

Mas o importante é que ele sabe por intuição que "o cavalo pode achar o caminho quando o cavaleiro perde a cabeça" (comentário do autor). Há momentos em que pretende sacrificar o animal, entretanto logo descobre que será preferível alimentar e conversar com o cavalo. Numerosos desenhos revelam as relações ambivalentes entre o homem e o animal. Depois de avanços e recuos, Octávio põe asas no cavalo. O processo psíquico desenvolve seu dinamismo por intermédio da criação de imagens simbólicas. "O símbolo é o mecanismo psicológico que transforma energia".2 Assim, a objetivação de imagens simbólicas no desenho e na pintura poderá promover transposições de energia de um nível para outro nível psíquico. O cavalo de Octávio passa à condição de bípede. Adquire asas, simbolizando aspirações de superar forças da natureza. E empunha uma lâmpada, símbolo da consciência que busca lançar luz sobre os movimentos em curso na obscuridade do inconsciente. "Não é fácil colocar asas no bicho", diz Octávio. Numerosos desenhos seus dão testemunho desse labor. As irrupções do inconsciente às vezes são de tal maneira violentas que o ego fica estilhaçado e, nesses períodos, o trato com os conteúdos invasores é muito difícil. A pintura em tais ocasiões ajuda, pois será possível projetar as imagens internas, sempre intensamente vivas, pintando-as. Em decorrência do avassalamento do consciente pelo inconsciente o indivíduo perde o contato com a realidade e desadapta-se no meio onde vive. É internado nos tristes lugares que são as instituições psiquiátricas. O ateliê de pintura será um oásis, se aí o doente tiver a liberdade de exprimir-se livremente. Em meio à efervescência dos conteúdos do inconsciente, um motivo acaba ressaltando, um tema vem impor-se. Assim, na produção plástica de Adelina serão encontradas formas abstratas, círculos reunindo agrupamentos de elementos dispostos com menor ou maior regularidade, seres os mais bizarros. Entretanto, um tema deixa-se apreender: Adelina metamorfoseia-se em vegetal, fugindo ao encontro ao mesmo tempo desejado e temido com o homem, encontro proibido pela mãe. Nessa exposição da Bienal podem ser vistas três dentre suas numerosíssimas metamorfoses vegetais, evocadores do tema mítico de Dafne. Representando repetidamente, e sob vários aspectos, a vivência de sua metamorfose em flor, essa vivência foi perdendo a concreta realidade que impunha a Adelina um estado de ser extremamente perturbador. Foi um longo trabalho sua desvinculação do vegetal. Séries de pinturas permitem que se torne visível esse processo desdobrado em complicados movimentos de descida e subida. Os internados em hospitais psiquiátricos que têm o recurso de usar a linguagem plástica como meio de expressão, os artistas "brutos", os margi38


nais de vários gêneros e de várias artes, constituem uma enorme família. Há decerto grandes distâncias e diferenças entre eles, mas certo parentesco, algo muito afim os aproxima. Se procurarmos esse denominador comum, encontraremos que estão sempre presentes nesses indivíduos contatos peculiares, em graus mais ou menos intensos, com a psique, inconscientes, incomuns para as pessoas bem adaptadas às normas sociais. Os pintores ingênuos formam outra família. São movidos pela tendência a empatizar com os objetos do mundo externo, neles encontrando prazer e inspiração, enquanto os membros daquela outra família voltam-se para representações interiores, por mais inquietantes que sejam. Os esquizofrênicos acham-se sob o domínio de representações interiores tão intensas que "o sonho torna-se para eles mais real que a realidade externa" 3. Na experiência dos marginais, as visões e os sonhos desempenham papel muito importante, entretanto não se apoderam deles completamente, deixando sempre uma faixa para a realidade externa. Ferdinand Cheval, funcionário dos correios na França, em sonho, viu-se construindo um palácio ideal. Somente quinze anos mais tarde iniciou o trabalho de edificação de seu palácio de acordo com a imagem sonhada. A imagem havia permanecido presente como vívida realidade e serviu-lhe de modelo durante mais de trinta anos, o longo tempo que levou desenvolvendo a complexa arquitetura desse monumento erguido nas proximidades da aldeia francesa de Hauterives. No Brasíl, a meio caminho entre São Pedro d'Aldeia e Cabo Frio, Gabriel dos Santos, trabalhador braçal, construiu a Casa da Flor, a partir de um sonho que teve na infância. Lançou as bases concretas de sua casa onírica aos 20 anos de idade e através da vida inteira trabalhou para erguê-la e decorá-la fantasmagoricamente, usando para isso os objetos mais diversos. Agora, aos 86 anos, ele diz: "Eu faço isso por pensamentos e sonhos. Eu sonho pra fazer e faço" 4. Scottie Wilson, nascido em Glasgow, transpõe para seus desenhos visões do mundo fantástico de sua imaginação, visões reais para ele, como também o são as imagens de seus sonhos. O mundo externo não o atrai, nem para sugerir-lhe modelos inspiradores de seus desenhos, nem para seduzi-lo a mudar sua modesta maneira de viver em decorrência de lucros obtidos pela venda das obras de sua atividade criadora. Percorrendo o livro Outsider Art de R. CardinaIs, encontramos muitos outros homens e mulheres que se sentiram impelidos imperiosamente a dar forma às imagens de sonhos sonhados, quer no sono que na vigília. Geraldo Teles de Oliveira (GTO, como é conhecido) diz: "Eu fui peguei a sonhar ( ... ) e eu tava durmindo e fazendo essa arte em matéria no sonho com a maior facilidade". Seu primeiro trabalho "ninguém conheceu e foi só pelo sonho. É uma igreja que nem sei explicar que santo é, é tudo desconhecido". Seus trabalhos são esculpidos sobre madeiras muito resistentes. Os principais têm forma circular, são as "rodas vivas", onde se movem figuras de significações opostas: "Eu tenho que pôr de tudo aí dentro na minha arte, bom e mau, mau e bom, porque tem de tudo" 6. 39


o sonho leva esse caboclo mineiro, analfabeto, a espaços internos profundos, talvez até a divindades arcaicas ("santo desconhecido") e ao próprio centro ordenador da psique (seI!), o qual, sendo uma totalidade, inclui necessariamente aspectos luminosos e escuros 7. Uma maravilhosa marginal é Eli Heil, de Santa Catarina. Eli diz: "Vomito criações". Vivenda a imaginação efervescente como algo que pertence a outrem, a um "monstrinho doce" habitante de seu cérebro: "A imaginação dele é tão grande que faz sofrer, gritar, criar, tanto que cheguei à conclusão que vomito criações". Na sua tese, A.M. de Araújo 8 refere-se à intensa vibração das pinturas de Eli, a seres estranhos que povoam sua obra e passam por múltiplas metamorfoses, ao predomínio de rodopiantes configurações concêntricas, ao fascínio que emana de suas criações, reconhecendo em tais imagens as marcas de origem das produções surgidas dos estratos mais profundos do inconsciente. Mas o notável é que esses conteúdos, emergidos das profundezas da psique com ímpeto tão violento, não arrebentem Eli, ego consciente. Eli continua a cuidar da casa, dos filhos, a comunicar-se com o mundo externo. Não submerge no grande oceano da psique coletiva. Talvez isso aconteça porque pintando incessantemente ela consiga captar imagens possuidoras de fortes cargas energéticas, retirando-as do grande turbilhão. E porque repetidamente configura em imagens circulares as forças instintivas de defesa da psique que se opõem ao caos (mandalas). Aliás, Eli sabe que a atividade artística é para ela "o remédio essencial". Cada um desses indivíduos - esquizofrênicos e marginais de vários gêneros - possui suas peculiaridades, mas todos têm contato íntimo com as forças nativas, brutas, virgens, do inconsciente. Que hajam alcançado, fora dos cânones estabelecidos, dar forma artística a visões, sonhos, vivências nascidas dessas forças primígenas, eis um dos mistérios maiores da psique humana.

Nise da Silveira I

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Cl. Wiart - FoI art? Folle therapie? Psychologie Medicale 1980, 12, 1. C. G. Jung - C.W. 8, 45. C. G. Jung - C.W. 4, 120. A Casa da Flor, Secretaria de Educação e Cultura, Estado do Rio de Janeiro, 1978. R. Cardinal - Outsider Art. Praeger Publishers, New York, 1972. Lélia Coelho Frota - Mitopoética de 9 Artistas Brasileiros, FUNARTE, 1978. C. G. Jung - C.W. 9ii, 64. Adalice M. Araújo - Mito e Magia na Arte Catarinense Universidade Federal do Paraná, 1978.

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A ESCOLA LIVRE DE ARTES PLÁSTICAS DO ]UQUERI

Estudante interno do Hospital do Juqueri (Franco da Rocha), em 1923, dois anos depois, já formado, Osório César distingue-se pela publicação de A Arte Primitiva nos Alienados, lançando as bases de uma filosofia de trabalho com os doentes mentais, voltada simultaneamente para a cura, o conhecimento do mundo interior do paciente, a habilitação para uma profissão ligada à expressão artística. Dessa crença nas qualidades terapêuticas da manifestação criadora, nasce a Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri, cujo único critério norteador é a espontaneidade, quer sob forma de grafitos, quer quando adquire aspectos mais consoantes com a expressão artística tradicional: pintura, desenho, modelagem, artesanato. Terapia e estética imbricam-se de maneira complexa nos estudos de Osório César, que percorre o hospital em busca de pacientes "dotados" para submetê-los a um teste, por ele descrito em 1957: "Há um teste para verificar a vocação artística do doente. Às vezes, ela é inata, e não se desenvolveu na vida normal por falta de condições materiais. Por intermédio do teste vamos encontrar, em alguns doentes, grandes artistas" 1., Apesar de, na mesma entrevista, Osório César denotar uma franca preocupação com a preparação do paciente para a vida egressa, os últimos termos da descrição do teste de aptidão são bem claros - o pioneiro da pesquisa da expressão psicopatológica no Brasil acredita na existência de um manancial criador, freqüentemente castrado ou embotado pela sociedade, e que vem à tona no surto esquizofrênico, quando o artista está liberto das amarras com o mundo exterior, reduzido agora à realidade circunscrita do pavilhão. O surgimento de um universo autístico é o que interessa de perto aos estudos e à prática da Escola Livre de Artes Plásticas, pois, longe de relegar ao esquecimento a produção espontânea do paciente, Osório César fascina-se com seu mecanismo de destruição/recriação do mundo, percebendo nessas realizações valiosos contributos para penetrar em sua psique, para apreender visões originais da vida: "( ... ) Na realização de seus trabalhos, os doentes mentais decompõem a realidade em combinações arbitrárias, alterando, assim, as normas de nossas representações visuais. Constróem um mundo novo de representações e de imagens, adaptando-o a seu modo" 2. Por alterarem as normas das representações visuais corriqueiras, os trabalhos dos internos do Juqueri são freqüentemente comparados às realizações da arte contemporânea, em especial ao surrealismo, com o necessário distinguo: enquanto no alienado a simbologia brota espontaneamente, no artista de vanguarda ela é fruto de uma busca intencional rumo ao primitivo e ao infantil, no afã de negar a racionalidade ocidental, uma tradição técnica e figurativa secular que parece tolher qualquer tentativa de consti tuição de novas linguagens. Sem elos com a história, com o métier, sem nenhuma obrigação de respeito ou rebeldia ao patrimônio cultural existente, o doente mental passeia

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livremente ao longo da trajetória da arte, dando vida a quatro tipos básicos de expressão: 12 _.34-

desenhos rudimentares, de caráter simbólico e estereotipado; arte simbólica e decorativa; manifestações primitivistas, de rica simbologia freudiana; representações acadêmicas.

Os trabalhos do primeiro grupo apresentam pontos de contato com as expressões de certos povos primitivos, com a arte marajoara, com o desenho automático do indivíduo normal, com a garatuja infantil. Os desenhos do segundo grupo, de caráter geométrico, definido, evocam o primeiro gótico, a antiga pintura japonesa, a arte negra centro-africana, a cerâmica da Ilha de Marajó. No terceiro grupo, aparecem técnicas mais sofisticadas, tais como o desenho sombreado, a pintura a óleo, a aquarela, a escultura, expressivamente próximas do primitivismo africano e da arte popular. O quarto grupo, o menos interessante sob o ponto de vista clínico e estético, lembra a arte acadêmica por seu caráter predominantemente realista 3. São ns obras do primeiro grupo que se aproximam das expenencias de vanguarda por terem em comum a expressão do primitivo, do infantil. Esses dois caracteres levam Osório César a exaltar o novo na manifestação artística do alienado, seguindo os estudos de Porciúncula Morais, para quem a verdadeira arte atual é a das crianças e, por extensão, dos primitivos e dos doentes mentais, pois, por desprezar a terceira dimensão, é "francamente futurista" 4. Pautando-se pelas idéias de Freud, com quem chega a corresponder-se na década de 20, Osório César analisa a produção plástica dos internos do Juqueri nos termos de uma simbologia eminentemente sexual e, embora aponte em seus escritos a presença de imagens e configurações recorrentes nas mais variadas culturas, não se aproxima da formulação junguiana do inconsciente coletivo, acreditando que as semelhanças entre a cerâmica marajoara e determinadas expressões européias e asiáticas se deviam à emigração para a América de uma raça desconhecida, oriunda do continente euro-asiático, misteriosamente desaparecida. Quando, em 1950, participa do I Congresso Internacional de Psiquiatria, em Paris, levando obras para a Exposição de Arte Psicopatológica, Osório César destaca a presença de pelo menos dois verdadeiros artistas, isto é, de pacientes que haviam chegado à configuração de um estilo - Sebastião, cuja expressão lembra, às vezes, Rouault, e Albino, presente, no ano anterior, na exposição A Arte Bruta Preferida às Artes Culturais, sob pseudônimo de "o desconhecido de São Paulo" 5. Defensor incansável da artisticidade da produção plástica da Escola Livre do J uqueri, Osório César organiza inúmeras exposições (cerca de 5 O) , entre as quais podemos destacar o Salão de Arte dos Alienados (1942), paralelo à Segunda Semana de Arte Moderna, a I Exposição de Arte do Hospital do Juqueri, apresentada no Museu de Arte em 1948, várias mostras no Clube dos Artistas e Amigos da Arte, na Galeria Prestes Maia, 42


todas com o objetivo de levar ao público uma expressão considerada marginal, de desmentir idéias preconcebidas e de afirmar a dignidade humana do paciente. Apesar de todo o interesse em divulgar essa produção através de exposições, livros, artigos e conferências, Osório César não pôde mantê-la reunida, de modo a formar um corpus coeso (em 1942 vislumbra um Museu de Arte para São Paulo com uma seção de arte dos alienados), e hoje ela se encontra esparsa em várias coleções particulares, o que dificulta o estudo dos alcances da Escola Livre de Arte Plásticas do Juqueri, uma "escola" que jamais existiu como tal por não haver quem ensinasse e quem aprendesse. Caberia, mais tarde, a Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico D. Pedro rI, no Rio de Janeiro, empreender um longo e paciente trabalho de coleta e classificação do material produzido na seção de Terapêutica Ocupacional (a partir de 194,6), que resultou na fundação do Museu de Imagens do Inconsciente (1952), o único acervo orgânico existente no Brasil dessas manifestações tão peculiares em sua criatividade. Annateresa Fabris 1

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"A arteterapia transforma loucos em exímios artistas plásticos", Correio Paulistano, São Paulo, 11 set. 1957. Osório César, "A arte dos loucos", A Gazeta, São Paulo, 5 set. 1951. Osório César, "A expressão artística no alienado", Separata do Boletim de Psicologia, São Paulo (21/24), 125-37. Ibid., 13l. Robert Volmat, L'art Psycopathologique (Paris, 1956), p. 12-3.

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A INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA ENTRE OS NORMAIS E OS ALIENADOS

No homem normal, certas intoxicações exógenas, como por exemplo as que se originam das bebidas alcoólicas, produzem um estado particular de excitação mental, em virtude da ação estimulante sobre a circulação cerebral que elas ocasionam. E não são só as intoxicações exógenas que produzem esse estado fisiológico particular, mas também as endógenas, como por exemplo determinados processos febris que excitam os centros nervosos, acarretando, por vezes, o desencadeamento da atividade inconsciente. A inspiração artística provém das mais profundas camadas do inconsciente. Já antes de Cristo, os filósofos e os próprios poetas gregos diziam estar a inspiração poética sob a influência de um poder superior e divino. Platão considera a obra de arte como um acontecimento realizado num outro plano de realidade. É o que encontramos em certos trechos dos seus diálogos. Mas o melhor exemplo que podemos ter nesse sentido é o da descrição do poeta, que Sócrates dá em Íon: "Porque todos os bons poetas, tanto épicos como líricos, compõem os seus belos poemas não por arte, mas porque estão inspirados e possessos. E assim como os foliões coribantites, que quando dançam não estão em seu juízo, assim também os poetas líricos não estão em seu juízo quando compõem os seus belos versos, mas quando, caindo sob o poder da música e do metro, estão inspirados e possessos; tal como as Bacantes, que extraem leite e mel dos rios quando estão sob influência de Dionísius, mas não quando estão de juízo perfeito. E a alma do poeta lírico faz o mesmo, como eles próprios dizem: porque eles nos dizem que extraem canções de fontes melífluas, colhendo-as nos jardins e nos vales das Musas, como as abelhas, esvoaçando de flor para a flor. E é verdade. Porque o poeta é uma coisa leve e alada e sagrada, e não há nele invenção enquanto não estiver inspirado e fora dos seus sentidos, e enquanto o seu espírito esteja nele; enquanto não atingir este estado, é impotente e incapaz de pronunciar os seus oráculos". Consideravam a inspiração, pois, como uma atividade fora da personalidade consciente do poeta. Desse critério participaram também os artistas e os poetas depois de Cristo que nos deram as mais famosas obras de literatura mundia1. Shelley, por exemplo, dizia que a "poesia atuava de uma maneira divina e desconhecida, mais além e por cima da consciência". Assim, a inspiração poética, como aliás toda inspiração artística, tem sido até agora atribuída a uma espécie de visão interior. Essa visão é como se fosse um sonho acordado. Ela vem do recolhimento, da abstração do mundo exterior e se projeta no consciente como um mundo imaginário sem que seja solicitado pelo artista. Qualquer indivíduo pode passar, no seu recolhimento, por esse estado de rêverie sem que possa tirar proveito para a criação artística. Mas o poeta, o artista se prevalecem desse estado e dele arrancam a inspiração para produzir, às vezes, obras eternas de arte. O processo da criação artística pela inspiração tem pois analogia com os sonhos e com certos atos psicológicos do subconsciente ligados ao êxtase místico, às visões e às alucinações hipnagógicas.

