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FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE

JOANA ANGÉLICA FERRAZ DANTAS

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA 2009


JOANA ANGÉLICA FERRAZ DANTAS

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Monografia apresentada à Faculdade Independente do Nordeste, Curso de Direito, como pré-requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito.

ORIENTADOR: PROF. VERONILDES MOREIRA


D192d

Dantas, Joana Angélica Ferraz Desconsideração da personalidade jurídica. / Joana Angélica Ferraz Dantas._ _ Vitória da Conquista: FAINOR, 2009. 56 f.

Monografia (Graduação em Direito) - Faculdade Independente do Nordeste. Orientador(a): Prof. Veronildes Moreira Santos.

1. Pessoas jurídicas. 2. Personalidade Jurídica. 3. Autonomia patrimonial. 4. Desconsideração. I. T. CDD: 346.810662

Catalogação na fonte: Biblioteca da Fainor.


JOANA ANGÉLICA FERRAZ DANTAS DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Aprovada em _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA / COMISSÃO AVALIADORA

______________________________________________________ ORIENTADOR: VERONILDES - ESPECIALISTA FAINOR

______________________________________________________ COMPONENTE FAINOR

______________________________________________________ COMPONENTE FAINOR


AGRADECIMENTOS

Agradeço a DEUS, por estar sempre me orientando, a João, meu companheiro, por ter me apoiado e acreditado que eu seria capaz desta realização, aos meus filhos, Nami e Joara, que fazem com que eu carregue a certeza de amor eterno e incondicional, aos meus irmãos, Emanoel e Senhorinha, eternos companheiros e em especial aos meus pais, que mesmo sem conhecer a letra da lei, me ensinam a cada dia o real significado da moral e da justiça, a todos os meus amigos, que dividem comigo a dor e alegria de viver. Agradeço aos professores que participaram desta minha construção e em especial ao Professor Veron que me orientou na realização desta monografia. A todos os meus colegas pela amizade e companheirismo.


Dedico esta monografia ao meu esposo, profissional exemplar, pai e companheiro sem

igual,

que

todos

convence que a vida ĂŠ bela.

os

dias

me


RESUMO A utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica constitui um tema de eminente recorrência na atualidade, como também sua aplicação em nosso ordenamento vem a ser de grande importância na manutenção da harmonia social e da segurança jurídica garantida às pessoas jurídicas detentoras de personalidade jurídica, da qual origina o princípio da autonomia patrimonial,

principalmente

porque

a

utilização

inadequada

do

instituto

“desconsideração da personalidade jurídica” poderá trazer insegurança nas relações sócio-econômicas, vez que o instituto relativiza o princípio ora mencionado que já se encontra instituído nessas relações. Nesse sentido, a presente obra foi produzida com o objetivo de se conhecer a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em todos as suas vertentes, desde o seu nascedouro até os dias atuais, focando o estudo na verificação de como a mesma foi introduzida no ordenamento brasileiro, bem como, vem sendo manuseada, perquirindo sobre as facetas da teoria maior e da teoria menor, demonstrando que sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio não vem obedecendo à verdadeira direção histórica do instituto, que a princípio se apresenta como

uma exceção, transformando-o em regra, o que

constatamos ao nos depararmos com sua aplicação em larga escala, desta forma, não está refletindo a verdadeira intenção da teoria, qual seja, impedir que a pessoa jurídica, instituto no qual se baseia a razão de existir da teoria, fosse utilizada desviando-se dos objetivos que dão sustentabilidade à sua existência, o que poderemos verificar no decorrer deste trabalho. Palavras-Chaves: Pessoas Jurídicas - Personalidade Jurídica – Autonomia Patrimonial – Desconsideração.


ABSTRACT

The use of the Office of the lack of legal personality is a matter of imminent recurrence at present, but its application in our town has to be of great importance in maintaining social harmony and security guaranteed for legal persons holding a legal personality which leads to the principle of the method, mainly because the inappropriate use of the Office "lack of personality" can bring economic insecurity in social relations, as the institute relativizes now acknowledged that the principle is already established in these relations. In that sense this work was produced with the aim of understanding the theory of lack of legal personality in all its aspects, from the nascedouro until the present day, focusing the study on the verification of how it was introduced in the Brazilian town, and is being handled, perquirindo facets of the theory on the largest and smallest of the theory, demonstrating that their application in the legal mother is not obeying the true direction of the Historical Institute, the principle is presented as an exception to the rule-making, to see what we see its application in large scale, thus, is not reflecting the true intention of the theory, that is, prevent the legal institute which is based on the reason there is the theory, was used biased of goals which support its existence, which can determine the course of this work.

Keywords: Legal People - Legal - Autonomy Sheet - disregard.


SUMÁRIO 1

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

2 CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA ..................................................................... 12 2.1 NATUREZA DA PESSOA JURÍDICA .................................................................. 14 2.2 TEORIA DA FICÇÃO .......................................................................................... 14 2.3 TEORIA ORGÂNICA OU DA REALIDADE OBJETIVA ....................................... 15 2.4 TEORIA DA REALIDADE TÉCNICA ................................................................... 16 2.5 TEORIA INSTITUCIONAL ................................................................................... 16 3 PERSONALIDADE JURÍDICA .............................................................................. 18 3.1 AQUISIÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA .................................................. 18 3.2 ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................. 19 3.3 PRINCIPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL .................................................... 19 3.4 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO ............................................................................................................. 21 3.5 A PERSONALIDADE JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DE ATIVIDADE ABUSIVA ................................................................................................................... 24 4 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA................................... 25 4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................. 25 4.2 ORIGEM DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA .................................................................................................................. 26 4.3 ORIGEM DA TEORIA.......................................................................................... 28 4.4 TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR .................................................................. 32


4.5 TEORIA MAIOR OU CORRENTE DO USO RACIONAL DA DISREGARD DOCTRINE................................................................................................................32 4.6 TEORIA MENOR OU CORRENTE DO USO EQUIVOCADO DA DISREGARD DOCTRINE................................................................................................................ 33 5 O RECONHECIMENTO DA TEORIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ............... 35 5.1 NO DIREITO TRIBUTÁRIO ................................................................................. 36 5.2 NO DIREITO DO TRABALHO ............................................................................. 37 5.3 NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .................................................. 40 5.4 NA LEI ANTITRUSTE ......................................................................................... 44 5.5 NO DIREITO AMBIENTAL .................................................................................. 45 5.6 NO DIREITO CIVIL ............................................................................................. 45 6 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL ................................................................................................. 47 6.1 GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ................................................... 47 6.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ..................................................................... 48 6.3 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA ........................................................................ 48 6.4 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL ................................................................................................. 49 7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 52 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 55


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INTRODUÇÃO Este trabalho, apresentado como monografia de conclusão do Curso de

Direito da FAINOR, tem por objetivo abordar de forma sistemática o instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”, o qual vem gradualmente alcançando amplitude em sua aplicação no nosso ordenamento jurídico. Buscar-se-á demonstrar sua origem, trajetória, teorias construtivas, contornos e peculiaridades da sua aplicação nos diferentes ramos do direito, observando-se o seu principal escopo e que deve sempre lhe nortear – a proteção da sociedade no seu viés econômico empresarial contra o desvio de finalidade no uso da pessoa jurídica. Isso porque tal instituto deve ter por objetivo primordial proteger e garantir o desenvolvimento comercial, propiciando sustentabilidade a outro instituto de elevada relevância no mundo atual, ou seja, a “pessoa jurídica”, que oportuniza por seu intermédio a efetivação de atividades sócio-econômicas de médio e grande porte, as quais na maioria das vezes não seriam viáveis se fossem operadas por uma única pessoa. Inicialmente serão tecidas considerações sobre o instituto da “pessoa jurídica”, as principais teorias sobre seu reconhecimento e aquela adotada pelo Direito Pátrio, sua natureza e características principais, dentre elas a aquisição da personalidade jurídica e a autonomia patrimonial, fatores essenciais à compreensão do tema principal deste trabalho, isto é, a teoria da “desconsideração da personalidade jurídica”, para só então adentrar nesse último. No estudo do instituto objeto principal desse trabalho, verificaremos que vem ele sofrendo deturpações em sua trajetória, fugindo à concepção doutrinária de sua origem, modos que o fragilizaram, ao ponto de estar sendo aplicado largamente no direito pátrio, de forma equivocada e sem a observância de critérios e parâmetros coerentes com os princípios que deram causa ao seu surgimento, configurando-se essas aplicações reiteradas como uso abusivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também denominada por disregard doctrine. Do estudo do tema observaremos que a desconsideração da personalidade jurídica, consoante a doutrina mais abalizada com sua formulação original, deve ser aplicada apenas e tão somente em situações concretas e comprovadas de que a


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pessoa jurídica está servindo de instrumento para viabilizar a prática de fraudes e abuso de direito, sob pena de, em assim não sendo, haver o uso indevido da teoria, e aquilo que era exceção passa a ser usado como regra, podendo ainda ferir ao princípio do devido processo legal. Em suma, conforme a análise expressada nesse trabalho, confirmar-se-á ser patente o mérito e louvor da inserção da técnica da desconsideração da personalidade jurídica no nosso ordenamento jurídico, primeiro pela doutrina e jurisprudência e após por norma legal, no entanto, apesar de todo o mérito, verificaremos também que sua utilização nos diferentes ramos do direito, em alguns casos, diverge diretamente da sua concepção original, aplicando-a sem atendimento dos requisitos que sustentaram sua criação, o que fez surgir a faceta denominada de teoria menor, e o uso equivocado do instituto.


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2 CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA O estudo do instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”, objeto principal do presente trabalho, exige o conhecimento prévio de um outro instituto, qual seja, o da “pessoa jurídica”. Objetiva-se neste capítulo, portanto, fazer uma abordagem geral sobre pessoa jurídica, buscando conhecer algumas noções sobre o instituto, que é a razão de existir da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, para uma melhor compreensão do trabalho em tela. É sabido que desde os primórdios o homem tende a se agrupar, conjugando esforços na busca de garantir sua subsistência, já que, isolado, estaria fadado a não mais existir. A princípio formavam núcleos primitivos de produção que se confundiam com a própria família. Com o desenvolvimento econômico os homens começaram a formar grupos para atingir metas de cunho econômico. Derivou daí a necessidade do Estado regular esses grupos e, consequentemente, a ordem jurídica passou a discipliná-los, reconhecendo-os como sujeitos de direitos. Desta forma, o Estado confere personalidade jurídica a esses grupos, viabilizando a sua atuação autônoma e funcional, facilitando a realização de seus objetivos especificamente no que concerne a atos e negócios jurídicos. Assim, permite-se a formação de centros unitários de direitos e deveres que, à semelhança das pessoas naturais, são dotados de personalidade para servir aos interesses dos seres humanos. Iniciando o conhecimento do instituto, vejamos a acepção jurídica do termo “pessoa jurídica” sob a ótica de alguns doutrinadores:

De forma sintetizada preleciona Orlando Gomes que “pessoas jurídicas são grupos humanos dotados de personalidade, para a realização de um fim comum” (GOMES, p.186. 2001).

