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FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE - FAINOR CURSO DE DIREITO

DILSON MOREIRA JUNIOR

OS EFEITOS PATRIMONIAIS DO CONCUBINATO ADULTERINO

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA 2011


DILSON MOREIRA JUNIOR

OS EFEITOS PATRIMONIAIS DO CONCUBINATO ADULTERINO

Monografia apresentada a Faculdade Independente do Nordeste, Curso de Direito, como pré-requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Ronaldo Soares

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA 2011


FICHA CATALOGRテ:ICA


DÍLSON MOREIRA JUNIOR

OS EFEITOS PATRIMONIAIS DO CONCUBINATO ADULTERINO

Aprovada em _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA / COMISSÃO AVALIADORA

___________________________________________________________ Ronaldo Soares FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE

____________________________________________________________ 2º componente: FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE

_________________________________________________________ 3º componente: FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE


Dedico este trabalho a todos que fizeram parte deste sonho.


AGRADECIMENTOS

A realização desse trabalho só foi possível graças:

Primeiramente a Deus, que sempre esteve presente em minha vida me dando força pra lutar e seguir em frente! Obrigada Senhor! Aos meus pais, pelo apoio que sempre me deram, contribuindo de forma constante para que eu chegasse até aqui, AMO MUITO VOCÊS! Aos meus queridos irmãos e todos os meus amigos verdadeiros, pelo incentivo, companheirismo e paciência, que sempre estiveram presentes em todos os momentos. Considero todos vocês como se fossem irmãos e obrigado por tudo! A todas as pessoas que, apesar da distância, foram fundamentais para essa conquista. A todos meus familiares, que nunca deixaram de acreditar em mim. A FAINOR, por contribuir para a minha formação acadêmica e profissional, e a todos os professores desta, em especial ao meu orientador, Ronaldo Soares, pelo incentivo e colaboração com esse trabalho.


―Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça‖. Eduardo Couture


RESUMO

O Concubinato existe desde os primórdios, sendo que, nessa época, toda e qualquer relação que não constituísse casamento, com todo o formalismo exigido para tanto, era considerada concubinato. Desde então, esse instituto já era repudiado pela sociedade e pelo Direito, de modo que configurava uma afronta à família. Com o advento da Constituição Federal de 1988, no art. 226, §3º, surgiu a união estável, porém, esta não foi conceituada, o que ocasionou uma enorme confusão no meio jurídico entre este instituto e o concubinato. Vale notar que o concubinato podia ser puro (quando os parceiros não tinham impedimento para o casamento) e impuro (relação extraconjugal, adulterina ou incestuosa). Tal confusão teve seu fim com o advento do Código Civil de 2002, que conceituou os dois institutos, deixando claro em seu art. 1.727 que concubinato é toda e qualquer relação entre homem e mulher com impedimento para o casamento, com exceção dos separados de fato e judicialmente, e reconheceu a união estável como concubinato puro, sendo elevada à entidade familiar. Atualmente, o concubinato ainda é visto com repudia pela sociedade, porém, o que se observa é que tem surgido uma gama de decisões jurisprudenciais conferindo direitos aos concubinos, motivo que culminou num paradoxo bastante interessante de ser estudado. Portanto, no tocante aos aspectos patrimoniais dessa espécie de concubinato, observa-se que estes nasceram da jurisprudência, uma vez que este instituto não é amparado pela legislação pátria, além de ser repudiado pela sociedade em geral. A questão em foco é procurar explicar quando é que a concubina terá direitos patrimoniais em detrimento da esposa, e se tal opção é justa ou não. Sendo assim, o que se busca é entender todo o seu histórico, para enfim esclarecer qual é o entendimento que prevalece atualmente e explanar como se dá os seus efeitos patrimoniais, fazendo uma análise clara e objetiva de todos os fatores que rodeiam esse instituto. PALAVRAS CHAVES: Adulterino. Concubinato. Efeitos Patrimoniais.


ABSTRACT The Concubinato there since the beginning, since, at that time, any relationship that does not constitute marriage, with all the formality required for both, was considered concubines. Since then, the institute was already repudiate by society and the law, so that configure an affront to the family. With the advent of the Federal Constitution of 1988, in art. 226, ยง 3, the union appeared stable, but this was not conceited, which caused enormous confusion in the middle of this legal institute and concubines. It noted that the concubines could be pure (when the partners had not impediment to the marriage) and impure (relationship extra conjugal, adulterine or incestuous). This confusion has had its end with the advent of the Civil Code of 2002, which the two institutes, making clear in his art. 1,727 that concubines is of any relation between man and woman with impediment to the marriage, except the fact of separate and legally, and recognized the union stable as concubines pure, and the high contracting family. Even with the change of nomenclature, for teaching purposes. Currently, is still viewed with repudiates by society, but what is observed is that has been a range of decisions giving legal rights to concubines, so that culminated in a very interesting paradox to be studied. , It is observed that these were born of the law, since this institute is not the legislation homeland, and was repudiado by society in general. The issue in focus is to explain when is the concubina have rights to the detriment of the wife, and if this option is fair or not. So what if search is to understand all its history, to finally clarify what is the understanding that prevails today and explain how to give their effects heritage, making a clear and objective analysis of all the factors surrounding this institute.

