Fraude fiscal em IVA, por Ana Paula Rodrigues Portela

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

FRAUDE FISCAL EM IVA

Ana Paula Rodrigues Portela

III Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal


NOTA PRÉVIA:

Não é o trabalho desejado, é tão só o possível, fruto da inexperiência e do amadorismo que o caracterizam.

Iniciado, este audaz desafio, a que me propuseram, espero vê-lo concluído com sucesso.

A escolha do tema, foi o que me ocorreu no minuto inicial, sendo certo que, o seu conteúdo não será o por mim inicialmente almejado, mas tão só o possível.

O mesmo destina-se a dar cumprimento ao artigo 11º do Regulamento do Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal.

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AGRADECIMENTOS:

A todos quantos me auxiliaram ao longo deste ano lectivo. Ora incentivandome, ora reconfortando-me nos momentos menos bons e, que tornaram possível esta minha incursão pelos livros, depois de alguns anos longe das lides académicas.

Em especial:

Ao meu companheiro e fiel amigo António Augusto e aos meus adorados filhos Inês e Pedro.

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ÍNDICE:

pág.

Nota prévia

Agradecimentos

Introdução

1 – O Regime das Transacções Intracomunitárias .............................. 7

2 – Regime Transitório ................................................................... 11

3 – Tipos específicos de fraude nas transacções intracomunitárias ....... 12

4 – A Fraude no Comércio de Ouro .................................................. 20

5 – A Redução dos Preços............................................................... 28

6 – Mecanismos legais de combate à fraude em sede de IVA .............. 30

7 – Abuso de Direito ...................................................................... 49

8 – Conclusão ............................................................................... 51

Bibliografia ................................................................................... 53

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INTRODUÇÃO

Em todos os impostos podem ser detectadas formas gerais e específicas de evasão.

As primeiras dizem respeito a qualquer imposto: não declaração, não pagamento do tributo, interpretação “contra legem” duma norma que determine o pagamento inferior ao devido entre outras.

As segundas são específicas de cada imposto e relevam da sua filosofia e modo de funcionamento.

A fraude, no âmbito do IVA, tem como objectivo obter reembolsos ou reduzir o valor a pagar ao Estado e realiza-se quer pela ocultação quer pela simulação dos fluxos económicos.

Relativamente à primeira está-se a referir a economia denominada de “paralela/subterrânea”, ou a vendas sem factura, isto é, à fraude convencional.

Mas,

concomitantemente

com

esta

fraude

tradicional,

assistimos

ao

desenvolvimento de novas modalidades, geradas pela internacionalização da economia e dos seus mercados.

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No auge de uma economia paralela, prespassada por negócios ilícitos, designadamente drogas, armas, etc., utilizando modernas técnicas de informação como o correio electrónico.

Nestes casos, a fraude é realizada, sobretudo, através da simulação dos fluxos económicos, criando a aparência dum sujeito passivo ou operações económicas, falsificando documentos, utilizando facturas falsas, sendo certo que muitas vezes a fraude resulta duma combinação de ocultação e simulação.

A distinção entre um tipo de fraude e outro é fundamental, dado que a características diferentes se devem contrapor modos de actuação correspondentes, devendo a luta contra a fraude ajustar-se continuadamente à própria evolução da fraude.

Dado que a uma norma se pode associar uma possível infracção da mesma, o leque de possíveis fraudes em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) é amplo.

Este trabalho visa analisar algumas fraudes relacionadas com o regime transitório do IVA nas transacções intracomunitárias, quer as derivadas da ocultação quer da simulação e ainda a fraude carrossel que atinge um desenvolvimento considerável nas relações económicas internacionais.

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O

REGIME

DAS

TRANSACÇÕES

INTRACOMUNITÁRIAS A construção do Mercado Único teve e tem como objectivo a promoção do crescimento económico à escala europeia, aumentando a competitividade da sua economia.

As políticas fiscais não são alheias a esse fenómeno, fazem parte dele, impulsionando-o ou entravando-o.

A livre circulação de pessoas e bens, enquanto condição indispensável à realização do mercado interno, pressupõe a supressão das fronteiras internas da comunidade, o que significa que os bens podem circular entre os diversos Estados sem controlos.

Desde os primeiros trabalhos sobre a introdução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA1) na Comunidade, que esta se comprometeu a promover um sistema comum do IVA, em que a tributação das importações e o desagravamento das exportações nas relações comerciais entre os Estados Membros fossem suprimidos, de forma que o IVA funcionaria no interior da União Europeia da mesma forma que no interior de um único País, sendo os bens e serviços tributados no Estado Membro de Origem.

Tal objectivo, pressupunha que fosse encontrada resposta satisfatória a dois problemas fundamentais:

- harmonização das taxas de imposto,

- afectação das receitas ao Estado Membro de consumo.

1

- Imposto Sobre o Valor Acrescentado, abreviadamente designado de IVA

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Os progressos pouco significativos nestes dois aspectos, impediu a aplicação do princípio da tributação no País de Origem e em 1991 o Conselho ECOFIN, ao mesmo tempo que reafirmava o compromisso de promover um sistema definitivo, baseado na tributação no Estado Membro de origem, aprovou um sistema transitório (Directiva 91/680/CEE, de 16/12/91) que permitisse suprimir os controlos de fronteira no interior da Comunidade, mas o IVA continuou a ser cobrado no Estado Membro de destino nas relações entre os sujeitos passivos e em determinadas circunstâncias especiais, designadamente nas vendas à distância a particulares, veículos automóveis novos a particulares e vendas a pessoas colectivas não sujeitas a imposto.

O regime do IVA para as transacções intracomunitárias, instituído para o período transitório que antecederia a aplicação do regime de tributação na origem às transacções no seio da União, ao abolir as fronteiras físicas entre os diversos países, transferiu para a esfera de cada sujeito passivo, adquirente de bens na União europeia, a responsabilidade, que antes cabia aos Serviços Alfandegários, de liquidação do IVA. Mas não só o IVA deixou de ser liquidado por aqueles serviços, como deixou de ser recebido.

Dado que, cada sujeito passivo, tem direito a dedução do IVA relativo às suas aquisições, nos termos do artigo 19º do RITI2, os sujeitos passivos que efectuam aquisições intracomunitárias não suportam qualquer ónus fiscal, uma vez que, o IVA liquidado é igual ao IVA dedutível e, deixou de ser efectuado o pagamento em data anterior à dedução, como era no regime anterior à publicação do RITI.

Por outro lado, os sujeitos passivos que efectuam transmissões intracomunitárias, não liquidam IVA nessas operações, nos termos do artigo 14º do RITI.

O aspecto mais relevante do sistema comum do IVA foi a abolição das fronteiras físicas. A inexistência de controlos por parte das autoridades aduaneiras, como teria de ser, a não existência de regras claras e uniformes sobre a circulação de mercadorias e facturação no mercado comunitário, como não deveria ser, criaram as condições,

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propicias, ao desenvolvimento de fraudes associadas às fraquezas/debilidades do novo regime, sobretudo nas aquisições, dado que, nas exportações os controlos aduaneiros já eram deficientes e as exportações fraudulentas eram igualmente uma realidade.

Os bens circulam entre os diversos Países da União com suspensão de tributação, cabendo aos Serviços Fiscais, à posteriori, o controle do respeito pelas normas de tributação.

O Regulamento (CEE) n.º 218/92 foi criado para completar as disposições da Directiva 77/99/CEE, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados Membros no domínio dos impostos directos e indirectos, que tinha sido inicialmente concebida para a troca de informação relativa aos impostos directos. A sua possibilidade de aplicação ao IVA resulta da Directiva 79/1070/CEE.

A Directiva previa que a troca de informação se podia realizar de três formas, mediante pedido, por troca automática e por troca espontânea.

Não previa disposições relativas ao IVA no que se refere quer à troca automática quer à troca espontânea, mas a possibilidade de acordos bilaterais entre Estados Membros e de estes autorizarem a presença de agentes de outro Estado Membro em determinados controlos.

O Regulamento 218/92 surge como resposta às necessidades de controlo das entregas e aquisições intracomunitárias (fluxos de bens), decorrentes da supressão dos controlos aduaneiros a partir de Janeiro de 1993.

A principal inovação deste regulamento é a criação duma base de dados electrónica – VIES – que permite conhecer os NIF (números de identificação fiscal) para efeitos de transacções intracomunitárias e a cada Estado Membro as entregas intracomunitárias efectuadas aos sujeitos passivos identificados nesse Estado Membro.

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RITI – designação abreviada para Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, regime instituído pelo DL n.º 290/92 de 28 de Dezembro

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Sempre que essa informação é insuficiente, podem ser solicitadas informações adicionais (art. 5º).

O novo regime das transacções intracomunitárias, baseado num mecanismo de

isenção,

que

não

obriga

ao

pagamento

de

IVA

pelas

aquisições

intracomunitárias, que faz depender a sua eficácia do princípio da cooperação com a Administração Fiscal, é em si mesmo, propício ao desenvolvimento de fraudes, sendo mais fácil desviar os bens que circulam sem terem sido tributados, para o mercado negro, escapando totalmente à tributação, ou pior ainda, recebendo reembolsos indevidos, ou criando um circuito simulado de operações, com consequências fiscais e concorrenciais.

É esta fraqueza do regime transitório, conjugado com o facto de os sistemas de controles nacionais e os instrumentos comunitários de cooperação não serem suficientemente eficazes, que proporcionou o desenvolvimento de fraudes graves no comércio intracomunitário.

