Criptocontos - antologia de contos de terror

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Criptocontos Antologia de contos de terror elaborados pelos alunos do 3.º ciclo da Escola Secundária Dr. Júlio Martins, no âmbito da sua participação no concurso


Criptocontos Contos de terror Ana Amarante Beatriz Alves ClĂĄudia Trinta Ema Morais Filipe Cardoso Joana Baiona JoĂŁo Mendes Mariana Loivos Matilde Pinheiro


O rubi de Ana Amarante

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Toda a gente gosta de uma boa e assustadora história de terror, não importa onde nem quando, até pode ser contada num acampamento de verão, vista no cinema numa sextafeira à noite ou, até mesmo, lida no conforto do sofá domingo de manhã, só há um problema que é quando o terror invade a vida real, e isso já é mesmo outra história. Numa tarde quente de verão, estava a passear com a minha amiga Luísa, quando me deparei com o colar mais bonito que alguma vez vi, feito de prata com um pirilampo, cujo detalhe que eu mais gostei foi um pequeno rubi a fazer de luz. - Luísa, podemos entrar? Luísa fitou-me, por alguns segundos, com os seus olhos verde-esmeralda que contrastavam com o seu cabelo loiro quase branco, onde saltava à vista uma pequena madeixa ligeiramente mais escura, quase acastanhada, que lhe tapava uma parte do olho esquerdo. - Tu podes ir, eu fico aqui fora. Esta loja dá-me arrepios. Entrei disparada para dentro da loja, que para ser sincera era mesmo arrepiante, a mobília antiga cheia de poeira deixava um leve cheiro a mofo, a iluminação fraca tornava a loja escura e fria ao mesmo tempo, e para não falar dos objectos da vitrina, olhos de vidro, miniaturas de crânios, uma lâmpada de génios, patas de coelhos, animais embalsamados, líquidos viscosos e insectos congelados, por curtas palavras a loja parecia ter saído de um filme de terror. Dirige-me ao balcão onde estava uma senhora de cabelos brancos, com um manto roxo escuro que aparentava ter mais de 65 anos. - Em que posso ajudá-la, menina?- perguntou-me com uma voz rouca e um olhar frio. - Queria comprar o colar com o pirilampo. - Tens a certeza?- retorquiu arqueando as sobrancelhas. - Sim?!? - respondi com um tom de dúvida. Num passo vagaroso, retirou o colar da montra com cuidado e, antes de mo entregar, fez-me uma pergunta mais estranha do que a anterior. - Como te chamas? - Bruna …

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A senhora acompanhou-me à porta, olhou para o colar e depois para mim, colocou-mo no pescoço e com a sua voz rouca, mas num tom misterioso, juntamente com um olhar sério, disse-me: - O colar fica oferta da casa, pois o que te espera, não tem preço, apenas ….– calou-se como se se arrependesse de proferir as palavras, e fechou a porta com tanta força que mais parecia que aquele gesto completava a frase. Fiquei tão confusa e perplexa, que a única coisa que consegui fazer foi ficar a olhar para a porta com ar de tonta, até que uma voz frustrada me despertou do transe: - Bruna, o que estás a fazer? O que aconteceu? Demoraste tanto tempo! Como é que lhe ia explicar o que aconteceu, explicar-lhe o porquê de ter demorado tanto tempo, se eu mesma não o percebi, por isso fiz o que costumo fazer quando não encontro as palavras adequadas, continuar a andar como se nada tivesse acontecido. Durante todo o caminho reinou o silêncio, e estávamos tão cansadas que quando chegámos ao pequeno apartamento que alugamos perto da Universidade, deitamo-nos no sofá, só eu é que acabei por adormecer. Sonhei que estava presa num escuro interminável, onde ninguém me conseguia ouvir, onde pequenos pontos distantes e reluzentes eram a minha companhia, onde todos os meus sonhos designados voláteis desapareciam, onde obscuros pensamentos me dominavam, onde “o infinito” era o que eu mais temia. São este tipo de sonhos, mais propriamente pesadelos, que nos fazem querer acordar, abrir os olhos, viver um novo dia, mas o que eu sentia era oposto, queria fechar os olhos e voltar para aquele mar negro desconhecido cheio de seres de outro mundo, pois com os olhos abertos o que eu via era preto e branco, tudo à minha volta tinha substituído as suas vivas cores pelo preto e branco, como se tivesse entrado num filme dos anos 60, a diferença era que eu ainda via o vermelho cintilante do rubi sobre o meu peito. Belisquei o braço direito, na esperança de acordar de vez, de aquilo tudo ser apenas outro pesadelo, mas nem mesmo a dor súbita e aguda do beliscão me trouxe para a realidade, ou será que já estava na realidade? Decidi procurar por Luísa, porque quando acordei já não estava na outra ponta do sofá, percorri o apartamento, mas nem sinal dela. Lembrei-me, então, que às 10.30 Luísa costumava ir para a biblioteca, o seu pequeno santuário, ler e absorver conhecimento mas, quando fui ver as horas, reparei que todos os relógios que tínhamos

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em casa tinham simplesmente desaparecido, como se o tempo não existisse e fosse apenas uma palavra fantasma. Abri a porta de entrada, e na rua onde costumava haver jovens universitários alegres e bem-dispostos, havia idosos tristes e cansados. Comecei a andar num passo apressado, para chegar mais rápido à biblioteca e, a cada passo que dava, a cada movimento que fazia, mais olhares famintos me rodeavam, querendo cada centímetro de mim, cada centímetro do que eu sou. Ignorei e acelerei o passo, até que cheguei ao ansiado destino. A mesma estrutura, o mesmo ranger de porta, estava tudo igual, excepto a cor, e o que me fez congelar as veias, esqueletos assustadores de vários tamanhos e feitios, todos com crânios compridos, onde retinham todo o conhecimento que adquiriam através da leitura, estavam tão concentrados, com os seus olhos negros e “cavados” fixados nos livros que nem a minha presença os vez desviar olhar, apenas um me olhou nos olhos e com uma voz estridente disse-me: - O que procuras está atrás daquela porta – apontando para uma pequena porta cheia de teias de aranha. Dirijo-me para a porta e não só as minhas veias congelaram, todo o meu ser ficou imóvel, “Nós juventude que aqui estamos pela tua esperamos”, era a frase que estava por cima da porta, mas estava longe de ser pior do que aquilo que estava prestes a ver. Pequenas campas de mármore, com fotografias de jovens no topo, e rosas pretas no chão, e eu mal podia acreditar que a primeira era de Luísa, e que em letras feitas à mão estava escrito “A minha juventude aqui sepultada espera pela da minha amiga, para a eternidade”. Pavor, medo e terror, três palavras unidas que formam pânico e lágrimas, juntamente com uma dor enorme no peito que parece que nos corta a respiração para nos fazer desaparecer. Saí da biblioteca ainda em choque querendo que aquele cenário evaporasse da minha memória, das minhas recordações. Comecei a correr, acelerando o passo gradualmente, sem destino, sem rota, até que fui impedida de continuar por uma pedra que me fez cair de cabeça no chão. Levantei-me, evitando que a dor gerasse mais lágrimas, e foi quando vi num vidro duma montra o meu reflexo, que é jovem, e estava naquele momento velho, os caracóis tinham perdido o seu volume natural, a pele branca e suave, estava enrugada e os meus olhos, cheios de vida, estavam mortos. Sentei-me num canto, a chorar e a repetir a mesma frase na minha cabeça, vezes e vezes sem conta “É só um pesadelo, é só um pesadelo, tu vais acordar, não tenhas medo, é só um

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pesadelo”, apesar de saber plenamente que aquilo não era apenas um sonho, era a realidade. Ecoou então nos meus ouvidos uma voz rouca e familiar. - Tem calma! Isto tudo está prestes a passar! Ergui a cabeça e vi-a, era a dona da loja, a que me deu o colar, mas mais jovem, aparentando menos de 40 anos. - O que quer de mim? Porque me deu este colar? - perguntei assustada. - O que toda a gente quer, imortalidade, juventude eterna – esclareceu calmamente, com o seu olhar frio, que mesmo sendo mais nova ainda permanecia com ela. - Mas isso não explica o porquê de me ter dado o colar… – retorqui num tom mais confiante, mas mesmo assim insignificante. - Esse colar pertence à minha família desde a idade média. Permite-nos roubar o bem mais precioso que toda a gente tem, o bem mais apetecível de todos os tempos pelo simples facto de não durar para sempre…. Esperei anos e anos, até que entraste na minha loja. Agora, a tua juventude pertence-me e foste tu que ma deste, porque este mundo foste tu que criaste, estava escondido nos obscuros pensamentos que guardas, o colar apenas o tornou possível. - Eu não lhe dei a minha juventude e não vai ficar com ela! – respondo quase a gritar. Riu-se num tom sarcástico e irritante. - É claro que vou e não há nada que possas fazer! – exclamou esboçando um sorriso trocista. Podia não conseguir acabar com tudo aquilo, mas a palavra “tentar” tinha um poder mais forte do que a palavra “desistir”, por isso arranquei o colar do meu pescoço, e deitei-o para o chão, partindo o rubi cintilante em pequenos fragmentos. Um clarão branco cegou-me a vista e o grito agudo da dona loja quase me impediu de ouvir. Acordei sobressaltada, estava outra vez no apartamento, as cores tinham voltado, e Luísa estava outra vez a dormir na outra ponta do sofá. Sem pensar, abracei-a para ter a certeza de que era mesmo ela. - Bruna, o que estás a fazer? – perguntou Luísa acordando assustada e confusa. Não lhe respondi, apenas larguei-a e corri para a casa de banho, pois ainda faltava uma coisa, para que tudo tivesse regressado. Olhei para o espelho e o meu reflexo estava

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outra vez jovem. Esbocei um sorriso, gritei e dancei, pois não podia deixar que aquela alegria que me consumia passasse despercebida, a verdadeira realidade estava de volta. Mas como em todos os finais há sempre uma ponta solta, que nunca se endireita, nunca segue o rumo do novelo ao qual pertence e a ponta solta da minha vida é nem mais nem menos do que o medo, pois o medo não vai seguir o mesmo rumo que eu, não vai voltar a apagar a luz que ilumina a escuridão, a luz que está dentro de mim.

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A festa dos fantasmas de Beatriz Alves

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Sofia e Bruno são gémeos e, pelo seu aniversário, convidaram alguns amigos para passarem a noite em sua casa. Os seus pais estavam fora, numa viagem de negócios o que fez com que tivessem ficado sozinhos. No dia da festa os rapazes e as raparigas estavam separados: as raparigas no quarto da Sofia e rapazes no quarto do Bruno. As amigas da Sofia faziam penteados umas às outras, maquilhavam-se e viam filmes de terror.Por sua vez, os rapazes jogavam videojogos e, principalmente, pregavam partidas às raparigas. Começaram por bater à porta do quarto delas e fugirem. Depois telefonavam-lhes anonimamente, aproveitando a sua ida ao telefone para lhes atirarem água, com as pistolas de água, até que acabaram por se cansar e desistirem das partidas. As raparigas continuavam no quarto, já fartas das brincadeiras infantis dos amigos do Bruno. Passaram-se duas horas e não havia sinal dos rapazes. Sofia saiu do quarto com Maria na tentativa de descobrir o que é que os rapazes andavam a tramar. Abriu a porta do quarto de Bruno, muito devagar e sem fazer barulho. Quando entrou no quarto, não viu ninguém. Os rapazes tinham desaparecido... Quando voltavam para o quarto da Sofia, ouviram um barulho. Eraum barulho assustador… Aterrorizadas, correram para o quarto e trancaram a porta. Passado uns minutos, bateram à porta. Sofia levantou-se e foi abri-la a medo. De súbito, deu um grande grito. Em frente à porta estava Gustavo, um dos amigos de Bruno, com a cara ensanguentada, a roupa rasgada e suja e o cabelo despenteado. A rapariga muito preocupada perguntoulhe o que lhe tinha acontecido e foi então que elas descobriram que tinha sido mais uma das partidas palermas dos rapazes.Tinha sido isso que eles tinham estado a preparar durante aquelas duas horas, em que andaram desaparecidos. Passado algum tempo, desde esta brincadeira, Maria saiu do quarto para ir à casa de banho e voltou ao ouvir o mesmo barulho que a assustara antes. Porém, pensando que, mais uma vez, os rapazes estavam a tentar pregar-lhes outra partida, não levou aquilo a sério. (Mas devia ter levado…) Quando saiu da casa de banho começou a ver fantasmas a andar às voltas em casa. Atemorizada, começou a gritar, pelo que, tanto os rapazes como as raparigas, saíram

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dos quartos para ver o que se passava. Ao ver aquele cenário assustador, começaram a correr pela casa fora, numa confusão, a gritar e a tentar de alguma forma pedir ajuda. Alguns deles procuravam telefonar para as emergências. Outros saíram à rua para pedir ajuda aos vizinhos… Mas, como que por magia, ninguém atendia o telemóvel e todas as pessoas do bairro, onde viviam os dois irmãos, tinham desaparecido. Os jovens não sabiam o que fazer. Andavam todos a correr na rua, feitos loucos, à procura de ajuda… Mas nem sinal de humanos. Quando Sofia e Maria voltaram a casa para ligarem de novo para as emergências, a porta principal estava trancada. A das traseiras também e as janelas estavam todas fechadas. Não tinham como entrar em casa. Espreitaram lá para dentro pela janela da cozinha. Os fantasmas continuavam dentro de casa e tinham sido eles quem tinha trancado todas as portas e janelas. Os rapazes e as raparigas tinham combinado encontrar-se em frente à casa dos gémeos, quando acabassem de dar a volta ao bairro, na esperanças de encontrar alguém, porém, quando se encontraram, faltavam três dos amigos do Bruno e quatro das amigas de Sofia. Esperaram meia hora, pois pensavam que se tinham atrasado, mas eles não apareciam. Pelo que se voltaram a separar para procurar os amigos (supostamente desaparecidos) combinando encontrar-se no mesmo sítio. Quando se reencontraram, para além de não terem encontrado os amigos, tinham desaparecido mais três, restando apenas quatro, Sofia, Maria, Bruno e Gustavo. Apesar de estarem muito preocupados, decidiram que seria melhor não se voltarem a separar, uma vez que lhes podia acontecer o que quer que tivesse acontecido aos seus amigos. Como já era tarde e estavam todos com sono, decidiram dormir por turnos. As raparigas ficaram-se a dormir no quintal enquanto os rapazes ficaram a vigiar. A meio da noite trocaram de posições. Quando os rapazes foram ao quintal para acordar as raparigas… Elas também tinham desaparecido. Bruno e Gustavo não podiam fazer nada para remediar aquela situação. Começaram a ficar muito nervosos… Sentaram-se no chão e puseram-se a pensar no que poderia ter acontecido e no que fazer em relação aos desaparecimentos.

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De súbito, apareceu à sua frente um feixe de luz muito intenso, vindo do céu. Dele apareceram dois monstros verdes. Cada um tinha duas cabeças com um formato estranho, a pele viscosa e os pés gigantes. Os rapazes começaram a correr, só queriam fugir dali para fora, mas os monstros eram mais rápidos do que eles. Cada um dos monstros apanhou um dos rapazes e, com as suas mãos fortes e grandes agarraram e levaram o Bruno e o Gustavo. Empurraram os rapazes até ao feixe de luz e, apesar dos dois continuarem a resistir, não conseguiram pará-los. Os monstros posicionaram os dois rapazes debaixo do feixe e, de repente, uma onda de calor atingiu-os, empurrando-os em direção ao céu. Subiram tão alto que acabaram por perder os sentidos. Quando acordaram viram-se dentro de uma sala gigante e cheia de corpos, em cima dos quais eles estavam sentados. Começaram a olhar em volta e perceberam que afinal, aqueles eram os seus vizinhos, amigos e habitantes da sua cidade. Porém, todos eles estavam meio adormecidos. Os dois rapazes levantaram-se e começaram a tentar acordar as pessoas. Começaram todos a acordar à medida que eles os iam chamando. Mas, quando os monstros se aperceberam, entrou uma multidão de soldados que lhes começaram a bater com uns bastões e, que depois de os terem todos no chão, saíram de lá a correr e ativaram uma espécie de ventilação, que trazia um gás que os fez adormecer de novo. Desta vez para sempre! . E ali ficaram, mortos e em cima uns dos outros. Para que é que os monstros precisariam deles?