KEY-WORDS: Adulterine. Effects Patrimonie. Concubine.


SUMÁRIO

1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 3 3.1 3.2 3.3 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.4.1 5 5.1 5.2 5.3 6 7

INTRODUÇÃO EVOLUÇÃO DO CONCUBINATO Origem e evolução histórica Evolução no Direito Brasileiro Concubinato no Código Civil de 1916 Concubinato e União Estável Natureza Jurídica do concubinato adulterino CONCUBINATO: CONCEITO E ELEMENTOS Conceito Natureza jurídica do concubinato adulterino Requisitos ESPÉCIES DE CONCUBINATO Puro Impuro Incestuoso Adulterino Boa fé e má fé EFEITOS PATRIMONIAIS DO CONCUBINATO ADULTERINO Efeitos patrimoniais Posicionamento Doutrinário Posicionamento Doutrinário CONCLUSÃO REFERÊNCIAS

11 15 15 17 22 23 27 30 30 32 34 34 36 36 36 39 39 40 40 42 43 49 52


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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo analisar os efeitos patrimoniais do concubinato na modalidade adulterina, cuja evolução, impulsionada pela dinâmica social, levou o legislador a inseri-lo no Atual Código Civil, em seu art. 1.727, de forma a conceituá-lo como sendo a relação não eventual entre homem e mulher, com impedimento para o casamento. Dessa forma, não há pretensão de esgotar o assunto, porém, busca-se elucidá-lo de maneira clara e imparcial, diferentemente do que faz a maioria dos autores, que tratam do mesmo, geralmente, movidos por um sentimento de moral estabelecido na sociedade ao longo dos anos. A partir desse esclarecimento imparcial, será mostrada uma visão crítica acerca do tema, visto que só conhecendo algo é que se pode criticá-lo. Sendo assim, deve ficar claro que esse trabalho não visa atacar, nem tampouco defender as relações concubinárias, mas pretende abordar com uma visão ampla, todos os aspectos intrínsecos e extrínsecos que envolvem essas relações, fazendo uma análise de como ela é vista na sociedade atual e como se dá suas conseqüências. O tema justifica-se na medida em que se trata de uma realidade social menosprezada pela maioria dos doutrinadores e pela sociedade mas que encontra amparo jurisprudencial, surgindo portanto, um paradoxo que necessita ser entendido e analisado. A melhor forma de apreciar um fato social é verificando todas as suas causas, observando todos os fatores que deram ensejo ao mesmo. Nesse diapasão, para se chegar aos efeitos do concubinato adulterino, fez-se necessário primeiramente, analisar brevemente todo o histórico do seu processo de desenvolvimento, de como eram formadas e admitidas as primeiras relações existentes, desde a Antiguidade, até os dias atuais. Nesse sentido, foram examinadas também, as raízes desse instituto no Brasil e os progressos sofridos na legislação. O Direito de Família sofreu uma enorme evolução, que foi manifestada plenamente no atual Código Civil de 2002. Essa recente transformação justificou a


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necessidade de uma rápida atualização das obras que versam sobre o assunto, de forma a exigir um reexame da dogmática jurídica para adequar os princípios e conceitos à regulamentação vigente. Este fator, ligado a repudia da sociedade para com o concubinato adulterino, podem ter sido responsáveis por fazer com que muitos doutrinadores preferissem não tratar desse assunto. Tal fato constitui uma relevante limitação para a realização desse trabalho, ou seja, a escassez de material bibliográfico fez com que as pesquisas devessem ser ampliadas, abarcando decisões jurisprudenciais, artigos publicados, opiniões de juristas renomados, etc. Além disso, essa repudia com que o tema é tratado foi o motivo primordial para a escolha do mesmo, tendo em vista que a partir daí surgiu a curiosidade de se verificar os motivos que ensejam essa rejeição. Vale observar que, antes do advento do Código Civil de 2002, havia inúmeras obras que tratavam desse tema, porém, esse fato ocorreu porque, até então, o instituto do concubinato ainda era confundido com a união estável. Com o advento do Código Civil de 2002, a união estável passou a ser o tema em foco, passando o concubinato a ser tratado de forma sucinta, e muitas vezes nem sendo tratado. Com o advento da união estável na legislação pátria, este instituto passou a ser bastante confundido com o concubinato, o que exigiu uma diferenciação clara entre ambos. Atualmente, após o advento do Atual Código Civil, o concubinato passou a não ser mais confundido com a união estável, uma vez que aquele significa as relações não eventuais entre homem e mulher com impedimento para o casamento, com exceção dos separados de fato e judicialmente, enquanto que esta (união estável) simboliza as relações puras, livres, entre homem e mulher com objetivo de constituir família, portanto, sem impedimento para o casamento. Sendo assim, a antiga divisão entre concubinato puro e impuro sofreu uma alteração, de modo que o que era concubinato puro passou a ser chamado de união estável, tendo sido elevada ao status de entidade familiar, ao passo que o termo concubinato passou a significar apenas a espécie impura, conforme se conclui da análise do art. 226, § 3º da Constituição Federal e artigos 1.723, caput e § 1º; e 1.727 do Código Civil.