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2 – REGIME TRANSITÓRIO No Terceiro Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, nos termos do art. 12º do Regulamento 1553/89, sobre os procedimentos de cobrança e controlo do IVA aplicados nos Estados Membros são elencados os tipos mais relevantes de fraude ao IVA, de acordo com a informação fornecida pelos Estados Membros e tratada em estudo elaborado.

2.1 - A fraude fiscal mais frequente é o da supressão do imposto nas vendas (não emissão de factura, não registo das vendas, não pagamento do IVA das facturas) e o abuso das regras de dedução, nas suas formas mais simples e directas (dedução sem factura, utilização de facturas falsas).

Relativamente à utilização de facturas falsas, são vários os mecanismos utilizados, que procuram adaptar-se aos controlos efectuados pelas várias Administrações Fiscais: falsificação de facturas de sociedades existentes, com cópias ou fotomontagens, criação de facturas de fornecedores existentes mas que desconhecem a transacção, utilização dupla das mesmas facturas modificadas, etc..

2.2 - Por outro lado, os regimes especiais (veículos automóveis novos, vendas à distância, aquisições por parte de entidades que não são sujeitos passivos, sujeitos passivos isentos), que pela sua complexidade são de difícil controle, proporcionando-se a abusos ou fraudes.

2.3 – Existem ainda, as grandes fraudes organizadas, que envolvem montantes elevados por cada caso, de que se destaca:

a) Constituição de sociedades que devem parecer normais, mas que são constituídas para fins fraudulentos (sociedades fantasma, sociedades ecrãs, caixas de correio, etc.), cujo objectivo exclusivo é a fraude aos impostos.

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b) Fraude Carrossel, que para a realização das transacções de mercadorias, cujos fluxos reais muitas vezes se perdem, é montada uma cadeia de sociedades (reais ou fictícias), com o objectivo de obter para o negócio um ganho, que é o imposto não pago ao Estado.

2.4 – Várias outras situações, como por exemplo:

- Omissão de registo – Trata-se de actividades não conhecidas da Administração fiscal, que integram o conceito de economia paralela;

- Aplicação incorrecta de taxas;

- Abuso do regime das trocas intracomunitárias, bem como das importações e exportações;

- Falências fraudulentas (transferência de activos de uma sociedade antes de ser declarada a falência para evitar o pagamento do IVA).

Os mecanismos da fraude fiscal não são estáticos, adaptam-se em função do sector de actividade em que se desenvolvem (construção civil, têxteis, automóveis, informática, etc.), do tipo de actividade (produção, comércio por grosso ou a retalho, serviços) e da qualificação e natureza jurídica do sujeito passivo.

O comércio por grosso está exposto à grande fraude organizada (falsos sujeitos passivos, fraude carrossel), sendo os bens colocados no mercado a preço líquido de imposto, e portanto, a preços mais concorrenciais, conduzindo a autênticas distorções de concorrência. São exemplos, a nível Europeu, os sectores das carnes, dos têxteis, dos telemóveis, dos automóveis, dos componentes electrónicos, e metais preciosos.

O comércio de veículos é particularmente exposto à fraude carrossel, sendo utilizada a técnica de obter reembolsos de IVA sobre o mesmo veículo de forma a reduzir

o

seu

custo

para

valores

insignificantes.

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Tipos

específicos

de

fraude

nas

transacções

intracomunitárias. Destacam-se três tipos de fraude no IVA, a saber: ocultação das transacções intracomunitárias (aquisições); simulação de transacções intracomunitárias e fraude carrossel.

3.1 – Ocultação de transacções intracomunitárias Trata-se de uma fraude convencional, que consiste em entregas ou aquisições sem factura, que não se contabilizam, nem declaram, criando um circuito oculto de comercialização.

3.2 – Simulação de transacções intracomunitárias

A simulação normalmente é praticada nas vendas intracomunitárias, aproveitando a isenção do art. 14º do RITI. Declara-se como tendo sido vendidas para o mercado intracomunitário bens que foram vendidos no mercado nacional. Pode mesmo simular-se os pagamentos e por vezes os transportes.

Os mecanismos da fraude podem ser mais grosseiros, como é o caso das facturas emitidas para operador comunitário com número de identificação fiscal inexistente ou cuja actividade se encontra cessada, ou mais elaborados, no caso de a factura ser emitida para um operador com número de identificação fiscal (NIF) real, que efectua o pagamento dos supostos fornecimentos, que lhe será devolvido pelo adquirente oculto.

3.3 – Fraude carrossel

Consiste na simulação de aquisições intracomunitárias por empresas fictícias, que são não declarantes e não pagam o IVA, mas dão cobertura ao nascimento do direito à dedução de IVA numa outra empresa (real).

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Este tipo de fraude desenvolveu-se em sectores com determinadas características como é o caso dos produtos com qualidade e preços definidos por padrões internacionais, normalmente têm margens reduzidas, fazendo-se a redução do preço pela apropriação do IVA.

Esta é a versão mais simples da fraude carrossel.

Exemplificando:

A sociedade “B”, designada de “missing trader”, ou empresa de nível 1, efectua uma aquisição intracomunitária e não entrega o IVA ao Estado.

As empresas de nível 1, não têm substância económica: não dispõe de instalações e de pessoal, os seus sócios são de difícil localização, muitas vezes testas de ferro.

Estas empresas têm normalmente um período de vida útil reduzido, extinguindose ao fim de um ano (ou o período de detecção por parte da Administração Fiscal), sendo substituída por outra de características idênticas (de responsabilidade limitada, com um capital social mínimo, com sede fictícia, administradores estrangeiros, com sede em paraísos fiscais, ou administradores nacionais mas ilocalizáveis).

Frequentemente são utilizadas sociedades “standby”, criadas por gabinetes de assessores, destinadas a serem utilizadas de acordo com as necessidades, bastando a transmissão das quotas aos novos titulares.

Apresentam a declaração no Registo Nacional de Pessoas colectivas, para obterem o NIPC, efectuam a declaração de inicio de actividade, em termos fiscais, mas não cumprem as demais obrigações fiscais, nomeadamente declarativas e de pagamento de impostos. Em alguns casos entregam declarações periódicas de IVA, mas os montantes de IVA apurados são reduzidos e não efectuam o seu pagamento.

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Efectuam,

ou

são-lhe

imputados,

montantes

elevados

de

aquisições

intracomunitárias (reais ou fictícias).

A sociedade “C”, designada de “final link” ou empresa de nível 2, deduz o IVA, utilizando a factura emitida por “B”.

Estas empresas actuam como distribuidoras reais, tendo um funcionamento empresarial normal e cumprem as suas obrigações fiscais declarativas e de pagamento.

Estas operações podem ser todas simuladas, ou não, podendo nem haver deslocação de bens.

Por vezes as empresas “A” e “C” desconhecem a existência de fraude, mas o normal é que não sejam alheios, que a empresa “A” oriente, fornecendo o Know-how e que a empresa “C” compartilhe com “B” o produto da fraude, sendo, em alguns casos, as empresas de nível 2 que “criam” as de nível 1 e as intermediárias. Frequentemente as empresas de nível 2 recebem as mercadorias directamente dos fornecedores intracomunitários.

Entre a empresa de nível 1 (primeiro nível) e a de nível 2 (segundo nível) é, normalmente, introduzido um intermediário, designado de “intermediate link”, ou empresa intermédia ou entreposta.

Esta empresa intermediária (empresa C), vende efectivamente mercadorias a uma outra empresa, designada de “D”, mas simula vendas para uma sociedade que designaremos de “E” (podendo ser total ou parcialmente), através da qual é obtido o reembolso de IVA.

Apresentam-se como empresas cumpridoras, do ponto de vista fiscal, entregando declarações periódicas de IVA e declarações de Rendimentos, existindo toda a conveniência nesta sua faceta, dado que permitem credibilizar as operações de compra da empresa de nível 2 (empresa “C”), cuja sustentação seria difícil em caso de pedido de reembolso de IVA. 15


Estas empresas, quando efectuam pagamentos de IVA, são de montantes muito reduzidos, praticando margens muito reduzidas. De acordo com as conveniências, podem funcionar também como empresas de nível 1, podendo também ser utilizadas para efectuarem entrega real de mercadorias.

Por vezes a empresa intermediária situa-se noutro país comunitário.

Também é frequente acontecer que entre a empresa “B” e a empresa “C” sejam criadas várias empresas fantasma, cujo objectivo é evitar a ligação de “B” a “C”

A perfeição técnica do carrossel é obtida quando entre o “missing trader” e o destinatário final dos bens – “final link,” se interpõem uma série de empresas fantasmas, cujo objectivo é credibilizar as vendas do “missing trader” e evitar a sua ligação com o “final link” e se fecha o circuito no país onde se iniciou a fraude carrossel, podendo o movimento, de apenas circularização de facturas, poder continuar infinitamente.

As

empresas

intermediárias/fantasmas

são

normalmente

empresas

de

responsabilidade limitada (normalmente unipessoais em Portugal), com capital social mínimo, de recente criação, sem património, sem logística e organização. As margens de comercialização são reduzidas. Apresentam declarações fiscais.

Este tipo de fraudes envolve, por vezes, não apenas dois Estados Membros, o que dificulta, ainda mais, a sua detecção e controle.

A fraude carrossel consegue a redução dos preços de venda (economia carrossel) através da apropriação do IVA, uma vez que as margens de comercialização normalmente são reduzidas.