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O gemido e a prisao sovietica de Clรกudia Trinta

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Era uma bela tarde, soalheira e na praia encontravam-se dois adolescentes apaixonados que queriam aproveitar aquela tarde ao máximo. O céu estava limpo e o mar calmo. As nuvens eram poucas e a tarde parecia ser perfeita. Aos poucos ia entardecendo e as pessoas começavam já a regressar às suas casas, deixando os dois adolescentes sozinhos na praia. Agora, o céu tinha tons alaranjados e as nuvens, que dantes quase não existiam, começavam a aparecer em tons de roxo e corde-rosa. O rapaz, que era muito aventureiro, e acreditava não ter medo de nada, convidou a rapariga a entrar numa gruta que por ali existia, num tom desafiador. A rapariga hesitou, mas, para não ficar mal vista perante o namorado, acabou por aceitar. A gruta era fria e apresentava um cheiro desagradável, o que tornava aquele lugar um pouco assustador. A rapariga estremecia de frio e medo à medida que se afastavam da entrada, mas o rapaz mostrava-se firme e destemido. Apesar do ambiente assustador, os dois jovens trocavam olhares e conversavam baixinho. Notava-se que existia uma grande química entre eles e que eram feitos um para o outro. De repente, ouviu-se um forte ruído. Eles agarraram as mãos um do outro e num ato de ternura, procurando acalmar-se os seus lábios acabaram por se tocar. Depois de se beijarem o rapaz agarrou a cintura da rapariga, puxou-a para ele e disse-lhe que a amava. A rapariga sorriu e no momento em que lhe ia responder que também gostava muito dele, os dois adolescentes ouviram um gemido. Era um som rouco e assustador. Ambos pensaram logo nas diferentes criaturas que o poderiam ter provocado. Apavorados, os adolescentes, por prevenção, acharam que seria melhor abandonar a gruta e ir para casa. Assim fizeram, mas continuavam a pensar no gemido que tanto os assustou. Durante a noite, mal conseguiram dormir, tentavam lembrar-se do tempo que passaram juntos, afastando do pensamento o tal gemido. Mas era impossível, nenhum deles conseguia tirar aquilo da cabeça. No dia seguinte, quando o rapaz acordou, ligou à rapariga. Num tom de voz assustado, ele dizia que estava preso num lugar horrível, escuro e que nunca tinha visto aquele lugar antes. Pediu-lhe então, que se dirigisse a casa dele, ao seu computador, e para, através duma aplicação, localizar o seu telemóvel, pois só assim poderia aceder ao espaço em que ele se encontrava.

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A rapariga, muito preocupada, foi a casa do rapaz e, com algum medo, explicou aos pais dele o que tinha acontecido na gruta e o que estava a acontecer naquele momento. Os pais ficaram assustados, mas desconfiados, pois tinham a certeza de que tinham visto o filho na noite anterior, em casa. Subiram as escadas a correr e entraram no quarto do filho. Ele tinha desaparecido. Depois de seguirem as instruções do rapaz, conseguiram localizar o telemóvel dele. Ele estava numa prisão soviética velha e abandonada. A rapariga ligou aos seus pais e estes juntaram-se à família do rapaz. De seguida, partiram em conjunto para a tal prisão soviética que se localizava na fronteira com a Ucrânia. A certa altura o pai do rapaz perguntou: - Mas o que é que uma prisão soviética velha e abandonada tem a ver com o gemido que vocês ouviram na tal gruta? - Que gemido? – perguntou a mãe da rapariga, que ainda não sabia de tudo. A rapariga lá explicou o que tinha ouvido na gruta e contou também que o rapaz lhe ligara. - Realmente o que é que isso tem a ver com o facto de ele estar na tal prisão?- afirmou a mãe. - Não sei, mas poderá ser uma pista para ajudar o Renato. – respondeu a rapariga. Quando finalmente chegaram ao local, passado horas de desconforto e preocupação, repararam que estavam instaladas várias câmaras nas paredes da entrada, e se dessem um passo em falso ou tomassem alguma atitude incorreta o rapaz poderia ser prejudicado. Avançaram com cuidado, começando por distrair o guarda da entrada, de modo a conseguirem passar. Quando finalmente se encontraram dentro do estabelecimento, apareceram mais guardas que foram facilmente dominados pelos pais dos jovens que eram lutadores de judo. No entanto continuavam com o problema de não saberem onde o rapaz estava. Os pais começavam a ficar desesperados, temendo o que podia acontecer. De repente, ouviram um ruído. Aproximaram-se e acabaram por conseguir entrar numa divisória do edifício, que por acaso era onde se encontrava o rapaz.

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Enquanto se abraçavam, a porta fechou-se de repente, o que foi simplesmente horrível. Encontravam-se, agora, naquele lugar, a rapariga e o rapaz e os pais de cada um deles. O rapaz disse-lhes que não se lembrava de como foi ali parar. Apenas se recordava de acordar ali. Algo estremeceu. Ouviu-se um gemido, o tal gemido que tanto os assustara, e projetou-se a imagem de uma concha na parede. - A concha – disseram os dois adolescentes em coro. - Que concha? – perguntaram os restantes. Mas não obtiveram resposta. Os adolescentes, que se encontravam sentados, levantaram-se e questionavam-se sobre o que estava a acontecer: o gemido, a concha… Nenhum deles acreditava em coincidências. Afinal, o que estaria a acontecer? O que seria aquilo? De que maneira a gruta e aquela prisão poderiam estar relacionadas? Sentiam que estavam a ficar com pouco ar, afinal de contas aquela divisão não era suficientemente grande para tanta gente e durante tanto tempo. No preciso momento em que sentiram isso, alguém bateu à porta. Todos ficaram calados. Subitamente, entrou uma rapariga, que tinha aparentemente 12 anos, e logo percebeu o que tinha acontecido. Ela explicou-lhes que uma menina, que por acaso era sua prima tinha morrido na tal gruta da praia e que ela tinha sido possuída. Era como se tivesse “sede de sangue”. Essa menina tinha um tesouro: uma concha. Uma concha linda, branca e que tinha um brilho fantástico. Ela andava sempre com essa concha, e quando ela morreu, naquela gruta, (ninguém soube de que morreu ), como era habitual, trazia a concha consigo. Como tinha sido possuída, e para se vingar, ela enviava as pessoas que tinham entrado naquela gruta para a prisão. Fora nessa prisão que a sua mãe morrera de desgosto. A menina sentia que ao entrarem naquela gruta estavam a invadir o seu espaço. Quando terminou a história, a rapariga saiu daquela divisão sem que ninguém tivesse tempo para a impedir e a porta trancou-se. Nunca mais se ouviu falar de nenhuma daquelas pessoas.

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A floresta do horror de Ema Morais

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Acordo e vejo o mesmo de sempre. Volto a fechar os olhos e continuo lá. Por fim decido-me a levantar e caminho pela casa deserta. De repente, vejo um bilhete escrito à pressa no vestíbulo. Mais uma vez os meus pais foram para uma reunião importantíssima e eu tenho de ir de autocarro para a escola, o que ainda demora uns bons 30 minutos. É o que dá viver no meio da província! “É relaxante! - dizia a minha mãe. - não vamos sofrer o stress da cidade - dizia o meu pai. - Vamos viver no meio do nada! - dizia eu. “ Mais uma vez a minha opinião não foi ouvida e mudamo-nos de um belo apartamento no centro da cidade para uma casa decrépita sem vizinhos no raio de 10 km e só com vista para a floresta. Quando nos mudámos apareceu um velho caquético que nos veio dizer para não entrarmos na floresta e tão rapidamente apareceu como se foi embora a murmurar orações numa língua estranha que me pareceu linguagem de feitiçaria. Como nos mudamos no verão, estive dois meses a apanhar seca, sem nada para fazer. Pela janela via aquela floresta enigmática que, como sempre, se erguia no horizonte e a minha curiosidade ia aumentando e aumentando. Quando começou a escola, eu estava mais que farta de estar em casa a olhar para aquela floresta misteriosa da qual não podia desvendar os segredos, mas também não queria arriscar ser comida pelo que lá estivesse. Numa tarde de outubro, estava eu à espera do autocarro, mais uma vez atrasado, quando reparei numa coluna de fumo que saia da floresta. No início não dei importância, mas depois ouvi uns gritos lancinantes, pelo que, atraída pela curiosidade dei por mim na entrada da imensa e escura floresta. Esta parecia erguer-se mais assustadora que nunca. Era um daqueles momentos em que, ou voltámos para trás ou somos corajosos, e eu erradamente escolhi a segunda hipótese. Na floresta tudo era escuro. Uma neblina ténue tornava ainda mais assustador o ambiente. Subitamente, ouvi um barulho. Virei-me para trás e vi um vulto envolto na neblina. Era transparente com longos cabelos a esvoaçar. Quando me preparava para correr dali para fora, ele agarrou-me na mão. Petrificada de terror voei pela aterradora floresta a uma velocidade estonteante. Apesar disso, via gnomos nas árvores, estranhos lagos suspensos no ar, com patos com orelhas de burro a nadar por de- baixo da água, como se alguém tivesse virado do avesso o lago. Finalmente, paramos e vi a coisa mais estranha da minha vida.

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Diante dos meus olhos voavam mochos com cabeças de pessoas que desataram a piar mal me viram, mas a estranha figura que me acompanhava calou-os com um movimento da mão. Perguntou-me o nome, mas eu não lhe respondi, parecia que não conseguia pensar em nada. Estava ocupada a processar o que tinha visto até ali. Ela riu-se, levoume para uma cabana, que magicamente apareceu na nossa frente, atirou-me lá para dentro e fechou a porta. Lá dentro tive de pestanejar várias vezes devido à forte iluminação. Estava numa sala com uma boca na parede do fundo, que me assustou ao perguntar-me, com uma voz cavernosa, qual era o meu maior sonho. Eu não lhe soube responder. Seguidamente, comecei a reparar na sala onde me encontrava. Tinha espelhos a toda a volta, mas não eram espelhos normais que refletiam as coisas. Estes espelhos eram portais que nos transportavam para as cidades mais estranhas, para os planetas mais esquisitos e para as florestas mais assustadoras. Eram portais para os lugares onde, ao mesmo tempo, queres estar, mas também queres fugir de tão assustadores que se tornam. Estava eu a contemplar os diversos espelhos, dando especial atenção a um

que

mostrava pequenas ninfas a dançar em cima de um lago roxo, quando uma mão surgiu e me puxou para dentro. Parecia uma montanha-russa! Via passar cores e formas numa espécie de cilindro, até que caí. Ao princípio, não me conseguia levantar. As minhas pernas assemelhavam-se a chumbo de tão pesadas que estavam. Quando olhei percebi o problema. A dormir em cima das minhas pernas estava um animal com 3 olhos e 5 bocas, cheias de dentes afiados. Quase morri de susto, pois na gruta onde me encontrava, estavam bastantes crânios e ossos que me pareciam ser de crianças e vários adultos. Aterrorizada, eu já me imaginava a fazer-lhes companhia, quando o monstro se levantou e sem dizer palavra marchou para a porta, não reparando em mim. Podia respirar de alívio, mas ainda não estava sã e salva, na minha casa. Ao pensar nestas palavras, apareceu-me um buraco no chão e eu senti-me cair, até que aterrei na minha cama e acordei. Podia ter sido apenas um pesadelo, mas não sei se foi, pois encontrei no meu pijama penas de mocho e ao sair para ir para a escola apareceu-me à frente o velho que me disse “Eu bem te avisei!” com a mesma voz da boca do quarto que me perguntou qual era o meu maior sonho. Antes de eu lhe poder perguntar alguma coisa, ele desapareceu

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envolto numa nuvem de fumo. Ainda hoje, eu sinto algum receio de entrar na floresta e, por vezes, ainda me parece ouvir os gritos que vĂŞm de lĂĄ e que nunca identifiquei.

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A fuga da ilha de Filipe Cardoso

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Este conto passa-se nos tempos de hoje em que um grupo de amigos decide passar um dia de férias num sítio exótico e único. Os nossos aventureiros são Alexandro, que gosta de ser tratado por Alex, Joana, a irmã mais nova, e os seus amigos Fábio e Edgar. Escolheram uma ilha tropical que se situa no mar da Indonésia mas o que não sabem é que essa ilha está amaldiçoada! Os nossos aventureiros decidiram partir num avião privado e levaram consigo um carregamento de armas pois pensaram que se a ilha estava abandonada era por alguma razão. Para irem para a ilha tiveram de saltar de paraquedas. Até onde sei não tiveram medo pois já estavam habituados a saltar de paraquedas. Quando chegaram a ilha estavam espantados com a beleza da ilha. -Aquilo é uma queda de água!? – Exclamou a Joana -Um vulcão ativo e rochoso – Comentou Alex que era o mais corajoso e destemido dos quatro amigos. -Bem acho melhor montarmos as tendas para logo à noite – Disse Edgar que era o mais cauteloso do grupo. -Não, vamos mas é montar a rede de volley na praia para nos divertimos – Ordenou Fábio o mais brincalhão de todos. -Fazemos assim, tu e o Alex vão montar a rede e eu e a Joana montamos as tendas, pode ser? -Ok, Edgar. Depois de montadas as tendas foram jogar volley mas rápido a noite caiu e tiveram de acender a fogueira. Comeram o jantar que trouxeram de casa pois só iam passar uma noite na ilha. Enquanto comiam ouviram um barulho de uma pessoa a correr e de uma porta a fechar-se. -Ouviram isto? – Pergunto Alex. -Sim, mas estou com medo! – Exclamou Joana -Não tenhas medo, deve ser alguém que vive aqui iremos cumprimentá-lo, o que dizem? - Pode ser – Disseram todos em coro mas nas vozes podia ouvir-se o medo e o receio. Viram uma luz ao fundo e encontraram uma casa rustica com uma pessoa la dentro.

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-Quem será? – Disse Edgar. -Não sei mas iremos descobri. – Disse Alex. Dirigiram-se a casa e, quando abriram a porta, um homem puxou-os para debaixo da mesa. - Que se passa? – Perguntou Alex aterrorizado. O homem só os mandou fazer silêncio e ouviram uns passos que pareciam ser dum gigante. O homem carregou num botão e ouviu-se um estrondo e o monstro começa a correr até lá. -O que era aquilo? - O que se passa? - Porque é que aquilo correu na direção do som? -Calma, calma eu irei contar-vos tudo. – Acalmou o homem. Há muito, muito tempo havia um homem que era humilhado por todos e desprezado pois era de raça branco e todos os outros habitantes eram de raça negra. Farto de ser humilhado o homem decidiu matar todas as pessoas naquela ilha acabando por ficar sozinho e no meio daquela chacina o homem acabou por se tornar literalmente um monstro de três metros e que só quer matar tudo e todos. Reza a lenda que ele ainda assombra esta ilha. -ok, ok, ok isso é tudo muito bonito mas não é real? – Pergunto Fábio. -Não acabaste de ver? – Respondeu o homem. - Porque é que o monstro foi atrás do barulho? – Perguntou Joana curiosa. - Ele foi atrás de barulho pois o monstro é cego mas, em contrapartida, tem uma ótima audição. – Respondeu o homem. - É possível matá-lo? – Perguntou Alex - Nada penetra a sua pele dura nem mesmo balas. As balas só o atrasam mas não o aleijam. A única coisa que o mata é o sol. Não consegue correr por causa do peso da pele. -Como sabe tanta coisa? – Pergunto Edgar -Eu sou um cientista que ando há anos a investigar esta criatura mística e perigosa.