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Ocorre que, para facilitar o entendimento sobre o tema, mesmo com a mudança de nomenclatura, o presente estudo optou pelo modelo amplo do concubinato, ou seja, o concubinato foi dividido em puro (que equivale à união estável) e impuro, sendo que o impuro se se subdivide em incestuoso e adulterino (que é o objeto desse estudo). Vale notar que é apenas uma questão de nomenclatura, não prejudicando em nada o entendimento sobre o tema, muito pelo contrário, esta opção de nomenclatura torna mais fácil a elucidação do mesmo e o seu desenvolvimento didático. Para a realização do estudo em tela, fez-se necessário a utilização do método dedutivo, sendo que o instituto será observado, desde a sua de sua origem até os dias atuais, analisando seus aspectos mais importantes dentro da sociedade e como seus aspectos patrimoniais são tratados pelo ordenamento jurídico pátrio e pela doutrina, para enfim tornar possível uma análise fundamentada e com embasamento pertinente sobre o tema. Ademais, tornou-se imperiosa a utilização de diversos meios de pesquisa, como livros, internet, legislações, decisões jurisprudenciais, etc, sempre com o intuito de abranger ao máximo o entendimento acerca do tema. O desenvolvimento foi dividido em quatro capítulos, sendo que, o primeiro faz uma abordagem histórica sobre o concubinato, mostrando como se deu seu surgimento e sua evolução no Brasil e no mundo, analisando de forma sucinta como este instituto era visto no Código Civil de 1916, além de fazer uma distinção entre este e a união estável. O segundo capítulo define de forma clara o concubinato, explanando além do conceito, sua natureza jurídica e quais requisitos são necessários para a configuração do mesmo. Desse modo, objetiva-se diferenciar esse instituto dos demais, abordando todas as suas peculiaridades. Como no trabalho em tela o concubinato está sendo tratado na forma mais abrangente, no terceiro capítulo fez-se necessário esclarecer todas as suas espécies, sendo que dessa forma, não restarão dúvidas quando estiver tratando de uma ou outra modalidade. Por fim, o último capítulo trata de forma clara e objetiva como se dá os aspectos patrimoniais

do

concubinato

adulterino,

fazendo

uma

análise

doutrinária

e


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jurisprudencial de como se dá seus efeitos na prática e concluindo criticamente todos os seus efeitos, permitindo uma compreensão clara e neutra, sempre objetivando uma solução justa e eficaz.


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2 EVOLUÇÃO DO CONCUBINATO

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Nos tempos mais remotos não havia regulamentação jurídica para o concubinato, suas regras foram surgindo a partir do costume dentro da sociedade, mas apesar disso, esse instituto existe desde os primórdios da humanidade, já que as primeiras uniões afetivas eram despidas de formalismos. Inclusive até a Bíblia menciona relações concubinárias nas quais os povos antigos tinham inúmeras relações desse tipo, a exemplo do Rei Salomão, que possuía trezentas concubinas. A esse respeito escreve Adahyl Lourenço Dias, em seu livro A concubina e o direito brasileiro: A velha história grega está crivada de concubinatos célebres, na devassidão da vida íntima dos filósofos, escultores, poetas, notadamente Friné, belíssima entre as belas, que arrastou Praxíteles, servindo-lhe de modelo às suas arquiteturas de Vênus, ao mesmo tempo que se tornava amante de Hipérides[...]. Destacam-se, em a voz da história, célebres concubinas, que tiveram nobre atuação na cultura dos gregos, notadamente Aspásia, que ensinou retórica, em aulas próprias, a grande número de alunos, inclusive velhos gregos[...]. Antes de viver com Péricles, Aspásia tornara-se concubina de Sócrates, e depois da morte deste, de Alcebíades [...] (DIAS,1988,p.19)

No

período

pós-clássico

do

Direito

Romano,

o

concubinato

obteve

reconhecimento jurídico com a lei lulia et Poppaea. Os filhos havidos desta relação eram tidos como naturais, podiam ser legitimados e ter direitos hereditários, sendo que estes de forma limitada e submetidas a algumas condições. Nessa época, o ―concubinatus‖ era como uma espécie de casamento inferior, onde homem e mulher não tinham o ―affectio maritalis‖. Para os romanos, apenas as prostitutas, atrizes e mulheres independentes ou nativas é que podiam ser concubinas. No início do Império, o concubinato não produzia nenhum efeito jurídico, visto que só era considerado para proibir relações extraconjugais entre homem e mulher honesta e ingênua.