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Também nas moléstias mentais, como na psicose maníaco-depressiva (fase de agitação maníaca), na paralisia geral (fase de excitação) e nas síndromes esquizofrênicas paranóides, encontramos por vezes uma forma particular e bastante curiosa de criação artística. Esse processo de criação artística vem quase todo ele do inconscien te. A expressão artística nesses doentes está cheia de símbolos que se espalham em suas produções numa disposição associativa paralógica. Para a análise dessas obras empregam-se os métodos psicanalíticos, os únicos capazes de explicar o conteúdo significativo da rica simbologia que eles encerram. Como nos sonhos, também nas obras de arte encontram-se os dois elementos primordiais que servem de base para a orientação psicanalítica do seu estudo: o conteúdo manifesto e o conteúdo latente.

o primeiro

é o que aparece imediatamente na produção do artista, é a paisagem, a descrição clara e compreensível da estrutura externa do seu pensamento, o segundo plano de sua obra. O segundo é o nódulo, o tema obscuro, subjetivo, camuflado, do enredo, que representa a significação real da personalidade do autor. Ele se exprime pela abstração, pela simbologia estilizada. É a parte da obra de arte que o público não compreende porque é hermética, fechada aos profanos. Vem do inconsciente, é infantil e por vezes traz toda a carga dos desejos não-realizados. É freqüente observar-se em certos doentes mentais hospitalizados um

grande impulso para o desenho, para a escultura e a poesia. A explicação desse fato é atribuída a dois fatores: um interno e outro externo. O interno corresponde à própria psicose. O doente se afasta do mundo exterior e cria um mundo seu, onde vive autisticamente. O externo está ligado ao ambiente circunscrito do pavilhão e à falta de atividade manual do doente. A exteriorização do conteúdo psíquico nas psicoses, principalmente nas psicoses esquizofrênicas, se expressa por sinais e símbolos particulares, incompreensíveis ao observador, sem uma análise profunda desses elementos. Na realização de seus trabalhos artísticos, os doentes decompõem a realidade em combinações arbitrárias, alterando assim as normas de nossas representações visuais. Constróem um mundo novo de representações e de imagens, adaptando-o a seu modo. O ritmo e a estilização são marcantes nessas obras. A estilização de seus desenhos assemelha-se à das crianças e à dos primitivos. O ritmo é estereotipado. Por vezes encontramos obras de grande valor e motivo, sobretudo em certos poemas de esquizofrênicos, como este que transcrevemos aqui: Aqui onde a Miséria os lares triunfais, Por sempre assentou e não sai nunca, nunca mais; Lar que já foi, também, do amor e da Ventura E agora o é da Dor, da Morte e da Loucura; 45


Tumba de vivos onde a vida ainda se encerra, Por só mostrar não ser o homem apenas terra; Catacumba inda aberta, ou cova ou mausoléu, Para aqueles que só esperam pelo céu; Aqui, alfim, onde a alma ouve do pobre louco A voz de Deus e a Deus se volta a pouco e pouco; Dia e noite se não distinguem para ninguém: E o reinado da treva, ante-sala do além: Pavoroso, dantesco albergue da ilusão, Lar dos Órfãos do Amor, da Vida e da Razão! Este poema foi escrito em 1932 num dos Pavilhões do Hospital do Juqueri por um doente esquizofrênico. E notável a emoção que ele apresen,ta. Percebemos logo o sentimento que lhe vai na alma, ao descrever o manicômio. O seu pessimismo, a sua desilusão é tão grande que ele vê o hospital como um "pavoroso, dantesco, albergue da Ilusão", ou então como "um mausoléu para aqueles que só esperam pelo céu".

Osório César

Folha da Noite) São Paulo, 25 de janeiro de 1948

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A ARTE DOS LOUCOS

As produções gráficas e plásticas nos alienados apresentam, ora concepções originais, harmoniosas de desenho, de cor e de composição, verdadeiras obras de arte, ora concepções grosseiras, falhas, incoerentes, estereotipadas, revelando feitio pueril. Contudo, na maioria das vezes elas estão cheias de representações extravagantes, simbólicas, criadas pela imaginação do doente, as quais constituem elementos preciosos para o estudo de seus delírios. Essas manifestações artísticas são ricas em símbolos que representam toda a vida interior do alienado, suas reminiscências infantis, projeções de suas alucinações e de seus desejos ocultos. Na análise dessas manifestações, dessas obras ricas em símbolo, empregam-se muitas vezes métodos psicanalíticos, que são aconselháveis para a decifração da simbologia que encerram. Na realização de seus trabalhos, os doentes mentais decompõem a realidade em combinações arbitrárias, alterando, assim, as normas de nossas representações visuais. Constróem um mundo novo de representações e de imagens, adaptando-o a seu modo.

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A arte entre esses doentes é profundamente mágica, da mesma maneira que a dos primitivos, em conseqüência de sucederem, na psicose, processos regressivos que reconduzem o alienado a períodos anteriores ao seu desenvolvimento. Sendo, pois, a arte dos alienados obra de pesquisa, deverá ser tratada e discutida por psiquiatras, a fim de não se incorrer em precipitados conceitos que têm levado os neófitos, aos trambolhões, às buraqueiras freqüentes da incompreensão e da intolerância. A obra de arte no alienado é sincera e perfeitamente equilibrada dentro de seu mundo artístico. A concepção primaríssima de que "os loucos não tem consciência" deriva de erro crasso, de atraso oriundo daquele falso conceito que identifica o alienado com um pobre ente humano que não faz outra coisa a não ser praticar atos desordenados, violentos, com indivíduos que passam a dizer somente coisas desconexas dentro do hospital em que vivem. Já dizia Esquirol que falar de um louco é, para o vulgo, falar de um homem que se entrega aos atos mais extragavantes, sem motivo, sem combinações prévias, sem premeditação ... Esse conceito, pois, felizmente não é verdadeiro. E quem já esteve em contato com esses doentes, quem com eles já lidou ou conversou atentamente, ouvindo as suas curiosas queixas, notou, certamente, que dentre eles há um grande número que possui raciocínio lógico, linguagem correta e imaginação muitas vezes exuberante. O insano também não é um ser desafeiçoado e sem iniciativa pelas coisas da arte. Da mesma maneira que no indivíduo normal, a imagem formada no cérebro do alienado cria, em determinados casos, uma atitude estética bem curiosa. O processo da criação artística pela inspiração tem analogia, freqüentemente, com os sonhos e com certos atos psicológicos do subconsciente, ligados ao êxtase místico, às visões e às alucinações hipnagógicas. De muita valia para o estudo e a comparação de obras de arte entre os alienados foram as exposições efetuadas em nossos Museus de Arte. Lá foram apresentados interessantíssimos trabalhos realizados pelos insanos. Exposições dessa ordem trazem uma grande contribuição para aqueles que estão de há muito afeitos a essas pesquisas e também para aqueles outros que desejam sincera e honestamente dedicar-se a tais estudos. Osório César A Gazeta} São Paulo, 5 de setembro de 1951 47


A ARTE É UM ANTIDESTIN0 1

"Estou inteiramente convencido de que qualquer pessoa, sem qualquer conhecimento ou habilidade especiais, e sobretudo sem não sei quantas pretensas aptidões inatas, pode dedicar-se à arte, com todas as chances de ser bem-sucedida". Jean Dubuffet

Ao incluir obras de Arte Incomum na XVI Bienal de São Paulo, os organizadores desta exposição enfrentam um desafio que o próprio Dubuffet definiu corno urna contradição 2. Corno colocar ao lado da arte cultural, resultante de um processo histórico de formação, urna "não-arte" 3, representada por obras afastadas da tradição, do ensino codificado, que não permitem o jogo crítico da comparação? Corre-se o risco então de desvirtuar a obra incomum, anexando-a ao museu - no sentido mais amplo da palavra - , sendo este corno "um império que vai submetendo províncias urna após outra" 4. O artista incomum constitui o último território ainda não colonizado, antes de tornar-se, talvez, apenas "um vestígio de urna faculdade de invenção desapareCl'd a ,,5 . Para evitar essa normalização do artista incomum, deve-se considerar cada obra corno um universo fechado, sem referências a aprendizagens, escolas ou modas. Na exploração abissal de seu "eu mais interior" 6, o artista incomum cria na solidão, num grau insuportável de solidão, quase no autismo. A coerência de seu universo estético é aquela do própno indivíduo, em sua irredutível e enigmática originalidade. Corno decifrar essas obras sem recorrer a classificações dentro das categorias institucionais? Corno evitar a identificação com algum dos" ismos" elaborados pela crítica de arte? A solução adotada na apresentação das obras foi urna tentativa de colocar cada artista em seu contexto peculiar, de reconstruir histórias únicas: fichas biográficas, citações de diários, cartas, entrevistas, anotações de devaneios, de delírios, são elementos que situam o impulso criador no quadro de vidas quase sempre rotineiras, medíocres, áridas. A "vontade de criar" 7 surge de repente, compulsiva, obsessiva, manifestando-se em obras cujo magnetismo ultrapassa as fronteiras de nossa sensibilidade, tolhida pelos condicionamentos culturais. Pressentimos seu poder subversivo ao perceber uma ruptura na corrente de filiações que constitui uma história da arte. Transcendendo culturas e contraculturas, o artista incomum expressa a vitória do indivíduo sobre as forças coletivas a que chamamos destino.

Josette 1

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Balsa

André MALRAUX, Les voix du silence, Ed. Gallímard, Paris, 1951, p. 637. Carta de Jean Dubuffet à Fundação Bienal de São Paulo, 06/07/1981. Michel RAGON, CNAC - Magazine, Paris, julho-agosto 1981, p. 14, Paris-Paris, 1937-1957, quando a pintura realista se volatiza. André MALRAUX, L'Intemporel, Ed. Gallímard, Paris, 1976, p. 338. Michel THÉVOZ, L'Art Brut, Ed. Skira, Geneve, 1975, p. 211. O nome MYRNINEREST, que aparece nos desenhos de Madge Gill, talvez signifique mine innerest self, segundo Roger Cardinal, Outsider Art, Londres, 1972. Expressão criada por André Malraux, lembrando a "vontade de poder" de Nietzche, L'Intemporel, p. 329.

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WOLFLI, ALOISE, MÜLLER

As convenções nos levam a crer, cada vez mais, que por definição, artista é aquele que recebeu educação artística acadêmica. Esse não é o caso de Wülfli (1864-1930), Alolse (1886-1964) e Müller (1865-1930), que foram diagnosticados como esquizofrênicos e passaram muitos anos internados em hospitais psiquiátricos suíços, onde começaram a desenhar. A complexidade, a força de imaginação e a intensidade de sua arte são extraordinárias. Wülfli, o de maior talento entre os três, é artista, escritor e compositor de uma tal perfeição que, a princípio, o observador não tem a menor consciência de que ele não teve instrução alguma e de que era bem simples o ambiente em que vivia. Nenhum dos três tinha conhecimentos de história da arte ou de padrões estéticos aceitáveis, além de desconhecerem a técnica artística. Embora Wülfli e Müller não tivessem praticamente nenhuma instrução, ambos conseguiram superar suas graves privações sociais e de alguma forma aprenderam a ler e escrever. Os desenhos dos três artistas são bastante organizados, e os de Wülfli denotam espantoso grau de informação. Não são artistas ingênuos, nem amadores, e seus métodos de trabalho revelam uma seriedade e uma dedicação geralmente atribuídas ao profissional. Atualmente, seus quadros são muito procurados, mas é quase impossível obtê-los. Aos poucos, arte-terapeutas, psiquiatras, médicos, artistas, especialistas em história da arte e outras pessoas começam a voltar sua atenção para o valor da arte dos que não tiveram instrução e se mantêm isolados da sociedade. Lamentavelmente, muitas de suas obras foram destruídas ao longo dos anos, mas felizmente algumas se salvaram. Grande parte dos melhores trabalhos pertence hoje a coleções, sendo as mais conhecidas (na Europa) a Guttman-Maclay (Londres), a Newham (Londres), a Morgenthaler (atualmente no Bem Kunstmuseum), a Prinzborn (Heidelberg) e a Collection de l'Art Brut (Lausanne). O Musée de l'Art Brut abriga uma coleção singular, formada de pinturas, desenhos, esculturas e objetos feitos por pessoas que vivem à margem da sociedade e, em alguns casos, fora dela: doentes mentais, prisioneiros e pessoas solitárias - os que rejeitaram os condicionamentos sociais e culturais ou não conseguiram adaptar-se a eles. A iniciativa da formação dessa coleção partiu do pintor Jean Dubuffet, que cunhou a expressão art bruto Sua própria arte é famosa pelo emprego de materiais e figurações rudimentares. Como fundador da coleção, ele tornou-se defensor dos que fogem às influências culturais e sociais e cuja alienação resultante acaba sendo fonte e não privação de inspiração criativa. Em 1945, Dubuffet começou a procurar sistematicamente por toda a Suíça obras de arte que se ajustassem à definição de art bruto Escolheu a Suíça por causa do apoio e do entusiasmo que lá encontrou, especialmente de Walter Morgenthaler, psiquiatra da Clínica de Waldau, onde Wülfli recebia tratamento. Morgenthaler dera muito incentivo à arte de Wülfli, e posteriormente contribuiu para evitar que seus quadros se perdessam ou danificassem. Escreveu também uma importante monografia sobre Wülfli, Ein Geisteskranker als Künstler (Um Doente Mental como Artista), publicada em 1921. O trabalho foi recebido com desaprovação por 49


seus colegas, por dar o nome e exibir fotografias do paciente. A primeira exposição de art brut - uma mostra coletiva - foi organizada em 1947, em Paris.

o interesse despertado pela exposição permitiu que Dubuffet lançasse a Compagnie de l'Art Brut, em 1948, com o auxílio de André Breton, Jean Paulhan, Michel Tapié e outros. Em Place à l'Incivisme (Lugar ao incivismo), introdução ao catálogo da exposição do Musée des Arts Decoratifs de Paris, em 1967, Dubuffet explica que "o objetivo do empreendimento é a busca de obras que escapam o mais possível aos condicionamentos culturais e que partam de posturas de espírito verdadeiramente inéditas". E, mais adiante: "( ... ) Não fomos buscá-los nas escolas, mas entre os homens comuns ( ... ) a criação em seu estado mais puro, liberta de todos os compromissos que alteram os mecanismos nas produções profissionais". , Muitas obras da Collection de l' Art Brut foram produzidas por doentes mentais, em muitos casos diagnosticados como esquizofrênicos. Wülfli, Alolse e Müller receberam tratamento para esquizofrenia, e sua arte revela algumas características encontradas na arte de outros artistas esquizofrênicos. O psiquiatra Leo Navratil, autor de Schizophrenie und Kunst (A Esquizofrenia e a Arte), relaciona quatro elementos comuns entre esquizofrênicos criativos: tendência a impor formas humanas sobre objetos inanimados; estilização; deformação, especialmente da figura humana; e o freqüente uso de símbolos. A estilização 1 é motivada pela necessidade de formular e consolidar uma taquigrafia visual, de condensar vários elementos em uma só imagem. Depois de estabelecido um estilo narrativo, ele raramente se altera. Em alguns casos, essa característica coexiste com numerosas formas ornamentais e decorativas que se repetem - uma compulsão de preencher os espaços com sombras feitas de linhas entrecruzadas, por exemplo. O uso da cor varia segundo os materiais disponíveis e o estado mental do indivíduo. O Dr. Alfred Badee afirma que o paciente está mais bem adaptado quanto mais violentas forem suas cores. Isso é confirmado pela comparação entre as primeiras e as últimas obras de Wülfli e Alolse e, em parte, pelo trabalho de Müller, cujo tom é mais suavizado. Mas a cor geralmente tem efeito decorativo, não objetivo formal. O método de trabalho do esquizofrênico é bem específico. Ele não realiza pesquisas e muitas vezes parece trabalhar contra a vontade. Em alguns casos, afirma que obedece a "vozes" que lhe dizem o que fazer. Conta-se, por exemplo, que Alolse conversava baixinho com suas "vozes" enquanto trabalhava. Mas isso pode ter sido apenas uma maneira que ela teria inventado para fugir ao ridículo. Ao artista esquizofrênico, não interessam a massa e o volume. Suas figuras não têm sombras - o que se poderia explicar como indício da ausência de contato do artista com o mundo exterior. Seu simbolismo é muitas vezes ininteligível, mas a familiaridade com sua obra permite a decifração dos temas e, em alguns casos, a observação de tendências comuns a vários artistas. Contudo, tais pormenores não devem ser interpretados como preocupações formais típicas de uma escola com objetivos e influências comuns, pois uma visão desse tipo seria inexata e enganosa. As tentativas de se definirem influências ou determinarem datas são frustradas pela natureza altamente individualista dos quadros.