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-Como se chama? -Não posso dizer, para minha proteção. Agora é a minha vez de fazer algumas perguntas. O que estão aqui a fazer? -Estamos de férias. -Bem, tiveram azar na escolha do sítio! - Só temos de esperar que amanheça. Começaram a conversar e, de repente, ouvem os passos do monstro. -O que fazemos? Não vamos aguentar a noite toda, ele já nos descobriu?! – Exclamou aterrorizada Joana. -Temos que voltar às tendas… - Disse Alex -Tás maluco, apanha-nos logo – exclamaram todos -Espera, ainda não acabei de falar. Vamos para as tendas para eu ir buscar um rádio portátil que trouxe e podemos pedir ajuda. -É uma boa ideia, é melhor irmos – Disse Edgar. Puseram-se a caminho silenciosamente para não chamar a atenção do monstro. Quando chegaram viram a presença indesejada do monstro. -Como é que ele está aqui? – Perguntaram-se todos. -Esqueci-me da minha armadilha de som na praia – Disse tristemente o homem – Rápido, peguem nas mochilas e tudo que puderem que eu distraio o monstro. Os nossos aventureiros pegaram nas mochilas e nas armas o mais rápido possível e, enquanto isso, o homem pega nos paraquedas e enrola-os no monstro para o atrasar. Com tudo pronto puseram-se a correr e a disparar contra o monstro para o abrandar. Um bocado mais à frente, o Edgar disse para se encontrarem debaixo da queda de água. Quando chegaram à queda de água o homem disse: -Porque escolheste este sítio? -Aqui com o barulho da água o monstro não nos consegue ouvir – Disse Alex. -Boa ideia. O Alex tentou usar o rádio.

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-Não tenho rede. Tive uma ideia. Vou subir à montanha para ver se apanho rede. Eu e o homem vamos à montanha e vocês ficam aqui. -É uma boa ideia mas não te deixamos ir sozinho com ele. -Tenho que ir, ficam a salvo aqui. O Alex e o homem partiram montanha acima, tentaram chegar rapidamente ao cume da montanha mas sem fazer muito barulho. Tiveram sorte pois pelo caminho não se depararam com o monstro. No cimo da montanha Alex usa a frequência de emergência. Do outro lado responde uma voz de mulher que disse: -Quem fala? - Fala o Alex. Eu e os meus amigos e um homem ficamos presos numa ilha com um monstro a perseguir-nos. Precisamos que nos tirem daqui. -Que ilha é essa? -É uma ilha remota na Indonésia, creio que seja a única que foi abandonada por quem vivia aqui. -Tenho uma ideia de onde estejam mas demoraremos umas três horas a chegar aí. Como está a ficar de noite, há algum ponto de referência para nós vos encontrarmos? -Ficaremos no vulcão da ilha, pode ser? -Sim. De repente, a chamada cai e ouvem-se uns passos assustadores. Nesse momento, apercebem-se que é o monstro e o homem tira da mochila uma garrafa cheia de álcool que, a para servir de rolha, tinha um pano. O homem, com um isqueiro, queima o pano e atira-o na direção do monstro. Tudo à volta se incendeia e eles começam a correr de volta à queda de água. Ao chegarem à queda de água, Alex pergunta: -Como tiveste a ideia de fazer aquilo? -É fácil, como o monstro não gosta do calor pensei que o abrandaria - Responde o homem. -Conseguiram pedir ajuda? – Perguntaram todos.

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-Sim, mas temos de ir para o vulcão para nos poderem encontrar. -Porque escolheste o vulcão?- Pergunta o homem. -Como está ativo é provável que a lava esteja perto da superfície e, como há calor, o monstro não nos seguirá. -Bem pensado! Mas o sossego não demorou muito pois, de repente, o monstro aparece mesmo na sua frente. Alex lembrou-se que ele era cego e pegou lentamente numa pedra que atirou para a água. Ele, guiado pelo barulho, virou-se dando tempo aos nossos heróis de fugiram em direção ao vulcão. No caminho o Fábio interroga-se: -Como nos encontrou? O barulho da queda de água não era muito forte? -Será que seguiu o “rasto” que o nosso som deixou pelo caminho? Quando falamos o som trona-se impercetível mas o “rasto” continua lá, pode-se ver com um aparelho de ponta – Disse Edgar. -Impossível! Estudo-o há anos e nunca me seguiu… – Disse o homem. -Mas agora somos mais, o “rasto” tornou-se maior e mais percetível pelo monstro – Replicou Edgar. -Tens razão, é possível. Quando chegaram ao vulcão os nossos aventureiros veem um helicóptero à distância e, então, Alex abre a mochila e pega numa pistola sinalizadora e atira para o ar, para que o helicóptero os aviste. -Trouxe-a em caso de emergência – Disse Alex. E o helicóptero dirige-se na sua direção. Mas eis que aparece o monstro. -Não gostava do calor, o monstro? – Disse a Joana. -Não se deve importar, para nos caçar – Disse o homem – Vão, escondam-se, enquanto eu o distraio.

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Os nossos aventureiros poem-se no lado oposto do vulcão enquanto o homem distrai o monstro, mas infelizmente o homem e o mostro caem na lava acabando os dois por morrerem. Os aventureiros conseguem escapar da ilha. Mais tarde, contam a história ao mundo mas ninguém acredita, pensam que estão malucos e que não passa de uma partida que o homem lhes fez, que acabou em tragédia. A partir daquele dia nunca mais ninguém ouviu falar do tal monstro. Mas, será que continua vivo e a assombrar outras terras?

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O bau de Joana Baiona

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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#1. Naquela tarde de terça-feira, Luísa e Isabel encontravam-se numa loja que tinha de tudo um pouco, à procura de um presente para Nuno, o namorado de Isabel. Era sempre complicado escolher um presente para o namorado, especialmente sem ajuda nenhuma. Por isso a Isabel contava sempre com a sua melhor amiga e irmã gémea. -O que achas deste cachecol? - perguntou Luísa tentando ser paciente. -Ele já tem um dessa cor... Não vamos conseguir sair daqui com um presente de jeito!- lamentou-se Isabel. -Do que é que ele gosta? -De muita coisa, não consigo enumerar! Já sabes como acho difícil perceber os gostos de cada um, Luísa! -OK... O que achas do CD dos Pink Floyd? -Não sei se irá gostar... -Deve gostar! O Duarte gosta deste tipo de música, e como são melhores amigos os gostos deles devem ser parecidos, não achas? -Como é que sabes tanta coisa sobre o Duarte e não sabes se ele gosta de ti, mana? -Não há como saber... Tem de se sentir!- defendeu-se Luísa que detestava falar do que sentia. -OK! Vou levar o CD. Queres alguma coisa? -Ando de olho naquele baú, e se calhar aproveito que aqui estamos e levo-o. Assim posso por lá o que a mãe está sempre a dizer para não deixar espalhado no chão do quarto. -Sim, boa ideia, não sei como és tão desarrumada! Apesar de serem gémeas, as duas raparigas não eram nada parecidas, nem fisicamente nem psicologicamente. Luísa era alta, tinha a pele morena, olhos verdes e o cabelo encaracolado, gostava de ler, de desporto e de aventuras. Odiava estudar, era pouco organizada e bastante extrovertida. Por outro lado, Isabel gostava da escola e era muito arrumada, era baixa, tinha o cabelo liso e um tom de pele bem mais claro que a

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irmã. Mas, tal como ela, tinha os olhos verdes e não dispensava uma saída de casa, nem uma boa aventura. Saíram da loja com um mau pressentimento, pois a senhora atrás do balcão, cujo nome Alcione estava escrito a castanho-escuro no cartão velho e amarrotado que pendia da sua farda, tinha mostrado um sorriso cúmplice e um tanto malicioso quando as irmãs pousaram o baú em cima do balcão.

#2. No sábado Luísa estava deitada na cama a ouvir o primeiro CD dos Queen, o seu preferido, quando, de repente, o seu telemóvel tocou. Ela achou estranho, pois nunca ninguém lhe ligava àquelas horas da tarde. Os seus amigos costumavam estar sempre na piscina a aproveitar o Sol dos últimos dias de maio, plano que ela recusava quase sempre, pois nesse dia gostava de ir correr. Quando atendeu o telemóvel ouviu o grito histérico da irmã que estava entusiasmada, pois tinha conseguido 4 bilhetes para o concerto da sua banda preferida, no dia seguinte. Isabel pretendia levar a irmã, o Nuno e o Duarte, o que não deixava à irmã razões para recusar o convite, mesmo se não gostasse da banda. Ficaram a falar de todos os pormenores durante 10 minutos, até que desligaram, prometendo combinar tudo quando Isabel chegasse a casa. Luísa estava tão entusiasmada que logo se pôs a dançar e a pular no quarto. Porém não calculou bem o espaço que tinha para celebrar e bateu com o pé no baú. Foi uma dor tão terrível que a rapariga pensou na hipótese de ter partido o pé. Mas conseguiu apoiá-lo no chão, o que a fez excluir o pensamento. Sentiu-se tão aliviada, porque por momentos pensou que a mãe não a deixasse ir ao tal concerto com um gesso no pé. Estava tão zangada que se pôs a bater no baú. Deu-lhe grandes pancadas, e até se meteu lá dentro e começou a saltar com a intenção de magoar o baú por este a ter magoado também. Quando saiu de dentro da "caixa", como lhe passaria a chamar para lhe mostrar a falta de respeito para com o objeto, sentiu uma sensação estranha. Olhou em redor mas parecia tudo normal, à exceção de uma silhueta quase transparente de uma mulher

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levantada ao pé da porta do seu quarto. O CD dos Queen continuava a tocar, mas mais alto do que antes, o que preocupou Luísa, pois o seu pai não gostava de barulho. Apressou-se a reduzir o volume do rádio e a sair do quarto. Só depois de se encontrar no corredor é que reparou que não estava na sua casa. A casa onde ela morava, nos arredores de Lisboa, tinha apenas um andar, enquanto que esta tinha pelo menos dois pisos e, pela vista na janela da parede do fundo, era no centro da capital! Ela não podia acreditar nos seus olhos... Tudo o que ela mais queria era ter uma vivenda maior que a sua pequena casa, e que fosse na cidade de Lisboa! Aquilo era mais do que isso! Só podia ser um sonho!

#3. Naquele momento, na cabeça de Luísa estava formulada uma explicação breve sobre o que acontecera e o porquê de ela se encontrar naquela enorme vivenda: por estar tão nervosa e zangada com a caixa, ela tinha desmaiado e estava naquele momento deitada no chão do quarto a sonhar que morava naquele sítio espantoso. Era bem provável que isso tivesse acontecido. Ela nunca tinha desmaiado, por isso não sabia se era possível ter um sonho nessa situação, ou não. Decidiu explorar a sua nova casa, mas não sabia por onde ir. Lembrou-se da silhueta que vira no quarto e voltou a entrar, na esperança de lhe poder perguntar por onde devia ir. Quando se deparou com o quarto, este estava vazio. De repente, uma mão pousou no seu ombro, e Luísa sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. Depois, uma voz suave sussurrou-lhe ao ouvido: -Segue-me para te descobrires neste mundo... Instintivamente, ela virou-se pontapeando o que seria a barriga da mulher. Mas assustou-se ao se aperceber que conseguia passar por dentro do corpo dela. -Mas como é que...? UAU! Não sabia que tinha uma imaginação tão fértil! A silhueta seguiu caminho pelas escadas e Luísa seguiu-a, pois era uma grande aventura "descobrir-se a si mesma naquele mundo" como a silhueta dissera antes. Com a visita guiada ao seu casarão, a rapariga descobriu que havia pequenos desejos em que por vezes ela pensava e que, ali, eram realidade; tinha, além da sua irmã gémea, um irmão mais velho; havia 2 cães- um labrador e um pastor alemão- e um gato com uma

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coleira com o nome Luísa, o que a fazia acreditar que o animal lhe pertencia; uma fotografia recente dos seus avós, que no outro mundo tinham falecido uns dias antes de ela nascer, num acidente de comboio que os levaria ao encontro da mãe das gémeas para a apoiarem no parto. Aquela casa e a sua vida eram um sonho, o que era cada vez mais uma prova de que tudo não passava disso mesmo: um sonho. -Podemos ir lá fora? Fiquei curiosa por ver como é o jardim!- pediu a rapariga. -Eu não posso sair, mas se quiseres vai e descobre a tua vida sem mim. Luísa ficou desconfiada pelo facto de a silhueta não poder deixar a casa, mas mesmo assim saiu. O seu jardim deixou-a estupefacta. Era magnífico! Quis sair de casa para verificar o sítio exato onde morava, para o ir visitar quando acordasse e descobrir se existia mesmo.

#4. Mal saiu do portão, recebeu uma mensagem. Era de um número cujo contacto era Duarte <3 <3, e coisa que ela nunca faria era colocar corações no nome do Duarte, pois tinha receio que alguém viesse a saber da sua paixão. Abriu a mensagem que dizia: Estou quase a chegar a tua casa para te levar ao cinema! Estás pronta? O Duarte ia levar a Luísa ao cinema? Não... Não era possível! O que se passa entre mim e o Duarte? foi a mensagem que enviou a Isabel, que lhe respondeu de imediato: Que pergunta é essa, tolinha? Tu sabes que ele é teu namorado. Sendo assim, respondeu ao seu namorado que estava pronta e à porta de casa. Não podia acreditar! Ela ia ao cinema com o Duarte, que era seu namorado! O carro do pai dele chegou à sua rua. Ela reconhecia aquele carro sempre que o via, tal como todas as raparigas com uma paixoneta. Entrou e cumprimentou ambos. A tarde passou rápido, e Luísa ficou espantada com todos os beijos e carícias que trocava com Duarte. Era uma grande evolução tendo em conta que nunca tinha sequer dado um beijo na cara dele fora do sonho. O pai do Duarte levou-a de volta a casa. Ela despediu-se e entrou pelo portão, sendo recebida pelos dois cães que tinha visto mais cedo dentro de casa. Sentia-se nas

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nuvens! Dirigiu-se para o quarto, onde se encontrava a silhueta, que agora já não era tão transparente e que lhe sorriu de uma maneira, de algum modo, familiar. A mulher apresentou-se como Berenice. Era um nome estranho... Perguntou-lhe quem era, e porque estava no seu quarto. -Não precisas de saber quem sou nem por que razão aqui estou... Apenas precisas de saber que podes ficar nesta dimensão o tempo que quiseres e não precisas de voltar para a tua outra vida miserável. -A minha vida não é miserável. Eu sou feliz! -Claro que sim, foi um exagero da minha parte. Mas esta vida é, certamente, melhor, não achas? Tens a casa dos teus sonhos, 3 animais de estimação, o namorado que desejas... -É verdade, mas é normal que assim seja, certo? Nos sonhos acontece tudo e mais alguma coisa... Vamos até onde a nossa imaginação nos leva. E não vou ficar aqui para sempre, não tarda nada, acordo! -Querida, tu não estás a sonhar. Esta é a tua nova vida! Não te lembras de entrar pelo portal do baú? -Qual portal? Eu entrei no baú, quer dizer, na caixa, mas acho que depois desmaiei, e é por isso que estou a ter este sonho! -Não é um sonho... e tu não desmaiaste! -Então de que portal está a falar?- perguntou Luísa aproximando-se do baú. Entrou lá para dentro e de repente a Berenice desapareceu. -UAU, isto foi estranho! Saiu de dentro da caixa e olhou pela janela. Já não tinha a vista de Lisboa. No corredor também já não se viam as escadas nem a paisagem na parede do fundo. Então, ela não tinha desmaiado, mas sim ido para outra dimensão... Luísa começou a sentir uma terrível dor de cabeça e estava tornar-se fraca. Foi até à cozinha e comeu uma bolacha, para ver se se sentia com mais forças. Em seguida deitou-se na cama, e adormeceu.

