M01094

FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE – FAINOR

CURSO DE DIREITO

MARCUS VINÍCIUS VILASBOAS ALMEIDA SILVA

DIREITO E DOENÇA MENTAL: A MEDIDA DE SEGURANÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA 2012

MARCUS VINÍCIUS VILASBOAS ALMEIDA SILVA

DIREITO E DOENÇA MENTAL: A MEDIDA DE SEGURANÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia

apresentada

a

Faculdade

Independente do Nordeste, Curso de Direito, como pré-requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Kathiuscia Gil Santos

VITÓRIA DA CONQUISTA - BA 2012

MARCUS VINÍCIUS VILASBOAS ALMEIDA SILVA

DIREITO E DOENÇA MENTAL: A MEDIDA DE SEGURANÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Aprovado em ___/___/____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Kathiuscia Gil Santos – Orientadora FAINOR

______________________________________________ Nome do 2º. Componente FAINOR

______________________________________________ Nome do 3º. Componente FAINOR

S586d

Silva, Marcus Vinícius Vilasboas Almeida Direito e doença mental: a medida de segurança no ordenamento jurídico brasileiro./ Marcus Vinícius Vilasboas Almeida Silva._ _ Vitória da Conquista, 2012.

48f.

Monografia (Graduação em Direito) Orientador(a): Prof.ª. Kathiuscia Gil Santos 1. Medida de segurança 2. Injusto penal 3. Inimputabilidade 4.

Doença mental 5. Crime I. Direito.

CDD: 344.032

Catalogação na fonte: Biblioteca da Fainor

RESUMO

A pena tem por finalidade reprimir e prevenir a prática de fatos definidos como crime.

Ocorre por sua vez que, para que a pena seja aplicada ao agente que comete o fato ilícito, deve ter este, no momento da sua ação ou omissão, a consciência da ilicitude do fato e capacidade de autodeterminação. A presente monografia trata do instituto da medida de segurança, que é a sanção penal não punitiva aplicada aos agentes considerados inimputáveis ou semi-imputáveis que não tenham a capacidade de autodeterminação ou consciência da ilicitude do fato praticado, em substituição à pena que não pode ser aplicada em virtude dessa alienação mental. O histórico das sanções aplicadas aos portadores de doenças mentais trás uma gama de tratamentos a que estes eram submetidos dotados de desumanidade, desde os estabelecimentos aos procedimentos médico-forenses. A medida de segurança, hoje adotada no ordenamento jurídico brasileiro pode ser dividida em duas espécies, uma destinada aos portadores de doença mental, com periculosidade, que tenham praticado atos ilícitos mais graves e outro, de tratamento, aos que tenham praticado atos ilícitos mais brandos. Em ambos os casos, a sanção penal não punitiva leva em consideração a periculosidade do agente, em detrimento da culpabilidade, uma vez que os agentes são inimputáveis. Uma grande discussão acerca da possibilidade da perpetuidade da medida de segurança rodeia a jurisprudência e a doutrina sobre o tema, uma vez que a periculosidade do agente pode nunca cessar, sendo assim possível que este passe toda a sua vida cumprindo a sanção penal, sem ser declarada extinta a possibilidade de voltar a delinquir. As formas de exclusão de imputabilidade, de extrema relevância para o tema transbordam desde a menoridade, seguindo o critério biológico, à insanidade mental, biopsicológico e à embriaguez, de forma completa e acidental. Assim, diferente de um crime, entendese que o agente dotado da inimputabilidade, ou desprovido da imputabilidade, pratica um injusto penal, pois é apenas uma conduta típica e antijurídica, assim, não culpável, e unido à doença mental, submetido à medida de segurança, que é o objeto desta pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Medida de Segurança. Injusto penal. Inimputabilidade.

Doença mental. Crime.

ABSTRACT The penalty is intended to suppress and prevent the commission of a crime defined as facts. Occurs in turn that for the penalty is applied to the agent who commits the unlawful act, should have this at the time of his action or omission, consciousness or awareness of the fact and the ability to self-determination. The present monograph deals with the institution of a safety measure, which is the penalty does not apply to punitive considered imputable agents or semi-imputable not have the ability to self or consciousness or awareness of the fact committed, instead of the shame that can not be imposed as a result of mental alienation. The history of sanctions imposed on mentally ill behind a range of treatments to which they were subjected endowed with inhumanity, since the facilities to medical and forensic procedures. The measure, adopted today in the Brazilian legal system can be divided into two species, one for the mentally ill, in danger, who have committed illegal acts and other more severe, treatment, those who have committed illegal acts milder. In both cases, the nonpunitive penalty takes into account the dangerousness of the agent, rather than guilt, since the agents are exempt from punishment. A great discussion about the possibility of the continuity of security measures surrounding the jurisprudence and literature on the subject, since the danger of the agent may never cease, so that it can spend your whole life serving the penalty, without being declared extinguished the possibility of reoffending. The forms of exclusion of liability, of extreme importance for the overflow from the minority issue, following the biological criteria, to insanity, and drunkenness biopsychological, thoroughly and accidental. So, other than a crime, it is understood that the agent having the incapacity, or devoid of accountability, commits an unfair criminal because it is just a typical anti-juridical conduct and therefore not culpable, and attached to mental illness, as submitted security, which is the object of this research.

KEYWORDS: Security Measure. Criminal unfair. Unaccountability. Mental illness.

Crime.

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 8 2. REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................................................................... 12 2.1 DOENÇA MENTAL NA HISTÓRIA .................................................................................... 12 2.1.1 REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA ................................................................... 16 2.2 SANÇÃO PENAL CURATIVA ............................................................................................. 18 2.2.1 PRESSUPOSTOS ................................................................................................................ 21 2.2.2 ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA ................................................................. 22 2.2.3 ESTABELECIMENTO ......................................................................................................... 26 2.2.4 APLICAÇÃO ........................................................................................................................... 28 2.2.5 DURAÇÃO .............................................................................................................................. 29 2.2.6 EXECUÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO .................................................................. 34 2.2.7 VERIFICAÇÃO DA CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE ....................................... 36 2.3 INIMPUTABILIDADE .............................................................................................................. 37 2.3.1 CRITÉRIO BIOLÓGICO, PSICOLÓGICO E BIOPSICOLÓGICO ......................... 39 2.3.2 CAUSAS DE INIMPUTABILIDADE ................................................................................. 40 2.3.2.1 Menoridade ......................................................................................................................... 40 2.3.2.2 Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ...................................................................................................................................... 41 2.3.2.3 Embriaguez ou intoxicação completa involuntária e embriaguez patológica . 43 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 45 REFERÊNCIAS................................................................................................................................ 47

8

1. INTRODUÇÃO A Medida de Segurança é a sanção aplicada ao agente considerado inimputável em virtude de deficiência mental grave, dotada de periculosidade, e que venha a cometer fato definido como crime.

A doença mental sempre foi uma barreira a ser superada pelo Direito Penal, desde suas origens, uma vez que não se pode aplicar aos portadores desta, as sanções cominadas aos agentes dotados de discernimento que praticam fatos definidos como crime, partindo do princípio que o sistema adotado busque a justiça.

Nesse sentido, CORRÊA1 elucida sobre a origem e a materialidade das sanções aplicadas aos doentes mentais: Desde a Roma antiga que as sanções aplicadas aos insanos possuíam cunho de sanção penal, de forma peculiar, na medida que, visando o bem social os indivíduos considerados perigosos eram obrigação das suas famílias que deveriam, custodiá-los e muitas vezes aprisionados no caso da impossibilidade do controle familiar.

A medida de segurança em si, num sistema penal surgiu com o advento do anteprojeto do código penal suíço de Stoos. A medida de segurança aparecia como uma forma de sanção preventiva individual, porém, a aplicação de medidas como elas já eram notadas em épocas bem mais remotas. (Corrêa, 1999, p.73).

No Brasil, a medida de segurança iniciou como figurativa no código Penal Brasileiro de 1940, influenciada pelo diploma confeccionado por Arturo Rocco. O código do império nos artigos 12 e 13 já dispunham sobre providências a serem adotadas em relação aos inimputáveis, na ocasião, os mesmos eram conduzidos aos seus lares ou postos à disposição das suas famílias.

O Código Penal Brasileiro atual, em seu art. 97 § 1º, regulamenta o prazo para a aplicação das medidas de segurança, que estipula ser por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. Sendo o prazo mínimo de um a três anos.

A Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu art. 5º, inc XLII, “b”, veda expressamente a pena perpétua. Ademais, o Código Penal, em seu artigo 75 limita o cumprimento da pena privativa de liberdade ao teto de 30 (trinta) anos.

1

José Machado Corrêa, 1999, p.67.

9

Além do prazo máximo de cumprimento da pena de medida de segurança, existe a discussão a respeito da possibilidade e da legitimidade do cumprimento da medida de segurança por prazo superior ao da sanção penal cominada ao fato ilícito definido como crime, aplicada ao agente imputável, ou seja, aquele que não sofre de doença mental e tem pleno conhecimento sobre a culpabilidade dos seus atos.

Surgiram mudanças em favor da justiça na aplicação da medida de segurança, porém, com o advento da constituição federal brasileira de 1988, que proíbe no seu art. 5º a aplicação de pena de caráter perpétuo, um novo problema surgiu a respeito da aplicação da pena ambulatorial. Por se tratar de periculosidade do agente sem entendimento do ilícito penal cometido, parte dos doutrinadores a favor do prazo máximo indeterminado na medida de segurança entende ser o disposto legal atual correto por o agente oferecer perigo à sociedade enquanto não cessada a sua doença mental.

A corrente que não entende ser constitucional a pena sem tempo máximo, baseia-se no princípio de que, se para o agente que tem conhecimento e entendimento do ilícito penal, o comete e não pode ser imposta a pena de caráter perpétuo, não poderia o agente que comete o delito sem o entendimento do ilícito ser condenado e obrigado a cumprir uma sanção sem tempo máximo estabelecido, podendo ser mantido recolhido por todo o tempo restante da sua vida, o que chega a ser uma violação aos princípios individuais e humanos de qualquer pessoa.

O prazo máximo de duração necessita de uma análise mais apurada, visto que, não é apenas uma forma de segregar o agente criminoso do meio da sociedade, mas também, em alguns casos, meio para proteger o próprio agente que causa perigo não só à sociedade, mas também à sua própria vida.

A forma sanção aos agentes inimputáveis por deficiência mental sempre foi alvo de discussão em constituições e códigos criminais pelo mundo. As pessoas com deficiência mental, desde os primórdios das organizações societárias foram um problema para as famílias. É inerente à essência que a diferenciação entre o ser detentor do discernimento normal e o portador de sofrimento mental implica a que não se pode aplicar, igualmente, a mesma sanção quando do cometimento, por estes, de fatos definidos como infrações lesivas à sociedade.

A intenção do legislador ao implantar a medida de segurança como sanção a tais agentes foi a de diferenciar, inclusive a natureza jurídica da sanção, de forma a

10

proteger a sociedade e ao próprio inimputável. No entanto não passam de argumentos de mera política criminal Na prática, as medidas de segurança e as penas privativas de liberdade em nada distanciam-se, tanto no que tange à forma de cumprimento da sanção, aquela de recolhimento ambulatorial, esta de recolhimento ao cárcere. Ambas em decorrência de fato definido como crime; Ambas representam ferramentas de controle social.