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Em 326 d.C. o imperador Constantino promulgou um edito que desestimulou o concubinato e piorou a situação das concubinas e de seus filhos, incentivando desta forma a prática do casamento, uma vez que criou sanções para o descumprimento da mesma. Com o advento do Cristianismo, com a mudança de conceitos e costumes, o concubinato passou a ser reconhecido como instituto jurídico, porém, apesar de ter efeitos jurídicos, nessa época a união entre homem e mulher fora do casamento legítimo era considerada imoral e promíscua. Um dos grandes combatentes do concubinato foi Santo Agostinho, tendo essa reprovação aumentado com a expedição de vários concílios pela Igreja, como bem elucida Álvaro Villaça de Azevedo: Com o Concílio de Trento, em 1563, restou proibido o casamento presumido, determinando-se a obrigatoriedade de celebração formal do matrimônio, na presença do pároco, de duas testemunhas, em cerimônia pública. Essas celebrações passaram, então, a ser assentadas em registros paroquiais. Desse modo, condenou-se o concubinato. Foram estabelecidas penalidades severas contra os concubinos que, sendo três vezes advertidos, não terminassem seu relacionamento, podendo ser excomungados e, até, qualificados de hereges (AZEVEDO, 2002, p.157).

Na época de Justiniano, foram impostas algumas exigências para o reconhecimento da referida união, a saber: só deveria existir uma concubina, esta deveria ser livre e desimpedida, e deveria existir a coabitação por toda a vida entre os concubinos. Vale ressaltar que, apesar da resistência imposta pela Igreja, o concubinato sempre esteve presente na Idade Média, inclusive recebendo proteção dos juristas, que a consideravam uma instituição organizada e suscetível de gerar direitos. Em verdade, apesar de ter reprovado o concubinato, a Igreja Católica o tolerou, desde que não se tratasse de união que comprometesse o casamento ou incestuosa. Desse modo, elucida Caio Mário da Silva Pereira, em seu livro Concubinato: sua moderna conceituação: Apesar de combatido pela Igreja, nunca foi evitado, nunca deixou de existir. E se os canonistas o repudiavam de iure divino, os juristas sempre o aceitaram de iure civile. Quem rastrear a sua persistente sobrevivência, por tantos séculos,


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verá que em todas as legislações, em todos os sistemas jurídicos ocidentais houve tais uniões, produzindo seus efeitos mais ou menos extensos. (PEREIRA, 1977, p. 253)

Ocorre que, com a influência da doutrina cristã, a mulher passou a buscar a igualdade dos sexos e o casamento foi, pouco a pouco, assumindo uma posição mais elevada, diminuindo, portanto, os efeitos do concubinato. No Direito Contemporâneo, a partir da primeira metade do século XIX, a relação concubinária passou a ser considerada com caráter econômico, tendo seu marco inicial como geradora de obrigações com a decisão do Tribunal de Rennes, em 18/12/1833, que determinou o pagamento à concubina da quarta parte dos bens deixados pelo companheiro falecido, fundamentado nos princípios da sociedade de fato e do enriquecimento sem causa. A partir daí, os tribunais passaram a reconhecer a sociedade de fato como resultado da comunhão de vida dos parceiros, até que em 16 de novembro de 1912 surgiu na França a primeira lei sobre o assunto, que estabelecia que o concubinato notório era fato gerador de reconhecimento de paternidade ilegítima. Nesse sentido, esclarece Rodrigo da Cunha Pereira: A despeito disso, o concubinato sempre resistiu, encontrando seu lugar no mundo jurídico a partir do século XVI, quando então se sentiu a necessidade de legislar-se sobre o tema. Já para a metade do século XIX, os tribunais franceses começaram a verificar na relação concubinária uma sociedade econômica, resultando daí alguns efeitos jurídicos, inclusive, com a aplicação do princípio do enriquecimento sem causa (PEREIRA, 2004, p.15).

Percebe-se então, que a França foi a principal colaboradora para a evolução doutrinária e jurisprudencial do concubinato, tendo sua influência repercutido em vários outros países, inclusive no Brasil.