Ressalta o mesmo autor que há outras definições para esses grupos, quais sejam, “pessoas morais” “pessoas civis” “pessoas sociais”, contudo, a mais difundida é “pessoas jurídicas”.


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Para Rubens Requião:

(...) pessoa jurídica é o ente incorpóreo que como as pessoas físicas, podem ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas, já que adquirem patrimônio autônomo e exercem direitos em nome próprio. (REQUIÃO, 1998, página 347)

Segundo a professora Maria Helena Diniz:

(...) pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não-cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial.( DINIZ, 1999, página 97)

Consoante Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze seria um (...) ‘grupo humano, criado na forma da lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para realização de fins comuns’ (GAGLIANO / PAMPLONA, p.191. 2004)

Conforme Silvio Rodrigues:

(...) a pessoa jurídica surge para suprir a própria deficiência humana. Freqüentemente o homem não encontra em si forças e recursos necessários para uma empresa de maior vulto, de sorte que procura, estabelecendo sociedade com outros homens, constituir um organismo capaz de alcançar o fim almejado. (RODRIGUES, 1999, página, 64)

De acordo com as acepções mencionadas, consideramos que pessoas jurídicas são entidades às quais a lei atribui personalidade, permitindo que atuem em nome próprio, com capacidade jurídica igual às pessoas naturais. Ao associar-se a outros, o homem (pessoa natural) visa à realização de determinados fins que por si só não alcançaria. A partir daí surgem os grupos, aos quais o Direito não ficou indiferente, reconhecendo-os como sujeitos de direitos distintos das pessoas naturais que os compõem, pois, exercem direitos em nome próprio. Por isso elas têm nome particular, domicílio, nacionalidade, e podem estar em juízo como autoras ou como rés, sem que isso influencie nas pessoas naturais dos que as constituíram.


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A razão do surgimento desses grupos está na necessidade e conveniência da conjugação de esforços, onde pessoas singulares combinam recursos de ordem pessoal ou material para a consecução de objetivos comuns, que superem as possibilidades individuais dos interessados, por ultrapassarem o limite moral das suas existências. Associam-se de forma unitária, pessoas e bens, com o reconhecimento do poder legal que atribui personalidade ao conjunto formado, o qual passa, então, a participar da vida jurídica. Com o ato constitutivo dessa associação, a pessoa jurídica passa a existir legalmente, caracterizada por capacidade própria de direito e de fato. Sua existência ancora-se em estrutura organizativa artificial, em fins comuns que seus membros perseguem, em patrimônio próprio e independente, na essência do seu objetivo de execução, e pela publicidade de sua constituição, que se dá com o registro de seus atos constitutivos nas repartições competentes.

2.1 NATUREZA DA PESSOA JURÍDICA O ordenamento jurídico reflete a realidade social, regulando suas atividades e necessidades. Vista como um grande fenômeno, a pessoa jurídica é conhecida como uma das maiores criações no ramo do direito. Sua construção técnica, hoje incorporada às legislações, busca justificativas em várias teorias que tentaram explicar o fenômeno da pessoa jurídica, bem como, explicar sua natureza. De modo geral, podemos reuni-las em dois grandes grupos, o da ficção e o da realidade, cada um com suas subdivisões doutrinárias.

2.2 TEORIA DA FICÇÃO A teoria da ficção parte do pressuposto de que:

Só o homem é sujeito de direito, sendo a pessoa jurídica uma criação do legislador contrária à realidade, mas, imposta pelas circunstâncias. Em determinadas ocasiões reúnem-se as pessoas (universitas personarum) para realizar objetivos comuns e permanentes, ou então, destina-se um conjunto de bens à


15 consecução de um fim específico também de interesse geral e permanente (universita rerum). O Estado concede-lhes a personalidade jurídica, fingindo-se que existe uma pessoa sujeito de direitos. A pessoa jurídica assim concebida não passa de simples conceito, destinado a justificar a atribuição de certos direitos a um grupo de pessoas físicas. Constrói-se, desse modo, uma ficção jurídica, uma situação que diversa da realidade, assim é considerada pelo ordenamento jurídico; ou, de outro modo, o Estado, consciente do artifício, utiliza-o e justifica-o em função de razões de política jurídica. (AMARAL, 2003, página 281)

A teoria da ficção, também chamada de teoria da ficção legal, explica a natureza da pessoa jurídica considerando-a uma abstração, ou seja, não tem existência real, sendo criada pela lei por meio de uma ficção, visando tão-somente atender aos interesses das pessoas. Sustentada por Savigny, esta teoria teve grande relevância na segunda metade do século XIX.

2.3 TEORIA ORGÂNICA OU DA REALIDADE OBJETIVA Esta teoria considera as pessoas jurídicas como entes reais, comparando-as com as pessoas naturais, criados pela sociedade e com autonomia, possuindo vontade própria, distinta das vontades individuais, expressada por meio dos seus órgãos. A teoria provém do direito germânico e é sustentada por Gierke e Zitelmann:

Afirma que a pessoa jurídica é “uma realidade viva, em organismo social capaz de vida autônoma, e à semelhança da pessoa física, a pessoa coletiva realiza seus fins por meio de órgãos adequados. Para seus adeptos, somente os seres com vontade própria podem ser titulares de direitos, existindo duas espécies: de um lado os indivíduos, seres naturalmente sociáveis, de outra parte, grupos de indivíduos, portadores de interesses próprios e distintos dos de seus membros, possuindo uma vontade própria, também distinta das individuais, que se expressa por meio dos órgãos (donde o nome da teoria orgânica). A ambas as espécies o Estado reconhece a qualidade de protagonistas do mundo jurídico, a condição de pessoas, chamadas de físicas ou jurídicas para precisar o ente a que se refere. (AMARAL, 2003, página 282)


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2.4 TEORIA DA REALIDADE TÉCNICA Esta surge como teoria eclética entre a teoria da ficção e a teoria da realidade orgânica, vez que reconhece traços válidos em ambas; admite que só o homem é passível de direitos e obrigações, e que a pessoa jurídica deriva de uma criação, de uma técnica jurídica objetivando suprir os interesses dos homens de uma forma indireta.

As pessoas jurídicas são uma realidade, não ficção, embora produto da ordem jurídica. Sendo a personalidade, no caso, um produto da técnica jurídica, sua essência não consiste no ser em si, mas em uma forma jurídica, pelo que se considera tal concepção como formalista. A forma jurídica não é, todavia, um processo técnico, mas a “tradução jurídica de um fenômeno empírico”, sendo a função do direito apenas a de reconhecer algo já existente no meio social. Embora de grande aceitação nos meios jurídicos contemporâneos, pois, permite conhecer os efeitos que o ordenamento jurídico atribui à personalidade jurídica, a teoria da realidade técnica é ocupada de positivista e assim desvinculada de pressupostos materiais ou requisitos prévios para o reconhecimento do Estado das pessoas jurídicas. (AMARAL, 2003, página 283)

No direito brasileiro a teoria da realidade técnica é adotada na disciplina legal da matéria, conforme o artigo 45, do Código Civil, filiando-se o Direito Brasileiro, em última análise, ao grupo da teoria da realidade.

2.5 TEORIA INSTITUCIONAL Segundo entendimento de Rubens Requião deve-se a Hauriou a elaboração da teoria institucionalista, que teve como ponto de partida as instituições de direito público, projetando-se no direito comercial para explicar a constituição das sociedades anônimas, por excelência.

A teoria relata o que se segue:

(...) a pessoa jurídica é uma organização social para atingir determinados fins. Partindo da análise das relações sociais, não da vontade humana, constata a existência de grupos organizados para a realização de uma idéia socialmente útil, as instituições, sendo estes grupos sociais dotados de ordem e organização própria.


17 Salienta-se nesta concepção o poder sociológico, para quem o direito é mais do que o conjunto de “disposições normativas de caráter formal”, é “manifestação de poder de automação do grupo humano socialmente constituído”. Seu elemento básico é a instituição, sendo a personalidade jurídica o ponto de conexão entre o “ordenamento estadual e as instituições”, esta, como ordenamentos autônomo. Por tal razão, a crítica que se faz a essa teoria decorre da valorização demasiada do elemento sociológico, que não corresponde integralmente ao processo do legislador, assim como também da sua unilateralidade, visto que “ao fazer elemento da personalidade jurídica, o poder autonormativo do grupo, desconhece a existência de novas pessoas jurídicas que, ao contrário, se submetem por completo a disposições externas como ocorre com as fundações”, onde o que preside à sua constituição, existência e eficácia é, em definitivo, a vontade do fundador, ou com as pessoas jurídicas de direito público, subordinados a normas superiores. (AMARAL, 2003, páginas, 283 - 284)

Referida teoria institucional, em contraste aos dois grandes grupos antes citados, prende-se sobremaneira ao elemento sociológico, sendo muito criticada por isso. Em suma, da análise conjunta de todas as teorias elencadas, podemos observar que o ordenamento jurídico busca regular a vida dos indivíduos, não podendo negar que o direito tem por finalidade o homem como sujeito de direito. Contudo, assim como se criam institutos jurídicos, criam-se também pessoas jurídicas, como forma de atribuir maior força ao ser humano para realizar determinadas tarefas, para as quais, sozinho ou em grupo sem comando e estrutura, seria impossível realizá-las. Assim como o direito atribui à pessoa natural direitos e obrigações, restringindo-os em determinados casos, também existe essa atribuição para as pessoas jurídicas. Para cada tipo de pessoa há condições objetivas e subjetivas previstas no ordenamento jurídico. Desta forma, o conceito de pessoa jurídica é uma objetivação do ordenamento, mas, uma objetivação que deve reconhecer tanto a personalidade da pessoa física, quanto da jurídica, como criações do direito. Para o direito pátrio, a pessoa jurídica tem realidade técnica, porque assim está estabelecido no artigo 45, do atual Código Civil, in verbis: “começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações porque passar o ato constitutivo” portanto, para nosso direito, a pessoa jurídica é uma criação técnica.


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3 PERSONALIDADE JURÍDICA

3.1 AQUISIÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Mesmo sendo a vontade humana um dos pressupostos da existência da pessoa jurídica, não basta a simples manifestação desta vontade, necessitando a concretização de estatutos ou contrato social, como também é indispensável o reconhecimento do Estado para que se possa imprimir existência jurídica a toda sociedade, associação ou fundação. Como a pessoa natural, a pessoa jurídica também possui um ciclo de existência.