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#5. Acordou às nove da manhã. Tinha dormido 14 horas e mesmo assim, ainda não se sentia completamente recuperada das dores do dia anterior. Isabel entrou de rompante pela porta do quarto, e perguntou: -Então, preparada para o concerto, hoje? Ontem cheguei e já estavas a dormir, por isso não conseguimos planear nada. O que vais levar vestido? -Não sei.- Luísa decidiu não falar das dores, pois não queria perder aquele concerto. Era a única vez em anos que aquela banda ia a Lisboa e tinha de aproveitar a oportunidade. -Anda ajudar-me a decidir entre duas opções e eu ajudo-te depois! Luísa seguiu a irmã até ao seu quarto, onde optaram pela segunda opção: um vestido preto com um padrão de corações brancos que ambas adoravam. Isabel escolheu uma blusa estilo cigana vermelha que, na sua opinião, favorecia o cabelo castanho da irmã e, também as suas maçãs do rosto, que combinou com umas calças pretas com rasgões. -Com esta roupa o Duarte não vai tirar os olhos de cima de ti! Este comentário fez a Luísa corar e esquecer a dor de cabeça por momentos. Pensar no Duarte fez-lhe sentir borboletas na barriga. Depois de almoçarem, calçaram as sapatilhas e dirigiram-se ao local onde combinaram encontrar-se todos. Ao pensar no Duarte, Luísa lembrou-se da saída com ele na outra dimensão e deu consigo a sentir ciúmes de si própria. De repente, os rapazes apareceram e, em seguida, a rapariga começou a sentir-se tonta e viu tudo ao seu redor desfocado. Depois disso, Luísa só se lembrava de acordar na cama do seu quarto com os pais e a irmã ao seu lado. Depois de mentir dizendo que se sentia melhor e de, finalmente, conseguir ficar sozinha com a Isabel, contou-lhe tudo o que se passara nos últimos dias. -Estás mesmo doente, mana! Desde quando acreditas em magia e em portais dentro de baús? E além disso: Berenice! Onde foste arranjar esse nome? -Se não acreditas vem comigo.- e dizendo isto, Luísa colocou-se dentro do baú e puxou a irmã lá para dentro.

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#6. Numa questão de segundos estavam no quarto do outro mundo. Berenice não tinha ficado mais opaca. Saíram as duas do baú e Isabel não queria acreditar que aquilo fosse verdade. Berenice ficou irritada por ver que Luísa trazia companhia. Mas não estava preocupada, pois sabia o que iria acontecer. -O que se passa aqui? Luísa, estou a sonhar, certo? Por favor diz-me que estou a sonhar.- implorava Isabel. -Não estás, não. E não te preocupes, pois mesmo que estivesses, irias acordar em breve...- ao dizer isto, Berenice revelava, de novo, aquele sorriso, que também não passou despercebido a Isabel. -O que se passa, Berenice? Por que razão é que estou cada vez mais fraca?perguntou Luísa, que curiosamente, se sentia bem melhor naquela dimensão. -Ainda não percebeste? Sempre que vens para este mundo maravilhoso, a tua energia fica mais fraca. E isso acontece porque sou eu que a estou a consumir. Por isso é que estou cada vez mais opaca, como podes constatar. - enquanto ela explicava isto, as irmãs começaram a reparar que Isabel estava a desaparecer. Estava a ficar tão transparente como Berenice quando Luísa a conheceu, e mais fraca do que a irmã no outro mundo. -Isabel! O que se passa? Isabel! Mas a irmã não conseguia responder. A sua voz tinha-se evaporado. Voltaram para o baú, na esperança de que tudo voltasse ao normal, mas a Berenice travou-as a tempo, e puxou-as para o chão mostrando os seus dentes afiados e as unhas pontiagudas, com as quais arranhava o braço de Luísa. A sua pele estava a ficar branca como a cal e os olhos estavam a tornar-se vermelhos e assustadores. Ela gritava e a sua voz já não era suave como no primeiro dia quando murmurou; agora estava arranhada e grave, assustadora. Parecia que estava possuída! O que é que as rapariguitas tão frágeis ao lado daquele mostrengo podiam fazer para o derrotar? Nada! Elas iam morrer ali, naquele momento! Tudo o que alguma vez pensaram em fazer quando crescessem seria esquecido... Nunca mais iriam ver ninguém, e nem sequer teriam tempo de se despedir de quem quer que fosse. Era o seu

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fim! Não havia volta a dar. Só lhes restava a esperança de que houvesse uma reviravolta repentina... Luísa foi-se abaixo com este pensamento. Sentiu-se deprimida e sem forças para se mexer, mas graças ao poder do seu pensamento positivo e às suas habilidades desportivas conseguiu dar um murro no estômago do monstro, que, agora que já se conseguia tocar, caiu para trás e gemeu de dor. Depressa saltaram para dentro da caixa e voltaram à sua dimensão.

#7. Isabel já tinha voltado ao normal, e Luísa sentia-se fraca, de novo. Deitaram-se no chão para tentar recuperar do susto terrorífico que apanharam. Depois de uns longos 20 minutos de silêncio, Isabel conseguiu falar, e, confusa, disse: -O que é que aconteceu ali? -Não faço ideia! Isto foi tão horrível! Viste o sorriso dela? Não te pareceu familiar? -Sim...-Isabel parou e tentou associá-lo a alguém.- Espera... Não te faz lembrar a Alcione? -Quem? -A dona da loja do baú! Não foi igual ao sorriso dela quando viu o que ias comprar? -Sim! É igualzinho!- exclamou Luísa que começava a lembrar-se do dia em que comprara aquela caixa.- O que fazemos, agora? -Tu vais devolver esse baú imediatamente! Nem penses em voltar ao outro lado! -Mas, se eu voltasse, podia descobrir o que se passa... Posso associar a Berenice com a Alcione! Volto e ouço a história, e se demorar mais de meia hora tu vais lá e puxas-me para este mundo! -Não! Eu não volto àquele lugar! E tu também não! Vais ficar ainda mais fraca, e a Berenice vai conseguir ganhar força. E sabe-se lá o que pode acontecer depois! Luísa não ligou à irmã e saltou para dentro da caixa. Isabel não teve coragem de voltar, obrigando-se a si própria a ficar ao lado daquele baú terrorífico. Decidiu que

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faria o que a irmã lhe pediu, e se ela demorasse demasiado tempo, tinha de fazer um esforço para voltar e traze-la de volta.

#8. Berenice já não tinha as unhas e os dentes tão assustadores. Contudo a pele ainda estava pálida, mas os olhos já voltavam ao normal. Luísa observou o seu rosto e conseguiu achar algumas semelhanças com a dona da loja. Seriam parentes? Quando viu a rapariguita, Berenice voltou a mostrar as garras, mas Luísa implorou-lhe que parasse, fazendo-a acalmar-se um pouco. Em seguida, pediu-lhe que lhe explicasse o que tinha acontecido, como tinha ido ali parar, o que aconteceria a Isabel se desaparecesse, tudo. -Achas mesmo que eu te vou contar alguma coisa? Só queres saber para voltar para o outro mundo e arranjar forma de me destruir! Tu ficas aqui, prisioneira! Não te deixo voltar!- disse Berenice num tom ameaçador e áspero, e transformando-se num monstro, outra vez. -Não! Para! Para! Eu posso ajudar-te se for preciso!- suplicou a rapariga, não sabendo mais o que dizer.- Por favor! Eu conheço a Alcione! Isto, surpreendentemente, fez o monstro parar. Via-se uma pitada de reconhecimento no rosto de Berenice que fez Luísa ficar ainda mais curiosa. -Podes contar-me o que se passa, se eu te puder ajudar? -Está bem.- acabou por declarar Berenice com esperança.- Eu sou uma bruxa, tal como a Alcione e a Clotilde. Nós as três vivíamos numa terra onde não havia ninguém como nós. Sofríamos imenso para esconder os nossos poderes. Até que tudo mudou e conseguimos fugir. -Quem é a Clotilde? -É minha irmã mais nova. A Alcione é a mais velha. Fugimos para Lisboa, onde, na altura também não eram aceites bruxas, mas havia pequenos grupos secretos onde podíamos treinar os nossos poderes. Eram como escolas, mas eram ilegais. Aí conheci o meu marido: Getúlio. fomos muito felizes. Tínhamos a vida que todos desejavam e invejavam, incluindo Alcione. Ela seduziu Getúlio e roubou-me o meu amor. Perdoei-a,

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pois é minha irmã, e sei que se ele fosse fiel não teria caído nas suas graças. Casei outra vez, com Petrónio, agora. Foi outro exemplo desejado, e Alcione fez o mesmo. Tornei a perdoá-la pelo mesmo motivo, mas prometi ser a última vez. Mais tarde vim a descobrir que ela lançara um feitiço. Aliás, dois, um a cada homem para se apaixonarem perdidamente por ela. Isso eu não perdoei e, por essa razão, fui ter com ela com um feitiço preparado. Um feitiço que faria com que ela ficasse presa dentro de um baú, noutra dimensão. Mas ela foi mais rápida e virou o feitiço contra mim. Estou aqui presa há 176 anos, e quando tu apareceste, encontrei a minha oportunidade para me libertar e conseguir vingar-me da Alcione. -Então quer que eu a ajude a vingar-se da Alcione? -Isso e que me tires daqui, por favor! -Como é que posso fazer isso? -Encontra a Clotilde! Ela sabe como desfazer o feitiço. Sem mais nem menos um rapaz entrou no quarto. Era Alexandre, o irmão de Luísa naquele mundo! E agora, o que iam fazer para explicar. Sem se lembrar de nada, a rapariga entrou no baú.

#9. Chegou ao seu quarto nem mais nem menos do que 28 minutos depois, com a sua irmã aflita pronta para entrar no baú. -Ufa! Pensei que ia ter de entrar! Estás bem? O que aconteceu? Alexandre saltou do baú estranhando o desaparecimento repentino da bruxa. -O que se passa? Para onde foi aquela mulher? E quem era? -Quem é este?- perguntou Isabel que não sabia da existência do irmão na outra dimensão. -Rápido, empurra-o para dentro da caixa!- foi o que Luísa se lembrou de fazer para resolver aquele imprevisto. As irmãs empurraram-no com força, e depois de o meterem dentro da arca fecharam-na e sentaram-se em cima dela. Conseguiram encontrar um cadeado para trancar o baú e evitar que mais pessoas pudessem viajar entre os dois mundos.

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Luísa sentiu-se novamente cansada, mas conseguiu explicar tudo a Isabel sem perder o fôlego. Depois de pensarem no que fazer e de terem um apequena discussão sobre se as bruxas existem ou não, decidiram ir procurar a tal Clotilde. -Como é que vamos encontrá-la? E nem penses em dizer redes sociais, porque é óbvio que uma bruxa com mais de 180 anos não tem facebook!- perguntou Isabel tirando o entusiasmo à irmã. -Podemos perguntar à Alcione! Tenho um plano!

#10. Chegaram à loja e entraram. Dirigiram-se ao balcão para falar com a Alcione que as reconheceu, como reconhecia todos os seus clientes. -Ora, bem-vindas meninas! O que vos traz cá hoje?- perguntou a velha senhora. -Boa tarde! Nós viemos aqui para tratar de um assunto importante.- começou Luísa. -Sim, mas acho que é melhor irmos para outro lugar, onde ninguém nos possa ouvir.- acrescentou a irmã. Alcione acedeu ao pedido e indicou o caminho para a cave da loja. Era um lugar apertado, com alguns móveis velhos, teias de aranha, e uma mesa com cadeiras ao centro, pouco conservada. Depois de se instalarem cada uma na sua cadeira, Isabel decidiu fazer um abordagem direta à bruxa e contar que sabiam da existência de Berenice no baú: -Nós queríamos que soubesse que nós descobrimos algo no baú que vendeu à minha irmã, há pouco tempo. Fez uma pequena pausa, para observar se havia algum manifesto, ou algum tipo de reação da parte de Alcione. Mas a velha senhora permaneceu imóvel, parecendo quase nem respirar, e a sua cara não revelava qualquer tipo de expressão. -Bem,- continuou.- nós entrámos no baú e, curiosamente, encontrámos uma senhora parecida consigo, no quarto. E além disso, também de tudo um pouco, no lado de fora da porta da divisão tinha mudado...

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Nenhum movimento por parte da bruxa. Luísa tomou posse do discurso preparado. -Nós começámos a falar com a mulher, Berenice, era esse o nome, e ela era, por sinal, muito pouco simpática. Ela falou-nos de como estava naquela "dimensão". Disse que a senhora a tinha posto ali dentro com medo de que houvesse vingança por tudo o que fez. -Ora essa! Vingança? Uma mulher num baú? Vocês percebem que o que estão a dizer é completamente ridículo?- manifestou-se, finalmente, Alcione. -Não vale a pena negar!- Luísa começava a ficar irritada com a maneira de falar da bruxa, que mais parecia estar a dirigir-se a dois malucos. Isabel decidiu continuar com o plano, deixando a irmã acalmar-se, pois um ataque de nervos era inoportuno naquela situação, e porque ela ainda se encontrava frágil, devido às viagens entre os dois mundos:. -Nós estamos do seu lado! Nós percebemos que a Alcione tinha razões para fazer o que fez, e colocar a sua irmã num baú, foi uma medida de prevenção muito inteligente! A bruxa parecia surpreendida com o que ouvira nos últimos minutos. Percebendo que ela ficara convencida do que elas lhe disseram, avançaram com a conversa, e perguntaram-lhe onde estava a Clotilde, como a podiam contactar e outros dados seus. Alcione cedeu os dados da irmã, sem hesitar, nem perguntar por que razão elas a procuravam. Mas antes de as deixar sair da loja, disse, como se fosse óbvio, que ela iria com as raparigas, ao encontro de Clotilde. Ela, definitivamente, não confiava nas irmãs, e queria assegurar-se de que Berenice não sairia do baú. Isabel e Luísa aceitaram a companhia, pois isso também fazia parte do plano delas!

#11. Alcione guiou as gémeas por um trilho atrás da loja até chegarem a um carro, de onde telefonaram a Clotilde. Ela atendeu ao terceiro toque. Do outro lado da linha

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ouvia-se uma voz suave, melodiosa que calmamente perguntou quem estava a falar, ao que Luísa respondeu quem era. Depois de uns minutos de conversa, para se conhecerem melhor e descobrir quem conheciam em comum, Clotilde perguntou: -Então, e qual é a razão deste telefonema, Luísa? Não me vais dizer que ligaste só porque a Alcione e a Berenice te falaram de mim. Qual é o objetivo desta conversa. -Pois, na verdade estou a ligar-lhe, porque queria ver-me livre de um objeto que comprei há pouco, e do qual não consegui tirar grande partido. Um baú velho que comprei na loja da Alcione e que não posso devolver está a ocupar-me muito espaço e a criar-me grandes problemas. Ouve um curto silêncio do outro lado, mas depois de alguns segundos, Clotilde respondeu que se poderiam encontrar no dia seguinte, pois aquele assunto não podia ser discutido ao telemóvel. Depois de desligar, Luísa olhou para a irmã, com ar de confidência que só ela percebia o que significava, e declarou que o encontro aconteceria no dia seguinte. Alcione combinou uma hora para as três se encontrarem à porta da loja e deixou as raparigas irem embora, para casa. Ao chegarem ao quarto, Luísa partilhou com a sua irmã a vontade de ligar a Clotilde e pedir para a encontrar antes do previsto, para que pudessem combinar o que iria acontecer, visto que no carro, com a presença de Alcione, não pôde revelar o seu verdadeiro desejo.