2.2 EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, por um longo tempo, o único matrimônio que era praticado era o religioso, baseado no Direito Canônico, que já se realizava através da celebração na Igreja e era provado através do registro paroquial. Todavia, após a proclamação da


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República e a divisão entre Igreja e Estado, com o decreto nº181 de 24/01/1890, o casamento passou a ser exclusivamente civil, surgindo com todo o formalismo exigido para a sua celebração. Na Constituição de 1891 ficou consolidado que somente o casamento civil é que tinha validade. A partir daí, na prática, surgiram dificuldades para o povo brasileiro, que se viram obrigados a realizar duas cerimônias (civil e religiosa), já que se trata de uma maioria católica. O problema foi solucionado pelo legislador, que atribuiu efeitos civis ao casamento religioso, com a criação da lei nº 379, de 16/01/37, mais tarde alterada pelo Decreto-lei nº 3.200 de 19/04/41. Tal legislação foi revogada pela Lei nº 1.110, de 23/05/1950, que até hoje regula a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso. Ocorre que, em face da dificuldade para o registro do matrimônio religioso por uma grande parcela da população, bem como da proibição do divórcio até o advento da Lei nº 6.515/77, o número de uniões concubinárias alastrou-se por todo o país, já que quem se separava judicialmente (desquite na época) não podia contrair novo matrimônio, o que os obrigava a constituir novo lar apenas de fato. A partir daí, surgiu a necessidade de dar uma maior regulamentação ao tema, surgindo com isso, várias leis que atribuíram direitos à concubina, a exemplo da Lei nº 6.015/73, Lei 6.515/77, Decreto-lei nº 7.036/44, dentre outras. Com base nisso, nossos tribunais passaram a conceder direitos patrimoniais às concubinas, dentre eles o que diz respeito à participação no patrimônio comum quando da dissolução da união, desde que comprovadas a sociedade de fato e a contribuição da mesma na formação do acervo patrimonial. Nesse sentido, há de se observar a existência de julgado do Supremo Tribunal Federal, referente ao RE 31.520, de 03.05.1956, em que se decidiu que: A sociedade de fato, entre pessoas de sexo diferente, vivendo em concubinato ou quando casados pelo regime de separação de bens, tem sido reconhecida pelo Supremo Tribunal ante as circunstâncias especiais de cada caso, quando revelam o esforço comum na aquisição do patrimônio. Não é a regra geral decorrente da simples coabitação (Diário da Justiça de 11.03.1957, p. 763)


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Apesar disso, o concubinato ainda continuava à margem da legislação, uma vez que as Constituições vigentes nada traziam a respeito do mesmo, sendo assim, ao se consultar o Código Civil de 1916 pode-se perceber que há uma tendência protecionista à entidade familiar através do casamento, em detrimento ao concubinato, que além de não ser regulado, foi penalizado quando fosse impuro, ou seja, caso houvesse impedimento para a realização do casamento. Nota-se, com isso, que tal Código de 1916 repudiava qualquer união entre homem e mulher que não fosse abarcada com as formalidades do casamento, mesmo que existisse o objetivo da vida em comum e o intuito de formar família. É importante perceber que naquela época, a palavra concubinato remetia ao que hoje se chama de concubinato impuro, uma vez que o concubinato puro, isto é, não adulterino nem incestuoso, era equivalente ao casamento de fato, provado por duas testemunhas ou por escritura pública. Por conta disso, o concubinato era visto como destruidor da entidade familiar, já que era concorrente e paralelo à mesma, tal fato justifica toda a proteção dada pelos legisladores à família. Vale ressaltar que em 24 de janeiro de 1990, foi editado no Brasil o Decreto nº 181, que disciplinou o casamento, abarcando uma série de formalidades ao mesmo. A partir daí, a mera união duradoura entre homem e mulher sem casamento civil, passou a ser considerado concubinato. Nesse diapasão, a Constituição Federal de 1988, em seu parágrafo 3º do art. 226, reconheceu a união livre como entidade familiar merecedora de proteção do Estado, trazendo o estudo para o campo do direito de família, e passando a admitir três formas de constituição de família, que são: o matrimônio civil, a união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Com base nisso, no dia 30 de dezembro de 1994, surgiu a Lei nº 8.971, cognominada lei dos concubinos, que disciplinou o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, na qual em seu art. 1º concedeu à companheira direito a alimentos desde que satisfeitos alguns requisitos, a saber: comprovação da situação de fato; ser companheira de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo; união superior a cinco anos ou existência de prole. Tal benefício é estendido ao