Neste sentido, este estudo tem por objetivos:

Objetivo Geral  Analisar o cumprimento das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro, efeitos positivos e negativos, assim como as discussões acerca da sanção penal não punitiva aplicada aos indivíduos inimputáveis e semiimputáveis.

Objetivos Específicos 

Verificar os requisitos para a aplicação da sanção de medida de segurança aos inimputáveis e imputáveis, assim como as suas espécies, a forma de recolhimento, cumprimento e seus estabelecimentos.



Identificar as correntes e seus argumentos acerca do caráter perpétuo da medida de segurança e a atual aplicação do ordenamento jurídico aos casos, de acordo com as correntes jurisprudenciais.



Compreender as causas de exclusão da inimputabilidade e o procedimento para a aplicação da medida de segurança em substituição à pena aplicada ao fato definido como crime.

A presente pesquisa foi realizada através de, quanto à abordagem, basicamente dedutiva, sendo realizados com o uso da técnica de pesquisa bibliográfica, desenvolvida com base em material já elaborado, constituída

11

principalmente de livros e artigos, bem como outras fontes indicadas pela orientadora dessa pesquisa.

Esse tipo de pesquisa busca possibilitar ao pesquisador uma maior familiaridade com o tema a ser abordado de maneira a facilitar o seu entendimento no que diz respeito aos conceitos formulados e as ideias existentes, assim como deixar claro quais as divergências encontradas e, dentre elas, quais os conceitos adotados.

A pesquisa foi iniciada com discussões gerais de teóricos acerca do histórico da doença mental e das sanções a elas aplicadas, da reforma judiciária, e da luta antimanicomial; passando pela discussão acerca do cumprimento das medidas de segurança, seus requisitos e espécies; das correntes doutrinárias acerca da discussão constitucional sobre a perpetuidade da sanção penal e as decisões dos tribunais em ambos os sentidos; então, sobre os fundamentos da inimputabilidade e da exclusão da imputabilidade.

No procedimento técnico, realiza-se uma análise textual, temática e interpretativa, fazendo uma primeira abordagem dos textos tendo como fim a preparação da leitura. Posteriormente, feita uma compreensão dos textos já analisados. Por último, analisadas as composições lidas, todos os dados foram sistematizados na forma de redação e conclusão da pesquisa.

12

2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 DOENÇA MENTAL NA HISTÓRIA A forma como o doente mental foi visto e tratado pela sociedade sofreu grandes mudanças desde o início da organização de pessoas em sociedade e os primeiros registros de sua existência. Nas idades antiga e média, sua representação social estava fortemente vinculada à religião. Na antiguidade eram vistos como bênçãos divinas, viviam soltos as cidades e eram tratados como responsabilidade de toda a comunidade.

Segundo De Tilio2: A Antiguidade, propôs algumas conceituações e práticas sobre a loucura, primeiro com Homero (séculos 9-8 a. C.) que via os comportamentos e atos de pessoas destituídas de razão como atribuição da ordenação divina (definição de loucura), desresponsabilizando o indivíduo acometido das consequências de seus atos pois estaria possesso pelos deuses. Assim, o acometido não era culpado por seu sofrimento ou pelo causado a outrem, não sendo estigmatizado nem considerado doente, não existindo também práticas específicas para sua cura, sendo no máximo proposto rituais reparatórios e oferendas para acalmar a ira divina – tentava-se atingir os deuses, e não os acometidos.

Na antiguidade segundo Pessoti (1994ª Apud DE TILIO), Eurípides (485-406 c. C. Apud DE TILIO) seria o responsável por inserir o elemento psicológico humano na dinâmica da nova visão sobre a loucura. A loucura originada dos caprichos dos deuses causaria no homem conflitos interiores e dilemas em sua alma, causando desordem das suas paixões que levariam a atos inadequados frente às normas sociais.

Na Idade Média a loucura passou a ser equiparada à possessão demoníaca.

Tal visão denominada Doutrina Demonológica perduraria até o século XVII devido a não observância dos pareceres dogmáticos da religião, tendo o indivíduo uma posição passiva frente ao acometimento da loucura.3 As famílias eram responsáveis pelos cuidados do doente e alguns foram queimados nas fogueiras da Santa Inquisição já que estariam possuídos por demônios.

2

DE TILIO, Rafael de. “A aquarela dos direitos”: Loucos, doentes mentais e portadores de transtornos e sofrimentos mentais. 2007.

3 DE TILIO, Rafael de. “A aquarela dos direitos”: Loucos, doentes mentais e portadores de transtornos e sofrimentos mentais. 2007.

13

Para Muraro (1997) e Pessotti (1994b) esta determinação demoníaca/possessiva da loucura retirava qualquer competência médica de seu entendimento ou tratamento reservando-o a esfera da fé e da crença, sendo por isso as práticas de cura as mesmas das expiações dos pecados, como peregrinações a lugares santos, confissões, ritos de preces, manifestações de devoção e de caridade (pois salvar o outro equivaleria a salvar a si próprio), exorcismo, ingestão e consumo de ervas e xaropes, autoflagelação e suplícios, torturas para expiar o demônio e, quando 4 necessário, morte na fogueira.

A partir da idade média as pessoas doentes mentais começaram a ser recebidas por hospitais, que na época não eram instituições médicas mais sim religiosas. Foi criado inicialmente na Idade Média como instituição de caridade, que tinha como objetivo oferecer abrigo, alimentação e assistência religiosa aos pobres, miseráveis, mendigos, desabrigados e doentes. “E não seria se estranhar que um pobre e miserável mendigo não fosse também doente! Por isso, para denominar tais instituições religiosas, utilizou-se a expressão „Hospital‟ que, em latim, significa hospedagem, hospedaria, hospitalidade”.5 Para Rosen6 o que motivou o surgimento dos hospitais foram os ensinamentos de Paulo, o apóstolo, que pregava “a fé, a esperança e a caridade; mas a maior delas é a caridade”. A partir do século IV, muitas instituições dessa natureza foram criadas com a mesma finalidade.

Até o momento da transformação dos Hospitais de instituições religiosas a médicas, a loucura, doença mental e os loucos tiveram múltiplos significados, de demônios a endeusados, de comédia a tragédia, de erro a verdade. Múltiplos e plurais eram também os seus lugares e espaços ruas, guetos, matas, florestas, igrejas e hospitais, como trás Amarante7: No século XVII, surgiu uma nova modalidade de hospitais, não mais exclusivamente filantrópicos, mas que passaram a cumprir uma função de ordem social e política mais explícita. Estou me referindo ao Hospital Geral, criado a partir do ano de 1656, pelo rei da França. Para o filósofo Michel Foucault o advento do Hospital Geral foi de fundamental importância para a

4

DE TILIO, Rafael de. “A aquarela dos direitos”: Loucos, doentes mentais e portadores de transtornos e sofrimentos mentais. 2007.

5

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. p.22.

ROSEN, 1980 apud AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. p.

22.

6

7

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. p.23.

14

definição de um novo „lugar social‟ para o louco e a loucura na sociedade ocidental.

Como aponta Amarante8, Foucault ao estudar as origens da medicina moderna e da psiquiatria, referiu-se ao Hospital Geral como “A grande internação” ou “Grande Enclausuramento” destacando o fato de na época a instituição exercer a prática sistemática e generalizada de isolamento e segregação de significativos segmentos sociais.

Ainda nesse sentido, Correia9: Durante a Idade Média, o enclausuramento não possui uma finalidade vinculada à medicalização, existindo apenas uma prática de “proteção” e guarda (AMARANTE, 1998). O significado de tal prática se referia a uma exclusão genérica e não a uma segregação institucionalizada. E, somente no século XVIII, o internamento começa a ter características médicas e terapêuticas (FOUCAULT, 2001c, 2001b).

A intervenção médica no espaço hospitalar passou de eventual, a regular e constante. Assim o saber sobre o hospital permitiria ao médico agrupar as doenças, observá-las em seu curso e evolução.

O

médico

francês Philippe

Pinel foi importante

no

processo

de

transformação dos hospitais gerais em instituição médica, pois, operacionalizou mudanças nos hospitais em que trabalhou e foi o fundador dos primeiros Hospitais Psiquiátricos. Determinou o isolamento dos doentes e instaurou o primeiro modelo de terapêutica nesta área ao introduzir o Tratamento Moral, princípio que propunha o isolamento do mundo exterior, pois, as causas da loucura, ou alienação como ele chamava, estariam presentes no meio social, estaria assim transferindo o enfermo para um ambiente onde as mesmas não poderiam prejudicá-lo.

Correia10 elucida a respeito: O Manicômio surge no final do século XVIII como local para ser “tratada” a loucura, com ocultamento e exclusão, com vistas a uma “cura”, de acordo com a ordem fundada pelo médico Francês Philippe Pinel, a qual representa o marco inaugural da fundação da fundação da chamada Medicina Mental ou Psiquiatria. Ele criou o primeiro método terapêutico para a loucura na modernidade, denominado Tratamento Moral, baseado em confinamentos, sangrias e purgativos, e, finalmente, consagrou o hospital psiquiátrico como

8

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. p.23.

CORREIA, Ludmila Cerqueira. Avanços e impasses na garantia dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais autoras de delito. 2007.

10 CORREIA, Ludmila Cerqueira. Avanços e impasses na garantia dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais autoras de delito. 2007.

9

15

o lugar social dos loucos (FOUCAULT, 2004b; COSTA, 2003; RESENDE, 2001). O referido método consistia em usar rigor científico e da insupeição moral do médico para “convencer” o loco a voltar à sanidade mental, buscando analisar e classificar seus sintomas (BIRMAN, 1978; PESSOTTI, 1996; COHEN, 2006b).

Pinel foi o responsável pelo primeiro livro do que se tornaria posteriormente a psiquiatria, Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental ou a Mania, propôs novas práticas nestes hospitais, elaborou a primeira classificação de enfermidades mentais, consolidou o conceito de alienação mental e a profissão de alienista, que posteriormente seria chamado psiquiatra.

Desde a criação dos Hospitais Psiquiátricos, foram comuns críticas e denúncias a respeito de condições desumanas de tratamento aos pacientes. O afastamento do convívio social por internações de tempo indeterminado, culminando com a perda dos laços familiares e sociais, contenção física ou química indiscriminadamente, maus tratos, violência, procedimentos como lobotomias e eletrochoques utilizados.

De Tilio11: Via-se a loucura como desequilíbrio organofisiológico do indivíduo devido à lesão no cérebro com consequente não adaptação às normas sociais, sendo função da medicina readaptar o indivíduo por intermédio de tratamento específico com tônicos, sangrias, purgações, banhos, inoculação de sarna, exercícios etc. A loucura neste contexto era entendida como lesão orgânica que levaria a desadaptação funcional do sujeito na sociedade (LANTERI- LAURA, 1994 apud).

A psiquiatrização da loucura enfatizando a determinação orgânica levou no século XX ao desenvolvimento da farmacologização e nova pressão pela hospitalização/ internamento do doente como única possibilidade de cura, um modelo de tratamento hospitalocêntrico mesmo quando existiam outros dispositivos extra-hospitalares, pois, o psiquiatra desde o século XVIII assumiu a posição de detentor do saber acerca da loucura, o organizador da instituição psiquiátrica e da direção do tratamento dos doentes mentais.