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A exposição nos convence a encarar sem preconceitos o potencial artístico do outsidel e a questionar a natureza da criatividade, a educação artística convencional e os motivos das tendências profissionais e comerciais da moda nas artes visuais. Os artistas outsiders (termo usado por Roger Cardinal para os alienados), por exemplo, raramente buscam o reconhecimento público e sua obra quase nunca é realizada com o autor pensando em eventuais compradores. Não há motivos evidentes para que Wolfli, Alolse e Müller começassem a desenhar já quase na velhice, e continuassem a desenhar até a morte. Presume-se que não se teriam dedicado à arte se não tivessem sido internados em hospitais psiquiátricos; mas não se consegue explicar o despertar de sua criatividade. Não há dúvida de que o ato de desenhar desempenhava um papel terapêutico, podendo-se deduzir que para essas três pessoas a arte representou uma forma de autoterapia, exigida pela natureza de suas respectivas doenças mentais e possibilitada pelo desaparecimento das exigências e coerções impostas pela vida normal. O ambiente ge um hospital psiquiátrico pode ser triste e desagradável, mas permitiu que eles dedicassem todo o tempo que quisessem à sua arte. Wolfli, Alolse e Müller usaram de forma extraordinária seus recursos internos e as circunstâncias externas, criando um mundo alternativo ao que lhes impusera dor e sofrimento e ao qual não conseguiam adaptar-se. Com relação aos materiais, tinham de se arranjar com o que estivesse disponível, usando papel grosseiro, muitas vezes amassado ou rasgado, e os lápis ou crayons que pudessem ganhar de médicos, enfermeiros ou parentes. Dentro da limitação desses materiais, formaram uma cosmogonia complexa e convincente. O universo que descobriram para si mesmos estava longe do ideal (Wolfli vestido de Santo Adolfo Ir sofreu muitos contratempos), mas era um universo em que tinham uma identidade e era uma forma de pertencerem a algum lugar. Bridget Brown 1

2

3

O tratamento estilizado dos olhos é comum aos três artistas: Wülfli dá a suas figuras olhos que muitas vezes parecem máscaras; os personagens de Alolse têm olhos ovais de cor invariável, geralmente azul, sem pupilas ou íris. Os olhos dos personagens de Müller às vezes são desenhados a um só tempo de perfil e de frente. . Dr. Alfred Bader (psiquiatra), in Insania Pingens - Petits Maztres de la Folie, 1961. Roger Cardinal, Outsider Art, Londres, 1972.

(De Another W orld: W olfli, Alo'ise, Müller, Glasgow, 1978)

(Tradução de Aldo Bocchini Neto)

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Artistas Incomuns apresentados na Exposição de Arte Incomum da XVI BIENAL DE SAO PAULO

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Adelina Nasceu no Rio de Janeiro, em 1916. Vive no Rio de Janeiro. Obras apresentadas:

1. SEM TÍTULO, 1951 Lápis de cera sobre cartolina, 37,5 x 56 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 2. SEM TÍTULO, 1953 Óleo sobre tela, 46 x 38 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 3. SEM TÍTULO, 1953 Óleo sobre tela, 47 x 39 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

4. SEM TÍTULO, 1953 Óleo sobre tela, 46 x 38 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 5. SEM TÍTULO, 1960 Óleo sobre papel, 45,5 x 31,8 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 6. SEM TÍTULO, 1973 Óleo sobre papel, 35,5 x 24 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 7. SEM TÍTULO, 1973 Óleo sobre cartolina, 36,6 x 28 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

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Albino Nasceu na Itália, em 1896. Era camponês. Faleceu em 1950.

6. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 21,8 x 15,4 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

Obras apresentadas:

7. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 14,8 x 21,2 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

1. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 21,6 x 16 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo 2. SEM TÍTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 21,6 x 16 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo 3. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 20,5 x 16,1 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

8. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 14,8 x 20,1 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo 9. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 19 x 14,9 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo 10. SEM TíTULO, s.d. Lápis sobre papel, 18 x 14 em Coleção Mafalda Caminada, São Paulo

4. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 20,1 x 14,7 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

11. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 13,6 x 18,1 em Coleção Mafalda Caminada, São Paulo

5. SEM TíTULO, s.d. Lápis e lápis de cor sobre papel, 19 x 14,8 em Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

12. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 17,8 x 13,8 em Coleção Mafalda Caminada, São Paulo

1. SEM TíTULO, s.d. Foto: José Augusto Varella/José Roberto Ceeato

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Alo'ise Alolse nasceu em Lausanne, Suíça, em 1886. Era uma criança inteligente, apaixonadamente envolvida nos estudos secundários, em especial nas aulas de música. Não se casou, e trabalhou como professora primária em vários internatos, mudando-se para a Alemanha em 1911, onde trabalhou como governanta. Seu último emprego foi no Palácio de Potsdam, cuidando das filhas do capelão do Imperador Guilherme lI. Esse contato com o clero e a realeza fica evidente nos desenhos que realizou em seus últimos anos.

2. IFIGÊNIA EM ÁULIS (N.o 146)

O EFEITO DO QUADRO 46 x 23,5 cm Coleção Mme Spoerri 3. O PAPA CHURCHILL CONSTRUTOR (N.o 164) 20,5 x 27,5 cm

Coleção Mme Spoerri 4. FESTA DE EMPERLAR EM LONDRES (N.o 184)

Obras apresentadas:

FACE DUPLA 42 x 59,5 cm Coleção Mme Spoerri

1. FESTA DAS COLHEITAS (N.o 149)

MANY KISSIS UNDER THE MISSELSTONE 20,5 x 56 cm

Coleção Mme Spoerri

Em 1913, a iminência da guerra forçou a volta de Alolse à Suíça, onde seu comportamento começou a apresentar distúrbios e atos ocasionais de violência. Descuidou da aparência, dizendo atender a um chamado religioso, pôs-se a escrever ardentes cartas de amor ao imperador alemão, que vira certa vez num desfile em Potsdam, e a falar de um contrato de casamento com um pároco que conhecera. Defendia o pacifismo de forma tão desordenada que, em 1918, foi internada no Asilo de Céry, em Lausanne. Da agitação, ela saltou diretamente para a apatia, dizendo ser uma pessoa sem integridade, rejeitada por todos à sua volta. A medicina concluiu que se tratava de um caso de esquizofrenia, e Alolse foi transferida para o Asilo de La Rosiere. Ela começara a desenhar e a escrever logo após a internação no hospital, mas foi só a partir de 1941 (com 55 anos de idade) que passou a dedicar-se com afinco aos desenhos. Até sua morte em 1964, no hospital, Alolse dedicou-se, com perseverança e muita energia, ao desenho e à tarefa de passar roupas hospitalares, trabalho que lhe havia sido confiado.

o

desenvolvimento da vida de Alolse como esquizofrênica e sua descoberta de direções novas e enriquecedoras têm início a partir de sua internação no hospital e morte para o mundo da normalidade. Inicialmente, viveu expenencias que se manifestam nos escritos do período. Decorridos dois anos, esses textos forma. vam uma cosmogonia pessoal coerente e bem elaborada. Trancada num hospital psiquiátrico, isolada pela doença, ela nitidamente sofreu uma espécie de morte psicológica, entrando em delírios e desespero: "Je déplore ma situation d'épave de la conflagration universelle, je ne peux décrire ma misére matérielle et morale" (Deploro meu desamparo no incêndio geral deste mundo. Não posso descrever meu sofrimento moral e material). Mas superou seu desalentO e, após alguns meses no hospital, apareceram em seus escritos os princípios de uma nova vida de dimensões cósmicas. A partir do conceito católico da Santíssima Trindade (a unidade na pluralidade) estabeleceu a inventiva idéia de uma trindade alternativa consubstanciaI. Sua personalidade, ampliada pela esquizofrenia, pôde assim adquirir uma nova unidade e uma certa morte. Podia prescindir da antiga Alolse, não a aceitando mais. Era simultânea ou alternativamente a Criação inteira, tudo o que pintasse ou dramatizasse - um

casal, um personagem ou uma parte do personagem, fosse homem ou mulher, um objeto ou parte do objeto . Era uma qualquer das heroínas - Cleópatra, Maria Stuart, Maria Antonieta num balanço de jardim - , ou todas ao mesmo tempo. Essa nova fluidez de seu ser, essa liberdade característica de quem nada mais tem a perder parll; o mundo real, concedeulhe um papel central e onisciente no mundo imaterial de sua fantasia. Foi pelo desenho que ela conseguiu a realização dessa cosmogonia pessoal. A partir de 1919, começou a executar desenhos minúsculos a tinta ou lápis, como ilustrações de um texto escrito em letras miúdas: "Apanho papel nas latas de lixo e faço meus rabiscos no banheiro". Aos poucos, o formato aumentou. Em geral, usava papéis que achava por acaso, papel de embrulho amassado, às vezes rasgado e cuidadosamente costurado como colcha de retalhos. Seu maior desenho, hoje numa coleção particular, que ela chamou (.{ cloisonné de théa tre" (tela de teatro), é arrumado e costurado de forma meticulosa, e tem 14 metros . São cenas e quadros que representam as viagens de sua vida amorosa delirante, culminando, depois de muito sofrimento, no amor espiritual de Eros e Psique. A cena muitas vezes é de uma teatralidade estática, mas carregada de ilações representadas por pequenas figuras hieroglíficas semi-ocultas num medalhão, numa jóia ou num tecido da vestimenta de um dos pro·tagonistas . Os sentimentos e os impulsos são despertados por figuras insubstanciais de tamanho intermediário, por exemplo, querubins, cavalos etc. Deve-se ter em mente que Alolse adorava teatro e ópera, e que na juventude desejava ser cantora. No hospital, muitas vezes era ouvida cantando ao estilo de ópera. Todas as suas pinturas podem ser consideradas como imenso teatro infinito , como a dramatização da identidade que ela escolheu e desenvolveu. Jacqueline Porret-Forel (De Another World: Wolfli) Alotse) Müller) Glasgow, 1978.)

(Tradução de Aldo Bocchini Neto)

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SPHINX, MARIE STUART

SCHWARZ

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Nasceu em Santa Cristina da Pose (Portugal), em 1925. Filho de ceramista, desde criança teve contato com a "arte do barro". Foi ferreiro, garçom, cozinheiro, cisterneiro, de "meia-colher" e "guarda-noite" até conseguir dedicar-se exclusivamente à cerâmica e, mais recentemente, à pintura. Vive em Goiânia.

Obras apresentadas:

1. O PRESÉPIO NA 1974 Óleo sobre duratex, 70 x 91 em

2. SÃO FRANCISCO DE 1975 Óleo sobre aglomerado, 91 x 91 em 3. O TATU E O 1976 L1tOQ1~atla, 40 x 55,5 em 1978 1979 5. ADÃO E EVA NO Óleo sobre 186 x 278 em

x

1981 106 x 73,8 em

x

em

As idéias vêm à noite e, às vezes, na hora em que estou fazendo a peça. Às vezes, começo a fazer uma peça e acabo fazendo outra. A idéia do quadro Adão e Eva no Brasil ficou muitos anos em mim. Agora tenho um quadro na cabeça 6 anos, mas não tenho tempo para fazer: Deus fazendo a pomba, o homem branco; o capeta fazendo o urubu, o homem preto e no fim o homem destrói tudo. Tenho outro quadro: Hitler nascido em Uberlândia Minas Gerais. Uberlândia é uma cidadinha que tudo que é melhor no mundo existe lá. É um povo orgulhoso, muito cheio de si e racista. Morei lá 6 anos. É uma terra que tem clube dos brancos e dos negros, praça dos brancos e dos negros. Quero pôr Hitler como filho de uma lavadeira mulata. Quero frustrar todo mundo: porque diz que Hitler nasceu na Áustria, mas no meu quadro vai nascer em A crítica está no Hitler e analisando Uberlândia porque não existe o racismo: nós somos tudo do mesmo sangue. Quando ponho o diabo criando o homem negro, racismo: quero dizer que o diabo teve o mesmo Deus. Tudo o que Deus fez, o diabo fez, o Eu, por mas ao contrário. É um problema gosto mais de fazer a bunda do que a frente porque a tem mais volume.

A visão do é que eu não aCl~edlto em história. Eu sempre a história. Você um livro e, no fim, não dá uma explicação exata: Cristo começa aos 33 anos meio do caminho. A história e os outros anos o que ele foi? Então a história nunca é exata que nem esta palhaçada que a mulher foi feita da costela do homem. Não tem cabimento. Eles falam que veio Moisés. Mas que época que veio que veio Moisés? É uma confusão que eles conta algum detalhe, mas o íntimo, a coisa profunda U-U.1;o;'-''-"11 sabe. Nem a própria Bíblia está na profundeza da coisa.

Fiquei conhecendo dois pintores em Siron e Cleber. Comecei a freqüentar o ateliê deles: nessa como pintava quadros. uma escultura olhou para a escultura, não sei o que ele viu e teiro, você é pintor. Ficou muitos mim pintar e eu falando não, eu nunca pintei, como que comecei pintar. De tanto teimar, me deu pincéis, por acauso. Pensava a pintar. Explicação: tudo para mim que ia fazer meus potinhos o resto vida. O Siron me ajudou uns 2-3 anos: me tela e meus negócios que o povo não em minha

povo puro, sem malínosso. Eu sou ...,1-,'-",,+-"'" sem contato com esse mas j á morei em São tenho uma vivência muito pureza não sou muito muito ca1:01tco gente traz um pouquinho gente, mas não é que a gente é. O íntimo da pessoa ninguém '-'-'l.HH_'-'Van era falta um parafuso. Sou um fui para a clínica, tenho os carregar, senão já tava ...

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teve tanta de:sco1bert

que acho que essas

fica

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Você quando quer jogar um troço para fora, te dá aquela agonia, aquela ânsia, você não dorme à noite enquanto não faz o negócio. Eu tava querendo fazer isso (refere-se ao dípti co da própria vida) e não tinha tela, não tinha tela, não tinha nada. Eu fiquei tão desesperado que cheguei perto do Siron um dia porque não tinha dinheiro para comprar as telas. Depois que pintei, acalmei. O começo: meu pai era um homem bem burguês, meio sistemático, gostava de tudo certinho, de muito respeito e eu não gostava desse esquema. Queria farra, queria cachaça, queria liberdade. Com 16 anos saí de casa e não voltei mais. Voltei agora quando ele morreu, há 3 anos. O outro quadro: tenho minha casa, tudo arrumadinho e eu com as minhas noivas. Neste quadro finalizava a vida, a outra parte da minha vida porque eu sempre pensava na adolescência ser cantor, aviador ou poeta. Como cantor, não passei de ser cantor de serenata e boteco. Como poeta, fiz muita poesia, mas algumas que dava para as mi-

nhas namoradas, elas rasgavam e jogavam na minha cara porque, decerto, não prestava. Como aviador, foi só de passageiro. A primeira viagem de avião foi só de passageiro. A primeira viagem de avião foi 5 anos atrás. . . Não queria ser poteiro. Então, a vida da gente é uma merda. É aquele penico que está lá em cima, que cai em cima da minha família. Nada que a gente pensa acontece. Cada pinguinho que tem ali no quadro é um rolo que tenho na vida. Não queria ser poteiro e fiquei com o nome de Poteiro. Quer dizer: para mim, tudo foi o contrário. Queria ser Antônio Poeta, Antônio Cantor, Antônio Aviador, acabei sendo Antônio Poteiro. Mas se eu fosse, por exemplo, Antônio Cozinheiro ou Antônio Cisterneiro, seria pior ... (Trechos da entrevista concedida por Antônio Poteiro a Annateresa Fabris, a 29 de julho de 1981, em Goiânia.)

3. O TATU E O POTE, 1976 Foto: Walter Soares

5. ADÃO E EVA NO BRASIL, 1979 (pormenor) Foto: Walter Soares

,8


6. A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM, 1980 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

7. ARCA DE NOÉ, 1981

9. O CARNAVAL, 1981

Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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Não foram encontrados dados.

Obras

lV.UUét.lua

x46cm Lamlna,da, São Paulo

Roberto Cecato


Aurora Nasceu em 1902.

Obras apresentadas:

1. MAGIA cm

4. SEM TÍTULO, s.d. Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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I gnacio Carles-T olrá Eu nasci em Barcelona (Espanha), a 15 de dezembro de 1928. Ao findar a Guerra Civil Espanhola, freqüentei a escola comercial e o colegial. Aos 28 anos, por não suportar mais a falta de liberdade, deixei a Espanha. Em 1958, fui para Zurique e depois, em 1959, para a Alemanha. Foi nessa época que comecei a pintar, sem nunca ter tido aula, seguindo os conselhos que Jean Dubuffet sempre deu, ou seja, procurando inventar, porque, afinal, a criação tem de ser, antes de mais nada, invenção. Desde 1960, trabalho e vivo em Genebra. Para ganhar o pão, trabalho na tipografia de uma organização internacional. Meu trabalho não me atrai de modQ" algum e, para distrair-me, jogo (mal) tênis e, de vez em quando, desenho ou, em menor medida, faço pequenas esculturas que considero mais "objetos variados" que qualquer outra coisa. Gosto de misturar as técnicas e de trabalhar em série; quando termino uma série, não gosto de voltar atrás e fazer as mesmas coisas. Expus minhas teorias numa obra intitulada V oilà) da qual só tirei 125 cópias. Como muitos pintores, participo de exposições, mesmo se não gosto de fazê-lo. Para pintar, tenho de estar triste ou sentir raiva, mesmo que isso, às vezes, não seja uma condição sine qua nono

13.