#12. No dia seguinte, às horas combinadas, Luísa e Isabel saíram de casa, e dirigiramse à loja da bruxa. Esta levou-as de carro até ao sítio pretendido para se encontrarem com Clotilde. A viagem foi bastante calma, tirando o facto de as irmãs estarem em pânico, com medo de que Alcione trancasse as portas e não as deixasse sair do carro, levando-as a viver um pesadelo sem fim. Por isso Isabel estava sempre a verificar se a sua porta estava trancada ou não, e a tentar descobrir como a destrancar se isso acontecesse. Chegaram a uma mata, sem sinal de vivalma, e onde as raparigas nunca tinham estado, mas de que já tinham ouvido falar.

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Viram uma sombra não muito longe de onde estavam, e foram ter com ela. Era Clotilde! Cumprimentaram-se e seguiu-se um momento de silêncio um pouco embaraçoso. Depois de uma curta conversa sobre meteorologia, daquelas que se iniciam quando não há nada para dizer e as pessoas não estão habituadas à companhia do interlocutor, Luísa decidiu aproximar o baú do centro do círculo que as quatro tinham criado involuntariamente. Tirou-lhe o cadeado que haviam colocado para prevenir o aparecimento de visitantes inesperados e mostrou-o a Clotilde. A bruxa mais nova olhou para a sua irmã, como quem diz que se lembrava de ver aquele baú anteriormente, ao que esta respondeu, também com olhar, que era exatamente o objeto que já conhecia. A seguir a esta troca de olhares Clotilde tirou uma varinha e um isqueiro do bolso e incendiou a ponta do fino cano. Alcione sabia perfeitamente que aquilo em conjunto com um feitiço faria o baú transformar-se numa chama e desaparecer. Aproveitando a distração desta bruxa, as gémeas apressaram-se a atirar Alcione para o baú, por onde esta desapareceu depois de um olhar de quem descobre uma traição. Passados 10 segundos exatos apareceu Berenice e saltou para fora da caixa, fechando-a atrás de si. Aí, Clotilde lançou o tal feitiço anteriormente preparado e o maldito baú desapareceu numa chama violeta.

#13. Berenice olhou para gémeas e destas para a sua irmã, e abraçou-as. Agradeceu mil vezes por conseguirem libertá-la daquela maldição, e em troca, ainda cerrarem a bruxa malvada no mundo perdido em que ela estivera fechada todo aquele tempo. Depois de todos os "obrigadas" e "o que posso fazer por vocês", despediram-se e voltaram a suas casas, e Berenice ocupou o lugar de Alcione na loja e também no seu próprio lar. No dia seguinte, Luísa voltou à escola, ainda que um pouco fraca. Mas com o apoio da irmã, nem se lembrou das dores, e conseguiu recuperar num abrir e fechar de olhos.

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Tudo voltou ao normal. Tudo sem exceção, o que entristecia Luísa, pois depois da saída com o Duarte na outra dimensão, a rapariga esperava progressos na vida real, o que, do seu ponto de vista, não acontecia. Contudo, Isabel dizia que eles gostavam um do outro e haviam de ficar juntos, um dia, bastava alguém dar o primeiro passo. Este comentário constante da irmã animava o coração da Luísa, que esperava que tal acontecesse um dia. Um dia que podia esperar, pois naquele momento, o que mais lhe interessava era ter uma vida longe de bruxas e de feitiçaria!

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O Seguranรงa noturno de Joรฃo Mendes

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Miguel Augusto era o típico sujeito de 19 anos desempregado, que não foi aceite na faculdade e que estava sem dinheiro, num apartamento de renda barata, com dívidas por pagar. Estava à procura de emprego, até que o seu irmão mais velho, Pedro, lhe telefonou: -Olá, Miguel! -Olá, então? Como vai isso? - respondeu, com tristeza que se salientava nas palavras de Miguel. -Ainda não tens emprego, pois não? -Se já tivesse, eu tinha-te dito ... Mas o que é que se passa, afinal? -Olha, como sabes, para além de estar a estudar música na faculdade, tenho um estágio num restaurante e... -Deixa-me adivinhar...- interrompeu Miguel, excitado- estão à procura de empregado!? -Sim - riu Pedro- mas é como segurança noturno. Então, pensei logo em ti, que gostas de andar na farra à noite. Tu que dormes todo o dia... És a pessoa ideal!! -Parece aceitável... onde é que é? -No "Restaurante dos palhaços musicais"! -Aquele que acabou de ser remodelado? -Sim, exatamente nesse. -Ok. Quando é que posso ir para tratar da inscrição? -Agora mesmo! -Certo. Já vou a caminho. O restaurante ficava a dez minutos de distância do local onde Miguel se encontrava e, quando chegou lá, ficou ligeiramente surpreendido, pois achava os palhaços robôs ligeiramente aterradores, do ponto de vista adulto. -Então está combinado, Sr. Augusto. Hoje, às 22 horas até às 7 da manhã, começa o seu serviço. Se eventualmente fizer um bom trabalho, o que não é difícil, talvez arranjemos uma vaga como animador não robô diurno. Assine aqui, se faz favor. -É para já, Sr. Pinheiro.

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Filho de pai Português e de mãe Canadiana, John Pinheiro era um homem rico e muito afortunado. Contratado pela companhia " CPMEG (Comida para miúdos e Graúdos), era o patrão do "Restaurante dos palhaços musicais" da cidade. Quando Miguel saiu, sentiu-se determinado a comparecer todas as noites e fazer o trabalho da sua vida. Mal sabia o que o esperava nos próximos seis dias da semana. Seis dias de trabalho, seis dias de pânico... seis dias... de terror.

Às 22 horas, Miguel já lá estava pronto, com o uniforme, à espera da chamada de instrução. O telefone tocou. -Estou? Estou? Olá!! Hey, estou a telefonar-te para te ajudar a ficares familiarizado com o equipamento. Na verdade, eu trabalhei nesse posto antes de ti, três semanas, acho eu, já não me lembro... Bem, agora vou ler-te aqui uma parte da introdução do manual de instrução de seguranças por causa de formulários lá da empresa, é uma coisa legal ou algo do género: "Olá, e seja bem-vindo ao novo posto de GUARDA NOTURNO no «Restaurante Local do palhaços musicais», é necessário lembrar que a companhia CPMEG não se responsabiliza por perdas de objetos pessoais e de danos, quer sejam eles em objetos ou em pessoas. É também obrigatório lembrar que nós não nos responsabilizamos pela morte de clientes. Temos quatro palhaços de seus nomes: Pirata, Fofinho, Saltinho e Cozinheiro. A sua descrição corresponde completamente aos seus nomes. A única coisa que têm em comum é o seu sorriso de palhaço com batom." E ponto final. -Morte? -Sim, eu sei. Parece um bocado terrífico, mas juro-te, vais ficar bem! Além de mais, as únicas mortes que tivemos foram em 1997 e em 2001, mas foi por causa de um palhaço que agora está nos armazéns da loja. O nome dele era... deixa ver aqui no manual... era "Predador". Eissh! Com aqueles dentes, pudera... Adiante… os palhaços robôs costumam andar de dia, como normalmente, mas nunca saem do palco. Os únicos que conseguem sair livremente são os palhaços humanos, mas esses não costumam ser muito utilizados, já que os robôs fazem tudo, eheh... "Bem vindo ao futuro" , como se

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costuma dizer. Bem, eles podem sair das suas posições à noite, podem andar por aí, mas nada de mais. -Só isso? Neste ponto, Miguel estava a começar a ficar desconfiado deste local e da sua história. -Pois... não! Se eles, durante a noite, te virem sem um crachá especial de animador... -Coisa que eu não tenho!!! Só tenho um cartão com um fio à volta do meu pescoço! Miguel estava a sentir-se paranoico. -Certo...hãã...eles pensam que és um robô sem fato, coisa expressamente proibida nestes restaurantes, e tentam enfiar-te num fato inutilizado na arrecadação. Miguel respirou de alívio. -Bem, eu não queria estragar o teu momento de "prazer", se é que me entendes... Mas os fatos de robôs têm entranhas, fios e mecanismos que estão programados para os robôs. Ou seja, esses fatos são extremamente mortais para o ser humano. Os teus olhos e dentes saltam, muco e sangue por todo o lado, o teu corpo danifica o fato e o odor é terrível. Não te esqueças de ver as câmaras, também convém que vás pondo um olho no corredor, porque as câmaras não têm visão dessas zonas. Bem, tenho de ir, amanhã falamos. Chau!! -Espera!!- gritou Miguel desesperadamente. Nada, o homem tinha desligado. Não havia nada a fazer... Miguel respirou fundo e continuou a fazer o seu trabalho. Ver as câmaras, ver luz no corredor próximo da porta que abria para o corredor principal com a lanterna, sempre a repetir. Quando observou a câmara do palco pela quarta vez, reparou que o Saltinho já não estava lá! Abriu a porta e viu com a lanterna que o palhaço estava lá, com as suas orelhas de coelho e... com um machado de incêndio. -AHHHH, isto é novo!!- gritou Miguel- O puxador? O puxador? Aqui...fecha, fecha!! A porta fechou-se com tanta força que se ouviu pelo resto do restaurante.

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Miguel foi ver as câmaras e o Pirata também já não estava lá. Ele procurou o palhaço em todas as câmaras e não pôde acreditar quando o viu a espreitar pela porta do escritório. -Não, não não não! Vai-te embora!! Toma!- apontou-lhe a luz aos olhos do palhaço. Miguel viu as horas e, surpreendentemente, o relógio marcava as 6 horas e 50 minutos. Miguel ficou determinado, por uns segundos. Perdeu logo essa determinação quando viu que o palhaço já não estava na porta. Miguel murmurava enquanto abria a porta: "Não estejas aí, não estejas aí". Corajosamente, Miguel abriu a porta e ligou a lanterna. Corredor vazio. Foi nesse momento em que ouviu o relógio tocar as 7 da manhã! Miguel sentia-se aliviado por, finalmente, chegar o Guarda diurno. -Então, rapaz?- berrou o segurança diurno - parece que viste um fantasma, com essa cara!! Miguel não conseguiu dormir o dia todo. E, quando conseguiu adormecer, era hora de ir trabalhar. Quando chegou ao restaurante, viu que estava estranho, parece que acontecera alguma coisa durante a manhã... Mas, que mais poderia fazer senão entrar no seu escritório e trabalhar? A noite estava a correr bem, mas faltava alguma coisa: a chamada habitual do instrutor. Miguel não ficou incomodado, porque reparou que no telefone tinha o contacto do instrutor. Decidiu ligar-lhe. Ficou a chamar durante alguns segundos, até que se ouviu uma voz: -O-Olá? -Olá! Olha, sou eu, o Miguel, o segurança noturno! -Miguel, mas...m-m-mas o que é que estás aí a fazer? -Como assim?-Miguel não tinha noção do que estava a acontecer. -H-Houve m-mais uma morte!! Foi um segurança diurno, estava a tentar proteger uma das crianças q-que estava a ser ameaçada, que infelizmente ficou ferida pelo Pirata. A-aa-a-acho q-que houve um erro n-n-nos robôs para que eles ficassem a-agressivos e...e

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basicamente eles descontrolaram-se completamente. E-então o Guilherme, o segurança q-q-que morreu, pôs-se à frente do robô, para proteger o coitado d-do puto. Então ele... Neste ponto, o instrutor começava já a ficar paranoico e a lacrimejar: - Ele trincou-o no braço e, de seguida, deu-lhe com o gancho na c-cabeça!! Ainda bem que não viste aquela cena! A cabeça d-d-dele ficou com um corte enorme e m-mmorreu... em frente de toda a gente... em frente dos pais, das crianças! Ficou ali deitado a perder sangue... aquela mancha...Credo! A polícia privada d-do CPMEG... -Polícia privada? -Sim a PDCDC, mas deixa-me c-continuar, tens um manual na gaveta à direita, podes ver o que significa. Mas… a-adiante: a PDCDC t-teve de agir com umas a-armas antirobôs, é por isso que o fato do Pirata está no armazém. -Pois, eu cheguei a reparar. O instrutor tinha voltado ao seu estado normal, se bem que ainda estava chocado com os acontecimentos. -Olha, todos os robôs foram desmontados por precaução e foram todos levados para os nossos laboratórios dos engenheiros para serem reprogramados. Por isso, a única coisa que tem de ser vigiada aqui é se entra um ladrão ou não. OK? -Certo, vai lá descansar... bem mereces. -Obrigado, Miguel. É-és um t-tipo b-bastante porreiro. Hey! -Diz. -U-um dia temos de ir beber uma cerveja, tudo por minha conta! Miguel riu-se: -Mas é claro que sim. Olha lá, qual é o teu nome, já agora? -O meu nome é*crusshh**crashhh**tzzzzz* A linha caiu. Miguel não ficou surpreendido, já que a rede naquela zona do restaurante era baixa e havia tempestade com trovões lá fora. A noite prosseguiu muito calma até às 7 da manhã. Apenas com ruídos da queda de seis ou sete pratos na cozinha. Na terceira noite, Miguel voltou para o seu posto novamente.

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O telefone estava a tocar: -Estou? -Olá!! Então ,Miguel? Bem, os robôs já estão no sítio novamente. Leste o Manual? -Só o 1.º capítulo. Não me quero distrair do trabalho. -Hahaha! És a primeira pessoa que eu encontro assim. Bem, PDCDC significa " Polícia do centro da companhia" -Hãã, eu acho que a gramática não funciona muito bem ali- Miguel desatou a rir! -Olha, culpa o indivíduo que inventou os nomes. Mas acho que foi por isso que começaram a chamar PDCDC à polícia. Só mais uma coisa, instalámos sistemas de luz intercalados nas câmaras, por isso, sempre que vires alguma coisa escura, podes clicar aí no botão que aparece no ecrã para acender a luz. É que estes robôs não suportam a luz durante a noite, principalmente se for na cara. -Certo. Uhhh, isto é divertido! Nunca tinha reparado naqueles desenhos na parede... -Mas não uses muito isso... A luz pode-se gastar, tal como as pilhas da lanterna que tens aí na mesa. -Ok. -Pronto, é tudo. Boa noite. -Chau. Quando colocou o telefone no sítio, viu logo na câmara 7 o Fofinho a espreitar, com os seus olhos grandes e com aquele sorriso. -Ohhh! Tão fofinho- disse Miguel sarcasticamente- Queres luz? Queres? Miguel espetou luz nos olhos do Palhaço. Miguel ria-se ao mesmo tempo que se sentia mal pelos robôs. Foi aí que Miguel olhou para a porta e decidiu ver o corredor. Mal abriu a porta, acendeu a luz. Vazio. Miguel decidiu ver as câmaras 3, 4 e 9, as câmaras da entrada, do palco e da cozinha, respetivamente. O Cozinheiro estava, ironicamente, na cozinha, mas estava longe de Miguel. Foi aí que foi ver outra vez a câmara 7. O Fofinho não estava lá. Foi nesse momento que se ouviram barulhos vindos do corredor.

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Miguel abriu rapidamente a porta, mas não acendeu a luz. Em vez disso, ouviu um barulho de respiração robótico. Miguel fechou a porta tão rapidamente como a abriu. Para que Fofinho saísse dali, Miguel foi ver a câmara 12, a câmara que apontava para a porta do escritório e acendeu a luz. Só foram precisos dois segundos para que ele se fosse embora. Às 6:40 horas da manhã, ouviu-se um grito agudo vindo de uma das salas. Miguel ouviu o grito e, com o coração na garganta, viu todas as 12 câmaras e o corredor o mais rápido possível. Na câmara 5, a câmara que apontava para a sala de festa número 2, viu um corpo que não estava ali antes. -Mas que...-murmurou Miguel, assustado. Foi ver a câmara 11 e viu o Saltinho a saltar para a porta do escritório, que, por sua vez, estava aberta. Miguel andou com a cadeira rolante o mais rápido possível para fechar a porta. -Fecha, fecha, fecha já! Mal fechou a porta, Miguel ouviu o Saltinho a bater nela com toda a força. -Anda lá! 7 da manhã! Por favor...vá lá! Miguel ficou tão surpreendido quando ouviu o despertador a tocar as 7 da manhã que só lhe apetecia celebrar gritando: -Alguém ouviu as minhas preces! Alguém ouviu as minhas preces! Na noite seguinte, Miguel estava determinado a sobreviver a mais uma horrorosa noite naquele restaurante. Mas, antes de entrar, o telemóvel tocou: -Estou? Miguel? -Olá! -Olha só para avisar que a companhia está de férias durante dois dias. -Ai é? -Sim! E sabes qual é a melhor parte? -Não, diz lá!