Ainda nesse sentido, De Tilio12:

11

DE TILIO, Rafael de. “A aquarela dos direitos”: Loucos, doentes mentais e portadores de transtornos e sofrimentos mentais. 2007.

16

Estas práticas institucionais, inauguradas nos asilos que têm resquícios até hoje, por si só atentam aos direitos humanos dos internos, e provocariam pouco a pouco a mortificação, despersonalização e perda da identidade destes dificultando a reinserção social dos mesmos – vide os comentários de Basaglia (1985) para o contexto italiano e Machado (1978) para o brasileiro.

Em vários países inclusive o Brasil, começaram a surgir críticas ao modelo de tratamento ofertado, que tinha o Hospital psiquiátrico como principal ou único local de tratamento e ao tipo de tratamento ofertado aos doentes mentais. A preocupação com a ineficácia do Hospital Psiquiátrico na remissão de sintomas ou cura destes pacientes, aliado às denúncias de maus tratos, violência, número elevado de mortes de internos, levaram ao surgimento de movimentos de reformas psiquiátricas em todo o mundo. Tais movimentos sugeriam transformações no entendimento e tratamento dos transtornos mentais aliados a mudanças internas e externas aos Hospitais Psiquiátricos, chegando a sugerir sua extinção.

2.1.1 REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA As discussões acerca da violação de direitos civis, uso da violência e segregação infligidas aos doentes mentais em Hospitais Psiquiátricos, que eram até então o único lugar para tratamento dos transtornos mentais, surgiu na década de 1970 a partir do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental que foi o primeiro movimento social organizado na saúde mental do Brasil.

A respeito, Amarante13: No MTSM, teve início um processo de reflexão crítica sobre a natureza e o estatuto epistemológico do saber psiquiátrico, da função social e quanto ao caráter de instituição total dos hospitais psiquiátricos.

O Processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil surge a partir da mobilização de profissionais da saúde mental e familiares de pacientes psiquiátricos que buscavam um tratamento mais humanizado, com respeito aos direitos humanos,

12

DE TILIO, Rafael de. “A aquarela dos direitos”: Loucos, doentes mentais e portadores de transtornos e sofrimentos mentais. 2007.

13

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Saúde Mental, Desinstitucionalização e Novas Estratégias de cuidado. In. GIOVANELA, L.; ESCOREL, S.; LOBATO, L. de V. C. NORONHA, J. de C.; CARVALHO, A. I. de (ORGS). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. p. 739.

17

sem segregação e violência que durante muitos anos eram constantes nos Hospitais psiquiátricos, como trás Correia14: No Brasil, o debate sobre saúde mental e direitos humanos se ampliou na década de 1970, a partir do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, que passou a denunciar as violações de direitos civis e o modelo privatizante e hospitalocêntrico adotado pelo Estado e a elaborar propostas visando uma transformação da assistência psiquiátrica. Foi a partir desse Movimento, que fundou a luta antimanicomial e originou o Movimento pela Reforma Psiquiátrica, que se iniciou a crítica, no Brasil, da psiquiatria como prática de controle e reprodução das desigualdades sociais, e o debate acerca da necessidade da desinstitucionalização.

Desde o surgimento dos primeiros questionamentos ao modelo de assistência à saúde oferecida aos portadores de transtornos mentais (terminologia escolhida pela lei 10.216 de 2001) até a promulgação da lei Paulo Delgado, um marco do movimento da reforma Psiquiátrica Brasileira que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde metal.

Outros marcos históricos do processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira anteriores à lei 10.216 de 2001 foram a I Conferência Nacional de Saúde em 1987, II Congresso Nacional dos trabalhadores em Saúde Mental também em 1987, Criação do primeiro NAPS na cidade de São Paulo em 1990, Conferência/Declaração de Caracas, entre outros.

A Reforma Psiquiátrica Brasileira teve como objetivo a redução do número de leitos em Hospitais Psiquiátricos, estabelecer uma garantia de manutenção da assistência aos egressos destes hospitais, criação e manutenção de uma rede extrahospitalar eficaz que possa assistir as pessoas com transtornos mentais. Tal rede é composta por NAPS (Núcleo de Apoio Psicossocial), CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), Serviços Residenciais Terapêuticos, Centros de Convivência e Cultura, Ambulatórios e programas de suporte social como o Programa de volta pra casa, por exemplo, segundo princípios do Sistema Único de Saúde (quanto a recursos financeiros e humanos), defendendo e promovendo os direitos humanos dos usuários desses serviços.

14

CORREIA, Ludmila Cerqueira. Avanços e impasses na garantia dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais autoras de delito. 2007.

18

2.2 SANÇÃO PENAL CURATIVA

De acordo com o art. 59 do Código Penal, a pena tem por finalidade reprovar e prevenir a prática de infrações penais. Essas infrações penais são as praticadas, em regra, por agentes imputáveis, que, atuam em condutas típicas, ilícitas e culpáveis.

Ao lado da pena, ao longo dos estudos e desenvolvimentos históricos atrelados à doença mental surge o instituto da medida de segurança para servir como uma resposta ao agente inimputável ou semi-imputável que pratique uma conduta típica e ilícita, que é denominada injusto penal.

Na vigência do Código Penal de 1940, preponderava o sistema do duplo binário, em que, além da pena comum aplicada aos agentes imputáveis, deveria ser imposta medida de segurança aos agentes considerados perigosos que praticassem fato definido como crime.

Greco15 alude a respeito do tema: Durante a vigência do Código Penal de 1940, prevalecia entre nós o sistema do duplo binário, ou duplo trilho, no qual a medida de segurança era aplicada ao agente considerado perigoso, que havia praticado um fato previsto como crime, cuja execução era iniciada após o condenado cumprir a pena privativa de liberdade ou, no caso de absolvição, de condenação à pena de multa, depois de passada em julgado a sentença, conforme incisos I e II do Código Penal de 1940.

Qualquer agente com doença mental, que praticasse fato definido como crime, em regra, era considerado perigoso e submetido ao cumprimento das duas sanções penais.

Depois da reforma penal de 1984, percebendo a deficiência do sistema adotado anterior foi adotado pelo Direito Brasileiro o chamado sistema vicariante que veda a aplicação de medida de segurança em cumulatividade com a pena, visto que existe uma lesão clara ao principio do ne bis in idem. Nesse sentido Bitencourt16 discorre:

15

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 13. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 677.

16

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral, 17 ed., p. 838.

19

Consciente da iniquidade e da disfuncionalidade do chamado sistema “duplo binário”, a Reforma Penal de 1984 adotou, em toda a sua extensão, o sistema vicariante, eliminando definitivamente a aplicação dupla de pena e medida de segurança, para os imputáveis e semi-imputáveis. A aplicação conjunta de pena e medida de segurança lesa o princípio do ne bis in idem, pois, por mais que se diga que o fundamento e os fins de uma e outra são distintos, na realidade, é o mesmo indivíduo que suporta as duas consequências pelo mesmo fato praticado. Seguindo essa orientação, o fundamento da pena passa a ser “exclusivamente” a culpabilidade, enquanto a medida de segurança encontra justificativa somente na periculosidade aliada à incapacidade penal do agente. Na prática, a medida de segurança não se diferenciava em nada da pena privativa de liberdade.

A hipocrisia era tão grande que, quando o sentenciado concluía a pena, continuava, no mesmo local, cumprindo a medida de segurança, nas mesmas condições em que acabara de cumprir a pena. Era a maior violência que o cidadão sofria em seu direito de liberdade, pois, primeiro, cumpria uma pena certa e determinada, depois, cumpria outra “pena, esta indeterminada, que ironicamente denominavam de medida de segurança”.

Esse fundamento da periculosidade, utilizado para definir e distinguir a aplicação de Pena ou Medida de segurança é fundado na Escola Positiva, que de certa forma ignora a culpabilidade do agente, alegando que a possibilidade da ocorrência de outro injusto penal existe na pessoa do delinquente pelo perigo que oferece ao meio em que vive pela sua incapacidade de entender a gravidade dos seus atos.

Historicamente, Busato e Huapaya17 apontam: A escola positiva desdenha o livre arbítrio e a culpabilidade do sujeito relacionado ao fato cometido e contrapõe a eles o determinismo para explicar, com base em concepções naturalísticas, a causalidade dos fatos individuais. O Direito Penal, até esse momento centrado no resultado do fato cometido, volta seu interesse à pessoa do delinquente. Aparece neste contexto a formulação do conceito de periculosidade e se estabelece frente a mesma um mecanismo de atuação consistente na medida de segurança.

A medida de segurança, com este enfoque, se relaciona com a periculosidade do sujeito, e não com a culpabilidade.

O fundamento da aplicação da pena reside na culpabilidade enquanto a medida de segurança assenta na periculosidade, que, na expressão de Hungria, é um estado subjetivo, mais ou menos duradouro, de antissociabilidade ou, como explica Plácido e Silva, é a que se evidencia ou resulta de prática do crime e se funda no perigo da reincidência.

A medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal. Mesmo muito semelhante à pena, aquela visa principalmente a prevenção e a proteção da

17

BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal – Fundamentos para um sistema penal democrático. p. 254.

20

sociedade que estaria exposta ao agente delinquente e perigoso, além da tentativa de recuperação através de tratamentos curativos.

Nas palavras de Garcia18: Tem-se dito que a pena continua a ser um castigo, ainda que, cada vez mais, se pretenda expungí-la do caráter retributivo e expiatório. Embora se intente, na sua execução, evitar afligir o condenado, causar-lhe um sofrimento que o faça recebe-la como punição, na verdade a pena jamais perderá, no consenso geral, a eiva de paga do mal pelo mal, malum passionais quod infligitur ob malum actionis. Ora, em contraposição as medidas de segurança não traduzem castigo. Foram instituídas ao influxo do pensamento da defesa coletiva, atendendo à preocupação de prestar ao delinquente uma assistência reabilitadora. À pena – acrescenta-se – invariavelmente se relaciona com um sentimento de reprovação social, mesmo porque se destina a punir, ao passo que as medidas de segurança não se voltam a pública animadversão, exatamente porque não representam senão meios assistências e de cura do individuo perigoso, para que possa readaptar-se à coletividade.

Assim,

de

acordo

com

o

código

penal

atual,

aquele

que

for

reconhecidamente declarado inimputável, deverá ser absolvido de acordo com o art.

26, caput, que diz ser isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento19, ainda de acordo com o art. 386, VI do mesmo Código Penal, o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência.

Logo, o agente portador de doença mental completa, portanto inimputável que cometa um injusto penal deverá ser absolvido da pena e submetido à medida de segurança.

Greco20 enfatizando a sentença que absolve o agente, trás a concepção da sentença absolutória imprópria: O inimputável, mesmo tendo praticado uma conduta típica e ilícita, deverá ser absolvido, aplicando-se-lhe, contudo, medida de segurança, razão pela

18 19

20

GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, v. I, t. II, p. 593-594.

BRASIL, Código Penal.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. p. 678.

21

qual esta sentença que o absolve, mas deixa a sequela da medida de segurança, é reconhecida como uma sentença absolutória imprópria.