° BICHO MAU, 1976

14. SEM TíTULO, 1976 15. FIGURA, BICHO, PÁSSARO E MONTANHA, 1976 16. DOIS BICHOS, DE CABEÇA GRANDE ETC., ETC., 1976 17. AMEAÇA PARA

° NÚMERO 1, 1977

18. OS DOIS BICHINHOS, 1978 19. À ESQUERDA, À DIREITA, 1978 20. SEM TíTULO, 1979 21. SEM TíTULO, 1980 22. ROSE MARIE NO PARAíSO, 1980 23. ROSE MARIE NO PARAíSO, 1981

(Tradução de Mariarosaria Fabris) 24. ROSE MARIE NO PARAíSO, 1981 Obras apresentadas:

25. ROSE MARIE NO PARAíSO, 1981

1. BICHINHO, 1964 2. BICHINHO, 1964

Pequenas esculturas:

3. BICHINHO, 1967 1. HOMENAGEM A "NOBODY" , 1975 4. BICHINHO, 1967 2. EM DIREÇÃO DE TORTILLA FLAT) 1976 5. BICHINHO, 1967

3. MINHA LOIRA ERA UMA MORENA, 1976

6. PÁSSARO DE BICO GRANDE, 1970 4. ASSIM É, 1981 7.MY ENGLISH TEACHER, 1974 5. ELA TINHA RAZÃO, 1981 8. MY ENGLISH TEACHER, 1974 9. MY ENGLISH TEACHER, 1974 10. MY ENGLISH TEACHER, 1974

6. POIS SIM!, 1981 7. CHEGA DE SOFRIMENTO INúTIL, 1981 8. A TERRíVEL DOENÇA, 1981

11. MY ENGLISH TEACHER, 1974 9. DE TODAS AS CORES, 1981 12. DRÁCULA ACARICIANDO UM BICHO, Série "AS CALÇADAS", 1975

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10. NADA ENGRAÇADO, 1981


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Nasceu no Rio de Janeiro, em 1910. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1977.

6. SEM 1974 óleo sobre 67 x 77 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

Obras apresentadas:

7. SEM s.d. óleo sobre papel, 75,5 x 56,2 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

1. O PLANETÁRIO DE 1947 Óleo sobre 37 x 55 cm do Museu do Inconsciente 2. SEM 1949 Óleo sobre papel, 48 x Coleção do Museu de

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"F,'_i "'>

s.d. 76 x 56 cm de Imagens do Inconsciente

do Inconsciente

3. SEM 1949 Óleo sobre 60 x 73 cm do Museu de .LU'."'F,'_U.> do Inconsciente

cm do Inconsciente

JLHl.aÕ'_H"

4. VÊNUS DAS

óleo sobre do 5. SEM 1952 Óleo sobre 40 x 63 cm do Museu de .J.lJ.l.aF',\_H" do Inconsciente

11. SEM óleo sobre do '-JU.JlLL"'.tJ

.U.ua>Ó'_H"

cm do Inconsciente

-'-H'.UF,'~.u.>

do Inconsciente

Poesias Deixae que sois Verdade Crucificando ha mensage Em delirios esperanças Em esquecer é morrer

Em tres cruses entre~la(;aClaS Call11ntleWJS ha conaandar sera sua esquecida te diser e nunca mais ver

Quantas ha rezar Deixae em mente guardar sonhar Viver morrer sois ha verdade de nacer

Oh crus de relampidos ce me queres diser Cer o copo humano Vivas ce podes Viver

O mascarado ha almentar Dises ho que pode cer Uma mascara ha esconder De rotos láios aparecer

Oh Deus Disceste em amar Pensando Vivias morrer De uma serpente ha 1'Y'I(.... rrlPt'

Vaete embora não me torures Oh alma lijojeiras embriageiras Porque não ce engana ao morrer De uma mascara retroceder Vivas ou meu amor Mores ce não co:nhlece~r Do Panno ha cair De uma mascara te cobrir

Duello são cem eS1JaClaS Do mundo sombras negras "VJlHLJLct

também morrer


5. SEM TíTULO, 1952 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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Emygdio Nasceu no Rio de Janeiro, em 1895. Vive no Rio de Janeiro.

3. UNIVERSAL, 1948 Óleo sobre tela, 104 x 108 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

Obras apresentadas: 1. CARNAVAL, 1948

Óleo sobre tela, 100 x 96 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 2. ODISSÉIA, 1948 Óleo sobre tela, 68 x 55 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

5. SEM TíTULO, 1971 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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4. SEM TíTULO, 1967 Óleo sobre papel, 33,2 x 48 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 5. SEM TíTULO, 1971 Óleo sobre cartolina, 36,4 x 55,2 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente


Facteur Cheval (Ferdinand Cheval) Nasceu em 1836, em Charmes-sur-l'Herbasse, na França. ?m 1867 iniciou seu trabalho de facteur (carteiro) e, em 1878, Instalou-se em Hauterives, onde, como carteiro rural, percorria largas distâncias a pé. No ano seguinte, encontrou em seu caminho a pedra com a qual iniciaria a construção de seu P alais I déal (Palácio Ideal). Sozinho, Cheval constrói todo o palácio, num trabalho de 34 anos. Entre 1914 e 1922 constrói seu próprio túmulo. Faleceu em Hauterives, em 1924, aos 88 anos.

o Palácio Ideal do Facteur Cheval ergue-se em Hauterives uma aldeia daDrôme, no sudoeste da França. Foi em 1879 que esse simples carteiro rural começou a edificá-lo, aos 43 anos, após ter esbarrado no caminho, de volta de suas entregas, em "uma pedra trabalhada pelas águas e pela força dos tempos" de uma forma tão bizarra e pitoresca que lhe reavivou o sonho de construir que trazia em si. Um sonho ao qual o F acteur Cheval consagrou "33 anos de um árduo labor", para que se tornasse realidade: "um monumento único no mundo, trabalho de um único homem, trabalho de gigantes". Desejo e vontade de encantamento, esse poema em pedras fala do trabalho de um "homem do povo, camponês e filho de camponeses", para achar e dar, contra as forças do obscurantismo, um sentido à sua vida: deter a passagem do tempo e sublimar um destino difícil, materializar o melhor de si e oferecê-lo à posteridade. Uma afirmação de si, desmesurada, arraigada no viver das contradições, preocupações e ideais de uma sociedade camponesa em plena mutação. O Facteur Cheval recolheu, dessa forma, ao seu redor e em seus encontros cotidianos, materiais, citações, referências para construir esse "palácio imaginário, templo da Natureza templo hindu e túmulo egípcio", imagem mítica no pon'to de encontro entre ele mesmo e os outros, um país sem cortes nem fronteiras, onde as oposições se anulam, intemporal "palácio ideal" que, por sua vez, convida ao encontro e a~ s?nho, ao t~abalho e à reflexão: "pare viajante, é aqui a últI.ma moradIa; transeunte, escreve teu nome, saberemos que VIveste: criatura, vem admirar aqui a natureza; aqui grandes e pequenos virão reunir-se na fraternidade eterna; no campo do trabalho, eu espero meu vencedor; de um sonho tirei a rainha do mundo; esse rochedo dirá um dia muitas coisas' o s~lco aberto pelo ~eu tr~balho permanecerá aberto no ~lo­ noso ?a~sado de ~lllha VIda e no infinito viverei ainda, após meu ultImo suspuo; a um coração valente, nada é impossível; deus, pátria, trabalho". Uma obra-prima de paciência, "panteão de um herói obscuro e dos humildes curvados nos sulcos", vestígio e clamor de si, escrita esclarecedora contra o malogro, o esquecimento, a morte, que o Facteur Cheval dedica "à fraternidade entre os povos": aqui "as fadas do Oriente vêm fraternizar com o Ocidente" . Um monumento ameaçado, exemplar, cujo sentido tem de ser procurado pelo lado sagrado, mas que, atualmente, o tempo desgasta e apaga cada dia mais. Clovis e Claude Prévost

Uma carta Um dia do mês de abril de 1897, ao fazer minhas entregas de carteiro rural, um quarto de légua antes de chegar a Tersanne. Eu estava andando bem depressa, quando meu pé esbarrou em algo que me fez rolar alguns metros mais adiante. Quis conhecer a causa daquilo. Surpreendi-me muito ao ver que eu tinha feito sair da terra uma espécie de pedra, de forma tão bizarra e ao mesmo tempo tão pitoresca, que olhei em volta de mim. Vi que ela não estava sozinha. Peguei-a e enrolei-a no lenço e levei-a cuidadosamente comigo, prometendo a mim mesmo que aproveitaria os momentos que meu trabalho me deixasse livres para fazer uma provisão delas. A partir desse momento, não tive mais sossego, manhã e noite. Saía para procurar; às vezes percorria 5/6 quilômetros e, quando o meu carregamento estava eu levava nas costas. Comecei a abrir uma cavidade, na qual me pus a esculpir em cimento toda espécie de animal. Em seguida, com as minhas pedras, comecei uma cascata. Levei dois anos para construí-la. Uma vez eu mesmo estava eS1Jarltado com o meu trabalho. Criticado pela gente do lugar, mas encorajado pelos visitantes estrangeiros, não desanimei. Havia feito novas descobertas de pedras, umas mais bonitas que as outras. Em Saint-Martin-d'Aout, em Treigneux, em Saint-Germain, espécie de pequenas bolas redondas. Pus-me a trabalhar. Comecei uma gruta e uma segunda cascata, de modo que a minha gruta se encontra entre duas. É o que forma todo o ambiente do monumento. Levei mais 3 anos para acabá-lo. Cada vez mais encantado com meu trabalho' em seguida veio-me a idéia de que, com as minhas pequ~nas bolas re~ dondas, encontradas em Saint-Germain, em Treigneux como em Saint-Martin, poderia construir para mim um túmulo, cujo estilo seria único no mundo, e fazer-me enterrar na rocha à moda dos reis Faraó, e cuja forma seria a egípcia. Comecei a cavar a terra e na terra formei uma espécie de rochedo e nesse rochedo cavei alguns sepulcros. Esses sepulcros estão cobertos por lajes que podem ser removidas quando se quiser, fechados por uma porta de pedra e uma segunda de ferro. Sobre esse rochedo subterrâneo erigi o monumento, cuja largura é de doze pés e o comprimento de 15. O monumento é sustentado por 8 muralhas, a forma de suas pedras é das mais pitorescas. As fachadas do levante, assim como as do norte, são sustentadas cada uma por 4 colunas, que suportam os denteados do monumento. No meio, uma linda coroa de pequenas pedras, feita com pequenas bolas redondas. Mais em cima, a gruta da Virgem Maria; os 4 Evangelistas, dois de cada lado. Um calvário com Anjos sustentando coroas, assim como alguns peregrinos. Mais para cima, uma segunda coroa com a Urna mortuária, acima da urna um pequeno Gênio. Esse monumento tem mais de 30 pés de altura. Chega-se ao topo por uma escada em caracol. Eu trabalhei mais 7 anos para acabá-lo, trabalhando noite e dia.

Entre aspas: citações do Facteur Joseph Ferdinand Cheval (Tradução de Mariarosaria Fabris)

Carregando minhas pedras nas costas, às vezes por 15 quilômetros, na maioria das vezes à noite.

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Fachada noroeste do Palácio Ideal

Inscrição Esboço da fachada leste do Palácio Ideal, em torno de 1981 Foto: Clovis Prévost

o

fim de um sonho


Pormenor do

da fachada leste do

Ideal

Foto: Clovis Prévost

Fachada norte. Adão, Pai do gênero humano Foto: Clovis Prévost

Fachada leste. Base dos rtês Foto: Clovis Prévost

e as três múmias


Sempre para preencher meus momentos de lazer e para dar simetria ao resto do monumento, quis acrescentar-lhe um templo hindu, cujo interior é uma verdadeira gruta. E essa gruta forma várias outras menores, e nessas pequenas grutas eu deposito fósseis que encontro na terra. A entrada está guardada por um grupo de animais, como: urso, serpente boa, crocodilo, leão, elefante e outros animais desse tipo, sempre achados na terra, assim como alguns troncos de árvores. Do outro lado, 3 grandes gigantes e duas múmias; tudo em estilo egípcio, assim como, mais em cima, encontramos 2 figueiras de barbárie, palmeiras, oliveiras e um aloés. Chega-se ao topo da torre por uma escada em caracol. Na entrada dessa escada estão 4 colunas de forma barbárica. Levei mais 4 anos para construir esse templo hindu. Sempre com a mesma coragem e perseverança, há 2 anos comecei uma galeria do lado ponente, com hecatombes de cada lado, de 12 pés quadrados, que comunicam seja com o templo hindu, seja com o túmulo. Acima das hecatombes e da galeria achase um terraço muito amplo de 22 metros de comprimento. É possível alcançá-lo também por escadas, com a única finalidade de permitir aos visitantes dominar todo o monumento à vontade. Os turistas este ano foram numerosos, muito mais que nos anos anteriores, e todos vão embora encantados com meu monumento; eles admiram sobretudo o trabalho e a perseverança com que me dediquei a esse conjunto maravilhoso que se chamará, espero: Único do mundo. Lá se vão 18 anos que eu trabalho e preciso ainda de 2 anos para terminar o interior e o exterior, e meu sonho terá durado 20 anos. Comecei esse trabalho gigantesco aos 43 anos de idade. Eu não servi o governo como soldado, mas o servi quase 30 anos como carteiro. Não importa o nome que eu der ao meu trabalho, rogo-lhe, senhor, de dar-lhe por sua conta um nome de conjunto ou detalhado, como julgar conveniente. O senhor pode achá-lo melhor do que ninguém. Faço questão de relembrar-lhe que as despesas de correspondência, ou outras, correrão todas por minha conta. Agradeceria muito se o senhor pudesse me avisar. Estou muito contente de que queira me enviar uma pequena biografia pelo que terei pelo senhor um sincero reconhecimento por todo o trabalho a que se deu por minha causa.

Queira receber, Senhor Lacroix, a expressão de meus profundos respeitos. Acrescento a isso, acreditando que poderá ser-lhe útil, o comprimento total do monumento. É de 23 metros, sua largura em determinados pontos é de 12 metros, a altura varia também entre 6, 9 e 11 metros, a forma inteira desse trabalho é apenas um único bloco de rochas que tem cerca de 600 metros cúbicos de pedras no total. Tudo foi construído pela mão de um só homem. Seu humilde servidor, Ferdinand Cheval, ex-carteiro de Hauterives Esta carta não datada e inédita provavelmente endereçada por Ferdinand Cheval ao Arquivista provincial André Lacroix no outono de 1897, foi sem dúvida redigida por seu filho Cyrille. (A.D.D. F 54/4) Meus caros Leitores Permito-me mais uma vez de dizer-lhes que após ter terminado meu Palácio de Sonho aos setenta e sete anos de idade e 33 anos de trabalho obstinado Senti-me ainda bastante corajoso Para ir Construir Meu Túmulo no Cemitério da Paróquia. Lá Trabalhei ainda 8 anos de um Árduo Labor, tive a Felicidade de Deus Ter-me Dado saúde para Poder terminar aos 86 anos de idade O Túmulo chamado o Túmulo do Silêncio e do descanso sem Fim. Seu gênero de Trabalho torna-O Muito original quase único no mundo; na realidade é A originalidade que faz sua Beleza. Esse Túmulo acha-se a Poucos quilômetros Da Aldeia de Hauterives. Numerosos visitantes vão visitá-Lo após terem visto meu Palácio de sonho e voltam aos Seus Países encantados contando isso a Seus amigos seguramente, Parte de um Conto de Fadas é A verdadeira realidade Tem que ser visto Para Poder Acreditar é também Para A eternidade que eu quis vir Tudo será ... descansar no campo da Legalidade Deus Pátria Trabalho (Transcrição de um manuscrito de Ferdinand Cheval- 1924.) (Só foi usada a pontuação quando estritamente necessária para a compreensão do texto. Na parte final, o texto em francês está quase incompreensível, portanto tentou-se uma in terpretação.)

Mariarosaria Fabris)


Parid Nasceu em 1917. Obras apresentadas: 1. SEM TÍTULO, s.d.

Guache sobre papel, 31,5 x 23 cm Coleção Mafalda Caminada, São Paulo

2. SEM TÍTULO, s.d. Nanquim e guache sobre papel, 37,5 x 52,4 cm Coleção Mafalda Caminada, São Paulo 3. SEM TÍTULO, 1952 Lápis de cor sobre papel, 29,8 x 20,5 cm Coleção Mafalda Caminada, São Paulo

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Fernando Nasceu em Aratu (Bahia), em 1918. Vive no Rio de Janeiro.

4. SEM TíTULO, 1953 Óleo sobre tela, 33 x 41 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

Obras apresentadas:

5. SEM TíTULO, 1968 Óleo sobre papel, 48,5 x 32,2 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

1. SEM TíTULO, 1952 Óleo sobre papel, 56,3 x 76 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

6. DRAGÃO, 1968 Óleo sobre papel, 33,7 x 49 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

2. SEM TíTULO, 1953 Óleo sobre tela. 46 x 60,5 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

7. SEM TíTULO, 1970 . Óleo sobre papel, 47,6 x 32,5 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

3. SEM TíTULO, 1953 Óleo sobre tela, 32,7 x 40,7 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

8. SEM TíTULO, s.d. Óleo sobre papel, 56 x 75,5 em Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

Antes havia a pedra lapidada: no meio dela está a estrela, mas quem lapida a pedra tira todas as estrelas.

Em cima da estrela se desenham círculos e em cima dos círculos, borboletas ou margaridas.

A estrela grande é difícil de fazer, mas ela existe. Só se podem fazer estrelas pequenas, mas elas não formam a estrela grande. A estrela grande pode ser dividida em pedaços, mas os pedaços não existem antes da estrela. A estrela existe antes de tudo.

2. SEM TíTULO, 1953 Foto: José Augusto VarellalJosé Roberto Ceeato

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(Depoimento recolhido por Annateresa Fabris, a 29 de Janeiro de 1976.)