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companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva, conforme parágrafo único do mesmo artigo. O art. 2º reconheceu o direito sucessório aos companheiros, já conquistado jurisprudencialmente, porém com restrições, e ampliado conforme o art.1.611 do Código Civil de 1916. Enquanto isso, o art. 3º consagrou o disciplinado no Enunciado nº 380 da Súmula do STF, concedendo à companheira a metade dos bens conseguidos durante a união, desde que tenha colaborado para tanto, com o seguinte teor: ―Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum‖. A partir daí começou a se diferenciar no direito brasileiro o concubinato da sociedade de fato entre os concubinos, surgindo então a teoria da sociedade de fato, na qual não bastava a prova da vida concubinária, mas também a existência da sociedade de fato entre os concubinos para justificar os efeitos patrimoniais, a exemplo da partilha de bens. Após essa Lei 8.971/94, foi editada a Lei nº 9.278 em 10 de maio de 1996, cognominada lei da união estável, que regulamentou o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, uma vez que estabeleceu o modo de conversão da união estável em casamento e instituiu novos direitos aos companheiros. Com o advento dessa Lei, não foi mais preciso fazer a distinção entre concubinato puro e sociedade de fato, uma vez que a simples convivência concubinária, fundada nos moldes desta legislação, bastava para que se configurasse os efeitos patrimoniais. Em seu art. 1º, a Lei da união estável como foi chamada vulgarmente, concedia à companheira o direito à alimentos, após a convivência de cinco anos ou a existência de prole, nos moldes da lei nº 5.478/68, ou seja, enquanto não constituísse nova união e provando a necessidade. Nesse sentido, verifica-se que nessa época, muito antes do Atual Código Civil, já havia interpretação inclinada para a união estável, conforme voto do ministro Cláudio Santos, do Superior de Justiça, in verbis: Assim o que se tratava como sociedade concubinária, produzindo efeitos patrimoniais com lastro na disciplina contratual das sociedades de fato, do Código Civil (1916) passa ao patamar de união estável, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar e como tal, gozando da proteção do


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Estado, legitimada para os efeitos da incidência das regras de Direito de Família, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Com o advento do atual Código Civil de 2002, se regulou de forma peculiar a chamada união estável, tornando-a semelhante ao casamento, estendendo à mesma quase todas as disposições do direito de família, incluindo aos companheiros o direito de herança e o regime de comunhão parcial de bens de forma presumida. Acerca do tema, é importante observar o entendimento de Euclides de Oliveira: No panorama atual de nosso sistema jurídico a consolidar-se com a entrada em vigor do NOVO CÓDIGO CIVIL, tem-se moderna conceituação de família como decorrência de união entre homem e mulher, seja legalizada pelo casamento ou sedimentada por duradouro tempo de convivência, ou mesmo passageira, mas vindo a gerar descendência (OLIVEIRA, 2003, p.35).

Sendo assim, em seu art. 1723, o Novo Código Civil tratou de definir a união estável como sendo uma união contínua e duradoura, configurada na convivência pública e estabelecida com o objetivo de constituir família. Nesse aspecto, percebe-se que não há existência de prazo para a configuração da relação, devendo este ser analisado diante do caso concreto, a partir da análise da convivência, estabilidade, afetividade entre outros. No parágrafo primeiro do mesmo artigo, pode-se perceber que é cabível o reconhecimento da união estável entre pessoas casadas, desde que separadas de fato ou judicialmente. No art. 1724, há os deveres de lealdade, respeito, assistência entre os cônjuges, bem como os de guarda, sustento e educação dos filhos. Percebe-se então que a partir da atual Constituição e, mais tarde com o Código Civil de 2002, o concubinato puro foi totalmente protegido pela nossa legislação, sendo chamado de união estável e equiparado ao casamento, como se percebe no art. 1723 do Código Civil/02: ―É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família‖ A partir de então, o termo concubinato passou a ser considerado apenas para designar as uniões extraconjugais, que envolvem pessoas casadas ou ainda as


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incestuosas, outra espécie que envolve pessoas da mesma família, também chamados de concubinato impuro.

2.3 CONCUBINATO NO CÓDIGO CIVIL DE 1916

Primeiramente, deve-se observar que à época do Código Civil de 1916, o Direito de Família tinha o casamento como seu centro, por conta disso, a família instituída de forma livre e informal era vista com preconceito. A razão disso era, além de proteger o núcleo familiar, evitar escândalos que os filhos nascidos fora do casamento ou até os amantes, provocavam na sociedade cada vez que iam buscar reconhecimento e direitos patrimoniais. Vale dizer que, nessa época, toda união livre era considerada concubinato, vez que não existia a figura da união estável. Sendo assim, nota-se que a legislação civil refletia o pensamento da burguesia, que detinha o poder econômico e político e dominava a política nacional. A classe média estava vinculada às classes dominantes e cultivavam os valores impostos pelas mesmas. A formação desses valores tem influência canônica, com inserção da religião e da moral em todos os aspectos familiares e políticos. Tudo isso influenciou no caráter opressor do Código Civil de 1916 ao tratar do concubinato, que além de não discipliná-lo, o penalizou. Nessa época, não era raro impedir o reconhecimento dos filhos ilegítimos, que segundo o Código de 1916 eram aqueles nascidos fora do casamento, também conhecidos como bastardos. Esse Código fez raras referências ao concubinato, geralmente penalizando a concubina de homem casado.