Esta sentença absolutória, como deveria ser tratada de acordo com o Art. 386 do Código Penal Brasileiro não é num todo uma decisão de absolvição do agente. Como já trazido pelas palavras do Professor Greco, esta sentença deixa a sequela da medida de segurança que, para muitos estudiosos e doutrinadores do direito, não se difere muito da pena, como se pode perceber na abalizada opinião de Tourinho Filho21: A doutrina, sem discrepância, entende que, in casu, há verdadeira condenação, porquanto a aplicação daquela medida implica uma restrizione d‟indole personale o patrimoniale inflitta per sentenza del giudice (cf.

Siracusa, apud Frederico Marques, Elementos, cit, v. 3, p. 36). Por isso mesmo, Colin Sanchez, definindo as sentenças condenatórias, conclui afirmando que, por meio delas, o Juiz declara o autor culpable, imponiendole por ello uma pena o uma medida de seguridade (grifo nosso) (cf. Derecho mexicano, p. 458). Entretanto, no nosso Código, ela se insere entre as absolutórias, mas a doutrina, sem perdoar o legislador, prefere denomina-la sentença absolutória imprópria, para distingui-la da deduzida na peça acusatória, sem que possa o Juiz, sequer, aplicar medida de segurança.

2.2.1 PRESSUPOSTOS Embora subsistam de forma implícita, os pressupostos para a aplicação da medida de segurança são pacificadas no entendimento doutrinário e jurisprudencial.

Estes pressupostos podem ser deduzidos dos arts. 97 e 98 do Código Penal, quais sejam a prática de fato previsto como crime e a periculosidade do agente. Ainda admitem,

alguns

doutrinadores

um

terceiro

pressuposto,

a

ausência

de

imputabilidade plena, o que para outros já faz parte do próprio fundamento da medida de segurança.

Logo, para que seja aplicada a medida de segurança, não basta o agente oferecer perigo para a sociedade (periculosidade), é necessário que este pratique um fato típico punível, como esclarece Bitencourt22: É indispensável que o sujeito tenha praticado um ilícito típico. Assim, deixará de existir esse primeiro requisito se houver, por exemplo, excludentes de criminalidade, excludentes de culpabilidade (como erro de proibição invencível, coação irresistível e obediência hierárquica,

21 22

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. São Paulo. Saraiva, 1997. p. 207.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 840.

22

embriaguez completa fortuita ou por força maior) – com exceção da inimputabilidade –, ou ainda se não houver prova do crime ou da autoria etc.

Resumindo, a presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova impedem a aplicação de medida de segurança.

Outro pressuposto é que o agente que pratique o ilícito penal seja dotado de periculosidade. A periculosidade é um estado subjetivo mais ou menos duradouro de antissociabilidade. Como trazido por Bitencourt, é a probabilidade, tendo como base a conduta antissocial e anomalia psíquica do agente de que este voltará a delinquir.

O Código Penal Brasileiro prevê dois tipos de periculosidade: A periculosidade presumida, que ocorre nos casos do art. 26, quando o sujeito for considerado inimputável e com doença mental completa; A periculosidade real ou judicial, que ocorre nos casos do art. 26 parágrafo único, reconhecida pelo Juiz quando tratar-se de sujeito semi-imputável e o juiz entender ser caso de necessidade de “especial tratamento curativo”.

Nos ensinamentos do Doutrinador Mirabete23: Quanto à aplicação da medida de segurança, a lei presume a periculosidade dos inimputáveis, determinando a aplicação da medida de segurança àquele que cometeu o ilícito e se apresenta nas condições do art. 26 (art. 97). Nesse caso, a aplicação da medida de segurança é obrigatória, não podendo ser dispensada apenas porque o agente já está sendo voluntária e particularmente submetido a tratamento. No que diz respeito ao semi-imputável, a periculosidade pode ser reconhecida pelo juiz, que, em vez de aplicar a pena, a substitui pela medida de segurança.

2.2.2 ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA O Código Penal prevê duas modalidades de medida de segurança a serem aplicadas ao inimputável ou semi-imputável que praticar um injusto penal.

Art. 96. As medidas de segurança são: I – Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; 24 II – sujeição a tratamento ambulatorial.

23 24

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 354.

BRASIL, Código Penal.

23

O tratamento que será submetido o agente poderá ocorrer dentro de um estabelecimento hospitalar ou fora dele. “Assim, a medida de segurança poderá iniciar-se em regime de internação ou por meio de tratamento ambulatorial. Dessa forma, podemos considerar que as medidas de segurança podem ser detentivas ou restritivas”.25 As medidas de segurança consideradas detentivas, aplicadas aos agentes de maior periculosidade são as Internações. Estas medidas de internação deverão ser cumpridas pelos inimputáveis ou pelos semi-imputáveis que necessitem de especial tratamento curativo, em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, na falta deles, em outro estabelecimento adequado. Ocorre que, essa nova terminologia adotada pela reforma em nada alterou as condições dos antigos manicômios judiciários, uma vez que os novos estabelecimentos não foram construídos por nenhum dos estados brasileiros.

Essa situação das medidas detentivas levou a classe médica judiciária e psiquiátrica a evitar a internação dos pacientes, uma vez que esta acaba por agravar muitas vezes a situação do próprio doente. É importante ressaltar que a classe médica, há alguns anos, vem se mobilizando no sentido de evitar a internação dos pacientes portadores de doença mental, somente procedendo a internação dos casos reputados mais graves quando o convívio do doente com seus familiares ou com a 26 própria sociedade torna-se perigoso para estes e para ele próprio.

O internado deverá ser submetido obrigatoriamente aos exames psiquiátrico, criminológico e de personalidade. Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover assistência medica psiquiátrica, esta poderá ser prestada em outro local com a autorização da direção do estabelecimento. Poderá também ser cumprida a medida de segurança em estabelecimento privado, uma vez que não haja a possibilidade ou a existência de estabelecimento público adequado ao tratamento.

O juiz que editar a sentença absolutória imprópria, aplicando ao agente a medida de segurança deverá, na sua decisão, optar pelo tratamento que mais se adapte ao caso concreto. Se for necessária a internação, já a decretará; se o

25 26

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 203.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. p. 679.

24

tratamento ambulatorial for mais benéfico ao agente, poderá ser o imposto na decisão.

No entender de Santoro Filho27: Conclui-se, portanto, que a previsão de necessidade de imposição de medida de segurança de internação fundada apenas na circunstância de ter o inimputável cometido um ato descrito como crime, sujeito a pena de reclusão, não resiste a uma interpretação teleológica do ordenamento jurídico e nem aos fatos sociais, pois em se tratando a periculosidade de um dado concreto pertencente à realidade, cuja existência e grau somente podem ser aquilatados pelos profissionais da área da saúde mental, com formação para tanto, após análise das características do indivíduo examinado, não pode estar sujeita a previsão legal abstrata e absoluta, pois a lei não tem o poder de modificar ou afrontar a própria natureza das coisas.

A outra espécie de medida de segurança, trazida pela reforma penal foi considerada uma grande inovação no tratamento dos inimputáveis e semiimputáveis que pratiquem injusto penal.

A medida de segurança detentiva, internação, que é regra, poderá ser substituída pelo tratamento ambulatorial, “se o fato previsto como crime for punível com detenção”.

Pelas palavras de Bitencourt28: O tratamento ambulatorial é apenas uma possibilidade que as circunstancias pessoais e fáticas indicarão ou não a sua conveniência. A punibilidade com pena de detenção, por si só, não é suficiente para determinar a conversão da internação em tratamento ambulatorial. É necessário examinar as condições pessoais do agente para constatar a sua compatibilidade ou incompatibilidade com a medida mais liberal. Claro, se tais condições forem favoráveis, a substituição se impõe.

O tratamento Ambulatorial, que corresponde as atuais tendências de “desinstitucionalização” do tratamento ao portador de doença mental, foi prevista pelo legislador como uma medida não detentiva, cumprindo ao sentenciado comparecer ao hospital de custodia e tratamento psiquiátrico nos dias que lhe forem determinados pelo medico, para que lhe seja aplicado o programa terapêutico elaborado para o seu caso.

27

SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Fundamentos de Direito Penal, 5. ed. p. 173.

28

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 841.

25

Nas lições de Raul Zaffaroni29: “É sabido que, na moderna terapêutica psiquiátrica, a internação ocupa lugar cada vez mais reduzido. Existe uma série de analises que tendem para sua abolição, enquanto se fomenta o tratamento ambulatorial.”

Mirabete30 ainda elucida que: O exame criminológico, quanto aos sentenciados submetidos a tratamento ambulatorial, é facultativo, na dependência da natureza do fato e das condições do agente (art. 174, c.c. arts. 8º e 9º da LEP).

Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, se a conduta do sentenciado revelar necessidade de providencias para fins curativos, ele poderá ser internado (art. 97 § 4º).

A jurisprudência majoritária segue, fazendo uma interpretação do dispositivo, demonstrando o entendimento a respeito da substituição das espécies de cumprimento da medida de segurança, no tocante à aplicação da que melhor se aplica ao agente, como pode-se extrair do julgado do Superior Tribunal de Justiça31, in verbis: CRIMINAL. ROUBO QUALIFICADO. SEMI-IMPUTÁVEL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO. ALTERAÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL OPERADA PELO TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE. REU CONDENADO A PENA DE RECLUSÃO. RECURSO PROVIDO. I - Hipótese de réu semi-imputável condenado à pena de reclusão, para o qual o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, dando parcial provimento ao pleito defensivo, substituiu a medida de internação anteriormente imposta pelo tratamento ambulatorial.

II - O art. 98 do Código Penal, aplicando as regras do artigo 97 do mesmo estatuto repressor, prevê, para os casos de semi-imputabilidade, a substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança de internação (nos casos de réus apenados com reclusão) ou de tratamento ambulatorial (para apenados com detenção).

III - Recurso provido, nos termos do voto do Relator.

29

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Reflexões acerca do anteprojeto de lei referente à parte geral do código penal do Brasil. Ciência Penal 1/13.

30 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. P. 359.

31 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma, recurso especial nº 567.352-RS. Relator Ministro Gilson Dipp. Julgado em 17.06.2004. DJ 02.08.2004 p. 513

26

Ainda nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal32 evidencia sua posição em decisão a respeito de Habeas Corpus impetrado e sujeito ao seu crivo jurisdicional: MEDIDA DE SEGURANÇA - INTERNAÇÃO - TRATAMENTO AMBULATORIAL - INIMPUTAVEL - DEFINIÇÃO. TANTO A INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE CUSTODIA E TRATAMENTO PSIQUIATRICO QUANTO O ACOMPANHAMENTO MEDICO-AMBULATORIAL PRESSUPOEM, AO LADO DO FATO TIPICO, A PERICULOSIDADE, OU SEJA, QUE O AGENTE POSSA VIR A PRATICAR OUTRO CRIME. TRATANDO-SE DE INIMPUTAVEL, A DEFINIÇÃO DA MEDIDA CABIVEL OCORRE, EM UM PRIMEIRO PLANO, CONSIDERADO O ASPECTO OBJETIVO - A NATUREZA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PREVISTA PARA O TIPO PENAL. SE O E DE RECLUSÃO, IMPÕE-SE A INTERNAÇÃO. SOMENTE NA HIPÓTESE DE DETENÇÃO E QUE FICA A CRITÉRIO DO JUIZ A ESTIPULAÇÃO, OU NÃO, DA MEDIDA MENOS GRAVOSA - DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. A RAZÃO DE SER DA DISTINÇÃO ESTA NA GRAVIDADE DA FIGURA PENAL NA QUAL O INIMPUTAVEL ESTEVE ENVOLVIDO, A NORTEAR O GRAU DE PERICULOSIDADE ARTIGOS 26, 96 E 97 DO CÓDIGO PENAL.