O processo do nascimento da pessoa jurídica de direito privado

apresenta duas fases, quais sejam, a do ato constitutivo, que deve ser escrito, e a do registro público. A sua existência legal pressupõe observância de requisitos da legislação em vigor, que considera indispensável o registro nos órgãos e setores competentes para a aquisição de sua personalidade jurídica. Nesse sentido, a análise do artigo 45 do atual Código Civil, já transcrito, nos permite chegar à conclusão de que a inscrição do ato constitutivo ou do contrato social no registro competente, ou seja, junta comercial para as sociedades mercantis em geral, e cartório de registro civil de pessoas jurídicas para as fundações, associações e sociedades civis, é condição indispensável para a atribuição de personalidade à pessoa jurídica. Observa-se que o registro tem natureza constitutiva, por ser atributivo de sua personalidade. O instituto da pessoa jurídica passou por um processo do que hoje se conhece por personalidade jurídica. A capacidade que o instituto apresenta advém da personalidade jurídica conferida pela lei, assim informado:

O direito brasileiro reconheceu ampla

personalidade às sociedades, quer civis, quer comerciais”. ( REQUIÃO, 2007, P.389). Hoje, essas sociedades são denominadas de sociedades simples e empresárias. Portanto, é o ordenamento jurídico que outorga capacidade a essas pessoas quando elas preenchem determinados requisitos.


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Legalmente constituída, conforme o artigo 45 do Código Civil, adquirida assim sua personalidade jurídica, que do ponto de vista jurídico é a condição que torna uma pessoa apta a possuir direitos e obrigações, os entes personificados (pessoas naturais e jurídicas) estão legalmente adequados a se tornarem sujeitos ativos e passivos de uma relação jurídica.

3.2 ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE JURÍDICA Assim como a pessoa natural, a pessoa jurídica tem como atributos: capacidade, nome, domicílio, estado e patrimônio. A capacidade é de direito e de fato, ou seja, no nosso direito não domina o princípio ultra vires, segundo o qual a pessoa jurídica não pode agir além dos fins estabelecidos. Não pode, todavia, participar de atos que se relacionam com o estado pessoal do sujeito, como os de família. O nome das sociedades comerciais tem regras próprias. O domicílio será o do local onde funcionar a diretoria, ou onde esta o fixar, podendo ser múltiplo, conforme determina o artigo 75, § 1°, do Código Civil de 2002, sendo que nas pessoas jurídicas de direito público o domicilio é necessário, e nas de direito privado é voluntário. Considera-se o Estado sob o ponto de vista da nacionalidade, fixado na forma da legislação especifica de cada Estado.

3.3 PRINCIPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL A partir do momento em que nasce, a pessoa jurídica passa a ter existência própria distinta das pessoas de seus sócios, que passam a ser responsáveis pelo empreendimento.

Essa independência diz respeito sobretudo às questões

patrimoniais, isto é, os bens, direitos e obrigações da empresa não se confundem com os bens particulares dos sócios. Com o nascimento da pessoa jurídica decorre o principio da autonomia patrimonial, elemento fundamental do direito societário. Em razão desse princípio os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade. A personalização, como observado, traz algumas conseqüências, dentre elas a separação entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a integram, daí o


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princípio da autonomia patrimonial, segundo o qual o patrimônio da sociedade não se confunde com o dos seus sócios, ou com o de outras empresas das quais estes participem. Amparada neste princípio as sociedades têm mais estímulo e segurança para colocar seu capital a serviço do empreendimento empresarial, e consequentemente resultará em geração de riqueza, circulação de capital e serviços, produzindo mais empregos e arrecadando tributos, tendo no empreendedor o elemento principal pela articulação dos fatores de produção que, sem dúvida, numa economia capitalista tem como um dos elementos primordiais a presença do empresário. Com o princípio da autonomia patrimonial a sociedade empresária passa a responder legalmente pelas transações realizadas no limite da gestão, estabelecidos nos seus atos constitutivos. Preleciona Fábio Ulhoa Coelho:

(...) se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado, e as pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços. (COELHO, 2006, página 16)

Ao fomentar e proteger tais relações o Estado passa a cumprir um comando constitucional expressado no artigo 170, caput, da Constituição Federal, que informa ser a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, devendo, pois, ser incentivada e protegida, por ser de inegável interesse coletivo e social. Por este entendimento consideramos, então, ser o principio da autonomia patrimonial um meio de o Estado viabilizar essa proteção, pois, estimula a execução de empreendimentos numa seara segura, com o escopo de garantir e disciplinar de forma adequada a exploração das atividades econômicas. Esta proteção dada pelo Estado corresponde, na prática, a um benefício assegurado pelo Direito àqueles que se reúnem e desenvolvem determinada atividade econômica, que seria afastado caso a atividade fosse realizada individualmente.


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3.4 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO Este princípio foi positivado no Código Civil de 1916 em seu artigo 20, onde rezava que “as pessoas jurídicas têm existência jurídica distinta da dos seus sócios”. Consagrando esta distinção, no que concerne principalmente as questões patrimoniais, o princípio indica que, dentro da legalidade e observando os atos constitutivos da sociedade, a empresa, em decorrência dos atos praticados pelos seus administradores assume direitos e obrigações, e por eles responde sem o comprometimento ou vinculação do patrimônio dos sócios. O nosso atual Código Civil não consolidou especificamente este princípio, como também não o contrariou, contudo, há de se observar que ele foi além ao instituir limites à autonomia patrimonial, ao regulamentar a possibilidade de o juiz estender aos sócios da empresa a responsabilidade por eventuais perdas no insucesso da mesma. Essa possibilidade encontrou seus contornos no artigo 50, do atual Código Civil. Vejamos o que o legislador instituiu a respeito:

“Artigo 50 – Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (Código Civil, 2002)

Passando desta forma a ter força legal, pelo exposto no citado artigo do Código Civil de 2002. Entretanto, entendemos que o artigo em epígrafe é carecedor de maiores especificações acerca de quando e como a separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio dos sócios que dela fazem parte podem ser rompidos, pois, a autorização para tal procedimento está inserida no texto de forma muito genérica o que, convenhamos, abre margem para procedimentos incorretos e conseguintemente injustos. A separação patrimonial que se encontrava expressamente informada no artigo 20 do Código Civil de 1916, agora vamos encontrá-la regulamentada de forma


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implícita no capitulo do Novo Código Civil que trata das disposições gerais da pessoa jurídica, mais precisamente no Livro I, titulo II (das pessoas jurídicas), Capitulo I do Código Civil. Contudo, entende-se ser de grande necessidade a inserção da redação do artigo 20 do código anterior no texto do código atual, como meio de reforçar o conceito de distinção patrimonial como condição da autonomia da personalidade jurídica, visto que o capítulo regulamentador do instituto das pessoas jurídicas trata das disposições gerais destas, não tratando da autonomia patrimonial de forma expressa como tratava o Código Civil de 1916. No artigo 50 do novo código, o verbo poder, utilizado na terceira pessoa do singular, “pode”, autoriza o juiz decidir a requerimento da parte ou do Ministério Público, estendendo os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Percebemos que este “pode” abre margem para uma atitude discricionária por parte do magistrado que, diante desse poder, deve atuar observando o devido processo legal, avaliando com acurado zelo o caso concreto, primando por agir conforme recomenda o artigo somente depois de comprovada a presença dos requisitos nele expressos. Regulamentar de modo mais determinado o princípio da autonomia patrimonial torna-se imprescindível, visando à socializar as eventuais perdas oriundas de possível fracasso da empresa em face de seus sócios e credores, com vista a propiciar o equilíbrio entre a receita e a despesa orçamentária, tendo por escopo garantir o retorno dos investimentos realizados. Ressalta-se que a afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por obrigações da sociedade tornou-se um instrumento importante, no sentido de incentivar investidores e empreendedores a se lançarem em atividades econômicas de maior envergadura e risco, sem correr os perigos que podem surgir decorrentes de uma instabilidade na conjuntura econômica. Entretanto, amparando-se neste princípio, pode a sociedade empresária servir de escudo para a prática de fraudes e abusos de direitos, impedindo que a sociedade, por meio do direito e da justiça, puna àqueles que de maneira irresponsável se utilizem da personalidade jurídica como veiculo de acobertamento de atos ilícitos, que venham a trazer prejuízos a terceiros.


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Frisamos que tanto as personalidades jurídicas, quanto a autonomia patrimonial delas decorrentes, são meios dos quais o Estado se utiliza para fomentar e garantir o crescimento sócio-econômico, não podendo essas garantias institucionalizadas serem usadas como escudo para prática de atos contrários à ordem jurídica, fragilizando o instituto da Pessoa Jurídica. Assim, tal proteção não pode ser totalmente impenetrável. Para tanto foi necessário a criação de meios legais como forma de transpor tal barreira e, conseqüentemente, proteger direitos de terceiros vitimas de tais abusos, e porque não dizer, preservar a própria pessoa jurídica, tendo por finalidade sustentar a credibilidade do instituto ante a justiça, o direito, e a sociedade como um todo. Pois, o instituto, fruto e obra da criação humana, não deve em hipótese alguma desviar-se dos fins a que se propôs servir, como também não deve se prestar de suporte difusor para atividades ilícitas, ou seja, atividades alheias à sua propositura, sob pena de comprometer um instrumento de representatividade considerável para o desenvolvimento econômico de um país. Ante a possibilidade de tal desvirtuamento, é altamente compreensível, senão exigível, pretender que fossem previstos instrumentos pelos quais se pudesse relativizar a separação patrimonial entre o sócio e a sociedade, afastando os efeitos da personificação para alcançar os bens particulares do causador ou causadores de tais situações, com o fito de evitar o descrédito do instituto. Em nosso sistema jurídico a técnica da desconsideração da personalidade jurídica foi concebida primeiramente no âmbito doutrinário, e depois no ordenamento jurídico, como instrumento útil para se coibir a fraude com todas as suas implicações e efeitos, perpetrados por intermédio das sociedades empresárias que se desviam do seu objeto inicial, ou até mesmo já foram constituídas com o propósito de efetuar práticas ilícitas, fraudando terceiros de boa-fé. Na esteira desse tipo de manipulação, profissionais do direito foram levados à situação de preverem a possibilidade de desconsideração pontual da pessoa jurídica. A teoria em tela foi amplamente aceita nos ordenamentos jurídicos de vários países, inclusive no Brasil.