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-Estes dois dias contam como se tu trabalhasses! Ou seja, daqui a dois dias, tens a sexta noite, recebes o pagamento normalmente e podes ser promovido! -Não pode!! Mas era. Miguel voltou a casa e teve o descanso merecido durante dois dias seguidos. Dois dias depois… Miguel estava no seu escritório, normalmente, quando o telefone tocou. -Estou? Do outro lado, só se ouviu uma mensagem assim: - marerroco ía euq setrom setnecer sa oãs sôbor sues sod e etnaruatser od oãçilomed a macifitsuj euq sasuac sartuO .sairéf ed odoírep etse etnarud sacinéigih seõçidnoc ed atlaf rop odahcef res iav siacisum soçahlap sod etnaruatseR o euq ratnemal ed É. invertida *Booooooooop*frase *Biiiiiiiip* inv....*Crzzzzzzzzzzzz**Crshhhhhhhhhhhh* -O quê? Miguel olhou para a porta. Estava aberta. Os quatro palhaços, com machados, a sorrir, olhando para ele… -Ahhhhh!! No dia seguinte… -Mas que bela manhã. Oh! O jornal de hoje! Pedro tinha subscrito o jornal da cidade para estar a par de tudo. Pedro era um homem culto que detestava pessoas sem noção de cultura. Na primeira página estava escrito: " É de lamentar que o Restaurante dos palhaços musicais vá ser fechado por falta de condições higiénicas durante este período de férias. Outras causas que justificam a demolição do restaurante e dos seus robôs são as recentes mortes que aí ocorreram." -Miguel?

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A Bela Acordada de Mariana Loivos

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Prólogo O namorado de Bela, o Rui, desapareceu há uma semana, mais ou menos, e ainda ninguém o encontrou. Ele disse-lhe que ia dar um passeio pelo bosque encantado, porque andava preocupado com algumas coisas da vida e precisava de repor ideias. Bela não o impediu, pois ultimamente notava que algo se passava com Rui. No bosque encantado tudo pode acontecer. Num dia era um bonito e agradável jardim. No outro era um labirinto assustador cheio de bruxas, ogres e feiticeiros do mal. Nunca se sabe o que se vai lá encontrar. A melhor amiga de Bela também já desaparecera nesse jardim, mas fora encontrada dias depois. As buscas decorrem há mais de cinco dias e nada de encontrarem sinais de Rui. Bela, já preocupada, decide nunca mais dormir até encontrarem Rui, morto ou vivo. Foi uma decisão sem sentido, apressada e ela própria admitiu que também pensava assim, mas do seu ponto de vista, ficar acordada poderia ajudar Rui a sobreviver mais tempo.

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1. Noites em branco Continuo sem dormir há uma semana e o Rui ainda não apareceu. Sei que ele não estava bem e sinto-me culpada por não lhe ter dado a atenção que ele necessitava. Vou escrever uma carta para os pais dele para lhes contar o que se estava a passar.

Reino da Fantasia, 13 de Agosto de 2016 Querida Elizabete e querido Carlos,

A polícia ainda não encontrou o vosso querido filho, com muita pena minha. Como sabem eu e o vosso filho erámos, e somos, porque acredito que ele está vivo, grandes amigos e eu preciso de vos contar algumas coisas sobre o que andava a acontecer com o Rui. Ele estava estranho e não queria falar com ninguém. Andava sempre sozinho e não prestava atenção às aulas, tendo até descido algumas notas. Isto é muito estranho, pois ele é um excelente aluno, como vocês sabem. Ele costumava ser simpático e ajudar os outros, mas nos últimos tempos isso não acontecia. Eu estava a começar a ficar preocupada, todavia não prestei muita atenção porque era época de testes e pensei que era só cansaço. Há uma semana ele disse-me que ia dar uma volta e eu como sou muito curiosa, perguntei onde ele ia. Ele respondeu que ia ao bosque encantado. Também perguntei lhe perguntei porquê e ele disse que precisava de respirar ar puro e repor as ideias. Não o impedi, pois pensei que o bosque já estava proibido, depois do desaparecimento de uma amiga minha também nesse lugar. Ela foi encontrada viva e se calhar não proibiram o bosque por isso. A minha consciência pesa imenso. Não durmo há uma semana porque penso que isso o vai fazer aparecer. Não consigo deixar de pensar que, em parte, a culpa também é minha porque o deixei ir. Resolvi contar-vos isto, porque achei que gostariam de saber. Com carinho, esperança e amor, Bela

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2. Visões Já passou uma semana e dois dias e nem sinais do Rui. Continuo sem dormir, ainda com a mesma ideia de sempre, a esperança do regresso dele. Os pais dele estão a passar mais tempo comigo, apoiando-me. Também tento apoiá-los, mas a minha imaturidade e o facto de estar mais debilitada que eles, porque não durmo há muito tempo, não ajudam. Eles compreendem isso e também são muito simpáticos ajudando-me física e psicologicamente. Já me convenceram a dormir, mas quando cheguei ao meu quarto e me deitei não consegui. Penso e reflito, passo horas a olhar para a parede em branco do meu quarto, com a mãe do Rui a dar-me a mão. Finalmente resolvo dormir, apesar de me custar imenso. Deito-me e fecho os olhos, mas o que vejo não é a escuridão habitual, é o Rui no bosque, suponho eu. Ele parece débil o que não é próprio dele. No que me parece uma visão, ele está a tentar escapar de bruxas e logo a seguir de ogres com facas ensanguentadas numa perseguição. Abro os olhos e volto à realidade que neste momento me parece melhor do que a visão. Grito e aparece a minha mãe que já sabe que quando me ouve assim é porque preciso de chá de camomila para acalmar e dois fortes abraços que só ela sabe dar. Nada é melhor que a reconfortante voz calma de uma mãe, com anos de experiência. Ela já acalmou muitas vezes o meu irmão mais velho, quando ele ainda precisava, porque ele agora já tem 19 anos e já não precisa. Eu tenho 16 anos mas ainda preciso que, quando estou nervosa ou assustada ela diga as suas palavras mágicas.

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3. Aparecimento Decido perguntar aos pais de Rui se o querem ir procurar ao bosque e eles respondem que sim, mas temos que estar preparados para o que der e vier. Nessa mesma tarde, partimos em busca dele. Quando entramos parecia que o bosque estava nos seus dias “bons”, nada de monstros, feiticeiros, resumindo, nada de fora do normal. Ao virarmos numa esquina apareceram umas bruxas, mas nós estávamos preparados. Depois de uma intensa luta, onde eu e a Elizabete ficamos com cabelo multicolor e o Carlos ficou com duas pernas de pau e uma cicatriz na cara, que ia do canto do olho até ao canto da boca, descansámos. Os efeitos eram temporários por isso não ficamos muito preocupados. O Carlos andava mais lentamente, tentando adaptar-se às suas novas companheiras de viagem. As típicas pernas dos piratas que eu tanto temia na infância e se calhar ainda temo, mas não demonstro atrasavam-lhe o passo. Depois deste pensamento chego a uma conclusão vaga, mas na situação em que nós estávamos tudo pode ajudar. A conclusão é que o bosque sabe os nossos medos e os ataques que nos lança são do que nós mais tememos. Algum de nós tem medo de bruxas, mas não o sabe ou não demonstra e ao lutar contra elas superou uma parte desse medo, tendo elas desaparecido. Aviso os meus companheiros de aventura sobre o que eu penso e eles concordam. Depois prosseguimos a viagem lutando contra os nossos medos, embora isso tenha sido difícil. Entretanto, virámos à direita e encontrámos Rui sentado no chão, com o cabelo despenteado e as roupas rasgadas. Presumo que já enfrentou muitos medos e chegou até aqui. Falámos com ele e voltámos para casa, enfrentando mais medos. Quando chegamos à porta de casa já tinham chamado a polícia ,pois também nós tínhamos desaparecido. Quase parecia uma festa quando nos viram, porque depois de tantos medos e receios estávamos os quatro sãos e salvos. O Rui ficou em casa a recuperar durante alguns dias e eu resolvi perguntar o porquê de ele andar triste. Ele disse que pensava que eu já não o queria e também porque as notas não estavam a ser muito boas, mas quando me viu e percebeu que eu não tinha desistido dele, ficou logo melhor e assim decidiu vir connosco sem

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resistência. Eu tentei explicar-lhe que mesmo que eu já não o quisesse, ele poderia sempre falar comigo pois já não éramos criancinhas de seis anos para fugir sempre que nos rejeitam. Ele pediu desculpa aos pais, a mim e na escola. Antes chamavam-me a Bela Acordada por não dormir depois do desaparecimento do Rui, agora chamam-me Bela, a Resistente, porque superei os meus medos e salvei-o. O bosque está agora a ser estudado por cientistas e, até nova análise e novas ordens, o bosque Encantado está proibido.

Adeus desaparecimentos, adeus ilusões, adeus medos!

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Alem do ParaĂ­so de Matilde Pinheiro

"Meu caro leitor, prepare-se para o TERROR!"

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Prólogo

O Sobrenatural sempre me pareceu desprezível, já que vivemos numa época científica em que temos uma imensidão de teorias, compostas por argumentos em que fomos forçados a acreditar. As minhas escolhas revelam-me e aprisionam-me, pois este é assunto delicado que eu gostaria de aprofundar, porém sou condicionada a não o fazer pelos meus parentes e amigos. Não fazia ideia de que pudesse haver vida extraterrestre, e actualmente sei que existe. Não fazia ideia de que algum dia as pessoas pudessem mudar de género, e actualmente, vários estudos revelam que, por cada duas mil e quinhentas pessoas uma delas é transexual. Pode parecer pouco, mas no entanto se ajustarmos à escala mundial, existem cerca de três milhões de transexuais. Depois de um acontecimento traumatizante, eu entrei numa profunda depressão, fechando-me no quarto, algo de que eu não me orgulho. Jeremias, o meu irmão gémeo também não escapou e começou a envolver-se nas drogas, com apenas quinze anos. Eu, em cerca de seis meses recuperei o suficiente para estar estável para começar o ano lectivo, o último ano lectivo. Para mim este iria ser o melhor ano de sempre mas nessa altura eu era ingénua, e de certo modo, ainda continuo a ser. Mas eu não podia imaginar o que me esperava. À partida, conhecer Pietro foi uma experiência intensa e complexa, mas foi ainda mais com o seu grupo de irmãos. Eles eram completamente diferentes de todas as pessoas com quem eu alguma vez contactara e senti-me intimidada com a sua aparência e confusa com o seu puro desinteresse pelas regras e valores humanos Entrei num Mundo completamente inesperado e impossível de sair, onde destruo todas as teorias sobre os seres sobrenaturais, com a ajuda de um deles, Pietro. Uma loucura, porém passei a fazer parte dela quando lhe cedi a minha alma.

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I O Começo

Desperto do meu sono recheado de sonhos, com a voz da minha tia Ângela a chamar-me. Rebolo na cama, recordando-me que hoje seria o primeiro dia de aulas, Bruna e Carolina passarão aqui por casa para me levarem e apoiarem caso algo inesperado aconteça. -Núria!- A minha tia Ângela berra de novo. Eu suspiro e levanto-me, dirijo-me ao espelho vendo o meu estado miserável porém, mesmo assim, forço um sorriso e vou até à cozinha e cumprimento a minha tia: -Bom dia. -Bom dia, querida. Como te sentes hoje? -Bem- Respondo preparando o meu pequeno-almoço, roendo-me de curiosidade por saber onde está Jeremias. Sento-me na grande mesa, começando a devorar a minha refeição e quando termino volto ao quarto para me vestir e aguardo até sentir o meu telemóvel a vibrar com uma mensagem: Eu e a Bruna estamos cá em baixo à tua espera. Carolina. Saio de casa, mas só depois de deixar um beijo na testa da minha tia. Ela poderia simplesmente abandonar-nos como fez o resto da minha família, mas esteve disposta fazer o papel de mãe e pai para mim e para o meu irmão Jeremias, tratando de todos os papéis e indo até ao tribunal para ficar com a nossa custódia. Carolina e Bruna estavam deslumbrantes com os uniformes da claque, em que eu outrora participara. Ambas me esboçam sorrisos reconfortantes durante o caminho tentando integrar-me na conversa, embora eu faça de tudo para ficar afastada. Falam sobre um grupo de alunos novos que entrou na escola, e que supostamente inclui rapazes, e como habitual as raparigas já estão com esperanças. Avisto o edifício repleto de gente, e instantaneamente, reparo num grupo de pessoas afastadas, sentadas na penumbra, presumo que sejam o grupo novo. Quando

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passo por perto para ir ao cacifo, reparo que todos são bastante pálidos e possuem as mesmas expressões faciais, sérios e tensos. Desvio o olhar quando um percebe que os estou a mirar e continuo de cabeça baixa. Abro o cacifo e guardo alguns dos livros que não vou precisar e volto ao campo vendo as minhas companheiras a atuarem. Levanto-me calmamente, quando o som da campainha ecoa nos meus ouvidos. Sigo todas as pessoas do corredor e paro à frente da porta da sala onde terei aula de História. A professora entra e eu entro de seguida dirigindo-me para os lugares mais distantes e menos iluminados. Vários alunos vão entrando e sentam-se nos lugares da frente. O tal grupo também aparece e só agora os consigo contar, são cinco e, assim como eu, também se dirigem para os assentos mais afastados. Um deles senta-se na mesa ao meu lado, já que naquela área é o único espaço livre. Pelo canto do meu olho vejo que este tenta a todo o custo afastar-se da luz, embora ache estranho, ignoro continuando a mirá-lo cautelosamente. Ele puxa pelo fecho da mochila abrindo-a, da esquerda para a direita, tira os livros e quando os pousa sobre a sua mesa, reparo no seu anel. Parece-se como um diamante roxo e possui um símbolo de um escudo dourado. Poderia ser um anel normal mas este parece servir para algo porque pela estrutura e pelas linhas complexas denotase o extremo cuidado com que foi produzido. O rapaz parece apanhar-me a olhar para o anel porque pousa os cotovelos sobre a mesa, escondendo a mão no pescoço. Volto a prestar atenção à aula, mesmo com os meus pensamentos presos naquele anel e em qual será a sua função. Tudo parece ser diferente naquele grupo, todavia eles agem como pessoas normais, o que torna a situação muito mais difícil de ser desvendada. A hora de almoço chegou por fim, e como ficou combinado esperei por Bruna e Carolina para almoçarmos juntas. Entramos no refeitório e vamos em direcção à fila, e por mera coincidência, eles encontram-se à nossa frente e como era de esperar as minhas adoradas amigas começam a cochichar. Eu ignoro-as e pego no tabuleiro pousando-o sobre a tábua.

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Arranjo a minha camisola que tinha subido um pouco com os meus movimentos rápidos e vejo um brilho roxo concentrado num círculo, olho em volta procurando o objecto que reflectiu na minha camisola, descobrindo que era o anel místico, porém fico surpreendida quando em vez de ver o rapaz que o possuía, vejo outro elemento do grupo. Será que lho emprestou? É o meu primeiro pensamento, mas outro aparece na minha mente e olho para as mãos de todos os elementos discretamente, vendo que esta segunda teoria se confirma. Todos os membros possuem um anel destes. Com certeza tem um significado, mas talvez esteja a dar demasiada atenção a um anel cujo significado pode ser apenas familiar, mas eu irei descobrir, custe o que custar.