Exemplo A:

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A empresa “A” (Espanhola) vende à empresa “B” (em Portugal) por 100 €, por sua vez, “B” vende a “C” (também em Portugal) por 100 € mais 21% (121,00 €) que corresponde ao IVA, IVA que não paga e é a sua margem. A empresa “C” deduz 21% (correspondente ao IVA). O prejuízo do Estado é de 21,00 €, que “C” deduziu e que “B” não pagou. Pode não haver conivência por parte de “A” e “C”.

Exemplo B: “A” vende a “B” por 100 €. “B” vende a “C” por 90 mais 21 (111,00 €) (correspondente ao IVA), que não entrega. Reduz a sua margem de lucro para 10 €, mas reduz o preço, que lhe trará uma maior quota de mercado. “C” deduz 21,00 € O prejuízo para o Estado é de 21,00 €. Pode não existir conivência por parte de “C”, mas no mínimo, deverá achar estranho, os baixos preços de “B”, empresa normalmente sem tradição no mercado. Exemplo C (com reembolso):

No caso da mercadoria ser adquirida num Estado Membro para ser expedida, posteriormente para outro estado Membro, o efeito sobre o IVA deveria ser nulo, qualquer que seja o número de empresas intervenientes.

Nos casos de fraude carrossel, tal não se passa, uma operação cujo resultado deveria ser neutro, dá origem a um reembolso, ou a pagamentos inferiores aos devidos.

A empresa “A” com sede em Espanha vende à empresa “B” em Portugal mercadorias por 1000,00 €. A empresa “B” ao vender as mercadorias por 1500,00 € deveria entregar ao Estado 315,00 € de IVA. Sendo uma empresa de nível 1, não declarante, não paga tal 17


IVA e o resultado, se a fraude/trama acabasse aqui, seria de uma perda para o Estado Português de 315,00 €. A empresa “C”, que é declarante, vende por 1815,00 € + 366,00 €, entregando ao Estado 51 € (366,00 = IVA que deveria entregar (315) + 51 que efectivamente entregou depois de feito o apuramento na sua declaração periódica entregue ao SAIVA).

A última etapa desta fraude realiza-se quando a empresa “C”, através de “E”, vende a outra empresa Espanhola (ou de outro Estado Membro).

Ao vender a mercadoria por 2000,00 €, coloca-se numa situação de reembolso de IVA, de 366,00 €. O prejuízo para o Estado Português foi de 630,00 €, assim apurado: - 315,00 € não pago por “B” + 51,00 € pago por “C” - 366,00 € reembolso por “E”

Se o circuito se repetir em Espanha (ou noutro Estado Membro), a fraude continua, havendo empresas que não pagam o IVA devido ou são reembolsadas.

Trata-se de uma verdadeira “engenharia fraudulenta”, meticulosamente arquitectada.

O regime transitório do IVA favoreceu o aparecimento de um novo tipo de fraude, cujas características se contrapõe às da fraude tradicional.

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Assim, a fraude convencional caracteriza-se por ter formas não organizadas, ao invés, esta nova fraude apresenta-se organizada, de carácter quase mafioso, com intervenção de sujeitos passivos com antecedentes criminais.

Ao passo que as técnicas da primeira são pouco sofisticadas, esta por sua vez caracteriza-se por ter uma planificação rigorosa no modus operandi, com recurso a falsificações (de facturas, de domicílios inexistentes, empresas ecrã ou fantasmas, inexistência de património, interposição de testas-de-ferro)

Ao passo que a fraude tradicional se caracteriza por ser autárcica, este novo tipo de fraude caracteriza-se pela utilização de transferências internacionais de bens, sejam essas transferências autênticas ou simuladas, cujo objectivo é obter “benefícios fiscais” e dificultar a actuação das várias Administrações fiscais.

Via de regra na tradicional os sujeitos passivos são localizáveis, o seu domicílio fiscal é conhecido, ao passo que nesta nova modalidade existe a deslocalização da actividade, que muitas vezes se realiza via correio electrónico ou dos próprios sujeitos passivos (missing trader).

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4 – A FRAUDE NO COMÉRIO DE OURO 4.1 – O Mercado Português do ouro para fins industriais. O ouro ao longo dos tempos e em todas as sociedades assumiu especial relevância, daí que, o seu comércio tenha sido historicamente regulamentado, sujeitando-o a regras específicas.

Em Portugal o comércio de ouro estava cometido ao Banco de Portugal.

Coma publicação do DL n.º 31/90, de 8 de Janeiro, a importação, exportação ou reexportação de ouro amoedado, em barra ou noutras formas não trabalhadas continuou a ser da exclusiva responsabilidade do Banco de Portugal, mas, por delegação deste, também podia ser pelas entidades autorizadas a exercer o comércio de câmbios (bancos e cambistas).

Foi então concedida a autorização a 4 bancos: BPSM. UBP. BBI e BPA.

Os bancos autorizados a realizar vendas de ouro para fins industriais deveriam assegurar-se dessa aplicação, através de elementos recolhidos junto da Associação Industrial.

Associação Industrial que emitia uma declaração das quantidades adquiridas pelos industriais. Após a transformação do ouro adquirido, o industrial ou ourives dirigia-se à Contrastaria (que funciona na Impressa Nacional – Casa da Moeda, abreviadamente INCM), para contraste das peças, apenas podendo ser contrastado ouro até ao peso indicado na declaração emitida pela Associação.

O DL n.º 170/93, de 11 de Maio, liberalizou as operações com o ouro, de acordo com o art. 28º “É livre a importação, exportação ou reexportação de ouro amoedado,

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em barra ou noutras formas não trabalhadas, sem prejuízo da observância de disposições de natureza não cambial aplicáveis”

Assistiu-se então ao aparecimento de várias empresas a comercializar ouro para fins industriais, entre as quais a AIORN (Associação de Industriais de Ourivesaria e Relojoaria do Norte).

4.2 – As características desta fraude A abertura deste mercado “condicionado” à concorrência coincidiu com a entrada em vigor do regime transitório do IVA.

Várias empresas que entraram neste mercado aproveitaram as fragilidades do regime transitório para conceberem e levarem à prática um esquema concertado de fraude fiscal.

A liberalização do mercado do ouro possibilitou a entrada de novas entidades através das quais era feita a introdução de bens no mercado nacional. O regime transitório do IVA permitiu a essas entidades não serem sujeitas a controle aduaneiro e ao pagamento do IVA, pela aquisição intracomunitária.

A conjugação destes dois aspectos criou o ambiente propício ao aparecimento e desenvolvimento de fraudes relacionadas com o comércio intracomunitário de metais preciosos.

Fraude essa que consistiu/consiste na criação artificial de um circuito documental, cujo objectivo é o não pagamento do IVA recebido ao Estado, com o recurso a duas formas possíveis de atingir este desiderato, quer pela não declaração à Administração Fiscal, quer pela simulação de vendas ao exterior, de aquisições intracomunitárias e de transacções internas.

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Esta fraude caracterizava-se por ser praticada numa actividade relacionada com um bem de elevado valor e facilmente transportável (ouro).

O ouro comercializado era adquirido no mercado comunitário (Espanha, Alemanha e Inglaterra) e era vendido no mercado interno, envolvia diversos intervenientes.

Eram

criadas

empresas

apenas

para

efectuarem

aquisições

intracomunitárias e outras para efectuarem vendas no mercado interno e ainda outras para emitirem facturas falsas.

Estas empresas exerciam a actividade durante um período limitado de tempo, sendo substituídas por outras. Com o objectivo de dificultar a sua detecção e fiscalização pelas autoridades competentes, o ouro era transaccionado em zonas bem distintas da sede das empresas.

Esta fraude tem como objectivo a apropriação do IVA, permitindo assim a redução dos preços e financiar um conjunto de despesas atinentes ao funcionamento da “rede” e das entidades envolvidas.

Muitas destas empresas são não declarantes em sede fiscal e os seus sócios, gerentes ou administradores não possuem quaisquer bens (em seu nome), estando assim, numa situação de insolvência face ao prejuízo causado ao Erário Público.

4.3 – Os intervenientes No mercado dos metais preciosos as transacções mesmo de pequenas quantidades, significam grandes valores.

Trata-se de um bem facilmente transportável, escapando facilmente ao controle fiscal. Na maior parte das facturas emitidas entre estas entidades é referido que a mercadoria é transportada na viatura do adquirente, incluindo os casos de exportação ou transmissão intracomunitária.

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Os intervenientes neste tipo de fraude são sociedades, unipessoais ou por quotas, constituídas por familiares ou pessoas que mantêm relações comerciais no âmbito deste negócio. No caso das sociedades anónimas, estas têm um reduzido número de accionistas, que são comuns a várias empresas envolvidas no negócio, existem pessoas comuns nas diversas empresas, sejam eles gerentes de facto, colaboradores ou financiadores.

Não raras vezes, a gerência efectiva, é exercida por entidades distintas das que constam no pacto social que não têm qualquer vínculo formal com a empresa.

Os gerentes/administradores de facto a grande maioria dos casos são também os financiadores, são os verdadeiros donos do negócio e não têm o seu nome ligado a qualquer empresa envolvida no negócio.

Os colaboradores não constam do quadro de pessoal, não declaram rendimentos e são comuns a várias empresas, passando de umas para as outras, conforme se vai esgotando o “período de vida útil” das mesmas.

4.4 - Tipos de funções das empresas. São criadas empresas cuja finalidade é apenas efectuarem aquisições intracomunitárias, outras são criadas para efectuarem vendas no mercado interno e ainda outras para emitirem facturas falsas. Em determinados períodos, algumas dessas sociedades acumulam todas estas funções.