2.2.3 ESTABELECIMENTO Para a definição do local de cumprimento da medida de segurança, faz-se necessária a escolha judicial da espécie. Se detentiva, encaminha-se o sentenciado para Hospital de Custódia e Tratamento. Na modalidade restritiva, ou não detentiva, o tratamento é ambulatorial, sendo definido pelo juiz o local em que o sentenciado deverá se apresentar, bem como as condições impostas caso haja descumprimento.

Segundo Dotti33: A legislação nova prevê, com simplicidade, só duas espécies de medida de segurança, que são a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e a sujeição a tratamento ambulatorial (art. 96 do CP). A primeira modalidade, constituída pela clássica configuração de cunho institucional, supõe o recolhimento ao convencional manicômio (art. 99 da LEP). Já a segunda imagina a submissão a regime terapêutico em liberdade, ambas sob controle médico, porque visando a fins curativos exclusivamente.

Tratando-se de internamento, deve ser ele efetuado em estabelecimento adequado, devendo este estar munido de toda a estrutura para a finalidade a qual é

32

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma, habeas corpus nº 69375-RJ. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 25/08/1992.

33 DOTTI, René Ariel. Penas e medidas de segurança no novo código. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 290.

27

destinado. Deve ser hospital de custodia e tratamento psiquiátrico, como supracitado, ou, em outro local de características hospitalares. A internação em local inadequado, seja voluntária ou involuntária constitui constrangimento ilegal, devendo ser o agente deslocado ao estabelecimento apropriado ou, na falta deste, ter a sua medida de segurança fungida em tratamento ambulatorial.

Nas palavras de Mirabete34: A Lei nº 10.216, de 6-4-2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, abrangendo a internação voluntaria e involuntária. Constitui constrangimento ilegal sanável inclusive pela via do habeas corpus o recolhimento de pessoa submetida a medida de segurança em presídio comum. Na absoluta impossibilidade, por falta de vagas, para a internação, deve-se substituir o internamento pelo tratamento ambulatorial.

Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, que deveria ser um local construído especialmente para assegurar o cumprimento da internação dos agentes submetidos à medida de segurança, não se distanciam muito dos antigos e deficientes manicômios judiciários; O estabelecimento adequado que a lei exige para que os portadores de doenças mentais sejam recolhidos não tem um conceito claro.

A lei apenas trás o requisito de ser “dotado de características hospitalares”, acabando assim por não configurar qual seria essa adequação do estabelecimento; Local com dependência médica adequada também ficou sem um conceito mais concreto pela lei. Apenas se deve observar a diferença deles em que um é destinado à internação enquanto o outro ao tratamento ambulatorial.

Na abalizada opinião de Bitencourt35, o descaso do legislador com os estabelecimentos destinados à medida de segurança fica evidente: “Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico” não passa de uma expressão eufemística utilizada pelo legislador da Reforma Penal de 1984 para definir o velho e deficiente manicômio judiciário, que no Rio Grande do Sul é chamado de Instituto Psiquiátrico Forense. Ocorre que, apesar da boa intenção do legislador, nenhum Estado brasileiro investiu na construção dos novos estabelecimentos; O que seria estabelecimento adequado? A lei não diz, mas dá uma pista quando fala que o internado tem direito de ser “recolhido ao estabelecimento dotado de características hospitalares”, para submeter-se a tratamento (art. 99 do CP). Ironicamente, por apresentarem “características hospitalares”, os manicômios judiciários têm sido considerados “estabelecimentos adequados”; Embora sem definir o que

34 35

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. P. 360.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 841-842.

28

seja local com dependência medica adequada e sem distingui-lo do estabelecimento adequado, a verdade é que, enquanto este se destina à internação, aquele se destina ao tratamento ambulatorial (art. 101 da LEP), quando não houver hospital de custodia e tratamento. Contudo, na prática, uns substituem os outros; é tudo a mesma coisa!

2.2.4 APLICAÇÃO Para que seja aplicada e iniciada a execução da medida de segurança é necessário que seja transitada em julgado a sentença que a aplicou e seja expedida a guia para a execução. Esta guia é requisito para que se possa ser internado o agente no estabelecimento destinado ao cumprimento da medida.

Os arts. 171 a 173 da Lei de Execuções Penais determinam: Art. 171. „Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução‟, uma vez que ninguém poderá ser internado em Hospital de Custodia e Tratamento Psiquiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciaria (art.

172 da LEP).

Art. 173. A guia de internamento ou de tratamento ambulatorial, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a subscreverá com o juiz, sera remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: I – a qualificação do agente e o numero do registro geral do órgão oficial de identificação; II – o inteiro teor da denuncia e da sentença que tiver aplicado a medida de segurança, bem como a certidão do transito em julgado; III – a data em que terminará o prazo mínimo, de internação ou do tratamento ambulatorial; IV – outras pecas do processo reputada indispensáveis ao adequado tratamento ou internamento.

Ainda poderá a pena, aplicada ao imputável, ser convertida em medida de segurança. A lei permite a conversão da pena em execução de acordo com o art.

183 da Lei de Execuções Penais que diz: “Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança”.

Persiste neste caso, a discussão a respeito do prazo e do fundamento dessa nova forma de cumprimento da sanção penal ao agente que, iniciou como pena e foi convertida em medida de segurança. É sabido que a pena leva em consideração a culpabilidade do agente e tem seu tempo determinado já na sentença que a institui,

29

já a medida de segurança leva em consideração a periculosidade do agente e, não tem tempo determinado enquanto não cessar esta periculosidade, de acordo com a lei. Pacificando essa discussão, Mirabete36 afirma que: Já se entendeu, com fundamento no art. 682 §2º, do CPP que a medida de segurança não pode ter duração superior ao tempo restante da pena.

Ocorre que o referido dispositivo, anterior à vigência da Lei de Execução Penal, refere-se não à conversão da pena em medida de segurança e sim à hipótese de simples transferência do condenado quando lhe sobrevém doença mental durante a execução, medida ainda existente (art. 108, da LEP).

2.2.5 DURAÇÃO O Código Penal estipula em seu art. 97 §§ 1º e 2º que a internação ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada mediante pericia médica, a cessação da periculosidade, cujo prazo mínimo para internação será de 1 a 3 anos. Decorrido esse prazo, deverá ser feita anualmente, ou excepcionalmente a qualquer tempo por determinação do juiz da execução, perícia médica para averiguar a situação do paciente.

Estipula o art. 175 da Lei de Execução Penal: Art. 175. A cessação da periculosidade será averiguada no fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais do agente, observando-se o seguinte: I - a autoridade administrativa, até 1 (um) mês antes de expirar o prazo de duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida; II - o relatório será instruído com o laudo psiquiátrico; III - juntado aos autos o relatório ou realizadas as diligências, serão ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor, no prazo de 3 (três) dias para cada um; IV - o juiz nomeará curador ou defensor para o agente que não o tiver; V - o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá determinar novas diligências, ainda que expirado o prazo de duração mínima da medida de segurança; VII - ouvidas as partes ou realizadas as diligências a que se refere o inciso anterior, o juiz proferirá a sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias.

O prazo mínimo de cumprimento da medida de segurança é pacífico e trazido pelo Código como uma forma de assegurar a avaliação do paciente para que, assim que cessada a periculosidade, cessada deve ser a sanção penal. No

36

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. P. 361.

30

entanto, se a periculosidade persistir, não será a situação resolvida pelo tempo mínimo estabelecido, mas, pelo tempo máximo que não foi estipulado.

A medida de segurança, em suas duas espécies (internação e tratamento ambulatorial), segundo o nosso Código Penal tem duração indeterminada, perdurando enquanto não for constatada a cessação da periculosidade que deve ser atestada através de perícia médica, podendo, como por muitas vezes ocorre, ser mantida a sanção penal até o falecimento do paciente.

A inexistência da cominação legal ao tempo máximo da medida de segurança trouxe parte da doutrina a atacar o instituto como violador dos princípios constitucionais relativos à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos no que tange à vedação constitucional da pena de caráter perpétuo, como é trazido pelas palavras de Zaffaroni37: De acordo com as regras legais expressas, as medidas de segurança teriam limite máximo, ou seja, poderiam, por hipótese, perdurar durante toda a vida da pessoa a elas submetidas, sempre que não advenha uma perícia indicativa da cessação da periculosidade do submetido. (...) Se a Constituição Federal dispõe que não há penas perpétuas (art. 5º, XLVII, b), muito menos se pode aceitar a existência de perdas perpétuas de direitos formalmente penais. (...) Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o interprete quem tem a obrigação de fazê-lo.

A discussão criada pelo silêncio da lei virou tema de grande debate doutrinário e nos tribunais. Em decorrência disso, duas correntes passaram a traçar linhas a respeito do prazo de cumprimento das medidas de segurança, a primeira, legalista, seguiam pela trilha de que a medida de segurança não deveria ter um prazo máximo estipulado, uma vez que esta somente poderia ser extinta com a cessação da periculosidade, assim, protege-se o próprio paciente e a sociedade que estaria exposta caso não houvesse tal cessação.

Confirmando esse raciocínio, decidiu o Superior Tribunal de Justiça 38, de encontro à vedação quanto à perpetuidade da sanção penal, confirmando que não está sujeita a medida de segurança a prazos predeterminados:

37

ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 733.

38 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma, habeas corpus nº 200602529927-SP. Relator Ministro Carlos Fernando Mathias.

31

HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO PENAL – MEDIDA DE SEGURANÇA – RÉU DECLARADO INIMPUTÁVEL – PRAZO INDETERMINADO DE INTERNAÇÃO – PERMANÊNCIA DA PERICULOSIDADE DO AGENTE – INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO – PRECEDENTES DO STJ – 1.

A medida de segurança de internação, a teor do disposto no art. 97, § 1º, do Código Penal, não está sujeita a prazos predeterminados, porém, à cessação da periculosidade do réu declarado inimputável. 2. É validamente motivada a decisão judicial que prorroga, por mais um ano, a medida de segurança imposta ao sentenciado, com fundamento no exame médicopericial realizado no paciente, o qual atesta a necessidade da manutenção da medida. Precedentes do STJ. 3. Ordem denegada.

A segunda corrente defende a imposição do prazo máximo de cumprimento da sanção de medida de segurança, sob o argumento de que sem essa estipulação, estar-se-ia admitindo e institucionalizando a pena de caráter perpétuo, vedada pela Constituição Federal de 1988. Dessa corrente ainda pode-se perceber duas linhas de raciocínio para a estipulação do máximo prazo de cumprimento. Para uma delas, o tempo máximo de cumprimento deveria ser o da pena aplicada em abstrato para o crime referente ao injusto penal cometido pelo agente a ser submetido à medida de segurança. Nesse sentido, Bittencourt39 e Copetti40: Começa-se a sustentar, atualmente, que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito, pois esse seria „o limite da intervenção estatal, seja a titulo de pena, seja a titulo de medida‟, na liberdade do indivíduo, embora não prevista expressamente no Código Penal, adequando-se à proibição constitucional do uso da prisão perpétua.