No art. 1.474 proibiu a instituição de benefício em

favor de pessoa legalmente impedida de receber a doação do segurado, e no art. 1.177 estabeleceu a possibilidade de anulação da doação feita pelo cônjuge adúltero ao cúmplice pelo outro cônjuge ou por herdeiros necessários. Apesar disso, após o advento do referido Código, houve uma certa evolução sobre o tema. A companheira que comprovasse ser sustentada pelo homem foi equiparada à esposa na legislação de acidente de trabalho, com a Lei nº 3724/19. Após isso, a Lei nº3807/60 possibilitou a companheira como dependente, na falta dos


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dependentes expressos na Lei, e mais tarde a Lei nº 6015/73 autorizou que a mulher, solteira, separada judicialmente ou viúva, companheira de homem nas mesmas condições a requerer a inclusão do nome do companheiro em seu registro de nascimento. Ocorre que, aumentava cada vez mais o número de relações extramatrimoniais, inclusive por causa da impossibilidade de contrair novo casamento àqueles que fossem desquitados. Tal situação ficou insustentável e o Código de 1916 ficou cada vez mais destoante da realidade social, até que, em 1977, passou-se a admitir o divórcio, pondo fim ao casamento e desvinculando a Igreja do Estado, já que esta jamais aceitara o casamento de um divorciado. Nesse sentido, houve um avanço jurisprudencial, que passou a adequar o Direito à realidade social, a partir da edição de quatro súmulas a esse respeito, a saber: Súmula 35: Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito a ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio. Súmula 380: comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Súmula 382: A vida em comum sob o mesmo teto, ‗more uxorio‘, não é indispensável à caracterização do concubinato. Súmula 447: É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do testador com sua concubina.

2.4. CONCUBINATO E UNIÃO ESTÁVEL

A figura da união estável surgiu pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 3º, que assim mencionou: ―Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.‖ Nessa época, surgiu uma certa confusão doutrinária e jurisprudencial quanto aos termos concubinato e união estável, uma vez que até então, só existia o concubinato,


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na sua forma pura ou impura, e a Constituição Federal trouxe à tona uma nova figura (união estável), reconhecendo-a como entidade familiar, porém, não definindo tal instituto. A esse respeito, elucida o Juiz de Direito Arnoldo Camanho de Assis em um artigo publicado em 27/05/2005. É bastante comum, no dia-a-dia dos tribunais, deparar com ações em que a autora pede os seus direitos decorrentes da existência de relação concubinária, ou o reconhecimento e a dissolução de uma sociedade de fato, ou que se proclame a partilha do patrimônio em razão de ter havido união estável. São institutos bastante comuns, sobretudo nas Varas de Família, mas essencialmente diferentes, não sendo difícil haver confusão entre eles. Por isso, às vezes se lê ―concubinato‖, quando o tema, em boa verdade, refere-se a uma ―união estável‖ e assim por diante. (ASSIS, 2005, p.1)

Vale dizer que, com o surgimento da união estável ao ordenamento jurídico, a base da sociedade continuou sendo a família, porém, independendo de casamento, apesar deste ainda ser considerado como instituto básico, já que a Constituição determinou que o legislador ordinário facilitasse a conversão da união estável em casamento. Com o intuito de dirimir todas as dúvidas existentes a respeito dos dois institutos o Atual Código Civil de 2002 definiu a união estável e o concubinato da seguinte maneira: ―Art. 1723 CC - É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família‖. E o art. 1727 CC ―As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato‖. A partir daí, o concubinato puro passou a ser chamado de união estável, e o termo concubinato passou a significar apenas a espécie impura, ou seja, quando se fala em concubinato, está se referindo às relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar (também chamado de concubinato impuro), ao passo que quando se fala em união estável, refere-se à entidade familiar protegida pela Constituição Federal, na qual não há impedimentos para o casamento (também chamada de concubinato puro). Por conta disso, faz-se necessário distinguir os dois institutos. Hoje em dia, é passível na doutrina e na jurisprudência que os dois institutos não se confundem. No


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concubinato (em sentido estrito), os envolvidos são aqueles considerados amantes, e, via de regra, sua relação não é protegida pelo direito, sendo que um dos envolvidos tem impedimento para o casamento, enquanto que na união estável há a figura dos companheiros, parceiros ou conviventes, que vivem juntos como se fossem casados. A respeito do conceito de união estável, salienta Álvaro Villaça: União estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato. (VILLAÇA, Internet, 2000).