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3.5 A PERSONALIDADE JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DE ATIVIDADE ABUSIVA

Como vimos, a pessoa jurídica surge para suprir a própria deficiência humana, pois, o homem isolado por vezes se encontraria na impossibilidade de levar a efeito os grandes desafios que a vida moderna lhe apresenta, de modo que o ordenamento jurídico reconheceu a personalidade jurídica de grupos humanos que se formaram para desempenhar atividades que sozinho jamais poderia realizar, distinguindo-a da personalidade física dos membros que a compõem, permitindo, desse modo, dar mais segurança para sua atuação no mundo dos negócios. Desta distinção, vista como uma conseqüência positiva para as pessoas jurídicas, origina-se o princípio da autonomia patrimonial, o qual determina que o patrimônio

particular é distinto do patrimônio da pessoa jurídica. Contudo, tal

princípio vem, de certo modo, possibilitando que os seus membros possam dele aproveitar-se e praticar atos ilícitos, prejudicando terceiros que com ela se relacionem, abusando do exercício regular do direito. Circunstância essa que provocou o interesse doutrinário e jurisprudencial na busca de mecanismos que viessem a coibir abusos. Toda esta problemática não poderia passar despercebida pelo Direito, que não se apresenta como ciência estagnada no tempo, ao contrário, o Direito é volátil, progride, adaptando-se aos interesses sociais na medida em que busca regular comportamentos, com o escopo de propiciar certo equilíbrio ao convívio dos indivíduos na comunidade. Surgiu assim nas últimas décadas, a princípio pela jurisprudência norte americana e pelas doutrinas italiana e alemã, a teoria da “desconsideração da personalidade jurídica”, significando que às vezes é preciso superar a forma externa da pessoa jurídica, penetrando através dela, para alcançar as pessoas e bens que se escondem debaixo do seu véu, dando à personalidade jurídica um novo sentido na sua utilização, que deveria ser dentro de certos limites, impedindo o abuso de direito, a fraude e o negócio simulado. Segundo Francisco de Amaral apud Rubens Requião:


25 As hipóteses mais freqüentes de aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica são, os de ingressos fraudulentos na sociedade de bens ou direitos pertencentes a terceiros, realizado por sócio; a mistura de bens ou de contas entre acionista controlador e participantes da sociedade e a própria sociedade, negócios pessoais feitos pelo administrador como se fosse pala sociedade; confusão de patrimônio de sócio e da sociedade; o desvio de finalidade do objeto social com fins ilícitos ou fraudulentos, como também diante do descumprimento de obrigações firmadas em seus estatutos, aproveitando as vantagens e privilégios concedidos a pessoa jurídica para praticar atos em desacordo com sua finalidade, pode também ensejar o uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tornando-a ineficaz para determinados atos. (AMARAL, 2003, página 293)

Contudo, há de ressaltar que a aplicação de tal instituto não é regra e sim uma exceção, assertiva que no decorrer do trabalho será melhor comentada; sendo assim, não poderá ser levada a efeito caso o juiz não tenha determinado nenhuma outra providência para localizar bens da empresa para satisfação do direito buscado.

4 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA

4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Para uma melhor compreensão do tema principal deste trabalho, nos capítulos anteriores fizemos um breve estudo sobre a pessoa jurídica, evidenciando seu conceito, sua função, seus requisitos, como também a finalidade social focada pelo Estado ao conceber a sua criação e ao reconhecer sua personalidade. O que se pretende no decorrer dos próximos capítulos é demonstrar a possibilidade de o próprio Estado, através do Poder Judiciário, desconsiderar a personalidade jurídica das pessoas jurídicas quando esta for usada como escudo pelos membros que a compõem para a prática de atos ilícitos, ou seja, desviando das finalidades para as quais foi criada, assim como, demonstrar as situações em que pode ser aplicada a desconsideração, os fundamentos para tal, além de alguns pontos controvertidos na aplicação do instituto. Dar-se-á enfoque ao uso do instituto no ordenamento pátrio, abordando a teoria maior e a teoria menor acerca da desconsideração da personalidade jurídica.


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4.2 ORIGEM DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A teoria da desconsideração da personalidade jurídica apresentou-se primeiramente nos tribunais dos países ligados ao Sistema da “Common law”, tendo como berço os Estados unidos e a Inglaterra, daí os termos em língua estrangeira: “disregard of legal enity”, “disregard doctrine”, “lifting lhe corporate veil”, todas dando nome ao mesmo instituto. Um dos primeiros sistematizadores da teoria foi Rolf Serick, indicando-nos o caminho correto para o estudo da desconsideração da personalidade jurídica; vejamos: “A jurisprudência há de enfrentar-se continuamente com os casos extremos em que resulta necessário averiguar quando pode prescindir-se da estrutura formal da pessoa jurídica para que a decisão penetre até o seu próprio substrato e afete especialmente a seus membros. E não é sem razão que tal problema se repete. O fato de que os tribunais se encontrem sempre mais frequentemente às voltas com o mesmo, demonstra que o respeito incondicionado pela forma da pessoa jurídica pode, em determinados casos, levar a resultados não justos”. (GUIMARÃES, 1998, página 20)

Implicitamente, na citação ficou evidente que para os países que adotam o Sistema da “Common law”, a desconsideração da personalidade jurídica é a melhor maneira de se conseguir atingir a pessoa jurídica para conseguir um resultado que fosse ao encontro do direito, sempre que se configurasse a hipótese de uso abusivo das atribuições legais decorrentes da existência de personalidade jurídica, sendo uma das principais a autonomia patrimonial, ou seja, desconsiderar a personalidade jurídica significa ignorar a atribuição legal de direitos e obrigações. Fica assim entendido que tal instituto teve sua origem nos países filiados ao direito anglo-saxão, onde predomina o sistema da common law, ou seja, esses países permitiram que se deixasse de privilegiar o instituto da pessoa jurídica, até então muito cristalizado e quase inatingível nos sistemas romano-germânicos, relativizando o princípio da autonomia patrimonial para, em alguns casos, se alcançar solução justa, através da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica como meio de resolver os casos de abuso de direito.


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O caráter da medida para alcançar solução justa, ou o aspecto prático da desconsideração

da

personalidade

jurídica,

se

justifica

nesta

esteira

de

entendimento de sua origem. É que ao se aplicar a disregard doctrine não se anula a personalidade jurídica:

“...mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo todavia a mesma incólume para seus fins legítimos” (GUIMARÃES, 1998 página 21)

O primeiro julgado de que se tem notícia da aplicação prática da desconsideração da personalidade jurídica, foi o caso “Salomon vs. Salomon & Co.” em Londres, 1897:

Vejamos:

“O comerciante Aaron Salomon havia constituído uma ‘Company’, em conjunto com seis componentes de sua família, e cedido o seu fundo de comércio à sociedade assim formada, recebendo 20.000 ações representativas de sua contribuição ao capital, enquanto para cada um dos outros membros foi distribuída um ação apenas; para a integralização do valor do aporte efetuado, Salomon recebeu ainda obrigações garantidas de dez mil libras esterlinas. A companhia logo em seguida começou a atrasar os pagamentos, e um ano após, entrando em liquidação, verificou-se que seus bens eram insuficientes para satisfazer as obrigações garantidas, sem que nada sobrasse para os credores quirografários. O liquidante, no interesse desses últimos credores sem garantia, sustentou que a atividade da ‘company’ era ainda a atividade pessoal de Salomon para limitar a própria responsabilidade; em conseqüência Aaron Salomon devia ser condenado ao pagamento dos débitos da ‘company’, vindo o pagamento de seu crédito após a satisfação dos demais credores quirografários”. (GUIMARÃES, 1998, página 22)

Esta decisão foi reformada pela corte, havendo a princípio uma certa resistência na aplicação da teoria, todavia, aos poucos tal resistência foi caindo e a doutrina veio sendo amplamente aplicada pelos Tribunais da Inglaterra. Apesar de a origem da doutrina encontrar-se na Inglaterra, o seu desenvolvimento e aplicação mais amplos ocorreram nos Estados Unidos da América. Em 1912, Wormser, jurista norte-americano, teceu algumas considerações sobre a doutrina:


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“(...) quando o conceito de pessoa jurídica (‘corporate entity’) se emprega para defraudar os credores, para subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para constituir ou conservar um monopólio ou para proteger velhacos ou delinqüentes, os tribunais poderão prescindir da personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre pessoas reais”. (GUIMARÃES, 1998, página 23)

Extrai-se da citação uma forte carga valorativa, ao utilizar os termos “velhacos e delinqüentes” o que deixa claro que inicialmente a desconsideração da personalidade jurídica era aplicada apenas para os casos de fraudes. No entanto, os tribunais americanos ampliaram a abrangência da doutrina passando a aplicá-la também nos casos de abuso de direito. Em nosso ordenamento, como veremos no decorrer do trabalho, essa tendência, ainda que tenha chegado mais tarde, se deu levando em conta as duas hipóteses, quais sejam, nos casos de fraude e nos casos de abuso de direito; está consubstanciada na Consolidação das Leis Trabalhistas e também no Código Tributário Nacional, sem que haja qualquer cogitação da necessidade da prova de fraude para que o patrimônio dos sócios venha a ser atingido, nas circunstâncias previstas pelas leis.

4.3 ORIGEM DA TEORIA A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como pressuposto a consideração da personalidade jurídica, com as respectivas conseqüências advindas da separação entre o sócio e a sociedade. O direito formal, como devia sêlo no caso, sempre deixou clara a separação existente, principalmente no que diz respeito à formação do patrimônio. Por personalidade jurídica entende-se a situação fática que a lei confere a uma determinada universalidade de pessoas, bens, ou então de pessoas e bens, tornando-as assemelhadas às pessoas físicas, no que diz respeito a serem sujeitos ativos e passivos de relações jurídicas. Sendo assemelhadas às pessoas físicas, no que concerne à capacidade de agir no mundo jurídico, devendo este direito, ou seja, esta capacidade ser exercida


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em primeiro lugar com lealdade, boa-fé e firme propósito de atingir os fins sociais para que foi instituída. Acontece que os membros, pessoas físicas constituintes da pessoa jurídica, com suas mentes imaginativas, passaram a usar suas capacidades de criação para acobertarem sob o manto formal da pessoa jurídica, toda sorte de práticas abusivas e ilícitas, desviando-se de suas finalidades precípuas, perdendo sua razão de ser, cabendo ao próprio Estado, mediante o Poder Judiciário, desconsiderá-la. O direito não podia ficar à margem desse processo, observando a clara manipulação praticada pelos detentores do poder nas pessoas jurídicas, que passam a utilizá-las de maneira desviada. Por isso, aos poucos se passou a aceitar que, em casos especiais, a figura da pessoa jurídica fosse desconsiderada para que se pudesse alcançar a pessoa do sócio e seu patrimônio. Desconsiderar essa personalidade jurídica, portanto, significa que os sócios passam a responder com seu próprio patrimônio individual pelas obrigações sociais, ainda que se revista a sociedade, por exemplo, de responsabilidade limitada ao montante do capital social. E isto em decorrência de alguns abusos e outras circunstâncias, tidas como lesivas à própria sociedade e a terceiros. O instituto aqui apreciado tem aplicação no caso concreto quando o juiz ignorar os efeitos da autonomia jurídica da sociedade para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, cabendo esclarecer que não se trata de declarar nula a personificação, mas, torná-la sem efeito para determinados atos. Segundo Rolf Serick, é necessário estabelecer limites e critérios para a aplicação da teoria da penetração, com o fito de evitar uma assistematização sobre o assunto, o que poderia acarretar um esvaziamento do instituto da pessoa jurídica. Depois de analisar decisões colhidas principalmente das jurisprudências americanas e alemãs, foi que o mestre Serick afirmou ser um critério fixo nas decisões americanas o saber, no caso concreto, se a pessoa jurídica está sendo utilizada em conformidade com as funções a ela estabelecidas pelo ordenamento jurídico. Dos ensinamentos do jurista alemão resumem-se quatro pressupostos para se invocar a teoria da desconsideração, assim enumerados:


30 (...) “o juiz, diante de abuso da forma da pessoa jurídica, pode, para impedir a realização do ilícito, desconsiderar o principio da separação entre sócio e pessoa jurídica”; (...) “afirma que não é possível desconsiderar a autonomia subjetiva da pessoa jurídica apenas porque o objetivo de uma norma ou a causa de um negócio não foram atendidos”. Em outros termos, não basta a simples prova de insatisfação de direito do credor da sociedade para justificar a desconsideração; (...) “aplicam-se à pessoa jurídica as normas sobre capacidade ou valor humano, se não houver contradição entre os objetivos destas e a função daquela. Em tal hipótese, para atendimento dos pressupostos da norma, levam-se em conta as pessoas físicas que agiram pela pessoa jurídica”; e (...) “se as partes de um negócio jurídico não podem ser consideradas um único sujeito apenas em razão da forma da pessoa jurídica, cabe desconsiderá-la para aplicação de norma cujo pressuposto seja diferenciação real entre aquelas partes”. Quer dizer, se a lei prevê determinada disciplina para os negócios entre dois sujeitos distintos, cabe desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica que o realiza com um de seus membros para afastar essa disciplina. (COELHO, 2002, PÁGINA 31)

Para esse estudioso tornava-se essencial que os atos fossem praticados com a intenção de concretizar a fraude ou dano a outrem. Em suas pesquisas ele percebeu que os juízes não elegeram a frustração do credor da sociedade como o único pressuposto para a incidência do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Dos estudos de Fábio Ulhoa Coelho podemos abstrair o seguinte entendimento:

Em determinada situações, ao se prestigiar o princípio da autonomia da pessoa jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto, resguardado pela licitude da conduta da sociedade empresária. Somente se revela a irregularidade se o juiz, nessas situações (quer dizer, especificamente no julgamento do caso), não respeitar esse principio, desconsiderá-lo. Desse modo, como pressuposto da repressão a certos tipos de lícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária. (COELHO, 2002, página 36)

A doutrina da desconsideração relativiza o absolutismo da autonomia da personalidade jurídica, visando a preservar o instituto em seus relevos essenciais, diante da possibilidade de seu desvirtuamento vir a comprometê-lo. Assim, não se pode pretender ampliá-lo, pois, por sua natureza tem caráter excepcional, devendo ser utilizado somente quando de fato for constatado o abuso de direito, a fraude e o desvio de finalidade. Enfim, quando a sociedade empresária desvia-se do princípio


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lícito em que foi constituída, ou mesmo ter sido essa constituída com objetivo precípuo de lesar credores e praticar abuso de direito, valendo-se da proteção que a lei confere às pessoas jurídicas. Vejamos que esta proteção se dá em decorrência de o instituto ter sido criado com a finalidade de atender às necessidades comerciais, sendo que essas se materializam quando são levados a efeito a circulação de bens e serviços no mercado econômico. Destarte, por seu relevante valor social a todo custo deve ser preservado, pois, o problema não está no perfil básico do instituto, mas, no seu uso inadequado. Novamente citamos Fábio Ulhoa Coelho:

O objetivo da teoria da personalidade jurídica (disregard doctrine ou piercing the veil) é exatamente possibilitar a coibição da fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraude. (COELHO, 2002, página 34, 35)

Em suma, a aplicação da teoria terá por conseqüência o alcance daquele que utilizou indevidamente da diferenciação patrimonial. O descortinamento se dará para o caso concreto e de forma momentânea, isto é, retira-se o véu, alcança-se o patrimônio daquele que perpetrou o ato e, novamente, retorna-se o véu à origem para cumprir com seu objetivo de incentivo aos investimentos. Rubens Requião indica que:

“pretende a doutrina penetrar no âmago da sociedade, superando ou desconsiderando a personalidade jurídica, para atingir e vincular a responsabilidade do sócio’, arrematando, adiante: ‘não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas torná-la ineficaz para determinados atos’. (REQUIÃO, 1995, P. 277)

Em síntese, a teoria objeto deste estudo permite romper com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Dessa forma, a desconsideração da personalidade jurídica, por seus efeitos, torna-se técnica útil na proporção em que preserva a empresa, não atingindo seus outros negócios e interesses, nem outros objetivos da sociedade.


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Seguramente, afirmamos que o escopo do instituto não é aniquilar a figura do sujeito autônomo em relação aos seus sócios, mas, reprimir a fraude contra credores.

4.4 TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR Há no Brasil o reconhecimento de duas possibilidades de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, quais sejam, pela teoria maior e pela teoria menor, assim nominadas por Fábio Ulhoa, cuidando a primeira de uma formulação subjetiva, e a segunda pautada apenas em requisitos objetivos. Uadi Lammêgo Bulos reconhece as mesmas como sendo a teoria maior corrente do uso racional, e a teoria menor corrente do uso equivocado da disregard doctrine. A primeira teoria é considerada mais ajustada à desconsideração, por condicionar o afastamento da pessoa jurídica para casos excepcionais, mediante a comprovação de fraude e abuso de direito por parte de seus membros. A segunda teoria é menos sistemática, sendo que o pressuposto de sua aplicação é o desatendimento do crédito perante a sociedade, em razão de insolvência desta, autorizando diretamente a responsabilização de seus sócios e, dessa maneira, trazendo insegurança jurídica e social para seus membros. Para uma melhor compreensão vejamos de forma mais detalhada cada uma das correntes.

4.5 TEORIA MAIOR OU CORRENTE DO USO RACIONAL DA DISREGARD DOCTRINE Esta teoria adota como pressuposto da desconsideração a fraude e o abuso da personalidade jurídica. Apresenta-se de forma mais elaborada, condicionando o afastamento da autonomia patrimonial à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto, sendo esta corrente bem próxima da formulação original da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. Admite esta corrente que as únicas situações em que a personalização das sociedades deve ser furtada são aquelas onde há o uso fraudulento ou abusivo da


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autonomia patrimonial para, assim, coibir a prática de ilícitos aproveitando-se do referido princípio. Desse modo, pela aplicação da teoria maior, podemos entender que só há desconsideração nos casos específicos em que a autonomia patrimonial foi utilizada pela sociedade como esconderijo de práticas abusivas. O que significa que haverá uma suspensão da eficácia da constituição da sociedade exclusivamente nos episódios relacionados à fraudes perpetrados pela manipulação da autonomia patrimonial, preservando a eficácia da sociedade para todos os outros efeitos. Melhor assim, pois, se a busca de uma decisão justa, ou mesmo a repressão às irregularidades importasse o sacrifício de dissolver de forma drástica uma sociedade, interrompendo sua atividade econômica explorada, estaria pondo em risco a segurança jurídica conquistada no mundo empresarial, intimidando os investidores, diminuindo os postos de emprego, como também a geração de riquezas e tributos. Com o uso apropriado da desconsideração, onde a fraude e os atos abusivos são reprimidos sem que haja dissolução total da pessoa jurídica, podemos afirmar que é louvável a aplicação da teoria nesses contornos, pois, assim não serão sacrificados os interesses de tudo aquilo que circunda em torno da continuidade da empresa, mesmo porque no ordenamento já existem meios de coibir abusos, sendo a desconsideração aplicada apenas quando os membros da sociedade manipularem de forma fraudulenta o princípio da autonomia patrimonial.

4.6 TEORIA MENOR OU CORRENTE DO USO EQUIVOCADO DA DISREGARD DOCTRINE O pressuposto desta teoria é simplesmente o desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade em razão da insolvabilidade ou falência desta, o que demonstra claramente ser esta corrente menos elaborada do que a corrente da teoria maior. De acordo com a teoria menor, para a aplicação da desconsideração não importa se a situação de insolvência da sociedade se deu em consequência de atos abusivos ou fraudulentos de seus membros, bastando a comprovação de que a sociedade não possua patrimônio suficiente para a satisfação do crédito. Ocorrendo


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referida situação, de imediato o patrimônio particular do sócio é buscado para satisfazê-lo, ignorando-se o princípio da autonomia patrimonial. Utilizada desta forma, a desconsideração tornou-se um terreno fértil para todo tipo de inversões da aplicação do aludido instituto, o qual passa a ser regra, quando deveria ser utilizado como exceção. De fato, quando se aplica a desconsideração tão somente porque a sociedade insolvente possui sócio solvente, banaliza-se o instituto, com certo dano e insegurança às relações jurídicas necessariamente vivenciadas pelas pessoas jurídicas. Tal prática nos leva a crer que o uso equivocado da teoria pelos nossos aplicadores do direito não condiz com os objetivos e resultados pretendidos pelos primeiros estudiosos, conforme asseveram as palavras de advertência de Fábio Ulhoa “(...) juízes brasileiros, em momento de descuido, não se dedicaram ao prévio uso da expressão “desconsideração” (ULHOA, 2008, pág. 47) É lamentável afirmar que o uso equivocado do instituto venha sendo um seguimento majoritário do Poder Judiciário brasileiro, que sem qualquer visão crítica, numa atitude simplista, usa o vocábulo “desconsideração” em suas decisões, crendo ser este o único meio de reprimir o uso abusivo das prerrogativas da personalidade jurídica pelos membros que compõem a pessoa jurídica, tendo como único pressuposto a frustração do credor da sociedade. Observamos que a princípio a teoria que deveria reforçar o instituto da pessoa jurídica, evitando que fosse usada como véu para acobertar fraudes, passou a ser um instrumento fragilizador do instituto, “(...) se a formulação maior pode ser considerada um aprimoramento da pessoa jurídica, a menor deve ser vista como questionamento de sua pertinência, enquanto instituto jurídico” (ULHOA, 2008, pág. 47) Nota-se ao estudar o assunto que os precursores da teoria, ao se esforçarem por fazer nascer o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, vislumbravam o surgimento de um meio justo de inibir e punir a prática de abusos e fraudes impetrados contra terceiros e

materializados

através

de

atitudes

condenáveis, atitudes essas que destoam da finalidade inerente da pessoa jurídica, que é a de facilitar a salutar efetivação das relações humanas em todos os contornos possíveis na dinâmica comercial e social. Para tanto, suas pesquisas


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enveredaram por substantificar uma formulação maior, com vista ao aprimoramento do instituto da pessoa jurídica.