Este tipo de fraude envolve um conjunto de entidades (ao contrário da fraude tradicional em que existem apenas duas entidades, e sociedade emitente e a sociedade utilizadora das facturas falsas), desempenhando cada uma delas, uma função específica, complementando-se nas suas funções. Não se relacionam de uma forma independente, concorrendo no mesmo mercado (como seria de esperar de empresas cuja actividade é a mesma).

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Existem, assim, empresas que:

- Apenas efectuam aquisições intracomunitárias, são não declarantes, apenas efectuaram a declaração de inicio de actividade. No local indicado como sede não existe movimento e os seus sócios são muitas vezes indigentes, toxicodependentes. Se entregam declarações periódicas de IVA, simulam vendas para fora do teritório nacional.

- Efectuam aquisições intracomunitárias e emitem facturas falsas para empresas do grupo, são não declarantes, ou se entregam declarações de IVA são com valores iguais a zero. Os seus sócios são pessoas conhecedoras do negócio e que levantam o bem (ouro) na empresa fornecedora e emitem facturação falsa, recebendo valores por tais desempenhos.

- Efectuam aquisições intracomunitárias, emitem facturas falsas para empresas do grupo e para industriais.

- Outras sociedades apenas emitem facturas falsas, são não declarantes, com actividade cessada, ou os sócios são sociedades constituídas em paraísos fiscais.

Estas empresas exercem a actividades durante um período limitado de tempo, sendo substituídas por outras. Esta substituição acontece quer nas que vendem aos industriais, quer nas que efectuam aquisições intracomunitárias quer nas que emitem facturação falsa.

4.5 – Circuito Real e Circuito Documental A divergência entre os fluxos económicos reais e os documentados é realizada por recurso a diversos mecanismos, quer pelo recurso a facturação falsa (operações inexistentes), quer pela simulação das quantidades quer pela simulação dos preços.

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4.5.1 – Omissão das aquisições intracomunitárias (simulação de compras no mercado nacional)

O exemplo mais simples é mesmo o da não contabilização das facturas emitidas pelo fornecedor comunitário, sendo algumas destas facturas rasgadas. Neste caso não existe divergência entre o fluxo real e o fluxo documental, pelo simples facto de que estas empresas não têm a sua escrita/contabilidade organizada. O ouro e a prata são introduzidos no mercado na economia denominada de “paralela”. Esta é a modalidade clássica da fraude.

Mas, em muitos casos o que acontece é que as aquisições intracomunitárias não são relevadas na escrita, nem declaradas à Administração Fiscal, substituindo as facturas emitidas pelo sujeito passivo comunitário por outras, figurando como emitente um sujeito passivo nacional, com o objectivo da dedução de IVA, não suportado e não entregue. Exemplo:

A empresa “B” situada em Portugal adquire ouro na Espanha a uma empresa “A” e vende esses bens a clientes seus (industriais de ourivesaria) em Portugal. Não contabiliza a factura emitida pela empresa “A” (Espanhola) e substituía por outra, fornecida por uma empresa Portuguesa emitente de facturas falsas. Muitas vezes, esta substituição é apenas parcial, as quantidades facturadas pela empresa “B” são bastante inferiores às adquiridas em Espanha, sendo parte desse ouro vendido no mercado nacional sem factura. 4.5.2 – Aquisições intracomunitárias seguidas de simulação de vendas para paraísos fiscais ou países comunitários, com simulações de compras no mercado nacional.

A existência do sistema VIES (mecanismo que visa o controle das transacções intracomunitárias) leva a que essas entidades, para contornarem o problema da não declaração à Administração Fiscal, criem soluções que passam/consistem na declaração das aquisições intracomunitárias, mas simulem vendas para países

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comunitários ou terceiros quando na realidade entregam o ouro a outra empresa nacional, que o documenta com facturas falsas do mercado interno.

Exemplo:

A empresa portuguesa adquire o ouro no mercado comunitário, simula vender para outro país comunitário ou para um paraíso fiscal de país terceiro. Uma vez que esse ouro é vendido no mercado nacional, simula compras de montante (quantidade) igual às vendas no mercado nacional, recorrendo a empresas já existentes ou criando empresas novas, a quem paga comissões pela emissão de facturação.

Apropria-se do IVA deduzido indevidamente.

Não raras vezes, com o objectivo de dificultar a detecção da fraude pelos órgãos judiciários e pelos serviços inspectivos, os agentes introduzem várias outras empresas, cuja a única função é a de emitirem facturação falsa e adensarem a rede de relações.

4.5.3

Aquisições

intracomunitárias

seguidas

de

transmissões

intracomunitárias e novas aquisições intracomunitárias, com simulação de compras no mercado nacional.

Por vezes os mentores deste tipo de fraude, constituem um grupo de empresas, com o objectivo de através de vários circuitos simulados de compras e vendas, que nada tem a ver com o seu movimento real, se apropriarem do IVA, mas utilizando mecanismos mais complexos do que os anteriormente descritos, não obstante utilizarem igualmente os mecanismos já referidos, com o objectivo de não serem detectados pela Administração Fiscal.

Constata-se assim que, a par dos fluxos económicos simulados existem fluxos financeiros simulados. Esta simulação pode acontecer quer quanto às entidades, quer quanto aos valores envolvidos, sendo normalmente as duas coisas.

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Quando as empresas efectuam a escrituração das compres e vendas, os pagamentos a empresas fictícias ou emitentes de facturação falsa aparecem como tendo sido efectuados em numerário.

Se são emitidos cheques, são-no ao portador ou sendo nominativos são endossados.

Não raras vezes, para que a simulação seja perfeita, a entidade em nome da qual é emitido o cheque, levanta o dinheiro e entrega-o ao emitente, novamente, recebendo, apenas uma pequena importância pelo “serviço efectuado”

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5 – A REDUÇÃO DOS PREÇOS Esta fraude tem como objectivo a apropriação do IVA, permitindo reduzir os preços e financiar um conjunto de despesas atinentes ao funcionamento do grupo e das entidades envolvidas.

A redução dos preços é uma das características da fraude carrossel.

O esquema consiste na venda abaixo do preço de compra, pois só assim conseguem concorrer com entidades como os bancos que gozam de grande credibilidade junto dos industriais, e na apropriação do IVA, sendo parte deste, considerado o Lucro das transacções.

A venda abaixo do preço de compra pode ser visível pela simples comparação entre as facturas de compra e as facturas de venda do mesmo sujeito passivo, contudo, esta situação é menos frequente. Na maior parte dos casos, as facturas registadas para documentar as compras são falsas, ou o seu preço é simulado.

Não existem pagamentos efectivos a esses fornecedores, quando muito, existe pagamentos por comissões de facturação, ou existem pagamentos de montantes diferentes dos que constam das facturas, nunca sendo pago o IVA.

Muitas vezes as facturas de vendas também simulam o preço, uma vez que o preço que o adquirente efectivamente pago é inferior ao que consta das facturas de venda, sendo frequentemente efectuada a devolução de parte da contraprestação paga pelo adquirente, com o objectivo de que os meios de pagamento correspondam aos montantes que constam das facturas (devoluções a clientes).

A simulação do circuito financeiro visa credibilizar o circuito económico simulado.

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A detecção destas operações simuladas só é possível com o recurso à análise exaustiva de todas as contas bancárias das entidades envolvidas, bem como à análise das “contabilidades paralelas”.

Independentemente do número de intervenientes nesta cadeia, a comparação entre os preços, deve ser efectuada na entidade através da qual os bens (neste caso o ouro) são introduzidos no mercado nacional (preço de compra) e na entidade imediatamente antes dos produtores (preço de venda).

A venda abaixo do preço de compra revela uma das características essenciais deste tipo de fraude. As actividades exercidas visam exclusivamente a apropriação do IVA. Apropriação essa que permite financiar a actividade e obter lucro.

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6 – Mecanismos legais de combate à fraude em sede de IVA Mecanismos previstos na legislação do IVA

A legislação do imposto sobre o valor acrescentado contempla um conjunto de normas que se destinam a prevenir ou combater a fraude e a evasão fiscal, e cuja adequada aplicação constitui um meio eficaz da Administração Fiscal para enfrentar práticas que consistem no incumprimento das obrigações fiscais, que visam obstar à cobrança efectiva de imposto devido ou, no caso específico da fraude carrossel, utilizam os mecanismos do imposto para, de forma ilícita, obterem reembolsos ou a diminuição das efectivas dívidas tributárias.

Podemos assim distinguir:

As medidas que têm um carácter reactivo face às situações de fraude

Realçam-se, de entre estas, as que visam assegurar a cobrança do imposto em falta ou do imposto indevidamente restituído aos sujeitos passivos e as destinadas a obstar à continuação de práticas fraudulentas.

Normas que visam impedir o exercício do direito à dedução ou da obtenção de reembolsos indevidos, da isenção aplicável às transmissões intracomunitárias de bens,

6.1 - DIREITO À DEDUÇÃO O imposto sobre o valor acrescentado é um imposto geral sobre o consumo de bens e serviços, não cumulativo, que opera pelo método subtractivo indirecto, o direito à dedução do imposto suportado constitui uma das pedras basilares do seu funcionamento.

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O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), tem entendido que “o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e seguintes da Sexta Directiva, que faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, se exerce imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante”, uma vez que, “o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas.

O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA”.