Madge Gil! Nasceu em 1882, na zona leste de Londres. Internada num orfanato aos nove anos, mais tarde foi mandada para o Canadá, para trabalhar no campo. Voltando a Londres, casou-se e teve quatro filhos, dos quais sobreviveram dois apenas. Em 1919, começou a produzir complexos desenhos à tinta, sobre papelão ou morim não-tratado, alegando inspiração de um guia espiritual chamado Myrninerest. Parte de sua obra é inteiramente abstrata, há trabalhos com elevado grau de formalização e a maioria é composta de evocações obcecantes de uma presença feminina. Produziu centenas de quadros, alguns do tamanho de cartões postais, outros com dez metros de comprimento, até sua morte, em 1961. Os trabalhos de Madge Gill não têm título. São identificáveis pelos números que há no verso de todos eles. Dois são longas peças de morim pendentes, presas a uma fina peça de madeira. Não precisam de moldura, pois simplesmente ficam dependurados. Obras apresentadas:

3.20297, 1954 Tinta colorida sobre papelão, 63,5 x 50,8 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick) 4.20295, 1954 Tinta colorida sobre tábua, 63,5 x 50,8 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick) 5.17731, 1954 Tinta colorida sobre tábua, 63,5 x 50,8 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick) 6. 17738, 1954 Tinta colorida sobre tábua, 63,5 x 50,8 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gállery (Eric Estorick) 7. 17720, 1951 Tinta preta sobre tábua, 63,5 x 50,8 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick)

1. 17557, 1954 Tinta sobre morim, 221 x 79 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick)

8. 11598, 1954 Tinta colorida sobre tábua, 63,5 x 50,8 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick)

2.7688, 1954 Tinta sobre morim, 261 x 79 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick)

9. 100A, 1951 Tinta preta sobre tábua, 63,5 x 50,8 em Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick)

6. 17738, 1954 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

3.20297, 1954 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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G.T.O. (Geraldo Telles de Oliveira) Nasceu em Itapecerica (Minas Gerais), em 191.3. Após ter trabalhado na lavoura, foi ajudante de guarda-sanitário, rodante, fundidor, funileiro, até começar a esculpir em 1965, impulsionado por um sonho recorrente, Vive em Divinópolis (Minas Gerais),

abras apresentadas:

1. SEM TÍTULO, s.d.

Madeira, 94,6 x 52 em Coleção Augusto Rodrigues, Rio de Janeiro

4. SEM TÍTULO, s.d. Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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2, SEM TÍTULO, s,d. Madeira, 57,2 em Coleção Augusto Rodrigues, Rio de Janeiro 3. SEM TíTULO, s.d, Madeira, 168 em Coleção Augusto Rodrigues, Rio de Janeiro 4. SEM TÍTULO, s.d, Madeira, 183,7 em Coleção J acques van de Beuque, Rio de Janeiro 5. RODA DA VIDA, 1970 Madeira, 103,3 x 84,6 em Coleção J acques van de Beuque, Rio de Janeiro


5. RODA DA VIDA, 1970 (pormenor)

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] ohann Hauser Nasceu em Bratíslava, Tchecoslováquia, em 1926.

Obras

É analfabeto, apenas escreve seu nome e algumas letras. Durante

a guerra foi com sua mãe para a Áustria. maníaco-depressivo, foi internado no hospital de em 1943. Começou a desenhar há 20 anos produtivas coincidem com as maníacas. Vive ainda internado em Klosterneuburg.

1.

40 x 25,5 em

de cera sobre

2,

1969

'-'1-.LLJ.J.-'Y.U.

em

1969

3. LEÃO OU

30 x 40 em

sobre

1971 30 x 40 em

e

5 . NAVE ESPACIAL

CÁPSULA

1969 e

6. Foto: Heinz Bütler

76

30 x 40 em

1966 vermelha,

O autor, em 1980

5. NAVE ESPACIAL E CÁPSULA DE

de cor sobre

1969


1. MULHER, 1969

'----------------- '

---'----

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Eli Heil Nasceu em Palhoça (Santa Catarina), em 1929. Autodidata, começou a pintar após ter visto o quadro de um amigo. Em constante experimentação, desenvolve atualmente sessenta e uma técnicas, que rompem, em grande parte, com os parâmetros tradicionais da representação artística. Em julho de 1980, redigiu seu Testamento Artístico. Vive em Florianópolis. Obras apresentadas:

1. CURRAL, 1964 Óleo sobre tela, 70,8 x 80,4 cm Coleção: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo 2. MAR, 1966 Nanquim e tinta para tingir sapato sobre papel, 27,6 x 36,8 cm Coleção: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo 3. MORRO, 1967 Óleo sobre tela, 60 x 70,5 cm Coleção da Artista

8. IMAGEM, 1977 Técnica mista sobre papel, 42 x 49,5 cm Coleção da Artista 9. ANIMAL VERDE, AZUL, AMARELO, 1977 Técnica mista sobre tela, 18 x 23,5 cm Coleção da Artista 10. ANIMAL CARREGANDO A CASA, 1977 Tinta acrílica sobre tela, 49,5 x 59,4 em Coleção da Artista 11. QUEM SOU EU, 1977 Técnica mista sobre papelão especial Coleção da Artista 12. MEU DENTISTA CAMPOLINO, 1979 Óleo sobre tela, 39,8 x 59,5 cm Coleção da Artista 13. MORRO DESFIADO, 1979 Técnica mista sobre papelão especial, 27,5 x 36,5 em Coleção da Artista

4. PEDAÇO DO MORRO, 1974 Técnica mista sobre papelão, 21,2 x 29,9 cm Coleção da Artista

14. FEITO NA PRAIA Tin ta acrílica e cera sobre papel, 19,5 x 43,8 em Coleção da Artista

5. PÁSSARO VOMITANDO, 1976 Técnica mista sobre papelão, 31,5 x 43,5 cm Coleção da Artista

15. O ANIMAL E A DANÇARINA, 1980 Técnica mista sobre papel-cartão, 24,5 x 44,2 cm Coleção da Artista

6. QUEM ÉS TU, 1977 Técnica mista sobre papelão especial, 52 x 33 cm Coleção da Artista

16. MANCHA VIVENTE, 1980 Óleo sobre tela, 49,5 x 69,5 cm Coleção da Artista

7. MEUS ANIMAIS QUERIDOS, 1977 Técnica mista sobre papel, 34,5 x 47 cm Coleção da Artista

17. MANCHA VIVENTE, 1980 Técnica mista sobre courvin, 19,5 x 25,5 cm Coleção da Artista

Testamento Artístico Muitos sofrimentos existem lá fora, às vezes me sinto pequenina, mas também não tenho culpa, que a minha sensibilidade é tão grande, que todos os órgãos do meu corpo se transformam, num simples fio de tecido de aranha, que ao tocá-lo se desmancha com facilidade. Como sofri para fazer este mundo! como guardei com carinho para não haver separação entre eu e ele! só vendia por necessidade. Fui tentada muitas vezes para vender. Qual nada, no fundo estava escrito, reservado para o amor; aquele amor que não se deixa levar, por meras palavras como: você não vende porque é egoísta, você poderia ser a mulher mais rica se quisesse, eu compro tudo, eu troco minha mansão por isso tudo. Acontecesse isso tudo, queiram entender ou não; era a morte, porque eu sou a varinha mágica que os criou, deu vida; perdê-los era a mesma coisa que perder a varinha e não criar mais. Tenho loucura pelas coisas sublimes da vida, mas também sou tão certa, que a loucura corre atrás do certo e não pega nunca. Por isso, tudo que vou escrever deve ser de acordo e cumprido à risca com o meu desejo. Peço que me salve junto com as obras de artes alugando uma casa para mim. Senhores o preço não tem importância, diante da imensidão

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de obras de artes, que pretendo retribuir, cada mês pagarei com obras de artes (não o acervo) a quantidade do aluguel, doando obras. Em seguida comprando a casa para instalar o meu museu insolúvel, então darei os dez painéis para serem coolcados nos órgãos públicos. Ficarei com dois para o acervo, mas farei o resto que complete os dez painéis, assim que eu tenha lugar para fazê-los. Quando eu morrer o Museu ficará naquele lugar insolúvel para sempre ou em outro lugar) mas que seja insolúvel num lugar só. Deus escolheu este fiapo de pessoa no morro de Santa Catarina, foi, porque ele quer, que eu fique aqui e cumprir o meu desejo. De geração em geração não precisam lembrar de mim e sim de minhas obras de arte e amá-las intensamente como eu amei e amo. (Trechos do Testamento Artístico) redigido a 19 de julho de 1980.)

Avião Eu queria ser um avião, Ou uma visão secreta, Para apanhar no ar, O fantasma, que me cerca.


5. PÁSSARO VOMITANDO, 1976

12. MEU DENTISTA CAMPOLINO, 1979

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o fantasma é um anjo; Brilha como brilha um avião; Os dois vivem no ar, E eu? sustentando um mundo no chão. O avião me ajudaria a carregar! O fantasma, lindo das criações; Que, são as entranhas das nuvens Recompondo nas minhas orações Avião! Avião! ... Leva e traz aquela esperança! Quero, colocar o meu mundo na balança Para saber, que preço alcança O preço do amor? O preço da loucura? Ou preço da alma pura?! Que, no mundo de hoje, censura.

o grito

por socorro

Espalha o teu grito, até a sombra do passado; Deixa, renascer, renascer, Só assim, poderás sobreviver. O teu grito será tão profundo, Que até no fim do mundo, És capaz de vencer. Tudo renasce sofre; Por isso estás sofrendo; A forma do teu útero, É a mesma forma do teu coração. Criar eu quero; A cria me dá vida; Eu se não crio, Viro mancha deprimida.

Respondam? para, que eu possa me conformar mais. Acho mesmo, que estou lamentando pelos outros, Porque este mundo, está todo enfeitado, De laços vermelhos, amarelos e amarronzados Sangue, pus, corações amargurados, E eu tenho, tanto fôlego para soprar, Sangue para dar, Pus para limpar e coração para amar. Mancha vivente

Eu sou mancha vivente Viva na mente O corpo não sente Mas sei que sou gente. Solta no ar Alma para amar Olhos para chorar Boca para gritar Gente! Gente! Gente! Só tenho colorido na mente Mancha na minha frente Eu sou mancha vivente. Ora sou gente, Ora sou toda uma vida Uma depressão de repente Viro mancha colorida Posso estar numa parede limpa Posso estar até numa parede suja Esquecendo o mau trato da vida Para que da vida não fuja. Que bom ser mancha vivente Pelo menos por enquanto minha mente esquece por um minuto o que sente. O desabrigo de tudo que está em minha frente. (Boi de mamão) Florianópolis, (2), jul. 1980)

A passagem de uma crise

Ontem, quase fui pelos ares; Como um tufão em altos mares; Hoje, estou lenta e calma, Quase, sem alma, Por causa de um remedinho, Deixou meu cérebro quietinho; Amanhã, sei, que, devagarinho, Lá vem ele de mansinho, Aos meus ouvidos borbulhar! São bolhas por todos os lados, Verdes, amarelados, azuis, avermelhados, Dando o grito criador; Bichos, gentes, flores, laços arreganhados, E ainda, acima de tudo me olham, Com olhos arregalados; Volta a tensão, agonia, confusão, Passo, novamente por um tufão. Minha mente chora por mim

Os loucos não pensam, e eu, penso demais; Quais os verdadeiros loucos?

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Depressão

Hoje mais uma vez que depressão! A vida desaparece e desejo a escuridão Não gosto desse momento Olho ao céu e peço ao vento Soprar a minha mente para o firmamento Pedir a Deus de volta o bom senso Quando penso que estou melhor A morte mais violenta chega ao meu redor Imploro choro lembrando dos entes queridos Então revivo e deixo que ela volte só Depois comecei a pintar No centro uma cara rodeada de fios coloridos São todos emblemas dos gritos Quando me sinto em perigo O vermelho a depressão agressiva O amarelo o pus da dor não dolorida O roxo o pé no cadafalso O azul as preces que faço O branco paz finalmente do tempo Me levando mais um bom pedaço. Eli M. Heil


Isaac Nasceu no Rio de Janeiro, em 1906. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1966.

2. SEM TíTULO, 1961 Guache sobre papel, 32,2 x 49,5 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

3. ÁRVORES E UMA SOMBRA QUALQUER, 1961 Guache sobre papel, 32,7 x 49 cm Obras apresentadas: 1. SEM TíTULO, 1956

Óleo sobre tela, 52 x 62 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

4. SEM TíTULO, 1962 Óleo sobre tela, 61 x 50 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

l. SEM TíTULO, 1956 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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Jaime Jaime Fernandes nasceu em 1900, na freguesia do Barco, Covilhã, em Portugal. Era trabalhador rural. Aos 38 anos, foi internado no Hospital Miguel Bombarda. Aí faleceu, em 27.03.1968, após 31 anos de internamento. Jaime começou a desenhar já depois dos 60 anos. Grande parte da sua obra perdeu-se.

Obras apresentadas:

21. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em 22. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em 23. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em 24. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em

1. SEM TÍTULO, s.d. Esferográficas sobre papel, 25 x 32,5 em

25. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em

2. SEM TÍTULO, s.d. Esferográficas sobre papel, 25 x 32,5 em

26. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em

3. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32,5 em

27. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 22 x 33 em

4. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 32 x 44 em

28. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em

5. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 32 x 25 em

29. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 16 x 25 em

6. SEM TÍTULO, s .d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em

30. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 12 x 16 em

7. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 32 x 25 em

31. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 12 x 16 em

8. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 32 x 25 em

32. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 12,5 x 16,5 em

9. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 32 x 25 em

33. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 16 x 25 em

10. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 32 x 25 em

34. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 48 x 31 em

11. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 16 em

35. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 35 x 48 em

12. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 13 x 18,5 em

36. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 31,5 x 22 em

13. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 21x 27 em

37. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 31,5 x 22 em

14. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 15 x 11,5 em

38. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 22 x 31 em

15. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 21 x 6 em

39. SEM TíTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 16 x 24 em

16. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 21 x 6 em

40. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 30 x 21 em

17. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 21 x 6 em

41. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 32 x 14 em

18. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 25 x 32 em

42. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 43,5 x 14 em

19. SEM TÍTULO, s.d. Lápis sobre papel, 25 x 32 em

43. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 34 x 22,5 em

20. SEM TÍTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em

44. SEM TíTULO, s.d. Lápis sobre papel, 32 x 25 em

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45. SEM TíTULO, s.d. Lápis sobre papel, 19 x 42 em 46, SEM TíTULO, s.d. Lápis sobre papel, 25 x 32 em 47. SEM TíTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 32 x 19 em 48. SEM TíTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em

49. SEM TíTULO, s.d. Mercuriocromo sobre papel, 15 x 10,5 em 50. SEM TíTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em 51. SEM TíTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 22 x 34 em

Os desenhos de Jaime

Todos temos os nossos terrores, todos temos os nossos fantasmas. Se fôssemos capazes de lhes dar forma, de lhes dar um corpo quando nos encontramos sitiados pela angústia, talvez eles se figurassem com aquelas presas poderosas agarradas à terra, aqueles bicos encurvados lá no alto sobre nós, aqueles olhos frios e fixos saindo do fundo da noite, como acontece ver-se nalguns desenhos de Jaime. Nós, os do lado de cá da razão, possuímos disciplinas e somos ensinados a usá-las como armas para esconjurar os fantasmas moldados na alucinação e nos medos. Jaime não tinha. Foi despojado delas e, como um guerreiro sozinho no campo de morte, desarmado e nu, travou com eles o seu desesperado combate de trevas. .:p3:ra mim, e para entender os desenhos de Jaime, é preciso compreender primeiro que muito do que lhe pertence nos pertence. Ele habita esse outro lado negro do espelho, esse outro lado que nunca olhamos, que queremos ignorar ser também uma face refletora e iluminada por outra luz que, cruamente, projeta a nossa imagem solitária e instável. É assim que Jaime é um nosso irmão e lembro-me que já alguém, antes de mim, o chamou por esse nome. Sem o ser por falsas culpas que tenhamos, por reverência moral, por temer o drama ou o outro lado do espelho. É assim porque é puro. É .assim, porque o seu combate com o demoníaco é uma inconsciente busca da verdade, um trabalho tremendo de humanizar as forças que o arrastam para o não-existir, que o amarram, hora a hora, por fora do tempo à sua própria ausência. Jaime desenha o rosto, a figura dos monstros tutelares que envolvem, vigiam e dominam em todos os instantes a sua vida centrípeta. Fazê-lo terá sido o mergulho por dentro do terror ou o esforço para conhecerlhe a cara num ato irreprimível, doloroso e exaustivo em que o temer e o conhecer têm a mesma equivalência? A vida interior de Jaime, invisível na sombra que o adormece, isolado do mundo dos homens na asfixia hospitalar tem, em si, um secreto intransponível. Nenhum código de serviço dispõe de poder sobre este secreto para ir mais longe do que aflorá-lo. Há nele mistério e há nele também dignidade. Uma e outra coisa dão-lhe aquele distanciamento próprio ao que existe como que só por si, por si mesmo sustentado, vivendo outro horizonte do ser, suspenso, ambíguo e indefinível. Talvez por tudo isso, nos desenhos de Jaime, à dispersão labiríntica e errante dos sentidos na sua simbólica imediata da libido, se oponha uma concentração conduzida, ordenada, verdadeiramente uma construção. Um espaço imaginário sim, mas em que cada elemento, além do premente pretexto simbólico do seu aparecimento, tem, sobretudo, pela decisão da

forma, pelo seu ritmo, pela organização da cor, a eXlgencia de como se situar e relacionar naquele espaço imaginário. Uma terapêutica sensível proporciona-lhe, avançado já na trágica noite, os instrumentos: o lápis de cor, a esferográfica, o papel. O mesmo que se oferece a uma criança para que ela, em alegria e jogo, imagine o que conhece. A obra de Jaime, o que vai ficar de Jaime, inicia-se assim na revelação do primeiro risco idêntico àquele com que se maravilha uma criança ao traçá-lo pela sua mão. Só que nada saberemos, quanto a Jaime, se a alegria verdadeiramente o tocou. Entrevemos, porém, a gravidade aceite por ele no jogo que lhe foi proposto. O acaso terapêutico vai tornar-se um veículo de criação, o despertador de concreto, uma interposição entre o submergir abúlico da vontade e o reapareéimento do ser. Porém, o despertar desse concreto será, cada vez mais, a penetração do mundo obscuro das imagens tutelares do seu desvairio, a evidência cada vez maior de uma mitologia obsessiva. E também cada vez mais o desenho se fará como desenho, se inventa, se aprofunda, se constrói por si mesmo. Não há nisto nenhuma contradição. O desenho de Jaime não é uma referência mecânica, não é teste de um estado mental, apenas. É sobretudo uma posse de realidade, uma explosão estruturada e, angustiosa e furtiva embora, é a realidade em Jaime. Desenhando, Jaime possui; ao criar formas, identifica. A relação (ou choque) entre o submundo concentracionário e o mundo exterior, aberto, mas só existindo na descontinuidade da memória, é o cerne, parece-me, da obra de Jaime, o que o faz corporizar aparições tanto quanto desenhar, transfigurando-os, seres que numa ternura hibernada afagam, assim recuperados, os destroços que acostam da outra vida que nele constitui o passado em permanente desfile desfocado, confuso e inagarrável. O que terá sido a tensão deste homem frente ao assalto dos seus fantasmas e o esforço de ericontrar em si próprio forças para se apossar deles pela imagem, o esforço de trazê-los para o espaço imaginário por ele próprio criado, de inscrevê-los no seu próprio espaço concreto, afinal? Alguma coisa de magnífico, alguma coisa de grande. Diria que os seus desenhos, que o delírio espreita, submetem, mais do que são submetidos. A trama laboriosa, paciente, do prodigioso artífice do lápis, prende os demônios na própria teia onde eles se tecem. No jogo de os prender, de os significar dentro de um espaço elaborado, muito do seu terrífico deixa de o ser. Jogo de vida ou de morte no silêncio trágico, absoluto e irreversível. Por isso estes desenhos nos comovem tão profundamente. Nada neles é aleatório ou ocupação inconseqüente. Cada figura é uma identificação, uma formulação