Totalmente inadmissível que uma medida de segurança venha a ter uma duração maior que a medida da pena que seria aplicada ao imputável que tivesse sido condenado pelo mesmo delito. Se no tempo máximo da pena correspondente ao delito o internado não recuperou sua sanidade mental, injustificável é a sua manutenção em estabelecimento psiquiátrico forense, devendo, como medida racional e humanitária, ser tratado como qualquer outro doente mental que não tenha praticado qualquer delito.

Ainda confirmando essa linha de entendimento e, decidindo contrário ao Superior Tribunal de Justiça que entendia não haver prazo predeterminado de cumprimento da sanção penal de medida de segurança, os Tribunais do Distrito Federal em decisões dotadas de extrema sensatez estipulam, devido à ausência da lei, prazo máximo de cumprimento às medidas de segurança, respeitando a Carta Magna quanto à proibição da perpetuidade da sanção penal: 39

40

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 645.

COPETTI, André. Direito penal e estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p.185.

32

REMESSA DE OFÍCIO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – INIMPUTABILIDADE PENAL – Agente inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato em razão de doença mental.

Dependência química. Laudo psiquiátrico. Tempo determinado para a medida de segurança. Decisão por maioria. Vencido o relator. 1. Se o agente, no momento da ação, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, em razão de doença mental, devidamente atestada por laudo psiquiátrico, correta a r. Sentença que o absolveu sumariamente, aplicando-lhe medida de segurança. 2. Conforme decisão da maioria, defendida pelos eminentes vogais da egrégia primeira turma criminal, a medida de segurança, no caso em apreço, deverá perdurar pelo prazo máximo de treze anos, que seria o prazo máximo de pena privativa de liberdade que poderia ser aplicada ao réu, caso fosse imputável, pela prática do crime de tentativa de homicídio simples. Vencido o relator que defende o entendimento de que a medida de segurança deveria ser por tempo indeterminado, perdurando enquanto não fosse averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade, consoante o disposto no § 1º do art. 97 do Código Penal. 3. Remessa oficial conhecida e parcialmente provida somente para acrescentar ao dispositivo da r.

Sentença que a medida de segurança será por tempo determinado, pelo prazo máximo de treze anos, equivalente à pena privativa de liberdade que poderia ser aplicada ao réu, caso fosse imputável, pela prática do crime de tentativa de homicídio simples. No mais, mantida a r. Sentença que absolveu liminarmente o réu por ser o mesmo inimputável, isento de pena, aplicando-lhe a medida de segurança consistente em internação em 41 hospital de custodia e tratamento psiquiátrico do estado.

APELAÇÃO CRIMINAL – PENAL – PROCESSUAL PENAL – ROUBO – NEGATIVA DE AUTORIA – MATERIALIDADE E AUTORIA ROBUSTAMENTE COMPROVADAS – RECONHECIMENTO EFETIVADO PELAS VÍTIMAS – INIMPUTABILIDADE DO ACUSADO – ABSOLVIÇÃO – MEDIDA DE SEGURANÇA – INTERNAÇÃO – SUBSTITUIÇÃO POR TRATAMENTO AMBULATORIAL – IMPOSSIBILIDADE – PRAZO MÁXIMO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – 1. A negativa de autoria não pode ser acolhida quando o acervo probatório é robusto, restando isolada, sem o condão de afastar o Decreto acusatório. 2. Com fulcro no artigo 97 do Código Penal, a medida de segurança aplicável nos casos de crimes apenados com reclusão é a internação, visando a recuperação do agente e a prevenção. 3. Somente seria aplicável a medida de tratamento ambulatorial no caso de crime com penas de detenção, o que não é o caso dos autos. 4. Impõe-se a determinação do prazo máximo para o cumprimento da medida de segurança, que deverá ser idêntico ao prazo máximo da pena abstratamente cominada ao crime, segundo entendimento 42 doutrinário, em face do silêncio do Código Penal quanto ao tema.

Para a outra, o prazo máximo seria o estipulado pelo Código Penal em seu art. 75, qual seja, o de trinta anos. Essa linha de raciocínio se funda no respeito à vedação constitucional da perpetuidade da sanção penal e no entendimento de que a medida de segurança deve ter seu tempo para atingir o seu objetivo, a de remédio, não a de pena. Se a internação não estiver resolvendo o problema mental do

41

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 1ª Turma Crime. RMO 20050610044350. Relator Desembargador Roberval Casemiro Belinati. DJU 22.01.2007, p. 69 42 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 1ª Turma Crime. APR 20050410081786. Relator Desembargador Souza E Ávila. DJU 23.02.2007, p. 180.

33

paciente ali internado sob o regime de medida de segurança, a solução está na desinternação e a submissão ao tratamento ambulatorial, não a segregação e a condenação à perpetuidade uma vez que a sua periculosidade nunca cessará.

Nesse sentido Bitencourt43: Assim, superado o lapso temporal correspondente à pena cominada à infração imputada, se o agente ainda apresentar sintomas de sua enfermidade mental, não sera mais objeto do sistema penal, mas um problema de saúde publica, devendo ser removido e tratado em hospitais da rede publica, como qualquer outro cidadão normal. Na verdade, a violência e a desumanidade que representam o cumprimento de medida de segurança no interior dos fétidos manicômios judiciários, eufemisticamente denominados hospitais de custodia e tratamento, exigem uma energética tomada de posição em prol da dignidade humana, fundada nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade assegurados pela atual Constituição Federal.

Deixar de ser problema sistema criminal e passar a ser tratado como um problema de saúde pública faz com que os pacientes submetidos à medida de segurança sejam tratados com mais humanidade e por quem tem as condições necessárias para o seu tratamento. Trabalhar a doença mental em hospitais parece ser mais apropriado do que em estabelecimentos destinados à simples privação de liberdade.

Greco44, em seus ensinamentos, completa o entendimento: Cientes de que o Estado não fornece o melhor tratamento para seus doentes, devemos deixar de lado o raciocínio teórico e ao mesmo tempo utópico de que a medida de segurança vai, efetivamente, ajudar o paciente na sua cura. Muitas vezes o regime de internação piora a condição do doente, o que justifica a edição do novo diploma legal que proíbe a criação de novos manicômios públicos. Contudo, a situação não é tão simples assim. Casos existem em que o inimputável, mesmo após longos anos de tratamento, não demonstra qualquer aptidão ao retorno ao convívio em sociedade, podendo-se afirmar, até, que a presença dele no seio da sociedade trará riscos para sua própria vida.

Para sanar o problema criado pelo silêncio da lei e as discussões doutrinárias e jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal, em sede de habeas corpus decidiu sobre o assunto. A permanência do paciente submetido à medida de segurança, de acordo com o art. 75 do Código Penal, não poderá ultrapassar 30

43

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral 1, ed. 17, p. 844.

44

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. p. 682.

34

anos, bem como, se a superveniência de doença mental não se extinguir antes da pena aplicada ao semi-imputável, deverá ser extinta a medida e o interno ser encaminhado para hospital psiquiátrico da rede publica, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça em sede de habeas corpus.45 Ementa do acórdão do Supremo Tribunal Federal46 que balizou o prazo máximo de cumprimento das medidas de segurança em 30 anos: MEDIDA DE SEGURANÇA. PROJEÇÃO DE TEMPO – LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos.

Mais adequado seria o STF reconhecer a inconstitucionalidade da perpetuidade trazida pelo Código Penal no que diz respeito aos prazos máximos de cumprimento da medida de segurança, contudo, já é um passo em direção ao respeito às normas de Direitos Humanos e à própria Magna Carta de 1988.

Importante perceber também a resposta da doutrina, como pode-se ver, Bitencourt47 reconhece essa tendência dos tribunais em seus ensinamentos: Nesse sentido, temos algumas respeitáveis decisões de nossa egrégia Corte Suprema (v.g., HC 97.621, de 2009, e HC 84.219, de 2005, oportunidade em que o festejado Ministro Sepúlveda Pertence endossou a doutrina segundo a qual, embora a medida de segurança não seja pena, tem caráter de pena, razão por que não poderia durar mais de trinta anos, que é o máximo permitido pela legislação brasileira para qualquer sanção penal). Certamente, essa limitação temporal representou o começo de uma caminhada rumo à humanização da odiosa medida de segurança, esquecida pelos doutrinadores de escol que consomem milhares de resmas de papel teorizando sobre a culpabilidade e os fins e objetivos da pena, mas furtam-se a problematizar a desumanidade e a ilegitimidade das medidas de segurança, por tempo indeterminado, cuja natureza não discrepa da pena, bem como de sua finalidade principal, que é, inconfessadamente, a de garantir a ordem e a segurança públicas.

2.2.6 EXECUÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO

45

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma, habeas corpus nº 41419-SP. Relator Ministro Nilson Naves.

46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma, habeas corpus nº 84.219-4. Relator Ministro Marco Aurélio de Mello.

47 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral 1, ed. 17, p. 844.

35

Com a sentença transitada em julgado e expedida a guia de internamento ou de tratamento ambulatorial, será o paciente submetido à medida aplicada no estabelecimento definido. A medida de segurança é executada, como já visto anteriormente, sem prazo máximo definido, sendo apenas o prazo mínimo estipulado. A sanção perdura enquanto não for declarada a cessação da periculosidade mediante perícia médica, nos termos do art. 97 § 1º do Código Penal.

A perícia médica deverá ser realizada de ano em ano ou a qualquer tempo, se a determinar o juiz da execução. Importante ressaltar que, para a contagem do prazo mínimo se incluem, o tempo de prisão provisória, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer estabelecimento definido em lei.

Uma vez que seja realizada a pericia e comprovada a cessação da periculosidade, dar-se-á inicio ao término da medida de segurança, que, neste ponto deverá ser tratado através de dois institutos, o da suspensão e o da extinção da medida de segurança.

Observando o entendimento de Reale Junior48: Verifica-se, de conseguinte, que o objetivo da medida de segurança, em suas duas espécies, consiste na cura, na melhora do paciente, que uma vez constatada impõe a desinternação ou liberação condicionais, sujeitas ao período de prova de um ano. Passado esse período, extingue-se a medida de segurança.

A suspensão da periculosidade estará sempre atrelada ao transcurso de um ano de liberação ou desinternação sem a pratica de fato indicativo da persistência da periculosidade do agente, ou seja, sempre que for concedida a suspensão deverá o paciente ser observado pelo período de um ano para que, durante esse transcurso temporal seja percebida ou não a existência de fato que demonstre ainda estar presente a periculosidade.

Nas palavras de Bitencourt49: Assim, sendo comprovada pericialmente a cessação da periculosidade, o juiz da execução determinará a revogação da medida de segurança, com a desinternação ou a liberação, em caráter provisório, aplicando as condições próprias do livramento condicional (art. 178 da LEP). Na verdade, essa revogação não passa de uma simples suspensão condicional da medida de

48 49

REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 213.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral 1, ed. 17, p. 845.

36

segurança, pois, se o desinternado ou liberado, durante um ano, praticar “fato indicativo de persistência de sua periculosidade”, será restabelecida a medida de segurança suspensa. Somente se ultrapassar esse período in albis a medida de segurança será definitivamente extinta.