Não obstante, o TJCE não tem prefigurado o direito à dedução do imposto como um direito de carácter absoluto, reconhecendo em várias decisões que, em certas circunstâncias, além das referidas nos n.º 6 e 7 do artigo 17.º da Sexta Directiva (que dão suporte às exclusões do direito à dedução constantes do artigo 21.º do CIVA), os Estados membros podem estabelecer determinadas regras para o exercício do direito à dedução, designadamente condicionando-o à posse de uma factura ou de um documento equivalente e ter-se verificado a exigibilidade do imposto, ou mesmo recusar o exercício desse direito quando se verifiquem situações fraudulentas ou abusivas.

Decorre do acórdão de 29.02.1996, INZO (processo C-110/94, n.º 24), e vem sendo sucessivamente reafirmado que, “em situações fraudulentas ou abusivas, em que, por exemplo, o interessado simulou desenvolver uma actividade económica especial, mas procurou, na realidade, fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objecto de dedução, a administração fiscal pode pedir, com efeitos retroactivos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações”.

Da mesma forma, ao confirmar que o direito à dedução, uma vez surgido, subsiste mesmo quando o sujeito passivo não tenha podido, por razões alheias à sua vontade, utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações

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tributáveis, o TJCE ressalva que tal só ocorrerá “na falta de circunstâncias fraudulentas ou abusivas” (acórdão de 08.06.2000, Schloβstraβe, C-396/98, n.º 42).

Finalmente, ao pronunciar-se sobre o exercício do direito à dedução do imposto indevidamente liquidado, o TJCE declarou no acórdão de 13.12.1989, Genius Holding, (C-342/87, n.º 13), que o exercício do direito à dedução previsto na Sexta Directiva estava limitado “apenas aos impostos devidos, isto é, àqueles a que corresponde uma operação sujeita ao IVA ou pagos na medida em que eram devidos”, pelo que conclui que o direito à dedução não abrange o imposto devido exclusivamente porque foi mencionado na factura ou em documento a ela equivalente.

Neste contexto, o Tribunal considerou que, para garantir a aplicação do princípio da neutralidade do IVA, competia aos Estados membros prever a possibilidade de correcção de qualquer imposto indevidamente facturado, subordinando todavia essa regularização à boa fé do emitente da factura. Não obstante, entende que, quando o emitente da factura tenha eliminado completamente, em tempo útil, o risco de perda de receitas fiscais, o imposto indevidamente facturado pode ser regularizado, sem que essa regularização possa ser subordinada à boa fé do emitente da referida factura (acórdão de 19.09.2000, Schmeink & Cofreth, C-454/98, n.º 58).

Destas decisões decorre que, nas situações de facturação indevida de imposto, em que o respectivo emitente tenha agido de má fé, o imposto liquidado é devido nos termos do artigo 21.º, n.º 1, c), da Sexta Directiva, não confere ao destinatário direito à dedução nos termos do artigo 17.º da Directiva e, quando tenha efectivamente ocorrido perda de receitas fiscais, ou o risco de a mesma vir a ocorrer seja efectivo, não deve igualmente permitir-se a regularização desse imposto nos termos do artigo 20.º, n.º 1, a), da Sexta Directiva.

A Sexta Directiva, permite a introdução de regras que excluem o direito à dedução do imposto suportado, sempre que não se estabeleça uma relação directa entre o imposto suportado e a realização de operações tributadas a jusante.

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Ou seja, as aquisições efectuadas não se destinem à realização de uma actividade económica na acepção do artigo 4.º da Sexta Directiva, quando o imposto não tenha subjacente a realização de uma qualquer operação tributável, porque não resulta de uma transmissão de bens ou prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, e de um modo geral, sempre que o mesmo resulte de operações fraudulentas ou abusivas.

Neste contexto, e sobretudo tendo em vista este último caso, se inserem as disposições previstas no artigo 19.º nºs 3 e 4 do CIVA.

Artigo 19.º, n.º 3 do CIVA

De acordo com o n.º 3 do art. 19º CIVA só confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da actividade tributável realizada pelo sujeito passivo (princípio decorrente do artigo 17.º, n.º 2 da Sexta Directiva), logo não confere direito à dedução imposto que não se reporte a efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços.

O art. 19º n.º 3 do CIVA refere que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.

Esta tem sido, também, a opinião perfilhada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), quando afirma que “o direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações efectivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico”.

Longa tem sido a querela doutrinária em torno de saber se o n.º 3 do art. 19º CIVA se aplica apenas e só à simulação absoluta ou também aos casos de simulação relativa, parece-nos que formulação do respectivo normativo legal, não deixa dúvidas de 33


que o n.º 3 se deve aplicar quer em situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma no âmbito do IVA, as designadas “facturas falsas”, quer em situações de simulação relativa, de que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação.

Artigo 19.º, n.º 4, do CIVA

O artigo 19.º, n.º 4 do CIVA, aditado ao Código do IVA pelo Decreto-Lei n.º 31/2001, de 8 de Fevereiro3, veio prever, que não poderá ser objecto de dedução o imposto que resulte de operação em que, com o conhecimento do sujeito passivo, o transmitente dos bens ou prestador dos serviços, com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, tenha declarado o exercício de uma actividade e não disponha de adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.

Recentemente, o artigo 47.º, n.º 2, da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005), procedeu à alteração deste preceito, que passou a dispor que “não poderá igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada”.

A introdução deste preceito no Código do IVA teve precisamente como objectivo disponibilizar à administração tributária um novo mecanismo para obstaculizar procedimentos fraudulentos que vinham sendo detectados no âmbito da denominada “fraude carrossel”, que se traduziam precisamente no facto de pessoas singulares ou colectivas que, não dispondo manifestamente de condições mínimas para o exercício da actividade que declaravam exercer, pretenderem, utilizando como expediente o respectivo registo em IVA, celebrar negócios jurídicos com vista a introduzirem-se no circuito económico como meros receptores ou emissores de facturas 3

Aplicável aos factos verificados após 13 de Fevereiro de 2001, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/2001.

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que, em conivência com os emitentes ou destinatários das mesmas, vêm a conferir a estes últimos o direito à dedução do IVA aí mencionado, sem que os primeiros procedam à correspondente entrega nos cofres do Estado.

Esta disposição passou portanto, a inviabilizar, de forma expressa, que sujeitos passivos adquirentes de bens ou serviços pudessem exercer o direito à dedução do imposto, sempre que estes tivessem conhecimento de que o respectivo transmitente ou prestador não dispunha de qualquer estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada e não pretendesse entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado.

Este normativo viu alargada a sua aplicabilidade4 a todas as situações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços, que não disponha de estrutura empresarial adequada ao exercício da actividade que declarou, não entregar nos cofres do Estado o imposto por si liquidado, sempre que o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que aquele não possuía a estrutura em questão.

Ou seja, já não é exigido que o sujeito passivo tenha conhecimento da intenção de não entrega nos cofres do Estado do imposto liquidado por parte do seu fornecedor, mas tão somente que conheça ou deva conhecer que aquele não tem condições para exercer a actividade declarada.

Na sua actual formulação, o artigo 19.º, n.º 4 permite, em princípio, recusar o direito à dedução aos adquirentes de bens ou serviços a operadores fictícios (missing traders) e igualmente a empresas tampão (buffers), desde que, por força das circunstâncias do negócio, em cada relação contratual estabelecida, os adquirentes tenham ou devessem ter conhecimento de que o seu fornecedor directo não reunia, em circunstâncias normais do exercício da actividade concreta, estrutura adequada para a desenvolver.

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6.2 - REEMBOLSOS

Suspensão dos reembolsos nos termos do n.º 9 do Despacho Normativo n.º 342/93

No quadro de um circuito tradicional de fraude carrossel, o elo final dos bens em território nacional (broker) procede à sua transmissão com destino a outro Estado Membro, pelo que, por realizar uma operação isenta que confere direito à dedução5, este fica frequentemente em situação de crédito de imposto, solicitando o correspondente reembolso à administração tributária.

Desde logo, perante uma fundada suspeita da participação do sujeito passivo num esquema de fraude (seja ele caracterizável como fraude carrossel ou de qualquer outro tipo) deve a administração fiscal proceder à suspensão do reembolso, fazendo uso da possibilidade que lhe é conferida pelo n.º 9 do Despacho Normativo n.º 342/93, de 30 de Outubro6.

Este preceito determina que a Direcção-Geral dos Impostos “pode sempre suspender o prazo de concessão dos reembolsos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, não seja possível averiguar da legitimidade do reembolso solicitado, nomeadamente nos casos em que os elementos não sejam postos à disposição dos serviços competentes ou os mesmos se encontrem em condições tais que não permitam o correcto apuramento do imposto”.

Em face desta disposição, sempre que detenha fundadas dúvidas sobre a legitimidade de um reembolso, e tais dúvidas sejam devidas ao comportamento tributário do sujeito passivo, a administração fiscal pode e deve suspender o prazo de concessão do referido reembolso.

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- Aplicável aos factos verificados após 1 de Janeiro de 2005. Artigo 19.º, n.º 2, do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), aprovado pelo DecretoLei n.º 290/92, de 28 de Dezembro. 6 Este Despacho Normativo procede à regulamentação dos reembolsos do imposto sobre o valor acrescentado, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 9, do CIVA. 5

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Indeferimento – artigo 22.º, n.º 11, do CIVA

O n.º 11 do artigo 22.º do CIVA determina que serão objecto de indeferimento os pedidos de reembolso quando se verificarem três tipos de situações:

a) - O sujeito passivo não fornecer os elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, devendo entender-se como tal os elementos exigidos pelo Despacho Normativo n.º 342/93;

b) - O imposto dedutível ter sido liquidado por um sujeito passivo com número fiscal inexistente ou inválido e,

c) - Por último, quando o imposto dedutível tenha sido liquidado por um sujeito passivo que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso7.