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luminosa, uma estrela destacada no caos que amordaça a sua mente. Jaime tem a percepção, parece-me, do obstáculo, qualquer coisa de imponderável, mas presente, que se opõe à conclusão do desejo. Talvez uma oculta noção de liberdade irrealizável. Há desenhos seus em que isso se pressente ainda que, aparentemente, o que parecem dizer a aproximação à linguagem do real comum. Num deles, que figura uma cabra, esta flete a cabeça preparando a marrada, mas um traço vertical forte como que paralisa o movimento; noutro, o mesmo traço forte pode ler-se também como o limite do espaço físico das evoluções dos peixes que enchem completamente a folha de papel. São dois desenhos extraordinários pelo que têm como intensidade de observação e de invenção gráfica e como esta para além da recuada observação mnemônica do a um latente conteúdo simbólico. co-Invenção é uma adequada ao desenho mo poucas vezes se pode aplicar a quem desenha. apenas porque o fantasmático e os graus do delírio partilhem a palavra habitualmente, mas, sobretudo, porque Jaime tudo tirou de si, antes do desenho nada sabia de isto tragédia do não viria nunca a a conhecer. Assim, o desenho começa nele pelo princípio como se nunca tivesse acontecido. Jaime aprende sem aprender, faz. O desenho tem nele o toque mágico da criação que ignora tudo o que já foi feito por conter nela um essencial do que é preciso fazer. Por isso, Jaime iguala outros criadores, raros até, e o seu desenho alheio a qualquer sabedoria é, em si, a sabedoria do desenho. Mas Jaime é também a inocência. Sabedoria e inocência são os dois contrários que Jaime torna unos numa experiência humana que tem por fundo o drama da solidão e do afastamento da vida. As mesmas bocas, os mesmos olhos, unem no mesmo reino os fantasmas, os animais, as

Foto: José Augusto Varella !.José Roberto Cecato .

aves queridas do seu passado rústico, os homens poderosos que dominam o seu cercado mundo terreno, o corpo centáue os cavaleiros. No silêncio, rico onde se geram 1"""<'''''''1'' num lento de lm~nrlmlQe .LU'>,--,,,,,,_,,,,,, a enorme sabedoria unidade de tomodo ele é o e por esse modo

Do mais secreto ficação do

seu secreto, a escrita de Jaime é a veriDiscurso automático que vÍsualizando a oralidade num discurso de forma e extremamente ordenado destino semântico se pel~slstefJlCla tonal e car)1'1c:ho

às vezes para a minha reflexões de Morreu. Sirvo-me para seu elogio, necessa1'1O e aSSilTI podia jl11gar si, fundo de si r. r ... n .... da trágica sabia afinal seres e coisas, que os homens da razão ot'StJln8ld8lmente se esforçam por separar. Mas dir-se-ia que da sua não-morte ele teria um indício, uma iluminação. H1

Nós podemos agora garantir a Jaime que também o sabemos, que tal indício era já a verdade enunciada. Excluído do mundo dos homens a ele regressa e, finalmente, entendem-no. O que nos pertence, a ele pertence também. Fernando de


Foto: José Augusto VarellalJosé Roberto CeCato

Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecatu

Foto: José Augusto VarellaIJosé Roberto Cecatu

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Heinrich Anton Müller "Nascido em Boltigen, perto de Berna, Heinrich Anton Müller viveu no Cantão de Vaud, onde trabalhava como podador de vinhas. Pouco se sabe de sua família e infância, mas acredita-se que aprendeu sozinho a ler e escrever. Por volta de 1903, inventou um aparelho extremamente engenhoso para podar vinhas, mas infelizmente roubaram-lhe a idéia e a exploraram comercialmente. A frustração resultante provavelmente contribuiu para o colapso de sua personalidade, do qual foi tratado desde 1906 até a morte, no hospital psiquiátrico de Münsingen, no Cantão de Berna. Segundo os psiquiatras de Münsingen, Müller tinha delírios de grandeza e complexo de perseguição, assinando-se "Deus" ou "1'Éternel" e referindo-se à esposa como "la vierge Divine". No hospital, seu comportamento tornou-se mais controlado. A partir de 1912, dedicou-se a desenhos e invenções, especialmente às relativas ao moto-contínuo. Construía aparelhos enormes, cuja única função visível era multiplicar e expandir o movimento, produzindo energia sem utilização alguma. E cavou um buraco no jardim, dentro do qual costumava ficar sentado por mui tas horas." 1

3. BELO OSSO E SEU FILHO, 1917-1924 Nanquim, lápis de cor e lápis sobre cartão, 80 x 72 cm 4. COMPOSIÇÃO COM GALHADA DE VEADO, 1917-1 924 Giz, lápis de cor e lápis sobre cartão, 81 x 55,5 cm

5. SENHORITA MARIANA. PAPAI PAPA-DEFUNTO, 1917-1924 Guache e giz sobre lápis em cartão recosturado, 78 x 59 cm 6. CABEÇA DE HOMEM, 1917-1924 Guache, giz e lápis, 79 ,5 x 44,5 cm 7. UM BARRY, 1917-1924 Lápis e giz sobre cartão com borda costurada, 83 x 44 ,5 cm 8. NOSSO PADEIRO, 1917-1924 Giz e lápis sobre cartão, 78 ,5 x 43 ,5 cm 9. HERMINE, 1917-1924 Guache, giz e lápis, 79 ,5 x 44 ,5 cm

Obras apresentadas: 1. FIGURA COM CABRA E RÃ, 1917-1924 Giz preto e giz branco sobre lápis em cartão, 80 x 55 ,5 cm

10. MEU PORCO SE CHAMA RAFI , 1917-1924 Giz, pena e nanquim sobre lápis em cartão, 81,5 x 133 cm

2. ROPS AMANTE, BISCAUME, 1917-1924 Giz, pena e nanquim sobre lápis em cartão, 77 x 99 cm

11. CASA ÁRVORE E FIGURA, 1917-1924 Guache e giz sobre cartão, 87 x 114,5 cm

"Müller desenhou esporadicamente entre 1917 e 1927. A princípio, trabalhou com papel de embrulho, que às vezes costurava para obter uma folha maior. De um modo geral, só usava lápis grosso de carpinteiro, preto ou azul, e dava os realces com pastel branco. Em alguns casos, molhava seus desenhos, dando-lhes um aspecto de afresco. Seu método de representar as figuras é desconcertante. Ele associa elementos altamente realísticos a certas abstrações audazes, mudando continuamente a escala e alterando inesperadamente o ponto de vista . Parece que ele deseja retratar o personagem de uma efígie ou de um amuleto, tal como é entendido e usado em práticas mágicas, deformar suas figuras, brincar com semelhanças, aproximar-se do modelo e de repente afastar-se dele, como que para testar o poder da imagem. Ele usa maliciosamente nossos reflexos de leitura para nos conduzir inconscientes a aberrações . Há uma certa ambigüidade que questiona os princípios da representação, a começar da suposta realidade do objeto." 2 Alguns desenhos de Müller têm textos no verso, e um exemplo notável é République La Libre: "( . .. . ). Extraordinário nesse texto - fato que sem dúvida origina sua excepcional força racional - é que ele não flui simplesmente da pena de um homem que não dominava seus pensamentos : é redigido de forma intencional, com muito controle e apuro. Isto se revela com a descoberta de um pedaço de papel de embrulho rasgado, com um fragmento de texto corrigido, onde várias palavras foram riscadas e substituídas por outras, tudo com a caligrafia de Heinrich Anton. Nota-se claramente que as correções visavam a substituição das palavras originais por outras mais inesperadas e desconcertantes . Trata-se de um exemplo extraordinário de como era consciente a elaboração desses textos curtos, e de como o autor tinha plena consciência de sua singularidade. Parece-nos evidente que ,

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nos desenhos e nos impressionantes (e laboriosos) manuscritos de Heinrich Anton, nem um só traço escapou à atenção ou foi feito ao acaso. Tudo indica que ele se esforçou, com muita lucidez, por produzir objetos excepcionalmente estranhos. Buscou o estranho acima de tudo. Era uma obsessão; era sua maior alegria. Talvez a característica fundamental da "alienação" seja esse desejo de realizar o perversamente incomum, juntamente com a intoxicação gerada pelo avanço contínuo em direção ao definitivo. E se for o caso de se falar em doença, com relação a Müller, deve-se dizer que seu mal é a um só tempo sintoma e medicamento. Por nada ele manifestava tanto amor quanto por sua loucura . Era sua razão de viver, e nada o deleitava mais do que projetá-la em folhas vivas de papel, que depois pregava na parede e contemplava. Nada o satisfazia mais do que compor (com grande habilidade e extremo carinho) as imagens que lhe confirmassem a direção a seguir e garantissem seu avanço . Diante de um homem que vive com tanta satisfação, acaso poderíamos falar em doença que precisa ser curada? Que remédio lhe proporcionaria uma realização tão perfeita quanto ao que ele descobriu sozinho, cultivando com amor sua própria estranheza - um remédio que, ao invés de se transformar em obstáculo, transporta todo o seu ser para a mesma dimensão?" 3 Michel Thévoz L'Art Brut, Fascículo 1 (publicado pela Compagnie de l'Art Brut, Paris, 1964) 2 Michel Thévoz, Art Brut, Editions Skira 3 Jean Dubuffet, L'Art Brut, Fascículo 1 (publicado pela Compagnie de l'Art Brut, Paris, 1964) 1

TEXTOS DE HEINRICH ANTON MÜLLER

Com exceção de République La Libre, transcrito por Jean Dubuffet , os textos de Müller eram desconhecidos até re-

~


centemente. Um levantamento rápido - e certamente incompleto - revelou a existência de outros textos no verso de seus desenhos da Coleção Prinzhorn de Heidelberg, e da Clínica Psiquiátrica da Universidade de Berna. Os textos de Müller dividem-se em dois grupos: por um lado, textos completos de redação cuidadosa, como Républíque La Libre; por outro lado, fragmentos, visivelmente rascunhos e projetos, como Ah viens ma belle . .. Esses textos foram reproduzidos neste catálogo como exemplos. A versão original, em francês, contém vários erros de ortografia. A pontuação de Müller foi mantida.

République La Libre A república Livre, Parcialmente Despedaçada ou o Passo em Falso do Sonâmbulo Adormecido. É um choque absoluto incompreensível e sem relação com nós mesmos, é um segredo, raça contemplativa às vezes eles têm várias idéias barrocas lêem a sorte também parecem magos são altos e magros como os ingleses altos e magros têm idéias imaginosas. Nem todos são loucos mas dificilmente precisariam ser de qualquer forma é um erro.

«

Ah V iens ma Belle . .. »

Ah vem minha bela para meus braços e beija-me, e iremos e vem minha beleza andaluza, vem e me deixa desposar-te e sejas a minha bela a bela adormecida e vem minha bela vem para meus braços e beija-me Ah sej as a bela. . . que eu busco com um sorriso fingido e vem para meus braços vem e beija-me Ah minha bela sejas o encanto e a beleza que eu amo Ah vem para meus braços minha bela vem e beija-me. E sej as minha beleza e minha grandeza com um sorriso [fingido o encanto de tua beleza e espalha sobre mim nossa vida de [sofrimento e esperança. Vem minha bela para meus braços' e beija-me Vem minha bela para meus braços e beija-me. Ah vem minha bela em teu sorriso e tua beleza o certo [sonho secreto de tua afeição e harmonia será reunido num emblema de [ triunfo. A beleza me disse que eras de Zorigny e que tinhas um [ sorriso como o de uma Fada. Que alguém poderia tornar-se ... Ti-ti-ti-tru-Iá-Iá. A beleza era estranha e quando veio a noite ela lançou uma sombra misteriosa sobre a relva. (Fragmentos extraídos do verso de Figura com cabra e rã.)

Oh!! Oh!!! Oh Que erro, entre em minha alegria, Oh!!! Oh Bela República Livre Parcialmente Despedaçada Oh!!! Oh Bela República Livre O Passo em Falso do Sonâmbulo Adormecido sejam meus amores.

(De Another W orld: W olfli) Alo'ise) Müller) Glasgow, 1978.)

5. SENHORITA MARIANA. PAPAI PAPA-DEFUNTO

6. CABEÇA DE HOMEM

(Tradução de Aldo Bocchini Neto)

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Octávio Ignácio Nasceu em Minas Gerais, em 1927. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1980.

2. SEM TíTULO, 1974 Lápis de cera sobre papel, 55 x 36,5 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

Obras apresentadas:

3. SEM TíTULO, 1975 Lápis de cera sobre papel, 55,4 x 36,8 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

1. SEM TíTULO, 1968 Óleo sobre papel, 33 x 48 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

4. SEM TíTULO, 1976 Lápis sobre papel, 48 x 33 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

1. SEM TíTULO, 1968 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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Nasceu em Chipre, em numa família 12 dos quais era o penúltimo. para Londres em onde tra·· balhou e aprendeu os ofícios de alfaiate e cozinheiro . guerra, serviu na Aérea britânica no Norte da Itália e em Malta. De volta a acabou tornando-se da na T ate Gallery) e começou a desenhar por volta de Desenvolveu três ou quatro estilos fantásticas atividades de seres aves e criaturas unaglnanas num ambiente semelhante à selva. Vive é casado e tem dois

x 20,5

em

.LJ<.'.L<C<J. .Ll'--

Obras apresentadas: 1. PÁSSARO AMARELO NA SELVA x 1 cm Caneta hlclro,grátlCa,

3. FANTASMAS NEGROS NA SELVA Caneta h1Clro;gratlca, 12 x 20,5 em 4. ALEGRIA NA SELVA Caneta h1<:1rc)gratlca, 10 x 20 em

ESPECTRO VERMELHO NA SELVA Caneta hlclrogra.t1Ca, 10 x 20 em PÁSSARO ExóTICO NA SELVA 12 x 20,5 cm Caneta

6. PÁSSARO EXóTICO NA SELVA Foto: .Jos{> Augusto Varella/José Roberto Cecato


6. SEM TíTULO, 1949 Nanquim sobre papel, 47 x 32 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente

Nasceu em São Faleceu no Rio de

7. SEM TíTULO, 1949 Nanquim sobre papel, 35 x 27 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente 8. SEM TíTULO, 1949 Nanquim sobre papel, 47 x 31 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente -'-"-U«S'_Li"

do Inconsciente

32 x 24 cm de do Inconsciente

-'-llla",\~ll'"

do Inconsciente

11. SEM TíTULO, 1950 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato


Nasceu em 1892. Nunca foi à escola, tendo aprendido um pouco de leitura já adulto. Em 1912, começou a construir a Casa da Flor, em Baixo Grande, a meio caminho entre São Pedro d'Aldeia e Cabo Frio, num terreno que pertencia a seus pais desde 1899. Gabriel fez todo o trabalho sozinho e deu a casa por pronta em 1923. De 1980 a 1955 trabalhou nas,~alinas, com um intervalo de 1914 a 1917, época em que trabalhou no Rio de Vive na Casa da Flor e encontra-se quase cego. Em São Paulo, no da riqueza, mas casa

é a

tem tudo caco não tem.

Não posso mais tratar direito da casa, estou entrevado da mas tá na História. Não adianta mais, fico assim até não estou com a

entre os COmc)d()s, tudo está coberto bord~ld()s que nascem em massa ou por ela se tram numa sucessão extravagante de incontáveis nichos. Umas poucas e seletas uma alta cama de a quase nada se resudo espaço. Mas ele vibra

n",.,nrir.

o

espaço

""h",'"+,,

é quase nada

mas não é tudo . Varrida sol das

aU.lCU1.La,

Não tem mais

llHll:',lJ.\..Cll1

meu tempo. Varella e

Ro-

A Casa da Flor estou sonhando com que coisa bonita eu vi agora no É só. mesmo por Deus que pode uma pessoa sem nada) sem estudo, fazer uma coisa dessas na roça.

A escada de pedra é

com pensamento.

Eu sonho pra fazer uma flor zendo.

caco de

Eu só. Carregava madeira, carregava carregava areia.