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ll A Mansão

O inverno chegou e posso dizer que não com muita força, pois o sol ainda não nos abandonou nestes primeiros dias. Tenho melhorado bastante durante estas primeiras semanas, a situação em casa está bem melhor e a minha tia Ângela decidiu por o Jeremias numa clinica de reabilitação em Abulas, a cidade vizinha mas telefonamos-lhe todos os dias. Além disso o meu rendimento nas aulas tem sido bastante bom comparando com o ano passado. Acerca do grupo misterioso, a quem eu agora chamo de “Morados”. Nome que surgiu por duas razões: todas as estudantes desta escola gostariam que os rapazes daquele grupo fossem seus namorados, cuja abreviatura neste caso é “Morados”. A segunda razão baseia-se numa tradução sobre aquele anel, cuja cor em espanhol se diz Morado. Não tenho dado muita atenção a isso mas isso talvez mude hoje à tarde. Eu e o rapaz dos Morados que se senta ao meu lado a História, e fiquei a saber que se chama Pietro, um nome muito curioso por sinal, temos um trabalho a fazer e combinamos muito apressadamente que seria na sua casa e que iríamos despachar isto assim que conseguíssemos. Confesso que estou bastante nervosa, e ainda por cima Bruna e Carolina decidiram aparecer mais cedo hoje para me preparem. Eu disse-lhes que íamos fazer apenas um trabalho e não era um encontro, mas elas insistiram e eu acabei por desistir avisando-as para não exagerarem -Ai Núria, nem sabes a sorte que tens!- Carolina suspira. -Porquê? -Todas as raparigas do liceu desejavam estar no teu lugar.- Bruna responde pela amiga. -Eu já disse, que é só um trabalho e tanto eu como ele decidimos que íamos acabá-lo o mais rápido possível- Repito as minhas palavras, enervada. -Tudo bem, mas para mim era um sonho poder estar sozinha com algum rapaz dos Morados- Bruna contesta e Carolina concorda enquanto me arranja o cabelo

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-Acreditem que se pudesse eu dava-vos o meu lugar e lembrem-se de que provavelmente os pais dele também devem estar em casa- Finalizo e ninguém toca mais no assunto. -Já repararam que, nestes dias em que esteve sol, eles nunca apareceram na escola?- Carolina intervém. -Pois não mas a Michele disse que os Outros tinham ido de férias para a montanha- Encolho os ombros. Michele é uma rapariga popular que tem o blog das fofocas da escola e impressionantemente ela descobre tudo o que se passa com quem quer que seja e normalmente tudo o que ela posta é verdade. Mas como terá ela descoberto que os Morados, estão na montanha, quando eles são tão discretos e distantes? Catarina avisa-me que já terminou, despertando-me dos meus pensamentos. Visto a roupa escolhida pela Bruna, tentando sentir-me confiante quando me olho ao espelho. Mas falho redondamente. Saio de casa acompanhada, e entro no GPS do meu telemóvel, digitando a morada que Pietro me deu. Aguardo que carregue e quando o local aparece no mapa, percebo que por ali perto não passa nenhum tipo de transporte público, terei de pedir a alguém que me leve. Deixo o assunto de lado e pela primeira vez desde que começaram as aulas, incluo-me na conversa das minhas companheiras, talvez por me sentir minimamente animada para este dia. Entro na sala, vendo os Morados já sentados, incluindo Pietro, aproximo-me dele e quando lhe vou a tocar no ombro para chamar a sua atenção ele vira-se, olhandome seriamente. -Hum… será que me podias dar boleia até tua casa?- Ele afirma com a cabeça e volta-se. Sento-me ao seu lado, um pouco mais próxima que o normal, já que a professora vai falar do trabalho e talvez possamos trocar algumas ideias. Porém ele parece incomodado e tapa o nariz.

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-Podes-te chegar mais para o lado?- Fala com a voz mais aguda que o normal devido a ainda estar a tapar o nariz. Será que pus perfume a mais? Pego nas minhas coisas e arrasto-as para a esquerda, desculpando-me num tom baixo ao que ele responde com um pequeno sorriso, como se dissesse que não fazia mal, mas na verdade fazia. Todos os elementos dos Morados focaram-se nele, e eu senti-me a desabar. Na minha primeira tentativa de interagir com ele e conversar, estraguei tudo. Presto atenção à aula, e anoto todos os detalhes que me parecem minimamente interessantes, já que é para fazer o trabalho rápido, fá-lo-ei bem. A professora dá a aula como acabada, eu guardo o material porém quando me viro para poder seguir o Pietro ele já lá não está, nem o resto. Saio da sala, não me importando com o ruído que provoquei ao bater com a porta, corro para a saída não o vendo nem a ele, nem ao resto do grupo. Suspiro derrotada, sentando-me nas escadas com a cabeça entre as mãos. Espero que Pietro não tenha ficado com uma má impressão de mim apenas porque me aproximei, sem nenhuma má intenção. -Núria!- Uma voz profunda profere o meu nome atrás de mim, e eu automaticamente reconheço-o. -Eu pensava que ias esperar por mim- Digo honestamente levantando-me. -Eu tive que resolver alguns assuntos- Afasta-se, dirigindo-se para o que eu presumo que seja o seu carro. Pietro entra no lugar, eu depois de alguns segundos entro no lugar do pendura e mantenho o meu olhar para baixo, enquanto ele conduz para a sua casa. Quando o carro para, eu levanto o olhar vendo uma grande casa em tons castanhos, com um grande jardim verde, bem tratado a rodeá-la, totalmente normal. Antes sequer de chegarmos ao topo das escadas, já está uma mulher a sorrir para nós com a porta aberta. Sorrio de volta e cumprimento-a com dois beijos, e reparo que a sua expressão muda para uma de choque. -Sou a Núria.

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-Oh, eu sou a Alice, a mãe do Pietro, da Rosaline e da Eveline, do Micael e do Nicolau. Sê bem-vinda querida – Alice diz gentil, porém Pietro lança-lhe desaprovador e ela recompõe-se. -Vamos Núria- Pietro diz e começa a vaguear, e antes que o perca de vista começo a segui-lo observando o ambiente. As paredes são todas de pedra bem limpa, estão decoradas com vários quadros distintos, foco-me num deles em que está representado um pescoço esguio com uma mordida violenta no lado esquerdo por onde escorre sangue. Noutro está representado todo grupo, com a mãe de Pietro e um homem que presumo ser seu pai, mas há particularidades: todos possuem uns grandes dentes possivelmente de caça e têm as iris encarnadas. Há algo de especial nesta família, que eles não querem que ninguém descubra, e por isso é que Pietro me empurrou bruscamente. -Para que foi isso?- Massajo o braço -Estás aqui para fazermos o trabalho, não para apreciares a casa dos outros- Ele protesta contra mim. -É aqui que vamos fazer o trabalho? -Sim -É aqui o teu quarto? -Pode dizer-se que sim. Olho em redor reparando finalmente no quarto, tem as paredes de pedra também, um armário cheio de livros com um aspeto velho e gasto, um espelho coberto de pó que reflecte três faces de pessoas desconhecidas e vário móveis de madeira, um deles parcialmente aberto com um esqueleto no seu interior, mas o mais impressionante é que não há cama nenhuma aqui. -É impossível não reparar- Murmuro baixo aproximando-me do espelho.

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lll A Revelação

-O quê?- Ele questiona-me com uma expressão indignada. -Como queres que eu não repare na tua casa, quando é de pedra, no alto da montanha e ainda não vi um raio de um aquecedor. Tens quadros violentos pelo corredor, e num deles aparece todo o teu grupo cheio de garras e sangue. Finalmente entramos no teu quarto e vejo um espelho com pessoas fantasmas reflectidas, um armário com um esqueleto no seu interior, e o mais impressionante é que não existe cama nenhuma aqui. O que raio é que vocês são?- Expludo libertando a minha opinião sobre tudo isto. -Deverias aprender a respeitar os gostos dos outros, e nós não somos coisa nenhuma. -Nada aqui tem a ver com gostos, para que serve esse estúpido anel e porque é que nunca aparecem na escola quando está sol, porque eu nunca vi algo assim em toda a minha vida. -Não é fácil explicar a situação a um humano. Um humano? Ele acabou de admitir que não são da mesma espécie que eu. -Por mais difícil que seja para ti, eu quero saber. Estou saturada de tantos rumores e mentiras. -Tudo bem. Há cerca de cento e dezoito anos, a Bruxa mais poderosa da época, Idalina, era completamente apaixonada pelo meu pai. -Espera! Cento e dezoito anos?- Interrompo-o confusa. -Irás perceber dentro de algum tempo.- Suspira e retorna à história- Idalina era completamente apaixonada pelo meu pai, mas ele amava a minha mãe. Então ela decidiu torná-lo em algo diferente, algo que o transformasse num ser horroroso para a minha mãe o deixar e, assim, ela podia recuperá-lo e ficar com ele. Porém a transformação correu mal porque o meu pai manteve-se igual. Todavia, nos dias seguintes, ele sentia-se muito incomodado com o sol e possuía uma fome incontrolável. Até que, cerca de um trimestre depois, o meu pai estava anorético e as pessoas mais

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experientes da medicina naquela época decidiram injetar-lhe sangue para o fortalecer e, surpreendentemente, ele recuperou. Mais tarde começaram a aparecer-lhe os caninos e as íris vermelhas, e foram pedir qualquer ajuda à Bruxa e só depois de grandes tempos a pesquisar, se descobriu que o meu pai se havia tornado numa espécie rara ainda agora, um vampiro. -Um vampiro?!- Exclamo mais alto que o pretendido. -Sim, um vampiro. Um vampiro não sente frio, nem sente calor, não precisa de dormir nem de comer, apenas precisa de caçar e ingerir o sangue da presa. Um vampiro não envelhece e não demonstra sentimentos porque não os tem e quando algum aparece, por mero acaso, um vampiro vive-o muito emocionalmente. -Mas isso é impossível? Como é que eu sei que tu não estás a inventar tudo o que me dizes? – agarro nos meus cabelos e puxo-os com força. -O que ganharia eu se te mentisse? – responde-me e eu concordo mentalmente com ele -É possível qualquer pessoa tornar-se num vampiro? -É possível desde que um te morda e que durante a transformação bebas sangue, caso contrário morres por desidratação- Pietro diz com determinação e eu engulo em seco. -O que é que aconteceu depois de descobrirem que o teu pai era um vampiro? -Hum…depois disso ele começou a andar à caça de veados para beber o sangue e armazenar algum para qualquer emergência. A minha mãe acabou por se tornar vampira também e juntos tiveram-me a mim, a Eveline, a Rosaline, o Nicolau e o Micael. Nós os cinco nascemos já com meia-parte vampira, mas quando chegamos ao dezoito anos essa parte desperta e tornamo-nos vampiros sem qualquer escolha. -Q-Que idade é que tu tens? -Setenta e quatro anos.- Responde sem nenhum remorso. Olhando para o meu passado, quando eu via na televisão série vampiresas e me ria a valer dos acontecimentos confiante de que aquilo era irreal e impossível de acontecer, e agora aqui estou eu, a conversar com um.

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-Eu tive algumas ideias para o trabalho- Mudo de assunto, afastando-me dele para que este nĂŁo se sinta incomodado com o meu cheiro a sangue.

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IV A Mudança Chego a casa já de noite, depois um longa caminhada desde a casa de Pietro até à minha. Estou exausta! Pouso o meu material na sala de estar e desloco-me para o meu quarto, ligando o computador enquanto visto o pijama. Entro num motor de pesquisa, introduzindo “vampiro” na barra central. Aguardo pela resposta e entro no primeiro site da interminável lista. “Vampiro é um ser que sobrevive alimentando-se da essência vital de criaturas vivas (humanos (geralmente sob a forma de sangue)), independentemente de ser um mortovivo ou uma pessoa viva, mas essa fome pode ser saciada com o sangue de um animal. Embora vestígios de vampiros tenham sido registrados em várias culturas, possivelmente em tempos tão recuados quanto a pré-história, o termo vampiro apenas se tornou popular no início do século XIX, após um influxo de histórias e assombrações vampíricas na Europa Ocidental, vindas de áreas onde lendas sobre vampiros eram frequentes.” Deixo-me cair sobre a cama, com a mente baralhada com vampiros, e revoltome na cama até adormecer. Acordo mais cedo do que o previsto e faço a minha higiene matinal, de seguida visto uma roupa mais formal já que hoje vai ser a apresentação dos trabalhos. Preparome para enfrentar Pietro agora sabendo de toda a verdade. Será que devo contar-lhes? Certamente, Bruna e Carolina iriam delirar e tentar manter-me afastada dele e talvez assim a Michele descobrisse e postasse no blog e os Morados teriam de se explicar. Para evitar isso, eu pretendo descobrir, por mim mesma, mais e mais, nem que para isso tenha de interagir com os Morados. Decido ir ter com Pietro, com a desculpa do trabalho quando na verdade quero mais informações sobre a sua espécie. Este diz-me que as paredes da escola têm ouvidos, mas eu insisto e ele diz para esperar por ele no estacionamento, quando acabarem as minhas aulas.

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Acompanho-o até à sala e entro pousando as minhas coisas sobre a mesa, enquanto os meus colegas vão apresentando os seus trabalhos. Quando faltam apenas dois grupos para a nossa vez, as minhas mãos começam a suar e as minhas pernas a tremer, olho para Pietro vendo-o em completa normalidade. É nestas alturas em que eu desejava ser vampira, não sentir nervosismo nem ansiedade. Viver cada dia como se fosse o último, não sentir nada além do desejo por sangue. Os nossos nomes são proferidos pela professora, despertando-me deste transe, e ambos nos levantamos preparando o suporte da nossa apresentação e iniciando-a. Podia dizer que tinha corrido às mil maravilhas, porém isso não aconteceu devido ao nervosismo sentido na minha respiração e na minha voz e, apesar de ser algo normal, algo humano, sinto uma ponta de culpa e espero que isso não perturbe Pietro. Percorro os corredores até à saída e desta vez Pietro encontra-se encostado ao seu carro junto dos seus irmãos. Por mais que me custe, vou ter de interromper essa reunião familiar. Aproximo-me muito lentamente e cumprimento-os com um sorriso fraco, que eles retribuem com um ar forçado. Entro no carro aconchegando-me numa das pontas para que eles não se sintam tão incomodados com o meu cheiro a sangue. Durante toda a viagem, todos parecem ignorar a minha presença e quando me preparo para sair do carro, umas mãos fortes agarram-me nos ombros fazendo-me cambalear para trás. Seguidamente, vejo Pietro e os irmãos a gozarem do meu estado, fecho os olhos não me permitindo observá-los, e nesses segundos a uma velocidade extremamente rápida sou levada para uma espécie de sótão, onde sou trancada por Micael. Tento levantar-me mas sou impedida pelas correias amarradas aos meus pulsos e aos tornozelos, que queimam a minha pele conforme me esforço para me soltar. As minhas forças esgotam-se e deixo-me relaxar. Segundos, minutos e horas se passaram e a sede tomava conta de mim. Parece que Deus me ouviu pois no meu campo de visão surgiu Pietro com um tabuleiro que continha água e alguma comida.