6.3 - APLICAÇÃO DA ISENÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 14.º DO RITI O princípio da tributação das transacções intracomunitárias de bens realizadas entre sujeitos passivos no Estado membro de destino, aliado ao princípio da neutralidade do imposto, determinou que as transmissões de bens correspondentes beneficiassem de isenção, a qual se encontra prevista no artigo 14.º do RITI que na sua alínea a)8 dispõe que estão isentas “as transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para 7

Esta decisão, que deve ser notificada ao sujeito passivo através de carta registada com aviso de recepção, é susceptível de recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 87.º-A do Código do IVA (artigo 22.º, n.º 13, do CIVA). 8 As demais alíneas desse preceito prevêem a isenção das transmissões intracomunitárias de meios de transporte novos [b)], das transferências de bens corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado membro, para as necessidades da sua empresa [c)] e

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outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens”.

Em face do disposto no artigo citado, uma transmissão de bens só poderá beneficiar da isenção aí prevista, quando estiver reunido um conjunto de condições relativas à operação realizada, ao adquirente e ao transporte dos bens transmitidos, que se passam a enunciar:

a) Estar-se perante uma transmissão de bens, na acepção do artigo 3.º do CIVA;

b) O transmitente ser um sujeito passivo do imposto em território nacional;

c) O adquirente ser uma pessoa singular ou colectiva devidamente registada para efeitos de IVA num outro Estado membro, encontrar-se abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, e ter utilizado o número de identificação atribuído pelo Estado membro de registo para efectuar a aquisição;

d) Finalmente, os bens serem expedidos ou transportados a partir do território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente, ou por conta destes, com destino a outro Estado membro.

Resulta pois inquestionável que a expressão “expedidos ou transportados a partir do território nacional”, impõe que, para efeitos da aplicação da isenção, os transmitentes dos bens estejam em condição de demonstrar que os bens transmitidos deixaram efectivamente o Estado Português, para o que devem dispor de prova credível9 de que foi efectuado o transporte ou a expedição dos bens, inclusive

das transmissões intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo [d)]. Por as mesmas reportarem a situações particulares não serão objecto de análise. 9 Tendo-se suscitado dúvidas sobre a forma adequada de proceder à comprovação das transmissões intracomunitárias de bens, a administração tributária emitiu orientações administrativas sobre a matéria

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nas situações em que o transporte foi efectuado pelo adquirente com os seus próprios meios, ou por sua conta.

Importa referir que a aplicação da isenção prevista no artigo 14.º, alínea a), do RITI só depende da verificação das condições nele impostas, não estando de qualquer forma condicionada pelos acontecimentos ocorridos no Estado membro de destino dos bens10.

Assim, ainda que, numa primeira análise estejam formalmente reunidas as condições aí estabelecidas e o sujeito passivo disponha de elementos comprovativos do transporte, não será aplicável a isenção sempre que a administração fiscal dispuser ou recolher provas de que tais operações não tiveram lugar, estando-se perante uma simulação, ou quando, tendo de facto ocorrido uma transmissão de bens, estes tiveram como destino o território nacional, uma vez que não foram enviados ou expedidos com destino a outro Estado membro.

Desta feita se, por força do cruzamento de informações ou da análise dos próprios elementos contabilísticos do sujeito passivo se verificar que os bens supostamente transmitidos nunca existiram, ou que, tendo existência na esfera jurídica do sujeito passivo, os elementos constantes dos documentos comprovativos do transporte são através do ofício-circulado n.º 30 009, de 10.12.1999, da Direcção de Serviços do IVA, que no seu ponto 4 vem esclarecer que “perante a falta de norma que, na legislação do IVA, indique expressamente os meios considerados idóneos para comprovar a verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI, será de admitir que a prova da saída dos bens do território nacional possa ser efectuada recorrendo aos meios gerais de prova, nomeadamente através das seguintes possibilidades alternativas: - os documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, poderão ser, respectivamente, a declaração de expedição (CMR), a carta de porte (“Airwaybill” – AWB) ou o conhecimento de embarque (“Bill of landing – B/L); os contratos de transporte celebrados; as facturas das empresas transportadoras; as guias de remessa; ou a declaração, no Estado membro de destino dos bens, por parte do respectivo adquirente, de aí ter efectuado a correspondente aquisição intracomunitária.” 10 Neste sentido, a verificação da ocorrência de uma transmissão intracomunitária de bens não está dependente do facto de o adquirente desses bens noutro Estado membro ter declarado que efectuou aí a respectiva aquisição intracomunitária, ou da omissão por parte do adquirente dessa declaração. Assim, se a transmissão de bens for simulada ou não se tiver verificado a expedição ou transporte com destino a outro Estado membro, não opera a isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI. Em contrapartida, a isenção é aplicável (verificados todos os requisitos nela estabelecidos) ainda que o adquirente dos bens noutro Estado membro não tenha declarado à respectiva administração fiscal a aquisição intracomunitária efectuada.

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falsos (por exemplo, quando o destino referido nas declarações de expedição CMR seja falso, quando se apure que os transportadores ou não existiam ou não estiveram implicados no transporte dos bens em causa, que os números de matrícula inscritos nas declarações de expedição CMR eram de veículos inexistentes ou de veículos não adequados para o transporte dos bens em causa), não estão reunidas as condições para a aplicação da isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI.

Tendo ocorrido uma transmissão de bens, estes tiverem permanecido no território nacional, é devido imposto por essa operação, às taxas aplicáveis, de acordo com as regras de incidência objectiva e subjectiva constantes dos artigos 1.º e 3.º do CIVA. No caso de a transmissão de bens ser simulada, além de não ser aplicável a isenção em causa, a administração fiscal deve ainda recusar o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo na respectiva aquisição (cfr. artigo 19.º, n.º 3, do CIVA) quando esta resulte igualmente de simulação.

No combate à designada “fraude carrossel”, deve a Administração Fiscal, quando confrontada com a análise da situação tributária dos agentes ou elos finais (brokers), estar particularmente atenta aos documentos de prova das transmissões intracomunitárias isentas, e avaliar se as mesmas têm fundamento legal, recusando a aplicação da isenção sempre que existirem indícios seguros que não estão reunidos os requisitos para a sua aplicação.

6.4 - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

Artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, do CIVA

O Código do IVA, estabelece no n.º 1 do seu artigo 72.º, uma regra de responsabilidade solidária do adquirente dos bens ou serviços tributáveis, que seja um sujeito passivo do imposto não abrangido por um regime de isenção, com o respectivo fornecedor, pelo pagamento do imposto, quando se verifiquem determinadas omissões ou incorrecções na emissão das facturas.

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A responsabilidade solidária aí prevista opera quando, sendo obrigatória nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, não ocorra a emissão da factura ou quando, sendo esta emitida, contenha menções inexactas quanto ao nome ou endereço das partes intervenientes, à natureza ou à quantidade dos bens transmitidos ou serviços prestados, ao preço ou ao montante de imposto devido.

Estão abrangidas pelo art. 72º n.º 1 do CIVA, não só situações em que as facturas emitidas contém erros ou inexactidões, mas igualmente situações em que as facturas emitidas, embora reproduzindo a vontade declarada, ocorra simulação das operações.

Prescreve o n.º 2 desse preceito, salvo em caso de má fé, o adquirente fica liberto da responsabilidade pelo pagamento prevista no n.º 1, desde que, prove ter pago o imposto ao seu fornecedor.

Ora, nunca se verifica a boa fé do adquirente quando este e o fornecedor tenham simulado a realização da operação.

Neste caso, o imposto não confere direito à dedução, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 e, sendo o IVA indevidamente liquidado devido por força do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, o receptor da factura responde solidariamente pelo pagamento do imposto, ainda que prove ter entregue o respectivo montante ao emitente daquele.

Tem também sido esta a interpretação da jurisprudência do STA, que se pronunciou no sentido de que a obrigatoriedade de o emitente de uma factura falsa estar obrigado a pagar ao Estado o IVA dela constante, respondendo o receptor da mesma solidariamente por tal pagamento, ainda que, tenha pago àquele o respectivo montante, nos termos do artigo 72.º, nºs 1 e 2, do CIVA, sem que tenha direito a qualquer dedução, por força do artigo 19.º, n.º 3, do CIVA.

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Artigo 72.º, n.ºs 4 e 5, do CIVA

A Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2005) veio11, através do aditamento ao artigo 72.º do CIVA dos n.ºs 4 e 5, proceder ao alargamento das situações em que o adquirente dos bens ou serviços pode ser considerado responsável solidário pelo imposto conjuntamente com o prestador dos serviços ou o transmitente dos bens.

Este preceito é aplicável aos factos verificados após 1 de Janeiro de 2005, assim sempre que, o imposto resulte de operação simulada12, os adquirentes de bens ou serviços que sejam sujeitos passivos do IVA referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, agindo como tal, e ainda que isentos, são solidariamente responsáveis, pelo pagamento do imposto, com o sujeito passivo que, na factura ou documento equivalente, figura como fornecedor dos bens ou prestador dos serviços.