",".u.al.a,

eu vou

carregava

Eu faço isso por pensamentos e sonhos. Eu sonho pra e faço. A casa feita de caco tra.nstor'm~lda em As cores fazia encarnadinhas,

diversas cores.

se encontra to, romper a curvatura do morro. Seu nesses termos sabe decerto o quanto custou seu nos transporta a seu estilo incomum e de construtor sem recursos. Como uma de como um quebra-cabeças, como um mosaico reciclado suas mãos pacientes, a casa "todazinha armadinha" foi de coisas ele mesmo apafeita cacos nhou no recebeu de presente. de pratos, azuo homem cobocós ou cerâmicas com

Gabriel Santos é um artista U\..C;'Lial"-V não teve um mestre, não viu televisão nem trabana enxada e nas sempre viveu no interior e só de adulto muito mal,

Eu gosto de estar aqui porque me com Deus imaginando aquelas coisas que eu tenho de Eu penso que pra mim eu sou artista. Sou um artista.

o

uma casinha de anões. três o sol bem firme no céu puro, recebem luz, seja por duas portas de eventuais entre as grandes telhas escuras. curtido pelo o telhado na de barro, é feito movimentos e ondas como o corpo um bicho. Desce tão em vários pontos, a cabeça de um homem normal o penumbra que no dizer de seu - os olhos se

e esmerou em infinitos detalhes ou ainda às

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Gabriel dos Santos na sala da Casa da Flor, 1981 Foto: JosĂŠ Roberto Cecato

Nicho externo Foto: JosĂŠ Augusto Varella

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Parede do quarto de Gabriel

Nome da Casa da Flor inscrito na fachada

Foto : José Augusto Varella

Foto: José Roberto Cecato

. que executou com "tintazinhas" antes de dar por concluídas as "paredezinhas" da casa. "Eu sonho para fazer uma flor de caco de garrafa, eu vou fazendo. Se tiver o material, no outro dia eu vou fazer. E se eu tiver ele assim, se eu sonhar que está uma coisa bonita, que está um ramo de flor, tendo o material no outro dia eu vou fazer tal e qual eu conforme sonhei". A história da casa também começa com um sonho que Gabriel ainda se lembra de ter tido em criança - mas por enquanto apenas desejando fazê-la - e chega a um primeiro estágio concreto em 1912, quando, com 20 anos, ele lançou suas bases. "Eu só. Carregava madeira, carregava pedra, carregava barro, carregava areia". Desde 1899, data lembrada com destaque numa das muitas inscrições que estão gravadas na massa, o terreno já pertencia a seus pais, cuja velha casa ainda se ergue ao lado da que Gabriel construiu. A obra sofreu porém uma interrupção de alguns anos, quando a luta pela sobrevivência o engolfou, e só em 1923 o obstinado artesão a deu por pronta. O enriquecimento paciente da decoração pelos sonhos se arrasta depois disso pelos anos afora e até as décadas recentes há o registro escrupuloso das datas a indicar a execução de alguns pormenores . "Aqui é lugar de muito sossego, de muita calma. Eu gosto de estar aqui porque me ponho aqui sozinho; só com Deus , imaginando aquelas coisas que eu tenho de fazer. Esse altar significa um guarda-livros, eu tenho aqui minhas coisinhas guardadas, aqui faço tudo que eu penso na minha idéia". Para fazer suas paredes lavradas, os sentidos conglomerados de cimento e garrafas, os cachinhos retorcidos de uva, as açucenas, os "bordados de cacos de louça brasileira e azulejos brancos" - ele quase não usou ferramentas, recorrendo

de preferência às próprias mãos calejadas. O caráter gestual desabrido percorre assim toda a obra desse pedreiro-escultor. Em seus volumes modelados com verdadeiros afagos é possível notar então as pulsações de uma vida; a casa tem um corpo - parece ter um corpo lambido pelo sol das salinas, parece contorcer-se e vibrar e sorrir com extremo langor depois de absorver a energia do velho que a tirou simplesmente do seu amor pela massa. À força da riqueza, que erigiu as cidades, contrapõe-se na dialética de Gabriel a força bruta do nada. E ao caráter gestual/sensual, como é freqüente, contrapõe-se a imersão no espaço infindo da alma que o leva a conceder ao incógnito a própria emanação de seus dons: "É só mesmo por Deus que pode uma pessoa sem nada, sem estudo , fazer uma coisa dessas na roça" .

Trechos de A CASA DA FLOR Texto final: Leonardo Fróes Pesquisa: Mariliah de Castro Oliveira Fotos: Lena Trindade, Amélia Zaluar e Regina Fróes Produção e Arte Final: Waldemar Soares Direção de Arte : Eurico Abreu Co-edição: ESTADO DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO E CULTURA DEPARTAMENTO DE CULTURA INSTITUTO ESTADUAL DO LIVRO INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL FUNDAÇÃO NACIONAL DE ARTE - MEC FUNARTE 1978.

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Escadaria de acesso à casa Foto: José Roberto Cecato

Pormenor do muro da casa Foto: José Roberto Cecato

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Nicho externo na parede lateral Foto: JosĂŠ Roberto Cecato

A sala da Casa da Flor Foto: JosĂŠ Roberto Cecato

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Hans Scharer Nasceu em 1927, em Berna. Completou o ginásio em Berthoud. Viveu em Paris de 1949 a 1956. A partir de 1956, vive e trabalha em St. Niklausen (LU). Scharer é au todida ta e expõe seus trabalhos desde 1951. São as seguintes suas exposições mais recentes:

2. A ORAÇÃO PERIGOSA, 1978 Água-forte realçada por aquarela, 57 x 38 em

1974 Gemeindegalerie Emmen (LU) Galeria Arben-Art, Zurique "Rapport der Innerschweiz" , Helmhaus Zurique

4. ENTÃO O VENTO ... , 1978 Água-forte realçada por aquarela, 57 x 38 em

1975 Galeria Anton Meier, Genebra-Carouge

5. O MÁGICO DE OZ, 1978 Água-forte realçada por aquarela, 57 x 38 em

1976 Galeria Elisabeth Kaufman, Olten Galeria Stahli, Zurique

3. O CAVALEIRO, 1978 Água-forte realçada por aquarela, 57 x 38 em

6. O RETORNO, 1980 Colagem, guache e tinta sobre papel, 70 x 50 em

1977 Galeria Anton Meier, Genebra 1978 Galeria Anton Meier, Genebra 1980 Galeria Anton Meier, Genebra

7. ESPÉCIE DE ENCONTRO APOSTRÓFICO, 1980 Guache sobre papel, 70 x 50 em

1981 Galeria Stahli, Zurique

8. RECORDAÇÃO ENCLAUSURADA, 1980 Colagem e guache sobre papel, 70 x 50 em

Obras apresentadas:

9. A SENHORA SE ESCONDE, 1980 Colagens, guache e tinta sobre papel, 70 x 50 em

1. A VISITA, 1978 Água-forte realçada por aquarela, 57 x 38 em

Tudo, nas "madonas" de Scharer, contribui a designá-las como objeto de culto; certamente, o tema mítico do ídolo maléfico, da feminilidade aspiradora e devorante, mas, igualmente, o primitivismo das figuras, cuja carga simbólica concentra-se em determinados pontos, tais como os olhos, a boca, o sexo. A imagem é frontal, simétrica e retira uma parcela de seu poder de sua substância material e colorida. Longínqua, porém, subtrai aos olhares, como uma máscara ou até mesmo um relicário, sua verdadeira natureza, pois sua presença importa muito mais do que o fato de ser olhada. Aliás, o modo do pintor trabalhar suas "madonas" depende, ele próprio, do ritual: extremamente lento, repetitivo, entrega-se como dissimulação, superposições sucessivas com o objetivo de captar o poder da imagem, ao mesmo tempo em que o conjura. Scharer, dizem, chegou ao ponto de enterrar ou imergir algumas de suas "madonas", tão insuportáveis estas tinham se tornado para ele. Diante de tais imagens, a nostalgia dos ídolos deveria despertar em nós. Nada deveria impedir-nos de ter medo, de ceder a seus malefícios, ou de experimentar suas virtudes purificadoras. Estimulantes para o inconsciente, seria desejável que servissem de exorcismo ou de exutório aos nossos fantasmas. Todavia, infalivelmente, descarrega-se o explosivo, o sortilégio rompe-se sempre, a cerimônia é perturbada . É que Scharer, como se pode verificar, não pinta apenas madonas; suas aquarelas e desenhos, apesar de veicularem o

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10. ÁGUA JOVEM, 1980 Colagens, guache e tinta sobre papel, 50 x 70 em

mesmo tema, ou temas aproximados, são tão-somente o reverso narrativo, burlesco, eventualmente pornográfico; profano, poder-se7ia dizer. E, ademais, há o local em que percebemos essas imagens, e mormente a maneira de percebê-las. Com efeito, não saberíamos descarregar facilmente nosso modo estético de apreender a obra de arte, nem esquecer que substituímos sua antiga utilidade ritual por seu valor representativo, expressivo, e, a seguir, econômico . Scharer brinca com esse desvio, com essa distorção entre a finalidade fingida de suas madonas e seus efeitos previsíveis ou reais, e o faz conscientemente, parece, para não dizer por ironia ou até mesmo zombaria. Decididamente, essas madonas não têm poder; têm, por outro lado, o mérito de devolver-nos a imagem certamente suntuosa, mas inquietante e clara, do culto secularizado, pervertido, alienante, de que são, no nosso entender, o objeto . Nessas circunstâncias, o ídolo malfeitor é a própria imagem! Scharer, de ascendência huguenote, é de uma certa forma iconoclasta. Aliás, suas imagens mais fortes encontram-se inscritas por ele num caderno de uso pessoal, ao lado de seus poemas. Edmond Charriere (Tradução de Martina G. B. Ognibene)


3. O CAVALEIRO, 1978

/ . FSPr:CIE DE ENCONTRO APOSTR贸FICO

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Sebastião Nasceu em 1916. Era funcionário de escritório.

Obras apresentadas: 1. A úLTIMA CEIA, 1950

3. SEM TÍTULO, 1950 Óleo sobre papelão, 37,8 x 47,2 cm Coleção Mafalda Caminada, São Paulo 4. SEM TÍTULO, 1950 Guache sobre cartão, 23,9 x 17,7 cm Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

Guache sobre papel, 20,6 x 26,9 cm Coleção Mafalda Caminada, São Paulo

5. SEM TÍTULO, s.d. Guache sobre cartão, 23,8 x 17,9 cm Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

2. SEM TÍTULO, 1950 Guache sobre papel, 18,9 x 16,8 cm Coleção Mafalda Caminada, São Paulo

6. SEM TÍTULO, s.d. Guache sobre cartão, 23,8 x 17,7 cm Coleção Paulo Fraletti, São Paulo

4. SEM TÍTULO, 1950 Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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Robert T atin Nasceu em LavaI, na França, em 1902. Dedicou-se a várias profissões até iniciar sua produção de ceramista, depois da Segunda Guerra, em Paris. Tatin esteve no Brasil em 1951; em São Paulo, continuou seu trabalho com cerâmica. A partir de 1962 começou a construir, na França, o Étrange Musée) um museu todo em pedra e cimento . A construção não será dada por acabada enquanto Tatin estiver vivo e puder continuar a transformar seus sonhos em realidades de pedra e cimento.

Tatin Robert é um artista francês que se enamorou da natureza, das coisas e dos costumes do Brasil. É um ceramista de grande talento e sensiblidade. Vive e trabalha em São Paulo. No ano passado, expôs nesta cidade várias peças de sua cerâmica, tendo sido muito bem recebido pelo público. A arte de Tatin Robert vai além da simples técnica da cerâmica: ela pertence também à escultura.

o

artista cria em suas peças formas e linhas que são mais do domínio da escultura do que propriamente da cerâmica. Há também uma matéria bonita de cor pastosa que o artista-artesão emprega em seus trabalhos.

Obras apresentadas: 1. SEM TÍTULO, 1951 Terracota pintada, 35 cm (diâmetro) x 30,5 cm Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo 2. SEM TíTULO, s.d. Terracota pintada, 30,3 cm (diâmetro) x 12,5 cm Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo

As peças que Tatin Robert vai agora expor na Athena, rua Barão de Itapetininga, nesta semana, são estilizadas com temas de nossa natureza e folclóricos. A nossa vegetação e os nossos folguedos populares estão dando motivos para a arte de Tatin Robert. Ele é um poeta do barro sensível e romântico . Suas peças são de formas esquisitas com desenhos e cores harmoniosas que muito nos emocionam . Osório César

Folha de S. Paulo ) 14 de março de 1951

1. SEM TÍTULO 1951

2. SEM TÍTULO, s.d.

Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato

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Oswald Nasceu em Perchtoldsdorf (Viena), em 1920. Fez estudos em seminário e concluiu o curso colegial com distinção. Com a eclosão da guerra, não pôde estudar teologia como desejava. Fez dois semestres de química e, convocado para o Serviço Militar, o Serviço de Informação do exército alemão. Esteve na Rússia no final da guerra tornou-se pnslOneiro dos franceses. Ao voltar, em 1946, deu mostras de comportamento esquizofrênico e foi internado num hospital psiquiátrico. Começou a desenhar por sugestão de sell terapeuta, o Dr. Leo Navratil. Vive ainda internado, em Klosterneuburg, na Áustria.

Obraj' apresentadas. 1. DUAS PESSOAS AJOELHADAS, 1971 Pena e nanquim sob're papel, 21 x 15 em 2.

1972 Pena e nanquim sobre papel, 21 x 15 cm

3. PESSOAS AJOELHADAS, 1972 Pena e nanquim sobre papel, 21 x 15 em

4. DESEJO SER CARREGADO NUMA LITEIRA, 1972 Pena e nanquim sobre papel, 21 x 15 cm

5. MULHER SENTADA COM CRIANÇA NO Pena e nanquim sobre papel, 15 x 10,5 em 6. MANTO PROTETOR DA MADONA, 1972

Pena e nanquim sobre papel, 21 x 15 cm 7. O JUÍZO 1972 Pena e nanquim sobre papel, 21 x 15 em

8. DUAS PESSOAS DANDO-SE AS t97! Pena e nanquim sobre 21 x 29,5 cm 9. UMA ÁRVORE DE NATAL, 1971 Pena e nanquim sobre papel, 21 x 29,5 cm

Foto do autor, 1981 ~.

DESEJO SER CARREGJ\DO NUMA LITEIRA, 1972

10. PESSOA DORMINDO, s.ei. Pena e nanquím sobre 21 x 15 em ). MULHER SENTADA COM CRIANÇA NO COLO. 1972

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1972



Jakim V olanhuk Nasceu na Ucrânia, em 1900. Em 1927, emigrou para o Brasil, radicando-se em São Paulo, no bairro da Moóca, onde, durante muitos anos, exerceu a atividade de sapateiro. Em 1939, deu início à construção do Museu de Jesus) projeto de instituição universal, que congregaria todas as religiões e todos os povos. Em 1952, após uma visão mística, o Museu de Jesus foi transformado em Simitério do Adão e Eva.

Inscrições em tabuletas (fachada) Foto: José Augusto VarellalJosé Roberto Cecato

Mapa do mundo Foto: José Augusto

1

na fachada


Interior do Simitério do Adão e Eva Foto: José Augusto Vatellal.Tosé Roberto Ceeato

Interior do Simitério do Adão e Eva Foto: José Augusto Varellal.Tosé Roberto Ceeato

1


August Nasceu em Klosterneuburp (Viena), em 1936. Estudou numa escola comum até os nove anos e a seguir numa escola especial, devido a uma perturbação psicótica. Vive com a mãe, mas necessita de cuidados psiquiátricos contínuos. Seu trabalho artístico e sua múltipla produtividade foram reconhecidos, primeiramente, por seu terapeuta, o Dl'. Leo Navratil, que expôs e divulgou suas obras. Vive na Áustria. Obras apresel1ladas. s.d. 40 x 30 cm

2. BASEADO EM HENRI ROUSSEAU. SONHO DE 1977 30 x 40 em

104

3. AV(') E SUA MÃE ]OSEFA ROSINA STARK WALLA, s.d. Lápis sobre papel, 30 x 40 cm 4. CÃO E RINOCERONTE, 1972 Lápis sobre papel, 22 x 30 cm 5.

PAI NOSSO, s.d. Caneta esferográfica, lápis de cor e aquarela sobre cartão, 30 x 30 cm

6. DINHEIRO, MARCO, DEUS, s.d.

Pena e tinta, lápis de cor e aquarela sobre papel, 21 x 28,5 em s.d. Lápis de cor, caneta esferográfica

7. AMOR

carimbo papel, 21 x 28,5 em


3. !\\ ' () I: Sl 'i\ \1.\ L .lOS!:\ i\ Sl i\I \ ~ \\ .\LLA, s.d.

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Nasceu em Glasgow, Escócia, em 1980. Fugiu da escola aos nove anos, trabalhou numa banca do mercado e foi para o exército aos 16 anos. Tinha mais de 40 anos quando, num ferro-velho que dirigia em Toronto, começou a desenhar. Suas primeiras imagens eram intensas e retratam de forma estilizada a luta entre forças criativas e destrutivas. Tinha uma visão poética e, mais do que isso, criou sua própria cosmogonia, em que as forças do bem finalmente - em sua obra posterior triunfam sobre o mal. Era inteiramente original e, embora seus trabalhos fossem em mui tas galerias famosas, resistiu obstinadamente comercial. Há obras suas nas permanentes da do Musée D' Art Modeme de e no Museum of Modem de Nova Y ork. F aleeeu em em Londres.