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-É para não acabares já por aqui- Ele pousa o tabuleiro no chão, a cerca de dois palmos dos meus pés, mas depois olha-me e solta uma gargalhada sarcástica – Pois, não lhe chegas. Estendo os meus pés tentando puxar o tabuleiro para mim mas, antes que consiga, Pietro agarra neles bruscamente, fazendo dois cortes com as unhas, por onde o meu sangue começa a escorrer. -Para quê, tudo isto? – Pergunto-lhe sinceramente, do fundo do meu coração. -Para garantir que não te atreves a contar a alguém o que nós somos. -O que é que eu ganhava com isso?- Murmuro. -Popularidade. -Eu não preciso, nem quero fama, por isso deixa-me ir e eu nunca mais te incomodarei. Ele ignora-me e sai do espaço, segundos depois, quase que por magia, as correias soltam-se sem eu ter feito força alguma. Agacho-me bebendo um pouca da água e guardando o pão num dos meus bolsos, e caminho em passos silenciosos, passando o meu pequeno braço, pelo espaço que não possui nenhum tipo de grades, destrancando a porta. Preparo-me para correr, mas um braço impede-me, e concluo que fui apanhada quando vejo Rosaline. Mas ao contrário do que eu esperava, esta não se encontra zangada ou séria. -Corre o mais rápido que puderes, eles não conseguirão aperceber-se do teu cheiro enquanto caçam- Ela sorri-me e eu retribuo com um agradecimento. Passo pelo corredor olhando para todas as divisões em busca da saída, porém numa delas avisto algo reluzente e depois de me certificar que ninguém me vê, entro e identifico um anel roxo, tal e qual aos outros. Será muito mau se eu o levasse emprestado só por uns dias? Antes que me possa debater mentalmente sobre o quão mau é, agarro no anel guardando-o no lugar mais seguro e onde ninguém o possa descobrir, dentro do pão.

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Saio finalmente da casa, e vejo Rosaline a acenar-me do andar de cima, depois olha para o horizonte e faz-me um sinal para me despachar. Eu assinto, aceno-lhe uma última vez e corro o mais rápido que posso. Chego a uma floresta e começo a ouvir vozes conhecidas. São eles. Entro em pânico e corro para um abrigo de madeira ao pé da estrada, abro a porta e ao fechá-la esta produz um pequeno rangido que espero que eles tenham ignorado. Agarro com a minha mão mais forte a porta, enquanto retiro o anel de dentro do pão, colocando-o no dedo anelar. Os passos aproximam-se e eu tento-me encolher por entre as estantes, porém paro quando a porta se abre e a figura de Pietro se revela. Este, sem nenhuma expressão, empurra-me para o exterior do cubículo. -Como é que me descobriste? Tens um super-poder que não me disseste?- Solto uma gargalhada sarcástica e Pietro revira os olhos com a minha atitude de certo modo infantil e arriscada. -Qualquer vampiro saberia, é impossível, para nós, não sentir o vosso cheiro a sangue incomodativo, principalmente o teu. -Qual é o problema do meu sangue? -Apenas tem um cheiro mais intenso e selvagem- diz e eu baixo a cabeça embaraçada com a nova informação, reparando no anel à vista na minha mão- Agora, diz-me tu. Como é que vieste ter aqui?- Ele sobe o seu tom de voz e eu encaro-o enquanto tiro discretamente o anel do meu dedo e o guardo no bolso. -Não faço ideia, eu só corri para chegar a casa a salvo. -Pois então descansa, que vais ter de fazer grandes esforços- Ele olha para os lados e pousa as mãos nos meus ombros obrigando-me a ficar agachada sobre a terra batida. Subitamente, estou agarrada a ele enquanto ele corre a uma velocidade suprema pelo interior da floresta. Segundos depois, ele faz uma derrapagem e avisto a minha casa, maravilhada, porém um grito de frustração de Pietro faz-me encará-lo. -O que se passa?

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-A tua camisola- Pietro diz finalmente, levando-me a desviar o olhar para baixo, vendo várias cinzas acesas na minha camisola. Rapidamente me afasto, e primeiramente tiro o casaco e de seguida a camisola, restando uma fina camisa, por isso visto o casaco de novo, soprando sacudindo para o tecido em chamas até que este se apague. -Porque é que a minha camisola ficou neste estado? -É devido à velocidade, isto acontece várias vezes, mas eu não me lembrei de que tu és humana, e que a ti ao contrário de mim, a ti queima-te. -Acho que percebi. Mas porque não me voltaste a prender na cave? -Porque de certeza que ias fugir de novo. O diálogo entre nós termina pois ele desaparece por entre as árvores. Entro em casa, fugindo da minha família que se encontra na sala de estar, e corro para o meu quarto. Suspiro medrosamente e verifico se ninguém se encontra no corredor e retiro por fim o anel arroxeado do meu bolso, colocando-o suavemente no meu dedo anelar sujo, sentindo subitamente uma lufada de ar a chocar com todo o meu corpo, e apenas num piscar estou a um palmo do piso velho de madeira do meu quarto, envolta numa camada de areias enquanto os meus ossos se movem espontaneamente. Os meus dentes parecem

soltar-se porém segundos depois a sensação

desaparece, embora um corte se forme no meu pescoço, e o sangue fervente escorre sem dó nem piedade, e as minhas veias sobressaiem-se cada vez mais levando-me a pensar que vou rebentar. O meu corpo treme agora, sentindo todo o meu corpo arrefecer como se o meu sangue tivesse congelado e agora alguma nova substância o estivesse a substituir em passos curtos e imprecisos aproximo-me do espelho. Para grande surpresa, encontro as minhas irís avermelhadas, e antes de ter tempo para delirar esboço um esgar, avistando o reflexo dos meus caninos, agora alongados e assim como todos os meus dentes, brancos como a neve. -O que é que está a acontecer comigo?

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Esforço-me por retirar o anel das minhas mãos, inúmeras vezes, porém este parece colado ao meu dedo e, em completa desgraça, mando uma mensagem de socorro a Bruna e Carolina, recebendo da parte delas, que já estão a caminho. Rapidamente agarro na minha mala de maquilhagem e escondo o meu rosto pálido o mais que posso, para apresentar-lhes o novo “eu” de uma maneira menos escandalosa. Elas parecem demorar uma eternidade, e cada vez mais as minhas pernas relaxam e sobre os meus joelhos as minhas mãos descansam e todo o meu corpo permanece friorento. O som do motor do carro da mãe de Bruna soa nos meus ouvidos, porém ainda distante. Aproximo-me da janela e vejo que não nenhum vestígio daquele carro. Concentro-me no ruído produzido e oiço murmúrios das vozes delas, em que foco a minha mente. - Será que ele namoram?- Oiço Bruna a questionar -Provavelmente não, porque a Michele teria postado no blog.- Carolina afirma. Uma música punk começa a dar no rádio e elas aumentam o volume, não me permitindo continuar a espiar a conversa delas. Não faço ideia se sou o quase impossível, porém agora a minha audição está muito mais ampliada, e se for o que eles são, Pietro não mentiu da vez em que afirmou que eles não tinham sentimentos, e como tal eu gostava de passar algum tempo com algum deles para me habituar à minha nova vida. O carro é estacionado em frente da minha casa, e de seguida trancado. Os passos aproximam-se e consigo ouvir os galhos e as folhas a balançarem, percebendo que elas estão a trepar a árvore para as emergências, assim combinamos desde aquele incidente. Abro-lhes a janela, cabisbaixa e a uma distância consideravelmente grande, deixo-as recomporem-se antes de as encarar seriamente. -Eu preciso de vos contar uma coisa, mas só se prometerem que não irão contar a ninguém, principalmente à Michele, senão eu estou morta- Elas assentem depois de se entreolharem. - Eu descobri que os Morados são algo raríssimo e quase impossível de acreditar, e infelizmente julgo que posso prová-lo aqui, agora. – Confesso-lhes vendo o brilho nos seus olhos, enquanto esperam que eu prossiga.

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-Vampiros, eles são essa criaturas estranhas, que não sentem nada e não envelhecem, têm todos os sentidos apurados e alimentam-se de sangue de pessoas e animais. Além de que, se andarem em plena luz radiante, ou seja nas épocas mais quentes, nem o anel misterioso pode impedir os seus corpos de formarem uma espécie de barreira cristalina neles e que com certeza os revela. - Núria, o que é que se passa contigo? Tu tens de esquecer aquele acidente que te está a por louca, porque o que tu acabaste de dizer não tem sentido nenhum.- Carolina olha-me com pena e em segundos estou possuída pela raiva. -Eu não estou maluca! – Aproximo-me delas e berro-lhes porém arrependo-me quando vejo as suas caras horrificadas, e como um papel que queima em segundos, as lágrimas começam a escorrer da minha face – Eu não queria que fosse assim, mas vocês obrigaram-me a fazê-lo. - Quem és tu? De certeza que não és a nossa amiga de infância, ela não era capaz de nos fazer isto. Tu tens caninos de caça e olhos vermelhos, és completamente um animal de caça! - Não percebem que eu só estava curiosa pelo anel e acabei por roubar um e colocá-lo no meu dedo e, de repente, tornei-me neste monstro e nem sequer consigo tirar este maldito anel.- Suspiro, puxando pelos meus cabelos com bastante força. - E agora vais ficar assim, como eles, para sempre? – Bruna aconchega-me nos seus braços que parecem o melhor reconforto nesta situação. - E-Eu acho que o Pietro talvez saiba fazer qualquer coisa – Soluço-lhes. – Tudo aconteceu como um abracadabra

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V Ando pela escola procurando por Pietro, com um lenço preto a cobrir-me a cara, restando apenas os olhos, que estão cobertos por uns óculos de sol, e o nariz para poder respirar. Carolina, com quem eu já fiz as pazes, e Bruna acompanham-me um pouco atrás, e momentos depois elas encontram-se no início do corredor a falar com todo o grupo incluindo Pietro. Ameaço-as mentalmente por me terem deixado, e corro até ao seu encontro, e quando os pares de olham se focam em mim, parecem reparar que estou demasiado tapada e forçam-me a destapar-me e eu faço-o discretamente, porém quando me olham nos olhos, todos com a mesma reacção puxam-me pelo braço até à arrecadação vazia, trancando a porta. -Quem é que te mordeu? – Micael é o primeiro a falar. -Ninguém o fez – Respondo honestamente e todos começam a murmurar entre eles excluindo-me. -Calma, conta-nos tudo como aconteceu.- Desta vez é Rosaline que dá a cara. -No segundo dia em que fui à vossa mansão e me prenderam naquele compartimento, quando consegui escapar, eu vi um dos vossos anéis roxos, que eu tinha alguma curiosidade em descobrir a função, em cima de uma cômoda e decidi levá-lo apenas para me experimentar. Depois Pietro apanhou-me a floresta e levou-me a casa e eu finalmente experimentei o anel, e só me lembro de me olhar no espelho e ver a minha pele pálida, os meus olhos vermelhos e os meus caninos alongados. - Foi a maldição. – Micael confirma – Aconteceu porque o anel estava programado para proteger vampiros, para esconder as íris vermelhas, os tais caninos e para poderem andar à luz do dia, embora só quando o tempo não estivesse muito solarengo. Porém, tu roubaste o anel do nosso pai, e como eras humana o anel mudou automaticamente as suas funções transformando-te numa vampira. -Isto é uma estupidez! – Pietro irrita-se e todos parecem mais concentrados em mim do que propriamente nele -Porque é que eu não consigo tirar o anel agora? -Isso é devido à falta de sangue humano, pois é necessário para o depósito do anel e assim ele sairá das tuas mãos.

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-E depois disso voltarei a ser humana? -Tudo depende de como o teu organismo reagir quando ingerires sangue humano. Todos saem da arrecadação quando toca para a entrada, porém Pietro encontrava-se a um canto, e quase me senti na obrigação de pedir autorização para sair, por isso fi-lo. -Hoje à noite, aparece na mansão, provavelmente estás esfomeada, e tirar-teemos esse anel e queimá-lo-emos ainda hoje. – Diz antes de sair e me deixar sozinha naquela arrecadação sombria. A reacção deles foi sem dúvida melhor do que esperava e, quando avisto as minhas amigas à minha espera, sinto-me no dever de lhes contar e elas animam-me dizendo-me que, com certeza, me irei livrar deste maldito anel hoje.

As aulas passam mais rápido do que eu esperava e arranjo o lenço e os óculos de sol escuros, e quando chego a casa cumprimento a minha tia Angie muito rapidamente e subo para o quarto preparando-me para daqui a algumas horas. Bruna e Carolina iriam acompanhar-me lá e isso, de certa forma, tranquiliza-me. Deixo os meus pensamentos voarem durante o banho, e preparo-me o mais lentamente, assistindo televisão para me entreter, porém quando recebo uma mensagem delas a dizer que já tinham saído, agarro na roupa mais à mão, e volto a por o lenço e os óculos, deixando um bilhete, e de seguida saio de casa esperando uns segundos até o carro parar na minha frente. A viagem foi tranquila, e apesar de as refeições tipicamente humanos me tirarem a fome por alguns minutos, a minha barriga produz um ruído de desaprovação de trinta em trinta minutos. Toda a família se encontra à entrada da mansão à volta de uma fogueira, e cumprimento-os a todos com um simples esgar, que alguns ignoram e outros sorriem de volta. -Eu já preparei o sangue para tu beberes, deste a maior parte dos vampiros costuma apreciar – Entrega-me uma bolsa de sangue como as dos hospitais.

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Antes de beber, cheiro a bolsa, sentindo o meu apetite aumentar e bebo apenas um gole, porém cuspo imediatamente pelo sabor horrível. -A primeira vez é sempre assim, querida – Alice, mãe dos cinco, conforta-me.Tenta de novo, e custe o que custar, engole. Tento de novo, mantendo o sangue na minha boca e engolindo aos poucos, sentindo o sabor desgostoso a diminuir. -Segundo a lenda, se o teu organismo conseguir manter o sangue durante cinco minutos então podemos dar como concluída a tarefa de te retirar o anel. O meu coração parecia bater cada vez mais rápido, enquanto eu conversava com o grupo, aguardando pelo fim dos cinco minutos, para me livrar desta farda de Halloween, dizendo de uma forma agradável. -Os cinco minutos passaram – Nicolau faz-se ouvir parando o seu cronómetro – Agora só falta deitar o ácido. De seguida Alice e Pietro encontram-se ao meu lado a preparar o ácido, quando Pietro se vira - Isto pode doer, um pouco – Ele fala e eu automaticamente agarro, com a mão livre, na mão de uma das minhas companheiras. Solto um grito quando o ácido quente entre em contacto com a minha pele, queimando-a, e aumento a força na mão de Carolina, e fecho os olhos e quando o ácido deixa de fazer efeito, abro-os largando a mão de Carolina antes de me desculpar pela força que fizera. O anel é rodado no meu dedo, e livro-me dele, porém as poeiras voltam. Desta vez parece tudo ser no sentido inverso, e gargalho ao olhar para baixo, e ver que estou a voar, porém apenas por dez segundos pois volto ao chão. Apalpo os meus dentes, sentindo os meus pequenos caninos de volta, olho para a minha pele, agora de volta ao seu tom normal, e olho para os meus olhos, agora de novo castanhos. Agradeço a todos, pela ajuda e compreensão na situação. De seguida, o anel é-me entregue e Nicolau aponta para o fogueira, e olho uma última vez para o objeto antes de o atirar para as chamas. E uma onda de aplausos preenche a noite.

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Sumário

O rubi, Ana Amarante (8.ºA) ---------------------------------------------------------------------------------- 2 A festas dos fantasmas, Beatriz Alves (7.ºD) -------------------------------------------------------------- 8 O gemido e a prisão soviética, Cláudia Trinta (7.ºD) --------------------------------------------------- 12 A floresta do horror, Ema Morais (7.ºD) ------------------------------------------------------------------ 16 A fuga da ilha, Filipe Cardoso (8.ºC) ----------------------------------------------------------------------- 20 O baú, Joana Baiona (8.ºA) ---------------------------------------------------------------------------------- 27 O segurança noturno, João Mendes (8.ºC) --------------------------------------------------------------- 43 A Bela Acordada, Mariana Loivos (7.ºD) ------------------------------------------------------------------ 52 Além do paraíso, Matilde Pinheiro (8.ºA) ---------------------------------------------------------------- 58

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Ficha técnica

Título: Criptocontos - antologia de contos de terror Autores: Vários (alunos do 3.º ciclo do Ensino Básico) Edição: Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins Coordenação: Bibliotecas escolares Data de impressão: outubro de 2016 Local: Chaves

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