É importante notar que a lei trás em sua letra o “fato indicativo da persistência da periculosidade”, não o crime, logo, estando presentes elementos que possam levar o julgador a considerar a persistência da periculosidade do agente, poderá este ser submetido novamente à medida suspensa.

A medida de segurança então só fica extinta após o decurso da suspensão, qual seja um ano sem a pratica de fato que demonstre a persistência da periculosidade do agente.

Complementando, Mirabete50 alude acerca da medida de segurança quanto ao estrangeiro: Não mais dispõe o Código Penal a respeito da possibilidade de expulsão do estrangeiro ao qual foi imposta medida de segurança. Entretanto, a Lei de Estrangeiro dispõe que, desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação, observando-se, evidentemente, os impedimentos estabelecidos pelo próprio diploma legal (arts. 67 e 75 da Lei nº 6.815, de 19-8-80, com as alterações introduzidas pela Lei nº 6.964, de 9-12-1981).

2.2.7 VERIFICAÇÃO DA CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE O paciente deverá ser submetido à perícia da Comissão Técnica de Classificação, após percorrido o prazo mínimo de internação pela medida de segurança, que é de 1 a 3 anos. Caso o resultado da perícia médica seja favorável à desinternação do agente, de acordo com o art. 175 da Lei de Execução Penal, “a cessação da medida de segurança será decidida pelo juiz da execução, sempre de modo condicional, por um ano”51, ou seja, a suspensão da medida, ressalvando sempre o poder de decidir de acordo com o seu livre convencimento, podendo conceder ou não espécie de liberdade condicional.

50

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 358.

ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 732.

51

37

Importante

ressaltar

que

a

perícia

médica

poderá

ser

realizada

52

antecipadamente, como ensina Reale Júnior : A perícia médica deverá, se constatada, findo o prazo mínimo, a persistência da doença, realizar-se de ano em ano, podendo, no entanto, ocorrer a qualquer tempo, conforme o art. 176 da Lei de Execução Penal, se há elementos justificadores da antecipação do exame.

Esta antecipação deverá ocorrer motivada por uma provocação das partes, seja do Ministério Público, do procurador, do defensor ou do interessado. Assim, poderá o paciente, em caso de melhora ou cessação dos sintomas de perigo, ter a possibilidade de ser tratado de forma menos violenta à sua condição, uma vez que as medidas, mesmo que fundadas em caráter curativo, ainda trazem os resquícios punitivos das penas.

Ainda nesse sentido, Bitencourt53 explicita: A lei de Execução Penal assegura o direito de contratar médico particular, de confiança do paciente ou de familiares, para acompanhar o tratamento.

Havendo divergências entre o médico oficial e o particular, serão resolvidas pelo juiz da execução (art. 43 e parágrafo único da LEP). Acreditamos, embora a LEP seja omissa, que o médico particular pode participar também da realização do exame de verificação de cessação da periculosidade, como assistente técnico, com base no princípio da ampla defesa (art. 5º, IV, da CF).

2.3 INIMPUTABILIDADE A teoria da imputabilidade moral, que se funda no livre-arbítrio, define o homem como um ser livre e inteligente, que pode agir da forma que bem entender diante das situações que lhe são apresentadas, contudo, lhe atribui a responsabilidade pelos atos ilícitos que pratica. Essa atribuição da responsabilidade é chamada de imputação, de onde provém o termo imputabilidade, que é pressuposto da culpabilidade.

Assim, como assevera Maurach54, “há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse

52 53

REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 179.

BITENCOURT BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 848.

38

entendimento”. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e também a de adequar essa conduta a sua consciência. Logo, quem não tem essa capacidade de entendimento a respeito das suas condutas, ou seja, não tem capacidade de determinação é inimputável, tendo a sua culpabilidade eliminada.

Munhoz Conde55 leciona a respeito da imputabilidade penal: A culpabilidade baseia-se no fato de que o autor da infração penal, do tipo do injusto, do fato típico e antijurídico, possui as faculdades psíquicas e físicas mínimas requeridas para poder ser motivado, em seus atos, pelos preceitos normativos. Ao conjunto dessas faculdades mínimas, exigidas para se considerar um autor culpável por ter praticado fato típico e antijurídico, chama-se imputabilidade ou, mais modernamente, capacidade de culpabilidade.

Percebe-se que para que a imputabilidade seja invocada contra o agente, exige-se que este pratique conduta típica, ilícita e, além disso, culpável. Greco 56 assinala que “para que o agente possa ser responsabilizado pelo fato típico e ilícito por ele cometido é preciso que seja imputável. A imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente. A imputabilidade é regra; a inimputabilidade, exceção”.

Segundo o Código Penal, estando presentes a inimputabilidade por doença mental ou a inimputabilidade por imaturidade natural, obriga-se o reconhecimento da inimputabilidade do agente. Melhor esclarecendo, caso o agente seja portador de uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou ainda, tenha absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento deverá ser isento de pena, uma vez que seria excluída a culpabilidade do fato praticado.

Existem vários sistemas ou critérios nas legislações para determinar quais os que, por serem inimputáveis, estão isentos de pena pela ausência de culpabilidade.

54

Cf. MAURACH, Reinhart. Tratado de derecho penal. Barcelona: Ariel, 1962. v. 2. p. 94; WEZEL, Hanz. Ob. cit. p. 218; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Ob. cit. p. 461-462; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Ob. cit. p. 205. MIRABETE, Julio Fabrini. Ob. cit. p. 196.

55 MUÑOZ CONDE. Francisco. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Fabris, 1988. p.137.

56 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. p.395.

39

2.3.1 CRITÉRIO BIOLÓGICO, PSICOLÓGICO E BIOPSICOLÓGICO

O sistema biológico observa a existência de uma anomalia psíquica congênita que, constatada, já pode o juiz declarar a inimputabilidade penal. Este sistema funda-se na doença mental em si, inspirado no artigo 64 do Código Penal Francês, de 1810, conforme menciona Luiz Régis Prado57.

Nos ensinamentos de Mirabete58: O sistema biológico (ou etiológico), segundo o qual aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade do momento do fato. É, evidentemente, um critério falho, que deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade de determinação apesar de ser portador de doença mental, desenvolvimento mental incompleto etc.

Observa-se que o critério não é suficiente para a aplicação justa do instituto.

De acordo com o art. 26 do Código Penal, é necessário verificar se o agente era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, recaindo assim no critério psicológico.

Para esse segundo critério, o psicológico, o foco dos estudos não é o crime em si, mas a figura do agente e o que o levou a delinquir. Segundo Luiz Régis Prado59, este critério tem fundamento nos princípios do direito Canônico, onde somente aqueles dotados de entendimento e razão poderiam ser punidos pelos seus atos.

Mirabete60 elucida a respeito do critério psicológico: O sistema psicológico, em que se verificam apenas as condições psíquicas do autor no momento do fato, afastada qualquer preocupação a respeito da existência ou não de doença mental ou distúrbio psíquico patológico.

Critério pouco científico, de difícil averiguação, esse sistema se mostrou falho no aberrante “perturbação dos sentidos” da legislação anterior ao Código de 1940.

57

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 349.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p.196.

59 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 349.

60 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p.196.

58

40

O critério adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro utiliza estes dois critérios supracitados, sendo denominado de critério biopsicológico ou misto. Desta forma, a primeira fase fundada no critério biológico, verifica-se a existência da doença mental como pressuposto para o reconhecimento da inimputabilidade.

Caracterizada a doença mental como requisito principal para a inimputabilidade passa-se para a fase psicológica do critério, onde irá ser verificada então a autodeterminação do agente no momento do fato.

Este critério biopsicológico pode ser observado no art. 26 do Código Penal, sendo notado o caráter biológico na primeira parte do texto legal: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado”; E o psicológico na segunda parte: “[...] era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento.”

Nesse sentido, Mirabete61: O terceiro critério é o denominado biopsicológico (ou biopsicológico normativo ou misto), adotado pela lei brasileira no art. 26, que combina os dois anteriores. Por ele, deve verificar-se, em primeiro lugar, se o agente é doente mental ou tem desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Em caso positivo, averigua-se se era ele capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade. Tendo capacidade de entendimento, apura-se se o agente era capaz de determinar-se de acordo com essa consciência.

Inexistente a capacidade de determinação, o agente é também inimputável.

Assim, pode ser excluída a imputabilidade, e em decorrência a culpabilidade: a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26); a menoridade, caso de desenvolvimento mental incompleto ou presumido (art. 27); e a embriaguez fortuita completa (art. 28 § 1º).

2.3.2 CAUSAS DE INIMPUTABILIDADE 2.3.2.1 Menoridade Seguindo o critério biológico, a inimputabilidade por idade traduz-se na isenção de pena do agente menor de 18 anos. Ao invés da aplicação da pena, será

61

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p.196

41

feita a aplicação de uma medida socioeducativa sem teor punitivo. Tal entendimento funda-se no disposto nos parágrafos e incisos dos arts. 97 e 98 do Código Penal, assim como no art. 228 da Constituição Federal Brasileira de 1988.

Neste sentido, Greco62: A inimputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de uma presunção legal, onde, por questões de política criminal, entendeu o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito. Adotou-se, portanto, o critério puramente biológico.

Em decorrência dessa presunção, ocorre no Brasil uma constante discussão social e doutrinária acerca da possibilidade da diminuição da maioridade penal. A impressionante frequência de menores de 18 anos praticando fatos definidos como crime e, seguros da impunidade, criou uma verdadeira revolta que objetiva e culpa apenas a definição absoluta da inimputabilidade etária destes infratores.

Os menores de 18 anos, autores de infrações penais tem suas responsabilidades reguladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê as medidas socioeducativas adequadas à gravidade dos atos e à idade do menor infrator.

Bitencourt63, em abalizada opinião, defende que o fervor social pela redução da maioridade não representa a mais clara solução para a realidade enfrentada: Nessa faixa etária os menores precisam, como seres em formação, mais de educação, de formação e não de prisão ou de encarceramento, que representa a universidade do crime, de onde é impossível alguém sair melhor do que entrou. A experiência do cárcere transforma um simples batedor de carteira em um grande marginal. [...] com a redução da menoridade penal “explodiremos” a capacidade das penitenciárias (já superlotadas) e somente teremos bandidos mais jovens e delinquindo por mais tempo; esses menores farão o aperfeiçoamento na delinquência no interior das prisões (verdadeiras fábricas de criminosos).

2.3.2.2 Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado Menciona a Lei, em seu art. 26 do Código Penal, que é isento de pena o agente que ao tempo da ação ou omissão, era incapaz de entender o caráter ilícito

62 63

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. p.399.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 469.

42

do fato em decorrência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto. O termo doença mental, embora vago e sem maior rigor científico, abrange todas as moléstias que causam alterações à saúde mental.

Estas doenças retiram do agente a capacidade de entendimento da ilicitude do seu comportamento ou a sua capacidade de autodeterminação. O Código penal trás uma abrangência maior do que tradicionalmente concederia a ciência médica na definição de uma enfermidade mental, uma vez que o trabalho do legislador e do operador do direito é o de valorar os efeitos que determinado estado mental pode ter sobre os elementos que compõem a capacidade de culpabilidade penal.