5 O RECONHECIMENTO DA TEORIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA O ingresso da teoria na doutrina brasileira coube ao jurista e professor paranaense Rubens Requião, em conferência no final dos anos 1960, na qual ele apresenta a teoria como a superação do conflito entre as soluções éticas, que questiona a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar sempre os sócios, também, nesse momento sustenta o professor que a teoria da desconsideração se adequou ao direito brasileiro, defendendo a sua utilização pelos juízes independentemente de específica previsão legal. Isso indica que a adoção da disregard doctrine pelo direito brasileiro é uma forma de corrigir as fraudes e os abusos perpetrados através da pessoa jurídica. A doutrina do estudioso jurista Rolf Serick serviu-lhe de inspiração para defender a aplicação do instituto sempre que a separação entre a pessoa jurídica e o sócio desta fosse mera aparência, sendo a sociedade utilizada como instrumento para efetivação de fraude ou abuso de direito. Nessa oportunidade afirmou:

Todos esses conceitos e preconceitos levaram o pensamento jurídico a conceber, sobretudo em nosso país a personalidade jurídica como um ‘véu’ impenetrável. Passou a ser vista, via de regra como uma categoria de direito absoluto. Ora, a doutrina da desconsideração nega precisamente o absolutismo do direito da personalidade. Desestima a doutrina esse absolutismo, perscruta através do véu que a encobre, penetra em seu âmago, para indagar de certos atos dos sócios ou do destino de certos bens. Apresenta-se, por conseguinte, a concessão da personalidade jurídica com um significado ou um efeito relativo, e não absoluto, permitindo a legitima penetração inquiridora em seu âmago. (REQUIÃO, 1969, página 1324)

Na medida em que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos, a aplicação da desconsideração pelo Poder Judiciário no Brasil, como já afirmada pelo professor Rubens Requião, não dependia de previsão legal, pois, até a década de 60 não havia disposição legal que regulasse a matéria.


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Atualmente a teoria da desconsideração foi acolhida em diferentes diplomas em nosso sistema jurídico, o que detalharemos a seguir para uma melhor identificação do instituto, demonstrando as hipóteses da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na legislação brasileira, as quais passaremos a analisar, como também a fundamentar suas aplicações.

5.1 NO DIREITO TRIBUTÁRIO Com

o

conhecimento

teórico

da

doutrina

da

desconsideração

da

personalidade jurídica, passou-se afirmar que o art. 135, do Código Tributário Nacional, teria contemplado o instituto. Vejamos o que nos informa o art. 135, do CTN:

São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos: I – As pessoas referidas no artigo anterior; II – Os mandatários, prepostos ou empregados: III – Os diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica de direito privado.

Esta assertiva não encontrou respaldo, uma vez que a maioria dos doutrinadores não entendia o cabimento da teoria, ou seja, não comporta uma quebra do princípio da separação da pessoa jurídica e a pessoa do sócio. Na nossa análise, o que o dispositivo informa é a possibilidade de em algumas circunstâncias responsabilizar o sócio por alguma dívida da sociedade. Vejamos o entendimento de Alexandre Couto Silva:

Deve-se posicionar no entendimento de que os dispositivos supramencionados do CTN e do Regulamento do IPI não envolvem qualquer quebra do principio da separação entre o ser da pessoa jurídica e o ser da pessoa-membro, ou seja, não se trata de hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim, de responsabilidade pessoal por ato próprio. (SILVA, 1999, página 117)


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5.2 NO DIREITO DO TRABALHO Neste ramo do direito há também quem defenda a existência do instituto, indicando que o mesmo encontra amparo no § 2º, do art. 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Este dispositivo está assim redigido:

Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos de relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

A norma aqui encartada não apresenta nenhuma relação com a teoria da desconsideração. Uma leitura simplista do dispositivo legal é suficiente para notar que não há legalidade expressa que permita a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho. Ao contrário, no nosso entendimento o dispositivo corrobora a afirmativa quanto à inexistência da autorização para a aplicação do referido instituto. Observa-se também que o citado artigo não exige prova de fraude nem de abuso de direito para que as outras empresas sejam responsabilizadas por dívida trabalhista da outra, sendo requisito suficiente o integrar o mesmo conglomerado. O texto se refere à responsabilidade solidária das empresas que compõem o conglomerado. Novamente citamos a opinião de Alexandre Couto Silva:

O § 2º, do art. 2º da CLT não se refere à desconsideração, por três motivos: primeiro, porque não se verifica a ocorrência de nenhuma hipótese que justifique sua aplicação como fraude ou abuso; o segundo, porque reconhece e afirma a existência de personalidades distintas; terceiro, porque trata-se de responsabilidade civil com responsabilização solidária das sociedades pertencentes ao mesmo grupo. (SILVA, 1990, página 121)

Ocorre que diversos doutrinadores consideram este preceito como hipótese reveladora de autêntica aplicação da desconsideração.


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Dentre os que assim concebem citamos Rubens Requião que, mesmo sendo da corrente subjetivista da teoria, nesta esfera concebe como ‘uma única entidade econômica a união de empresas mater e suas filiadas para os efeitos do direito social’. (REQUIÃO, 1969, página 12) Independentemente das divergências, há inúmeras decisões judiciais no sentido

de

responsabilizarem-se

sócios

e

administradores

por

obrigações

trabalhistas da sociedade. Novamente verificamos que o que está predominando, principalmente no direito do trabalho, é a teoria menor ou corrente do uso equivocado da disregard doctrine, o que se pode comprovar a partir de declarações de juízes trabalhistas como citamos:

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação no direito do trabalho sempre que não houver patrimônio da sociedade, quando ocorrer dissolução ou extinção irregular ou quando os bens não forem localizados, respondendo os sócios de forma pessoal e ilimitada, a fim de que não se frustre a aplicação da lei e os efeitos do comando judicial executório” ou que “como o sócio não indicou bens livres e desembaraçados da pessoa jurídica, podese dizer que é o caso de aplicação da teoria da desconsideração nos presentes autos”, ou ainda, “não possuindo bens a executada de forma a garantir a execução (...) é de manter a constrição sobre os bens particulares dos agravantes, únicos sócios e ambos gerentes da sociedade ré, porquanto não clama a lei qualquer ato formal para a despersonalização e tampouco a autoriza apenas no desvio ou na fraude, autorizando, ao contrário e igualmente,a desconsideração da personalidade também na contingência do insucesso próprio do mercado, visto não restritiva a legislação de regência. (Respectivamente, TST – 5ª T.; AIRR n.º 22.289/2002-900-09-00.2; TRT – 2ª Região – 1º T.; Ag. De Petição em ET n.º 01552200305202004 – SP; TRT – 15ª Região; Ag. De Petição em ET n.º 00121-2003-004-15-00-GAP) (grifamos) 1

Desta decisão, abstraímos o auge de um posicionamento ao alvedrio da teoria, enquanto que ao mesmo tempo faz alusão a essa mesma teoria para fundamentar sua decisão. Aqui, expressamente foi desconhecido o princípio da ampla defesa e do contraditório. O que é alegado pelo julgador nos força a acreditar

1

PITTA, Daniel Schmidt. Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 858, 8 nov. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7537. Acesso em: 14 abril 2009.


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que este nunca se deu ao trabalho de conhecer o instituto, pelo menos em seus contornos gerais. Vejamos um julgamento que foi proferido em 20 de maio de 2004 pelo juiz Valtércio de Oliveira, relatando Recurso Ordinário n.º 0011-2003-010-05-00-0 em acórdão de n.º 11.928/04:

Dúvida não pode haver de que o agrupamento dos seres humanos para a realização de fim comum, reunido esforços e capitais, é imperativo da própria organização social, como é o contrato para a disciplina de certos interesses. Conseqüentemente, esse fato, que a sociedade gera, não é uma abstração, mas, sim, evidente realidade. O direito apercebe-se de sua existência,e, por processo técnico, possibilita a atividade social dos que se agrupam para exercê-la. Esse processo técnico é a personificação. Consiste, precisamente, em atribuir personalidade ao grupo, para que possa exercer a atividade jurídica como uma unidade, tal como se fosse uma pessoa natural. A explicação é aceitável, resultando, como resulta a observação da realidade social. (Ibdem)

A análise em tela surpreende-nos pela liberdade excessiva com que se comportou o juiz ao interpretar as lições do grande civilista Orlando Gomes, pois, desta lição o juiz retira o seguinte:

A pretensão recursal é incluir na lide, como responsáveis subsidiários, os sócios da empresa reclamada. A irresignação procede. Para o sócio figurar no pólo passivo da relação processual não é necessário que a empresa se encontre em situação de insolvência. Isso porque à pessoa jurídica atribui-se personalidade decorrente do grupo (sócios) que a compõem. Como se não bastasse, ementa o seu acordo da seguinte maneira. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS Impõe-se, mesmo quando solvente a sociedade, pois o grupo de pessoas naturais integrante da pessoa jurídica com esta se confunde, constituindo-se o seu mentor e tornando tangível a essência dessa ficção do direito, conseqüentemente devendo arcar com os ônus trabalhistas, resultantes de sua expressão volitiva. (Ibidem)

O que nos deixa perplexos é o fato de que neste acórdão não foi aplicada sequer a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que por si só já é considerada por boa parte da doutrina uma versão equivocada do instituto. O citado juiz consegue se superar afirmando o que repetimos “o grupo de pessoas naturais integrante da pessoa jurídica com ela se confunde”. Observemos que neste acórdão o juiz não só desestimou a personalidade jurídica, como também


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a considerou inexistente no direito brasileiro, ou seja, ele desconheceu o capítulo do Código Civil que trata das disposições relativas à pessoa jurídica. Não são raras as vezes em que nossos magistrados, em especial os do direito do trabalho, sem qualquer aferição criteriosa dos requisitos essenciais da teoria em estudo, numa atitude cômoda, posicionam-se alheios à existência destes, pois, simplesmente aplicam a desconsideração da personalidade jurídica de forma tão equivocada, passando-nos até mesmo a impressão de que desconhecem o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Contudo, evidenciamos que o alvo principal de nossas argumentações não é desmerecer ou desqualificar créditos trabalhistas, mas, apenas expor a realidade que circunda a teoria da despersonalização em nosso ordenamento jurídico, mais precisamente na esfera trabalhista. Mediante

a

responsabilização

exposição dos

sócios

e

os

questionamentos,

regradas

nos

referidos

concluímos diplomas

que

não

a

trata

especificamente de desconsiderar a personalidade jurídica, mas, sim, de aplicar uma medida justa para satisfazer direitos buscados nas empresas de forma a atingir seus membros, mesmo quando esta não se encontre insolvente, isso porque a atribuição de personalidade jurídica decorre do grupo que a compõe, grupo esse mentor de suas vontades e, consequentemente, devendo arcar com suas responsabilidades. O remédio da desconsideração deveria ser de aplicação restrita, ou seja, apenas quando não se pudesse resolver a questão de forma justa e eqüitativa, usando outras medidas.