A responsabilidade solidária aí prevista é aplicável ainda que o adquirente dos bens ou serviços prove ter pago a totalidade ou parte do imposto ao sujeito passivo que na factura figura como fornecedor dos bens ou serviços (artigo 72.º, n.º 5, do CIVA).

O legislador quis assim aplicar a regra da responsabilidade solidária prevista no artigo 72.º a todas as situações de simulação e que o facto de o imposto constante das facturas ter sido pago ao sujeito passivo que figura na factura como transmitente dos bens ou prestador dos serviços é, nessas situações, irrelevante.

Artigo 72.º-A13 do CIVA

11

No n.º 1 do seu artigo 30.º. A redacção do artigo 72.º, n.º 4, do CIVA segue de perto a formulação do artigo 19.º, n.º 3, do mesmo Código, ao referir-se aos “casos em que o imposto resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante de factura ou documento equivalente”. A exemplo do que se defendeu para aquele preceito, entende-se que a responsabilidade solidária prevista no artigo 72.º, n.º s 4 e 5, do CIVA se aplica quer em situações de simulação absoluta quer em situações de simulação relativa, de que a simulação do preço constitui uma das variantes. 13 Embora se encontre em vigor desde 1 de Janeiro de 2005, a responsabilidade solidária prevista neste normativo carece ainda de regulamentação, conforme se prescreve no seu n.º 2, pelo que não pode ainda ser objecto de aplicação. Não obstante, dada a relevância que este preceito pode vir a assumir como medida de combate à fraude carrossel, julga-se oportuno tecer algumas considerações sobre o mesmo. 12

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A Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro procedeu ao aditamento ao CIVA de um artigo 72.º-A, consagrando a responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, de qualquer sujeito passivo que intervenha em transmissões de bens e prestações de serviços realizadas em cadeia, desde que se mostre em falta o pagamento de parte ou da totalidade do IVA devido em qualquer das transacções.

Este preceito visa responsabilizar solidariamente qualquer operador envolvido num circuito económico, que se possa qualificar como fraude carrossel, independentemente de este agir com culpa ou com mera negligência.

Esta regra é expressa no n.º 1 desse artigo, ao dispor que “nas transmissões de bens ou prestações de serviços realizadas ou declaradas com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto correspondente são também responsáveis solidários pelo pagamento do imposto os sujeitos passivos abrangidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, que tenham intervindo ou venham a intervir, em qualquer fase do circuito económico, em operações relacionadas com esses bens ou com esses serviços, desde que aqueles tivessem ou devessem ter conhecimento dessas circunstâncias.”

Referindo o n.º 3 do mesmo artigo que, se presume o conhecimento de que o imposto relativo às transmissões de bens ou prestações de serviços “não foi ou não venha a ser integralmente entregue nos Cofres do Estado, sempre que o preço por ele devido pelos bens ou serviços em causa seja inferior ao preço mais baixo que seria razoável pagar em situação de livre concorrência ou seja inferior ao preço relativo a esses bens ou serviços em fases anteriores do circuito económico”.

Esta presunção é ilidida se for demonstrado pelo sujeito passivo14 que o preço praticado, numa das fases do circuito económico, se deveu a circunstâncias não relacionadas com a intenção de não pagamento do imposto (artigo 72.º-A, n.º 4, do CIVA).

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Esta norma é aplicável a qualquer interveniente num circuito económico, sempre que se verifiquem as seguintes condições:

a)

- Um determinado sujeito passivo realiza ou declara transmissões de bens

ou prestações de serviços, mas tais operações são realizadas com a intenção deliberada de não entregar nos cofres do Estado parte ou a totalidade do IVA devido;

b)

- O adquirente directo dos bens ou serviços ou qualquer adquirente

posterior, tem conhecimento ou, em face das circunstâncias do negócio, deve ter conhecimento desse facto;

c) - Constitui indício de que há intenção de não entregar o imposto nos Cofres do Estado, o facto de o preço praticado na transacção realizada pelo operador infractor ou em qualquer outra transacção posterior no circuito económico ser inferior ao preço mais baixo do mercado ou inferior ao preço praticado sobre os mesmos bens ou serviços em anteriores fases do circuito económico, caso em que se presume o conhecimento por parte do sujeito passivo da circunstância referida em a);

d) - O sujeito passivo não demonstrar que o preço praticado se deveu a circunstâncias da própria empresa fornecedora, por exemplo porque se encontra numa situação de falência, ou do próprio mercado que, em qualquer caso, não têm qualquer relação com a falta de pagamento do IVA numa das fases do circuito económico.

Esta norma visa introduzir no ordenamento jurídico interno uma norma equivalente às existentes em outros ordenamentos comunitários, de responsabilização solidária de qualquer interveniente na fraude carrossel.

14

Uma vez que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoca (n.º 1 do artigo 74.º da LGT).

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Esta medida destina-se a assegurar que no contexto da “fraude carrossel”, o imposto não entregue pelo operador fictício (missing trader) possa ser cobrado a qualquer outro interveniente na cadeia de transacções15, visa um efeito dissuasor da prática da “fraude carrossel”.

6.5 - NÃO EXISTÊNCIA DE ACTIVIDADE ECONÓMICA Os serviços de inspecção tributária, sugerem quase sempre a possibilidade de se considerar que as empresas que participam em esquemas de fraude carrossel sejam consideradas como não exercendo qualquer actividade económica para efeitos de IVA.

Daí decorrendo que, não poderá ser objecto de dedução o imposto que é liquidado ao longo de toda a cadeia de transacções, uma vez que tais montantes não revestiriam, nesse caso, a natureza de imposto sobre o valor acrescentado.

Para fundamentar tal asserção, de que não se está perante uma actividade económica, na acepção do artigo 4.º da Sexta Directiva, mas perante uma mera ficção, argumentando que nas situações verificadas os bens transaccionados não se destinam a ser introduzidos no consumo interno, e que não há qualquer racionalidade económica no tipo de transacções verificadas, cujo lucro resulta exclusivamente da prática da fraude, à custa dos reembolsos de IVA obtidos do Estado.

A utilização de uma medida deste teor no combate à fraude carrossel teve origem no Reino Unido16, e surgiu aí como um instrumento complementar à regra que estabelece à responsabilidade solidária de qualquer interveniente nesse circuito.

15

O que pressuporá, a priori, que a administração fiscal prove cabalmente a existência de um circuito de fraude carrossel. 16 Para a aplicação deste medida, a administração fiscal britânica começou por identificar o elo final (broker) na cadeia de fornecimentos e, tendo conseguido demonstrar, através da recolha de informação junto do Estado membro da empresa de ligação (conduit company), que os mesmos bens completaram e repetiram o circuito, recusaram o pagamento dos reembolsos solicitados pelo “broker”, considerando que tais montantes não tinham a natureza de IVA. Os tribunais britânicos aceitaram os argumentos utilizados pela administração fiscal, de que, no caso de transacções circulares, a apreciação da natureza das transacções tem de ser aferida em função de todo o circuito económico e que, dados os fins fraudulentos a ele subjacentes, tais actividades não têm substância económica, devendo, por consequência, ser excluídas do âmbito de aplicação do IVA. Estas decisões judiciais foram objecto de recurso para o Supremo

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A aplicação deste mecanismo teve aí como pressuposto que as aquisições e vendas efectuadas no quadro de uma fraude carrossel estão desprovidas de substância económica, pelo que quando existe um operador fictício ou um comerciante que utiliza na cadeia de fornecimentos um número de identificação para efeitos de IVA usurpado a outra pessoa, o elo final (broker) não tem o direito ao reembolso do IVA pago a montante ainda que este não estivesse de alguma forma envolvido, ou tivesse conhecimento do facto de fazer parte de uma fraude carrossel.

Contudo, esta medida, ao negar substância económica a todo o circuito de fraude carrossel põe em causa tanto as operações efectuadas pelos conhecedores da fraude como as dos intervenientes acidentais, que dela não tinham conhecimento.

Penalizando/sancionando fiscalmente quem, de boa fé, realiza transmissões de bens no quadro da sua actividade económica, é pois, uma medida excessiva e contrária aos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, que vinculam os Estados membros na aplicação das regras do IVA.

6.6 - CONTROLO DAS DECLARAÇÕES DE CADASTRO

Cessação de actividade

O artigo 33.º do CIVA, que regula as situações em que se considera verificada a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo, estabelece no seu n.º 2 que independentemente da verificação das circunstâncias previstas no número anterior, “pode a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer”.

Tribunal de Justiça britânico, que apresentou ao TJCE três pedidos de decisão prejudicial, tendo em vista aferir se, numa situação de fraude carrossel, as transacções realizadas se podem qualificar como actividades económicas e se essa apreciação deve ter em conta toda a cadeia de transacções como um todo ou cada transacção individualmente.

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Esta norma visa permitir à Administração Fiscal cessar o registo para efeitos de IVA de entidades que se encontram sem qualquer actividade (porque se encontra suspensa a actividade da empresa ou porque esta nunca foi iniciada), bem como das entidades que, sem possuírem recursos adequados ao exercício da actividade, se tenham registado para efeitos de IVA com o propósito de, em conivência ou não com os utilizadores, se introduzirem no circuito económico, como meros emissores de facturas, que venham a conferir o direito à dedução do IVA, sem que pretendam entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado.