Nesse sentido, elenca as doenças mentais, Mirabete64: Entre elas, há as chamadas psicoses funcionais: a esquizofrenia (sobretudo a de forma paranoide, em que são comuns os impulsos em que o sujeito agride e mata por ser portador de mentalidade selvagem e primitiva, sujeita a explosões de fúria, mas que não escolhem nenhuma classe de delitos e cometem mesmo os que demandam meditação e refinamento na execução); a psicose maníaco-depressiva (em que existe uma desorganização da sociabilidade e, eventualmente, da personalidade, provocando isolamento e condutas antissociais); a paranoia (que afeta o pensamento e sobretudo as relações com o mundo exterior, às vezes associadas à síndrome paranoide) etc. São também doenças mentais a epilepsia (neuropsicose constitucional com efeitos determinantes de profundas alterações de do caráter, da inteligência, da consciência e dos sentidos); a demência senil (em que surgem o enfraquecimento da memória, principalmente quanto aos fatos recentes, a dificuldade em fazer julgamento geral das situações, episódicas depressões e ansiedades, mudança de comportamento etc.); a psicose alcoólica (embriaguez patológica ou alcoolismo crônico que provoca acessos furiosos, atos de violência, ataques convulsivos etc.); a paralisia progressiva; a sífilis cerebral; a arteriosclerose cerebral; a histeria etc.

O Art. 26 ainda fala em desenvolvimento mental incompleto ou retardado. O primeiro é o caso dos menores de idade que, pelo critério biológico são considerados

inimputáveis.

Ainda

pode-se

discutir

a

possibilidade

do

reconhecimento no caso dos silvícolas não adaptados à civilização.

O desenvolvimento mental retardado, por sua vez é o estado mental dos oligofrênicos, que detêm incapacidade de entendimento e por muitos, equiparados aos portadores de doença mental, como nos graus de debilidade mental, imbecilidade e idiotia. Para que seja reconhecida porém a inimputabilidade, é

64

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p.197.

43

necessário que seja comprovado que, no momento da ação ou omissão, o agente era totalmente incapaz de entender a ilicitude do fato.

Tecendo ensinamentos acerca do desenvolvimento retardado, Aníbal Bruno65: São formas típicas, que representam os dois extremos e o ponto médio de uma linha contínua de gradações da inteligência e vontade e, portanto, da capacidade penal, desde a idiotia profunda aos casos leves de debilidade, que tocam os limites da normalidade mental. São figuras teratológicas, que degradam o homem da sua superioridade psíquica normal e criam, no Direito punitivo, problemas de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída em vários graus.

3.2.2.3 Embriaguez ou intoxicação completa involuntária e embriaguez patológica

Antes é preciso salientar que a embriaguez por si só não é causa de exclusão da responsabilidade, tornando o agente inimputável. O inciso II do art. 28 do Código Penal diz não excluir a imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou por substância de efeitos análogos.

Segundo a teoria da actio libera in causa, não se deixa de ser imputável aquele que se pôs em situação de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, dolosa ou culposamente e nessa situação comete o crime. Esclarece Mirabete66 acerca do tema: A explicação é valida para os casos de embriaguez preordenada ou mesmo da voluntária ou culposa quando o agente assumiu o risco de, embriagado, cometer o crime ou, pelo menos, quando a pratica do delito era previsível, mas não as hipóteses em que o agente não quer ou não prevê que va cometer o fato ilícito. Por essa razão, entende-se na doutrina que a lei consagrou um caso de responsabilidade objetiva, sem culpa, ou de imputabilidade legal, criada por razoes de politica criminal. Há, porém, autores que justificam a responsabilidade penal pela vontade residual no agente embriagado, um resíduo de consciência e vontade que não lhe retiraria a imputabilidade. Essa opinião, se aceita, tornaria dispensável a invocação do princípio da actio libera in causa.

Assim,

para

que

a

embriaguez

venha

a

excluir

ou

diminuir

a

responsabilidade, acarretando assim a diminuição ou exclusão da imputabilidade,

65 66

Aníbal Bruno, Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967, p.133.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p.207.

44

deve ser completa e acidental. Ao tratar de embriaguez acidental, é preciso perceber que esta decorre de caso fortuito ou força maior. Causas alheias à vontade do agente em que este não pode prever o resultado ou não pode evita-lo.

Caso fortuito pode ser entendido quando o agente desconhece a constituição da substância que está ingerindo, podendo ser de natureza tóxica ou, não pode prever que ingerir na quantidade ou de determinada forma provocará a embriaguez. Força maior por sua vez é algo que está alheio à vontade ou o controle do agente. No caso da coação irresistível, o agente sabe o que está acontecendo mas não detém em si o controle da situação, sendo impossível evitar o resultado, embriaguez, pela ingestão da substância tóxica.

Ocorrida então a embriaguez acidental completa, deverá esta retirar do agente a autodeterminação ou o discernimento a respeito da ilicitude do fato, no momento da sua ação ou omissão para que este seja isento de pena. Neste sentido, Bitencourt67: Se a embriaguez acidental for completa, poderá acarretar a irresponsabilidade penal, desde que advenha a respectiva consequência psíquica, qual seja, a incapacidade de conhecimento do caráter ilícito do fato ou de autodeterminar-se de acordo com esse conhecimento. [...]

Configurada a embriaguez completa e acidental é necessário comprovar-se que ela provocou efetivamente a consequência psíquica, que é a perda da capacidade de discernimento ou de autodeterminação, ou de ambos, para então isentar de pena. A embriaguez acidental, caracterizadora de perturbação meramente transitória, como não é doença mental, não acarreta a aplicação de medida de segurança. O agente somente receberá a absolvição.

Fica claro que a embriaguez acidental completa, por não se tratar de doença mental, não enseja a substituição da pena pela medida de segurança, mesmo que torne o agente inimputável caso presentes os requisitos.

A embriaguez patológica (crônica), por sua vez, é considerada uma das formas de doença mental que retira do agente a sua capacidade de autodeterminação. “A embriaguez habitual não se confunde com a embriaguez patológica, pois aquela seria representada pelo alcoolismo agudo, e esta pelo alcoolismo crônico.”68

67 68

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 488 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. p. 490

45

Neste caso, a embriaguez ensejaria na substituição da pena por uma sanção penal não punitiva, qual seja, a medida de segurança. O fundamento desse entendimento encontra-se na origem e nas consequências desse tipo de doença, bem abordado por Basileu Garcia, “quem se apresenta habitualmente embriagado tende ao alcoolismo crônico, que se caracteriza por anomalias psíquicas, capazes de chegar ao delirium tremens”69. Ainda elucida Aníbal Bruno que “a embriaguez patológica manifesta-se em pessoas predispostas, e assemelha-se à verdadeira psicose, devendo ser tratada, juridicamente, como doença mental, nos termos do art. 26 e seu parágrafo único”.70

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa acerca das medidas de segurança tornou clara a dificuldade em se aplicar uma sanção penal ao portador da doença mental. Isso porque o agente pratica o ilícito sem ter total discernimento e controle sobre seus atos. Partindo desse entendimento, a questão paira sobre como punir um indivíduo que não tem responsabilidade sobre seus atos e não detém a vontade para que seja a sua conduta, algo culpável.

Os portadores de doença mental no início foram tratados com indiferença, até o surgimento das sanções penais que seriam aplicadas a eles, julgando-os e condenando-os

como

as

pessoas

de

compreensão

intacta.

Condenados,

submetidos a estabelecimentos comuns prisionais, sendo imprimidas sanções mais severas do que deveriam a quem não tinham capacidade de entendimento sobre tais punições.

Surge então a medida de segurança, que é a sanção penal curativa, não punitiva, com caráter ambulatorial e hospitalar, com o intuito de tratamento diferenciado àqueles que necessitam de tais diferenciações. Por muito tempo os manicômios judiciários foram verdadeiros depósitos humanos onde ocorriam tratamentos cruéis de toda sorte.

69

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 6 ed. São Paulo, Max Limonad, 1982. v.1. p.391.

Aníbal Bruno, Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967, p.158.

70

46

A luta antimanicomial e Antipsiquiatria, encabeçada pelos profissionais médicos, psicólogos forenses, possibilitaram com o advento da Lei10.216/01 a reforma psiquiátrica, que viria a proibir a construção de novos manicômios judiciários, visando assim a humanização e o tratamento correto aos portadores de doença mental submetidos à medida de segurança.

Ainda, a discussão sobre a medida de segurança, atrelada ao tempo máximo de cumprimento movimenta os teóricos e os profissionais. A Constituição Federal de 1988 proíbe o caráter perpétuo da pena de medida de segurança, porém os Tribunais ainda discutem e discordam sobre a aplicação do tempo máximo.

Acaba sendo aplicada, de forma maquiada, a perpetuidade da sanção, uma vez que enquanto não cessada a periculosidade, o agente ainda é submetido ao cumprimento.

De qualquer sorte, apesar das discussões acerca do tema serem bem vagas e da legislação, por muitas vezes deixar de lado a interpretação, muitos profissionais se empenham em humanizar a aplicação das medidas de segurança. Buscam, estes profissionais, a aplicação da sanção aos agentes portadores de doença mental de forma justa, protegendo a sociedade da periculosidade destes agentes, mas principalmente, protegendo estes agentes de uma sociedade despreparada para lidar com suas deficiências.

47

REFERÊNCIAS ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2009.

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Saúde Mental, Desinstitucionalização e Novas Estratégias de cuidado. In. GIOVANELA, L.; ESCOREL, S.; LOBATO, L. de V. C. NORONHA, J. de C.; CARVALHO, A. I. de (ORGS). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. P.735 – 759.

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. 20. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. _______________. Novos sujeitos, novos direitos: o debate em torno da reforma psiquiátrica. Cad. Saúde Pública Disponível em <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X1995000300024&lang=pt> BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BUSATO, Paulo César & HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao Direito Penal; fundamentos para um sistema penal democrático. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

COPETTI, André. Direito penal e estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

CORREIA, Ludmila Cerqueira. Avanços e impasses na garantia dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais autoras de delito. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Paraíba. P. 174. João Pessoa, 2007.

DE TILIO, Rafael de. “A aquarela dos direitos”: Loucos, doentes mentais e portadores de transtornos e sofrimentos mentais. Paidéia (Ribeirão Preto). 2007.

Disponível em <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103863X2007000200004&lang=pt> .

DOTTI, René Ariel. Penas e medidas de segurança no novo código. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

FOUCAULT, Michel. História da Loucura. 8. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.

2.ed. rev. atual. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 6 ed. São Paulo, Max Limonad, 1982. v.1.

48

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 13. ed. Niterói: Impetus, 2011.

LIMA, Vanessa Batista Oliveira; CASTELO BRANCO NETO, Joffre do Rêgo.

Reforma Psiquiátrica e Políticas Públicas de Saúde Mental no Brasil: Resgate da cidadania das pessoas portadoras de transtornos mentais. Disponível em <www.fa7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic2/vi_encontro/REFORMA_PSIQUIT ARICA_E_POLITICAS_PUBLICAS_DE_SAUDE_METAL_NO_BRASIL.pdf>.

MIRABETE, Julio Fabbrini; Fabbrini. Renato N. Manual de direito penal: parte especial. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MUÑOZ CONDE. Francisco. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Fabris, 1988.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9º. Ed. ver. , atul. E ampl. São Paulo : RT, 2009.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11ª ed. rev, atual. e ampl.

Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2002.

REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Fundamentos de Direito Penal, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. São Paulo.

Saraiva, 1997.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2004.