5.3 NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Como foi visto no tópico anterior, embora a doutrina e a jurisprudência, sobretudo de natureza tributária, já houvesse manifestado sobre a identificação do instituto nos referidos diplomas legais, ante a possibilidade de simplesmente ignorar a personalidade jurídica de um ente para atingir o patrimônio pessoal de seus integrantes, foi no Código de Defesa do Consumidor que o instituto em questão foi disciplinado pala primeira vez em nosso ordenamento jurídico. A lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, é considerada


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o primeiro dispositivo legal a se referir expressamente à desconsideração da personalidade jurídica. Em se tratando deste diploma legal, a princípio observamos que este não segue a filosofia que informa a aplicação da teoria nos sistemas de origem, pois, como se verá, a regra do elencado artigo 28 permite a desconsideração não só em caso de fraude, mas, até na hipótese de má administração simplesmente. Passemos ao exame do artigo 28, da Lei 8.078/90, o qual foi considerado o 1º dispositivo legal a se referir à desconsideração da personalidade jurídica, informado o que se segue:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração § 1º (vetado). § 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3º As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4º As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O caput do artigo enumera as hipóteses em que o instituto pode ter aplicação. Esta aplicação ocorre sempre em situações excepcionais, tais como: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Concernente ao abuso de direito, observa-se clara correspondência entre o dispositivo legal e a teoria da desconsideração. Quando se considera o excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social, está se referindo à responsabilidade do sócio ou do representante legal da sociedade por ato ilícito próprio. Embora relacionado com a pessoa jurídica, a responsabilidade, nesse caso, pode ser


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imputada diretamente a quem incorrer na irregularidade, não sendo a pessoa jurídica empecilho a essa imputação. Com relação à falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade decorrente de má administração, a personalização da sociedade não é obstáculo para que se opere o ressarcimento dos danos causados pelo administrador. Com esta explanação estamos demonstrando que a teoria da desconsideração é pertinente apenas quando não se pode, em princípio, imputar diretamente ao sócio ou administrador da pessoa jurídica a responsabilidade pelas obrigações decorrentes de seus atos. Interessa-nos citar a opinião de Alexandre Couto Silva:

Falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, por si sós, não configuram hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. A má administração não se confunde com práticas abusivas, que são atos danosos para a própria pessoa jurídica e que poderão ensejar responsabilização do administrador perante a própria sociedade. A hipótese de administração má não tem por objetivo fraudar direitos de consumidores ou, mesmo, provocar a injustiça. (SILVA, 1999, página 103)

Se a responsabilidade pode ser diretamente aplicada, não há o que se pensar em superação da autonomia patrimonial. Caso algum sócio, controlador, ou representante legal da pessoa jurídica venha a causar danos a terceiros, principalmente a consumidores, em decorrência de comportamento ilícito, responsabiliza-se esse diretamente pela obrigação de ressarcir o prejuízo. Nesse caso trata-se de responsabilidade pessoal, e na configuração dessa hipótese não há dificuldade para que medida de tal natureza seja estabelecida. Nessa linha de intelecção não há o que se falar em responsabilidade da pessoa jurídica, que age com excesso de poder, infração da lei, violação dos estatutos ou do contrato social. Ter-se-ia que, por considerável que fosse o fracasso de uma empresa, independentemente de fraude, abriria caminho para a desconsideração, o que nos revela não ser esta a orientação da teoria. No tocante ao parágrafo 5º, do art. 28 do CDC, tem-se a impressão de que a construção secular da teoria da personalidade jurídica distinta da de seus sócios foi vilipendiada, pois, neste viés torna-se regra o que seria exceção. De um ponto de vista axiológico, o parágrafo 5º, do art. 28, fulmina o próprio caput do artigo, pois,


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permite desconsiderar-se a personalidade jurídica sempre que a mesma for empecilho à reparação de prejuízos causados aos consumidores. Ocorre que há três razões para tal interpretação prevalecer. Primeiramente ela contraria os fundamentos teóricos da doutrina. Como já foi mencionado a disregard doctrine substantifica-se num aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica, e não na sua negação. Assim sendo, o instituto só poderá ser utilizado para coibir fraude ou o abuso de direito. É assim que está formulada a teoria maior, ou uso racional da disregard doctrine. Em segundo lugar, porque a exegese literal tornaria letra morta o caput do art. 28 do CDC, que informa algumas hipóteses autorizadoras da superação da personalidade jurídica. Em terceiro lugar, porque a interpretação extinguiria a existência do referido instituto no campo do direito do consumidor, e se essa fosse a intenção da norma, melhor seria que nosso legislador tivesse uma postura mais corajosa e extinguisse a figura da pessoa jurídica. Com uma atitude deste cabedal haveria uma reação no meio econômico e social, pois, uma nação sobrevive da geração de riquezas e circulação de bens e serviços, sendo a pessoa jurídica um instrumento considerado como meio eficaz de viabilização das atividades econômicas. Facilitaria muito as relações jurídicas na sociedade se nossos legisladores se esmerassem por produzir leis mais claras e objetivas, evitando dar amparo aos que militam na seara do direito a primarem por todo tipo de interpretação e aplicação, o que coopera para criar uma situação de retrocesso nas relações sociais e jurídicas, quando em verdade o que a coletividade mais necessita é de uma sociedade dinâmica e uma justiça célere e eficaz. Seria louvável que nossos políticos, principalmente os do poder legislativo, tomassem uma postura mais condizente com a função que exercem, e se revestissem da realidade na qual estão inseridos, ou seja, a de que legislam para um país de economia capitalista, onde o lucro é a razão de ser de uma empresa e constitui a essência do sistema econômico do Brasil. Conseqüentemente o crescimento

econômico

desigualdades sociais.

redundaria

numa

diminuição

considerável

das


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É cediço que toda defesa exacerbada termina por prejudicar o que se busca proteger. Levar tal proteção às últimas conseqüências, conforme prima o ditame do parágrafo 5º, do art. 28 do CDC, significa desestimular e inibir o impulso para o surgimento de novas pessoas jurídicas, e conseqüentemente levando à menor oferta de bens e serviços, e à retração na concorrência, o que deixaria os consumidores à mercê dos que corajosamente sobrevivem a tais tipos de intempéries acoplados a esse cenário, mais a carga excessiva de tributos e a concorrência desigual dos que vivem na informalidade. No Código de Defesa do Consumidor o que encontra correspondência com os contornos históricos do instituto consiste no enunciado do abuso de direito, sendo que os demais pressupostos por eles mesmos já são apenáveis, não sendo necessário serem socorridos pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

5.4 NA LEI ANTITRUSTE A lei federal 8.884, de 11 de junho 1994, denominada Lei Antitruste, em seu art. 18, dispõe que:

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste, abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

O legislador brasileiro praticamente reproduziu a redação do artigo 28, do Código de Defesa do Consumidor, neste dispositivo de nº. 18, da Lei Antitruste. Desta forma os desacertos configurados naqueles acabaram por se repetir neste, ressalvando-se a diferença de que nesta lei o legislador não introduziu os parágrafos existentes no CDC.


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5.5 NO DIREITO AMBIENTAL No direito ambiental, o art. 4º, da lei nº. 9.605/98, dispõe sobre a responsabilidade por lesões ao meio ambiente. O objetivo da lei é proteger adequadamente o meio ambiente. Assim informa:

Lei nº. 9.605, 12 de fevereiro de 1998 Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Art. 4º - Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Fábio Ulhôa Coelho é do entendimento que não se pode interpretar a norma em tela em descompasso com os fundamentos da teoria maior da desconsideração. Vejamos o seu pensamento:

Se determinada sociedade empresária provocar sério dano ambiental, mas, para tentar escapar à responsabilidade dos seus controladores constituírem nova sociedade, com sede, recurso e pessoal diversos, na qual passem a concentrar seus esforços e investimentos, deixando a primeira minguar paulatinamente, será possível por meio da desconsideração das autonomias patrimoniais a execução do crédito ressarcitório no patrimônio das duas sociedades. Apesar dos equívocos na redação dos dispositivos legais, a melhor interpretação destes é a que prestigia a formulação maior da teoria da desconsideração, ou seja, eles somente admitem a superação do princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresária como forma de coibição de fraudes ou abusos de direito. (ULHOA, 2006, página 53)

5.6 NO DIREITO CIVIL No Código Civil, o legislador redigiu uma norma visando atender às mesmas preocupações que deram contornos à elaboração da disregard doctrine. Trata-se do artigo 50, que embora já tenha sido citado no capítulo 3, item 3.4, entendemos ser pertinente revisitá-lo, e assim ele informa: “em caso de abuso da personalidade


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jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. O conteúdo do artigo, num primeiro momento, parece atender às necessidades de se poder avaliar no caso concreto até que ponto pode-se romper com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para atingir os bens dos sócios administradores ou controladores da sociedade, nos casos de desvio de finalidade em prejuízo de terceiros. Entretanto, a regulamentação do instituto ainda não está expressa no texto de forma a aclarar o objetivo deste, visto que o mesmo se apresenta com linguagem muito genérica, o que às vezes impede de se chegar ao âmago da questão. O abuso da personalidade jurídica determinado no dispositivo é caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, que são situações abertas, amplas, o que acarreta margem para várias interpretações. Todavia, trata-se ainda do dispositivo legal que mais expressou a teoria maior da desconsideração, pois, nele estão refletidas situações onde os julgadores não podem se afastar dos requisitos ali expressos, isto é, não podem desprezar o instituto da pessoa jurídica apenas em função do desatendimento de um ou mais credores. A partir da análise dos dispositivos de lei, onde se entende estar presente o instituto ora estudado, compreende-se que a melhor interpretação legal desses artigos é a que reconhece e respeita a contribuição doutrinária da pessoa jurídica como forma de cumprimento da sua função econômico-social, admitindo a superação do princípio da autonomia patrimonial somente quando presentes os requisitos norteadores da teoria maior da desconsideração. Dos artigos de lei até aqui analisados, não é difícil notar que o art. 50, do Código Civil, entra em nosso sistema jurídico expressando em seu bojo os pressupostos da teoria maior da desconsideração, que é a teoria que substantifica a intenção primordial dos pioneiros estudiosos do instituto em tela. Ocorre que, quando nos voltamos para o art. 28, do Código de Defesa do Consumidor, destacando principalmente seu parágrafo 5º, que claramente ignora a pessoa jurídica, vislumbramos a presença transparente da teoria menor, que no nosso entendimento retrata uma aplicação equivocada do instituto.


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Nesta linha de pensamento, somos levados à ilação que, independentemente de regulamentação legal, a teoria é auto-aplicável, pois, está doutrinariamente consagrada como fonte de direito e, em qualquer hipótese, desde que se trate de situações bem configuradas e abrangidas pelos ditames que lhe são peculiares, não há o que se cogitar em não aplicá-la. Contudo, reafirmamos que as situações devem estar lastreadas substancialmente nos pressupostos que servem de anteparo à teoria racional da disregard doctrine.

6 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL

6.1 GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

A busca de direitos em juízo deve dar-se através da propositura de ação judicial, e esta, em sua tramitação é solucionada por meio de um processo, ou seja, o instrumento por meio do qual se movimenta a máquina judiciária, composto por atos, formas e procedimentos, o qual, para ser regular, legítimo e válido, necessariamente há de atender ao princípio constitucional do devido processo legal. Tal princípio garantia vem insculpido no art. 5°, LIV, da Constituição Federal, assegurando que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” Há o devido processo legal quando tramita perante a autoridade competente e por esta é decidido, foram observadas as formalidades legais, assegurou-se o contraditório, e propiciou-se a ampla defesa, com a produção de todas as provas lícitas e possíveis. Deste modo, além dos demais requisitos, para que haja o devido processo legal é mister a obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa, sobre os quais teceremos breves considerações.