3. LAGOA COM PENSAMENTOS EM FLOH Tinta e pastel, 38 x 28 em

4. O ESPELHO DO Tinta e

38 x 28 em

5. A MANDALA DA FLOR Tinta e 39,5 x 39 cm 6.

CALMO COM CISNES Tinta e pastel, 28,5 x 33 em O SOL E A ÁRVORE

8. VILA ENCANTADA COM VIVEIRO DE PEIXES Obras apresentadas: 1. FONTE DO PÁSSARO EM BRANCO E PRETO 31 x 25 em 2.

38 x 28 em 6.

1

CALMO COM CISNES

Tinta e

36 x

cm

9. CASTELO MÁGICO NO ESPELHO Tinta e 54 x 40 em 10. ÁRVORE DA VIDA Tinta e 60 x 47 em


Adolf W olfli

16. A úRSULA NO MOSTRADOR DO RELóGIO DA TORRE GIGANTE, 1920 Lápis e lápis de cor, 33,5 x 22,5 em 17. NELLY - A PRINCESA REAL DE LION HALL, 1920 Lápis e lápis de cor, 33,5 x 22 em 18. A COBRA RADEK, 1920 Lápis e lápis de cor, 33,5 x 22 em 19. O GIGANTE DA CIDADE DE Lápis e lápis de cor, 33,5 x 22,5 cm 20. GRANDE - GRANDE 1920 de cor, Lápis e

1920

RAINHA MALITTA DA em

21. AS PERAS DE SANTO 1920 e lápis de cor, 33,5 x 22 cm

Obras apresentadas: 1. LISELI BIERI! MORTA, 1904 Composição em duas páginas, a; lápis e lápis azul, 75 x 100 em 2.

DE DEUS COM AVENTAL DE 1904 Composição em duas páginas, b; lápis e lápis azul, 75 x 100 em

E 1920 22. UPSALA, Lápis e lápis de cor, 33,5 x 22 em 23. SANTA

1920 cor,

x 22 em

3. ROSALINDA A COBRA GIGANTE, 1904 Lápis, 75 x 100 em

24. SANTA LITTLE BUTTES NA AMÉRICA DO 1920 Lápis e lápis de cor, 33,5 x 22 em

4. A TAÇA DE MILLER, 1905 Lápis, 75 x 100 em

25. O BANCO DE SANTO ADOLFO, 1921 Lápis e lápis de cor, 68 x 51 cm

5. GARRAFA DE LEITE, 1912 Lápis e lápis de cor, 88 x 58 em

26. A COBRA DE FOGO DO OCEANO Lápis e lápis de cor, 35 x 44 em

6. PROPULSOR A VAPOR, 1919 Lápis e lápis de cor, 31 x 47 em

27. CASA DE BANHO KEMMERI CASCATA SANTO ADOLFO, 1926 Lápis e lápis de cor, 63,4 x 77,1 em

7. PROPULSOR A VAPOR E GERADOR DE DÍNAMO, 1919 Lápis e lápis de cor, 31 x 47 em 8. O CHAPÉU DO GIGANTE DE DEUS COM O SANTO ADOLFO, FONTE GIGANTE, 1917 Lápis e lápis de cor, 38 x 50 em

DE

1921

28. O CINEMA DE SANTO ADOLFO, 1927 Lápis e lápis de cor, 66 x 78 em 29. MARGARINA x 79,9 em

9. TRANSPARENTE, 1919 Lápis e lápis de cor, 51 x 68 em

30. cor e colagem, 44,7 x

10. O DEUS - PAI - GIGANTE Lápis e lápis de cor, 51 x 68 em

1919

cm

1927 de cor, 58,5 x 78 cm

11. RODA DE MOINHO PERTO DE BAHN NA PARTE SUPERIOR DO VALE EIFISCH, 1917 Lápis e lápis de cor, 29 x 22 em

32. A CATEDRAL DE SANTO e de cor, 150 x 100,5 cm

12. LARANJEIRA. FLORESTA DO CASAMENTO NA ÁFRICA, 1920 Lápis e lápis de cor, 34,5 x 21 em

33. A CORRENTE DO AMAZONAS E O SALÃO DO 1911 cor, (IV /p. 403) 100 x 144 em

13. VIRGEM MARIA E MENINO Lápis e lápis de cor, x 31,5 em

34. SUDESTE DO AMAZONAS SALÃO DO 1911 407) 100 x 144 em e lápis de cor,

1920

14. O SALÃO DO SUL DE ATLANTA, O ANEL DE SANTO ADOLFO, 1920 Lápis e lápis de cor, 34 x 25 em 15. WALLHALA E WALLGUNDA, 1920 Lápis e lápis de cor, x 22 em

35. O LAR DE SANTO SOBRE A ESTRELA

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1921

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CIDADE GIGANTE 1911 em

u.y"''-' de Maria

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108


10. O DEUS

PAI -- GIGANTE

1919

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110


Adolf Wülfli nasceu em 1864, no distrito de Emmenthal, cantão de Berna. Era o último de sete filhos. A família mudou-se para Berna, cujas características físicas provocaram forte impressão sobre Wülfli. A forma de peixe do traçado da cidade aparece em muitos de seus desenhos. Por volta de 1870, o pai de Wülfli, pedreiro, abandonou o lar e a mãe teve de trabalhar como lavadeira para sustentar os filhos. Em 1872, quando a mãe adoeceu, a família foi mandada de volta para Schangnau, no distrito de Emmenthal, onde o poder público lhes deu uma moradia. Wülfli ficou separado da mãe, que faleceu pouco tempo depois. A partir de então, Wülfli trabalhou como empregado para vários agricultores que lhe davam abrigo, e nesse período sofreu graves privações. Sua inclinação anormal por garotinhas levou-o à prisão, numa condenação por tentativa de estupro de duas meninas: uma de 14 e outra de 5 anos . Em 1890, foi para a penitenciária de St. Johannsen e, depois de solto, em 1892, trabalhou como assalariado em Berna e lugares próximos. Em 1895, Wülfli foi preso novamente, por outra tentativa de estupro, agora contra uma menina de 3 anos, e internado no hospital psiquiátrico de Waldau, em Berna, onde sua doença foi diagnosticada como esquizofrenia. Wülfli perma- • neceu nesse hospital até 1930, quando morreu de câncer. "Naturalista, poeta, escritor, desenhista, compositor, camponês, ordenhador de vacas, pau-para-toda-obra, jardineiro, estucador, pedreiro, ferroviário, diarista, amolado r de facas, pescador, barqueiro, caçador, prestador de serviços temporários, coveiro e soldado do 3.° Grupo de Combate da 3.a Companhia do Batalhão de Emmenthal. Salve!" 1 "Santo Adolfo lI, Mestre de Álgebra, Comandante~em-chefe dos militares e Diretor Geral de Música, Diretor do Teatro Gigante, Capitão do Gigante Vapor Todo-Poderoso e Doutor de Artes e Ciências, Diretor da Companhia de Produção de Livros de Álgebra e Geografia e General dos Fuzileiros. Inventor de 160 invenções originais e extremamente valiosas, patenteadas para todo o sempre pelo Tzar russo, e aleluia! glorioso vencedor de muitas batalhas violentas contra os Gigantes." 2 Foi só depois do começo da doença mental que Adolf Wülfli - camponês inculto, exemplo perfeito de esquizofrenia criativa - produziu sua obra, que cativa e fascina pela alta qualidade da criação pictórica, poética e musical, e pelo enorme alcance dos trabalhos. A transposição de elementos biográficos para o campo do mito imponente (Wülfli como diabo; como divindade e figura crucificada; baladas e caricaturas de fundo sexual agressivo; viagens alucinatórias pelo cosmo; tudo entremeado de canções folclóricas) é uma característica da obra de Wülfli, em que o compreensível coexiste irreconciliavelmente com o incompreensível, o banal com o profundo. O que seduz ou repugna o observador é exatamente essa justaposição de eventos espantosos com a narração autobiográfica de uma vida trágica, acompanhada de um humor sutil, pueril e incontrolável.

Adolf Wülfli tornou-se famoso por seus desenhos . Com exceção de alguns trechos, sua extensa obra narrativa continua desconhecida. É composta de 44 livros ilustrados (20.000 páginas com mais de 1.400 desenhos e mais de 1.500 colagens) contendo textos épicos, poemas escritos em dialeto, poemas sonoros e composições musicais. Nos primeiros anos da psicose, Wülfli era violento, agitado e sofria graves alucinações. Com freqüência tinha de ser isolado dos outros pacientes. Desenhar e escrever o acalmavam bastante, mas até morrer sofreu alucinações e sempre disse que ouvia vozes. Puseram-no num quarto pequeno, parecido com uma cela - cujo teto empapelou com um enorme desenho - , onde podia trabalhar sem ser interrompido (forneciam-lhe papel e lápis), e onde não perturbava os outros pacientes ao tocar suas composições em cornetas de papel enrolado. Além de funcionar como mecanismo regulador contra as forças caóticas e destrutivas da auto-alienação esquizofrênica, sua atividade artística possuía também a função não-artística de permitir-lhe reter sua identidade. C. G . Jung dá a isso o nome de mandala - uma "zona de preservação" contra os estados mentais. Aparecem muitas compo- . sições de mandala na obra de Wülfli e em todas as ilustrações de seqüência cíclica: ordem - agitação e confusão caos - alívio. A importância da obra de Wülfli foi reconhecida pela primeira vez por Walter Morgenthaler, médico de Wülfli durante oito anos. Já em 1921, um ano antes da publicação do livro de Prinzhorn, Bildnerei der Geisteskranken (Trabalho Criativo dos Doentes Mentais), Morgenthaler publicou uma extensa monografia sobre a vida e a obra de Wülfli, com o corajoso título de Ein Geisteskranker aIs Kunstler (Um Doente Mental como Artista), com nome e fotografias do paciente. Até hoje esse trabalho sobre Wülfli exerce influência sobre muitos artistas. Depois de ler o livro, em 1921, o poeta Rainer Maria Rilke escreveu a Andreas Salomé: "( ... ) O caso de Wülfli ajudará a compreender definitivamente a natureza da criatividade, e contribuirá para a aceitação inortodoxa, porém cada vez maior, de que muitos sintomas de doença mental devem ser incentivados, pois representam o meio pelo qual a Natureza busca recuperar os seres que se alienaram". Na década de 1930, o grupo de surrealistas que se reunia em torno de André Breton dedicou mui ta atenção ao trabalho de W ülfli. Em 1945, Jean DubuHet visitou a Coleção Waldau, e sua familiaridade com a obra de Wülfli foi o impulso decisivo para a fundação da Compagnie de l'Art Brut (1948), que contém grande número de obras deWülfli . Todos os bens artísticos de Wülfli - a Coleção W aldau, a Coleção Morgenthaler e todos os seus escritos - estão hoje no Bern Kunstmuseum . A Fundação Adolf Wülfli assumiu a responsabilidade de investigar cientificamente e publicar a obra gráfica e poética de Wülfli. Elka Spoerri

I

2

Adolf Wülfli: trecho de Do Berço ao Túmulo, 1908-1912. Adolf Wülfli: trecho de Marcha Fúnebre, 1929-1930.

(Tradução de Aldo Bocchini Neto)

111


Anna Zernánková Nasceu em 1901. Vive em Praga, na Tchecoslováquia

3. SAUDACÃO III Técnica ~1ista, 45,2 x 31 cm

4. PÁSSARO I ObrtlS apresentadas.

Técnica mista, 29,8 x 21 cm

1. SAUDACÃO T Técnica 1;1ista, 45 x 33 cm

5. PÁSSARO II

2. SAUDAÇÃO JI T~cnjcl misLl, 45 x 31,5 cm

6. PÁSSARO III Técnica mista, 29,8 x 21 cm

112

Técnica mista, 28,8 x 14,9 cm


6. PÁSSARO IH Foto: José Augusto VarellalJosé Roberto Cecato

1. SAUDAÇÃO I Foto: José Augusto VarellalJosé Roberto Cecato

113



SUMÁRIO A Bienal e os Artistas Incomuns The Biennale and Outsider Art Apresentação Preface Cosmogonias outras Outsider Cosmogonies Lugar ao Incivismo A Experiência do Engenho de Dentro A Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri A Inspiração Artística entre os Normais e os Alienados A Arte dos Loucos A Arte é um Anti-Destino Wolfli, Alolse, Müller Adelina Albino Alolse An tônio Poteiro Antônio Sérgio Aurora Carles-Tolrá, Ignácio Carlos Emygdio F acteur Cheval Farid Fernando Gill, Madge G.T.O. Hauser, J ohann Heil, Eli Isaac Jaime Müller, Heinrich Anton Octávio Ignácio Periphimous, A.G. Raphael Santos, Gabriel dos Schãrer, Hans Sebastião Tatin, Robert Tschirtner, Oswald Volanhuk, Jakim Walla, August Wilson, Scottie Wolfli, Adolf Zemánková, Anna

7 9

11 15 19

26 33 36

41 44 47 48 49

53 54 55 57 60 61 62 64

66 67 71 72 73

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FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO

Francisco Matarazzo Sobrinho (1898/1977) Presidente Perpétuo Conselho de Administração Luiz Diederichsen Villares Ermelino Matarazzo Membros Vitalícios José Humberto Affonseca João Fernando de Almeida Prado Francisco Luiz de Almeida Salles Aldo Calvo Antonio Sylvio da Cunha Bueno Justo Pinheiro da Fonseca Erich Humberg João Leite Sobrinho Ema Gordon Klabin Sábato Antonio Magaldi Benedito José Soares de Mello Pati José de Aguiar Pupo Sebastião Almeida Prado Sampaio Oswaldo Silva Hasso Weiszflog Membros Eleitos Armando Costa de Abreu Sodré Maria do Carmo Abreu Sodré Edgard Baptista Pereira Albert Bildner F ernão Carlos Botelho Bracher Oswaldo Arthur Bratke Wilson Dias Castejon Diná Lopes Coelho Plínio Croce Rubens José Mattos Cunha Lima Aloysio de Andrade Faria Marcio Martins Ferreira Dilson Funaro Lucas Nogueira Garcez Cesar Giorgi Oswaldo Correa Gonçalves José Gorayeb Otto Heller Oscar P. Landmann Francisco Papaterra Limonge Neto Ernest Gunter Lipkau Roberto Maluf Giannandrea Matarazzo Hélene Matarazzo José Mindlin Romeu Mindlin José Geraldo Nogueira Moutinho

Presidente Vice-Presidente

Wladimir Amaral Murtinho Celso Neves Paulo Uchoa de Oliveira Roberto Pinto de Souza Pedro Piva Luiz Fernando Rodrigues Alves Maria do Valle Pereira Rodrigues Alves João Baptista Prado Rossi Manoel Whitaker Salles José Maria Sampaio Corrêa João de Scantimburgo Lauro de Barros Siciliano Victor Simonsen Dora de Souza Érico Siriuba Stickel Edmundo Vasconcellos Conselho de Honra Oscar P. Landmann Luiz Fernando Rodrigues Alves Diretoria Executiva Luiz Diederichsen Villares Giannandrea Matarazzo Antonio Sylvio da C. Bueno Robert Hefley Blocker Pedro Paulo Poppovic David Zeiger t

Presidente 1.0 Vice-Presidente 2.° Vice-Presidente

Conselho de Arte e Cultura Walter Zanini Presidente Ulpiano Bezerra de Menezes Paulo Sérgio Duarte Esther Emílio Carlos Donato Ferrari Luiz Diederichsen Villares Casemiro Xavier de Mendonça Secretaria (;eral José Francisco Quirino dos Santos Assistente da Presidência para Relações Internacionais J osette Balsa


Coordenador do Setor de Arquivo e Publicações

Equipe

Ivo Mesquita

Antonio Milton Araújo Jorge Francisco de Araújo

Arquivos Históricos Wanda Svevo

Ernestina Cintra Antonia Massari Rizzardi Secretaria

Márcia Franco Bradfield Azael Leme de Camargo Nina Hokka Cleide Marinho de Oliveira Marise de A. Nobrega Martins ~laria Inês Garcia Sampaio Vera Lúcia de Castro Ferreira e Silva Consultor Legal

Oswaldo Fávero Auditor

Alberto Bontein da Rosa Junior Maria Sílvia Prata Pinto Morais (Assistente) Contabilidade

Augusto Roberto Fudaba

Heronides Alves Bezerra F ernando Rodrigues Brandão Marina de Brito Corrêa Edwino Ferrazin Raphael Marques Hidalgo José Maria Soares de Lima Luciano Gazola Mazini Eliando E. D. S. Santa Maria Mércia ~milia Moreira Tânia Nori Morelo Lourival Dias de Oliveira Dalva Ribeiro Pascoal Luiz Augusto dos Santos Gilberto de Macedo Silva João Ferreira da Silva J oel de Macedo Silva José Leite da Silva Maria Madalena Lima da Silva Oswaldo Joaquim da Silva Severino Barbosa da Silva Manoel Alves de Souza Armando Ricardo de Viveiros · Luis Antonio Xavier Armando Henrique Whitaker

Montagem

Guimar Morelo Alfândega

Tercio Levy Toloi

Conselho Fiscal

Waldemar Pereira da Fonseca Darcio de Moraes Walter Paulo Siegl José Luis Archer de Camargo (Suplente)



Catálogo de Arte Incomum Editora Maria Otilia Bocchini Diretor de Arte Julio Plaza Documentação e Catalogação Ivo Costa Mesquita Pesquisa D. T. Chiarelli Tradução Mariarosaria Fabris (Coordenação para italiano, franês, espanhol e alemão) Aldo Bocchini Neto Laurence Patrick Hughes Maria Regina Ronca Mário José de Araújo Nartina G. B. Ognibene Preparação de texto e revisão Carlos Eduardo F. Carvalho Mitsue Morissawa Nilza Iraci Silva Secretária Editorial Neuza Marinho de Oliveira Datilografia Cleide Marinho de Oliveira Ida Maria de Luiz Fotografia José Augusto Varella José Roberto Cecato Cartas Cláudio Moschella Composição Linorat Ltda. IMPRESSÃO p~"" INDÚSTRIA GRÁFICA lTDA.





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