Estão abrangidos por este preceito as empresas e pessoas que se tenham registado em IVA exclusivamente para emitirem facturas falsas, as empresas ou pessoas que assumam o papel de operador fictício no circuito de fraude carrossel, bem como as que tenham sido exclusivamente constituídas para servirem como empresas tampão.

A utilização atempada deste mecanismo tem ainda a vantagem de poder ser complementado com o que se encontra previsto, em matéria de reembolsos, no artigo 22.º, n.º 11, do CIVA, quanto ao indeferimento dos pedidos de reembolso na parte respeitante a imposto dedutível referente a operações realizadas com entidades com a sua actividade cessada no período a que se refere o reembolso.

Controlo prévio ao registo

O artigo 34.º do CIVA estabelece que as declarações de registo, de alterações e de cessação de actividade apresentadas pelo sujeito passivo sejam, no prazo de 30 dias após a sua apresentação, objecto de informação por parte da Direcção-Geral dos Impostos, que se deve pronunciar sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação e pode, no caso de discordar dos elementos declarados, fixar os que entender adequados, de tal notificando o contribuinte17 (nºs 2 e 3 do artigo).

17

A notificação ao contribuinte deverá ser efectuada através de carta registada, com aviso de recepção, com indicação dos critérios que fundamentaram a decisão, da qual poderá o sujeito passivo recorrer hierarquicamente nos termos do CPPT (cfr. artigos 74.º e 75.º, n.º 1 do CIVA). De qualquer forma, no

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Este preceito normativo permite à Administração Fiscal recusar o registo a pessoas singulares ou colectivas que não reúnam a estrutura empresarial adequada ao exercício da actividade declarada, ou seja, não possuam os recursos humanos, técnicos ou materiais que lhes permitam exercer cabalmente a actividade de transmissão de bens ou prestação de serviços que declaram18.

Deve igualmente ter-se em conta a jurisprudência do TJCE, que vem declarando que o artigo 4.º da Sexta Directiva não se opõe a que “a administração fiscal exija que a intenção declarada de iniciar as actividades económicas que dão origem a operações tributáveis seja confirmada por elementos objectivos” e que “a qualidade de sujeito passivo só é definitivamente adquirida se a declaração de intenção de iniciar as actividades económicas projectadas for feita de boa fé pelo interessado”19.

caso específico de empresas ou pessoas individuais cujo registo em IVA se destina à prática de fraudes, é pouco plausível que as mesmas se apresentem à administração e procurem contestar a decisão tomada. 18 Verificar se uma determinada pessoa reúne os meios, incluindo pessoais, adequados ao exercício da actividade declarada é algo que se pode aferir por comparação com os outros operadores que actuam no mesmo ramo de actividade. 19 Cfr. acórdãos, já referidos, Rompelman, n.º 24, INZO, n.º s 23 e 24 e Gabalfrisa, n.º 46.

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7 - ABUSO DE DIREITO A fraude carrossel assenta em dois momentos fundamentais:

A intervenção do operador fictício, dando início à cadeia de transacções no Estado membro a defraudar e a intervenção do elo final obtendo junto desse Estado reembolsos de imposto, que constituem o ganho obtido com a fraude.

No entanto quando se pretende assegurar a cobrança do imposto em falta, não se ignora que obter do operador fictício o pagamento desse imposto é seguramente impossível, e que nem sempre estarão reunidas as condições para accionar a responsabilidade solidária por parte do seu cliente directo, nem para recuperar o imposto junto das demais empresas tampão, inclusivamente porque estas podem não ter património que permita assegurar as dívidas apuradas.

Verifica-se assim que, a forma mais eficaz de recuperar o imposto indevidamente obtido e de travar a continuação da fraude seria actuar sobre o elo final20 e obstar a que este obtivesse ou continuasse a obter reembolsos por parte do Estado.

Contudo, na situações em que este operador procede efectivamente ao envio dos bens para outro Estado Membro e os adquiriu a uma empresa tampão que cumpre as suas obrigações fiscais, não encontra suporte legal nas disposições do CIVA para recusar o direito à dedução do imposto suportado ou para negar a aplicação da isenção prevista para as transmissões intracomunitárias.

Deverá assim, ser invocada a figura do Abuso de Direito para suster a prática da fraude carrossel, constituindo fundamento para, por exemplo, recusar o pagamento de reembolsos ao elo final (broker) do circuito.

20

A possibilidade de se actuar directamente sobre o elo final (broker) não invalida que sejam tomadas todas as medidas previstas na lei relativamente aos demais intervenientes na fraude carrossel.

49


Figura essa, consagrada no artigo 334.º do C.C., que determina que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Este instituto pressupõe a existência de um direito conferido por lei, cujo exercício por parte do respectivo titular excedeu os limites impostos ao seu fim social ou económico, ou seja, tal direito foi exercido de forma que ultrapassa ou subverte os fins para que foi conferido.

O abuso de direito tem sido definido pelo TJCE como um princípio geral do direito comunitário, cuja aplicação já preconizou em diversas áreas do direito comunitário.

De acordo com o Tribunal, para que ocorra abuso de direito é necessário que se verifiquem dois elementos:

Em primeiro lugar, a existência de um conjunto de circunstâncias objectivas em que, apesar da conformação formal com as disposições comunitárias, os fins prosseguidos por essas normas não foi alcançado;

Em segundo lugar, a existência de uma intenção subjectiva em alcançar um benefício que decorre das disposições comunitárias, pela criação artificial das condições exigidas para a sua obtenção.

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8 - CONCLUSÃO A capacidade que as várias Administrações fiscais demonstram no controlo é essencial para o desenvolvimento destas fraudes.

O controlo deve estar na origem da repressão, mas poderá constituir um elemento dissuasivo e, nestes termos, funcionar como um instrumento de prevenção da fraude.

A decisão de cometer fraude pode estar relacionada com a probabilidade de ser descoberto, assim como com a natureza e importância das sanções aplicadas.

Os sistemas de controlo para serem eficazes devem dar aos contribuintes a ideia de que as fraudes têm grande probabilidade de ser detectadas e que as sanções são suficientemente duras.

Os elementos-chave deste objectivo são:

Selecção dos sujeitos passivos segundo parâmetros de risco.

A análise de risco de uma forma geral deve basear-se na recolha de informação organizada, seja ela informação de sectores; registos; declarações fiscais e história fiscal do contribuinte, designadamente o registo das fraudes.

A declaração do inicio de actividade pode constituir um momento essencial para a prevenção, sendo de grande importância para os casos de fraude organizada a verificação do “cadastro” fiscal dos seus sócios e gerentes.

Nos casos das fraudes organizadas, os controlos não podem dizer respeito a um único sujeito passivo, advindo daqui, dificuldades extraordinárias no controlo uma vez que as sociedades utilizadas têm sedes em mais de um Estado Membro ou em Países Terceiros, o período de vida das sociedades ou intermediários intervenientes é reduzido,

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a interposição de empresas fantasmas entre as empresas de nível 1 e as de nível 2, nos casos de fraude carrossel, com aparência de completa legalidade, dificulta a detecção da cadeia. Daí que, os sistemas de informação não possam ser apenas nacionais.

Num mercado sem fronteiras, a fraude ao IVA na sua dimensão intracomunitária, tem também de encontrar uma resposta a nível comunitário. Através do desenvolvimento e incremento de várias formas de cooperação e coordenação.

A Cooperação Administrativa e a Assistência Mútua, constitui assim, o eixo central dos mecanismos de controlo das transacções intracomunitárias e o seu bom funcionamento é fundamental.

FIM

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BIBLIOGRAFIA Documentos da Comissão Europeia:

- COM (2002) 10 final - COM (2001) 294 final – Proposta de regulamento relativo à Cooperação Administrativa no domínio do IVA. - COM (2001) 260 final – Politica fiscal na União europeia, prioridades para os próximos anos. - COM (2000) 348 final – Estratégia para o melhor funcionamento do IVA no quadro do mercado interno. - COM (2000) 28 final – Terceiro relatório sobre a aplicação do Regulamento 218/92 - COM (1998) 490 final – Procedimentos de cobrança e controlo do IVA aplicados nos Estados Membros. - COM (1996) 328 final – Um sistema comum do IVA. Um programa para o Mercado Único.

Directiva 98/80/CE – Regime Especial do Ouro para Investimento. Directiva 92/77/CEE – Aproximação das taxas do IVA. Directiva 77/799/CEE – Assistência Mútua. Directiva 91/680/CEE – Regime Transitório do IVA. Regulamento 218/92 – Cooperação Administrativa no domínio do IVA.

DL n.º 476/99, de 9 de Novembro – Estatuto jurídico da UCLEFA DL n.º 362/99, de 16 de Setembro – Regime Especial do Ouro para Investimento. DL n.º 290/92, de 28 de Dezembro - Aprova o RITI Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro – Medidas de combate à criminalidade Organizada e económico-financeira. DL n.º 394-B/84 de 26 de Dezembro, Aprova o CIVA.

Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal – Nuno Sá Gomes, Editora Rei dos Livros – 2000.

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Pires de Lima, e Antunes Varela - Código Civil – Coimbra Editora.

Costa Alves, José A. – Pós Graduação em Fiscalidade FDP.

Costa Andrade, Manuel – Pós Graduação em Direito Fiscal FDP.

Dias, Augusto Silva – O novo Direito Penal Fiscal n/Aduaneiro – Revista Fisco.

Dias, Figueiredo e Andrade, Manuel da Costa – O crime de fraude fiscal no Direito Penal Tributário Português – Revista ciência criminal – Coimbra Editora.

Parecer n.º 45/05 do CEF

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