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6.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO Vem ele disposto no art. 5°, LV, da Lei Maior, nos seguintes termos “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório (...)”. Visa-se com tal princípio à evitar a surpresa no processo. Através dele deve dar-se conhecimento às partes acerca dos atos praticados pela outra. Tem ele por mister assegurar às partes envolvidas no processo o direito de serem ouvidas, propiciando-lhes a oitiva sobre os argumentos, alegações e provas produzidas pela parte adversa. Adquire sua efetividade através do conhecimento que se dá à parte acerca da demanda por meio da citação inicial, com a oportunidade para contestação no prazo de lei, com a possibilidade da produção probatória e manifestação sobre a prova contrária, com o direito de se fazer presente e formular requerimentos nos atos orais, e a via recursal em caso de sucumbência. Em suma, tal princípio garantia tem o condão de assegurar o conhecimento a respeito da ação que contra si é movida, e a oportunidade de sobre ela manifestarse, ou mesmo ficar silente – pois, o demandado pode não se manifestar – e até mesmo reconhecer o pedido inicial, isso em atendimento à característica da bilateralidade processual, uma vez que o Estado Juiz fugiria à noção do justo caso atendesse apenas ao pedido de uma das partes, sem oportunizar à outra o direito de conhecimento sobre a demanda, manifestação e defesa.

6.3 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA Também encontra guarida no art. 5°, LV, da Carta Magna, ao dispor que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”. De ver-se aqui que tal norma constitucional poderia ter usado a expressão “contraditório e defesa”, mas, com o intuito de mostrar a relevância e abrangência desse direito, usou a expressão “ampla defesa”.


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Assim, assegura ao demandado a defesa em sua forma mais ampla possível, vedando apenas e tão somente a utilização de provas obtidas por meios ilícitos. Por intermédio dessa garantia possibilita-se à parte usar de todos os argumentos que entenda pertinentes em sua defesa, e trazer ao processo todos os elementos e meios de prova de que disponha ou tenha conhecimento, a fim de fazer aflorar a verdade sobre os fatos alegados. Tecidas estas considerações sobre o princípio do devido processo legal e aqueles princípios/garantias nele insertos, analisaremos sua observância, ou inobservância, frente à aplicação judicial do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

6.4 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL O princípio do devido processo legal, norma constitucional de aplicação imediata e estipulada como um dos direitos fundamentais, tem função de norteador do processo, abrangendo todos os feitos donde derivam penalidades, sejam processos administrativos ou judiciais. Sem sua obediência, corre-se o risco de ilegitimidade do exercício da jurisdição. Deste modo, quando da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, deve se observar na totalidade referido princípio, a fim de garantir-se a legitimidade da decisão judicial, e a regularidade do processo. Esse é o entendimento majoritário da doutrina pátria, especialmente pelos seguidores da teoria maior. Conforme a corrente em epígrafe, o princípio do devido processo legal, com as garantias do contraditório e da ampla defesa, devem estar presentes quando da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, devendo a responsabilização direta aos sócios derivar de sentença judicial condenatória, proferida em regular processo de conhecimento, na qual o sócio tenha atuado no feito como parte ou litisconsorte passivo necessário. Nesse jaez, consideram que o julgador não pode aplicar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, deixando de atender à separação entre a pessoa jurídica e seus membros, senão por intermédio da pertinente ação judicial


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de conhecimento, movida pelo credor da sociedade contra os sócios ou seus administradores, onde o autor deverá demonstrar a existência do pretensa atitude fraudulenta que lhe permita postular a desconsideração da personalidade jurídica. Fábio Ulhoa entende que:

Nessa ação, o credor deverá demonstrar a presença do pressuposto fraudulento. Em outros termos, quem pretende imputar a sócio ou sócios de uma sociedade empresária a responsabilidade por ato social, em virtude de fraude na manipulação da autonomia da pessoa jurídica, não deve demandar esta última, mas a pessoa ou as pessoas que quer ver responsabilizadas. Se a personalização da sociedade empresária será abstraída, desconsiderada, ignorada pelo juiz, então a sua participação na relação processual como demandada é uma impropriedade. Se a sociedade não é sujeito passivo do processo legitimado a outro título, se o autor não pretende a sua responsabilização, mas a de sócios ou administradores, então ela é parte ilegítima, devendo o processo ser extinto, sem julgamento de mérito, em relação à sua pessoa, caso indicada com ré. Note-se que a teoria maior torna impossível a desconsideração operada por simples despacho judicial no processo de execução da sentença. Quer dizer, se o credor obtém em juízo a condenação da sociedade (e só dela) e, ao promover a execução, constata o uso fraudulento da sua personalização, frustrando o seu direito reconhecido em juízo, ele não possui título executivo contra o responsável pela fraude. Deverá então acioná-lo para conseguir o título. Não é correto o juiz, na execução, simplesmente determinar a penhora de bens do sócio ou administrador, transferindo para eventuais embargos de terceiro a discussão sobre a fraude, porque isso significa uma inversão do ônus probatório. A desconsideração não pode ser decidida pelo juiz por simples despacho em processo de execução; é indispensável a dilação probatória através do meio processual adequado. (Ibidem)

Todavia,

outra

corrente

doutrinária

e

jurisprudencial

que,

com

entendimento diverso, considera que a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer

diretamente no processo de execução, por despachos/decisões

interlocutórias, onde se determina de pronto a penhora de bens dos sócios ou administradores, ante a mera insolvência da empresa. Vêm ocorrendo diversas decisões nesse sentido, especialmente na seara da Justiça do Trabalho. Entendem os que assim se posicionam que em sede de embargos, ou através do agravo de instrumento, assegurar-se-á o direito à discussão sobre a desconsideração da personalidade jurídica.


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Para os adeptos da primeira corrente, esse entendimento último é equivocado, e fere profundamente o princípio do devido processo legal, cerceando ao direito do contraditório e da ampla defesa dos sócios, que lhe são constitucionalmente assegurados. Cremos estarem com razão os adeptos da primeira corrente, pois, o devido processo legal só existe com a presença real e efetiva do contraditório e da ampla defesa, os quais deixam de ter efetiva e real existência, se postergados - após desconsiderada a personalidade jurídica por despacho/decisão interlocutória em sede de execução, para embargos à execução. Em tal caso, o contraditório e a ampla defesa não seriam plenos, e haveria a indevida inversão do ônus da prova, ferindo, de tal modo, aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.


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7 CONCLUSÃO Realizou-se a presente monografia com o intuito de fazer uma análise metódica acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, instituto jurídico que permeia o direito em todas as partes do mundo na atualidade, também existente no ordenamento pátrio, o qual é pendente de melhor regulamentação, que seja mais clara e precisa, tendo em vista que as noções existentes no Direito Brasileiro sobre o instituto em sua aplicabilidade estão desviando-se da origem histórica da teoria, o que se pode comprovar por meio do estudo das normas que regem a matéria na legislação pátria, as quais são extremamente genéricas e imprecisas, dando margem à interpretações confusas, bem como, das várias decisões judiciais onde é aplicado o instituto. No decorrer do trabalho falou-se sobre a importância do instituto da pessoa jurídica nas atividades sócio-econômicas do nosso país, sobre a sua personalidade jurídica

e

autonomia

patrimonial,

bem

como,

a

possibilidade

de

ver-se

desconsiderada tal personalidade e incidirem as obrigações da pessoa jurídica sobre o patrimônio dos seus membros, o que se dá por meio da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Fez-se um apanhado sobre as várias teorias e correntes sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, e sua inserção nos vários ramos do direito no Brasil. Tratou-se a respeito dos princípios que norteiam a possível desconsideração da personalidade jurídica, e o desenvolvimento da teoria, expondo que os requisitos para a sua aplicação amparam-se no combate à fraude ou ilícito praticado pelos membros que a compõem, sob o véu da pessoa jurídica, bem como, o desvio desse entendimento em caminho diametralmente oposto por um seguimento da doutrina e da jurisprudência, quando entenderam por bem divergir do foco primordial do instituto, fazendo nascer no direito uma corrente equivocada deste, denominada de teoria menor, a qual considera ser aplicável a despersonalização da pessoa jurídica independentemente de fraude ou ilicitude, bastando para tal a mera insolvência da pessoa jurídica, ou a má administração simplesmente, corrente esta que a cada dia ganha mais adeptos no nosso ordenamento, chegando muitas das vezes a aplicar


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desconsideração da personalidade jurídica sem obediência ao princípio do devido processo legal. Tal amplitude dada à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica origina uma preocupação no ambiente econômico, tendo em vista o modo simplista e costumeiro com que vem ocorrendo, em divergência ao uso ponderado e racional da mesma, e sem verificar-se a presença dos requisitos e circunstâncias que lastrearam o surgimento da teoria. Observamos que essa aplicação desmesurada da desconsideração da personalidade jurídica, instituto que em sua origem visava, em última análise, a fortalecer a pessoa jurídica, coibindo o seu mau uso através da prática de fraude e ilícitos sob a cobertura do seu véu, corre o risco de levar ao descrédito da própria figura da pessoa jurídica, considerada esta como uma das grandes criações no ramo do direito, e essencial ao desenvolvimento econômico de um país. Além disso, o uso equivocado da desconsideração da personalidade jurídica, como vem acontecendo pelos adeptos da chamada teoria menor, cujo conteúdo tem levado à inúmeras decisões judiciais sem atendimento aos ditames da formulação original da teoria, conduzindo a que se aplique como regra, aquilo que inicialmente foi previsto como exceção e, induvidosamente, na maioria das vezes é aplicada a desconsideração

por

meio

de

despachos/decisões

interlocutórias,

sem

a

observância aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Assim, é mister que se trabalhe com esmero na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com o escopo de não se permitir que o uso em amplitude venha a permanecer, uso esse que faz com que a teoria menor continue ganhando força, pois, tal utilização se mostra indevida e diversa das razões que deram origem à teoria Tal esmero é de elevada necessidade, no intuito de evitar que as atividades empresariais no país venham a sofrer um descrédito e, conseqüente, uma retração, ante a falta de segurança que o mau uso do instituto possa vir a gerar no meio econômico empresarial. Podemos concluir, assim, ser de grande importância o instituto da desconsideração da personalidade jurídica para o ordenamento jurídico, para o meio econômico e empresarial, e para a sociedade como um todo, como instrumento hábil para inibir e coibir o mau uso da pessoa jurídica, evitando e punindo a ocorrência de


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fraudes e ilícitos sob o seu véu, permitindo que se busque o patrimônio individual dos seus membros ou sócios para o adimplemento das obrigações da pessoa jurídica. No entanto, sua aplicação deve ficar adstrita a tais circunstâncias e situações, sob pena de, em sendo aplicada indevidamente, conduzir ao desestímulo à atividade empresarial, e à entrada no mercado do bom empreendedor.


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REFERÊNCIAS

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