Dessa forma, pode-se entender que união estável é a relação em que duas pessoas vivem juntas, como se fossem casadas, desde que não haja impedimento para o casamento entre ambas. Rainer Czajkowski traz o seguinte ensinamento, litteris: A distinção, basicamente, reside no seguinte: concubina é a amante, mantida clandestinamente pelo homem casado, o qual continua freqüentando a família formalmente constituída. Companheira, ao contrário, é a parceira com quem o homem casado entabula uma relação estável, depois de consolidadamente separado de fato da esposa. (CZAJKOWSKI, 2000, p. 58)

No campo patrimonial, a diferença entre os institutos reside no fato de que, a união estável gera o direito de divisão do patrimônio do casal durante o tempo em que perdurou a relação, enquanto que os concubinos (ou concubinato impuro), em tese, não teriam direito algum, pois sua relação é paralela ao casamento ou à união estável. A jurisprudência, em alguns casos, tem acompanhado essa diferenciação entre termos ―concubina‖ e ―companheira‖. O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, consolidando o entendimento jurisprudencial em um voto a respeito do tema, traz os seguintes ensinamentos, in textu: Concubina, no dizer da jurisprudência, é ‗a amante, a mulher dos encontros velados, freqüentada pelo homem casado, que convive ao mesmo tempo com sua esposa legítima‘ (RE 83.930-SP, rel. Min. Antônio Neder, RTJ 82/933); ‗é a que reparte, com a esposa legítima, as atenções e assistência material do marido‘ (RE 82.192-SP, rel. Min. Rodrigues Alckmin); ‗é a mulher do lar clandestino, oculto, velado aos olhos da sociedade, como prática de bigamia e que o homem freqüenta simultaneamente ao lar legítimo e constituído segundo


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as leis, (RE 49.195, conceito expendido pelo Juiz Osni Duarte Pereira e adotado pelo Em. rel. Min. Gonçalves de Oliveira, RF 197/7). A companheira, por seu turno, ‗é a mulher que se une ao homem já separado da esposa e que a apresenta à sociedade como se legitimamente casados fossem‘ (RE 49.185, RF 197/97); ‗é a mulher que une seu destino ao do homem solteiro, viúvo, desquitado ou simplesmente separado de fato da mulher legítima. Sua característica está na convivência de fato, como se casados fossem aos olhos de quantos se relacionem com os companheiros de tal união. Pesam no conceito as exigências de exclusividade, fidelidade, vida em comum sob o mesmo teto com durabilidade. O vínculo entre os companheiros imita o casamento, ou no dizer tradicional, é more uxório. Todo o relacionamento se faz às claras, sem ocultação. Os dois freqüentam a sociedade onde, reciprocamente, se tratam como marido e mulher. (Mário Aguiar Moura, RT 519/295).


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3 CONCUBINATO: CONCEITO E ELEMENTOS

3.1 CONCEITO

Definir concubinato é uma tarefa extremamente importante, tendo em vista que este instituto ainda é bastante confundido. Seu conceito sofreu algumas variações no campo doutrinário e jurisprudencial, principalmente com o advento da união estável no âmbito jurídico. A falta de compreensão do conceito desse instituto foi e ainda é motivo de inúmeras confusões na prática jurídica, principalmente no que tange à diferenciação entre as relações simples de pura mancebia, com apenas satisfação sexual, das oriundas do concubinato, gerador de conseqüências jurídicas (patrimoniais ou não). No dizer de Euclides de Oliveira: Etimimologicamente, concubinato é um vocábulo que deriva do latim concubinatus, do verbo concumbere ou concubare, que significava amasiamento, mancebia, abarregamento. Origina-se também do verbo latino concubo-are ou concubo-ere, que significam dormir junto, ir para a cama com outro, ter relações carnais, (OLIVEIRA, 2003, p.72).

Por esta razão, este termo foi usado de forma pejorativa por muito tempo, sendo que desde os Romanos era considerado como união inferior ao casamento. No dizer de João Andrade Carvalho: ―por menos despida de preconceitos que fosse, a palavra concubinato sempre soou como algo pejorativo, pouco pundonoroso‖. Antigamente, o termo concubinato significava qualquer união entre o homem e a mulher, fora ou dentro do matrimônio e de caráter estável (incluía a espécie pura e a impura). Hoje em dia, o Código Civil o definiu como as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar. Desta forma, observa-se que a palavra concubinato remete ao que antigamente era chamado de concubinato impuro, ao passo que o concubinato puro configura a chamada união estável. Tal diferença é uma questão apenas de nomenclatura, visto que os dois institutos não se confundem.


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Porém, ainda existem doutrinadores que adotam o conceito clássico, defendendo que o Código Civil definiu o conceito de concubinato impuro. Dessa forma, não existe um único e completo conceito para concubinato. Sendo assim, vale ressaltar o entendimento de alguns doutrinadores acerca do tema. Conforme entende Sílvio RODRIGUES: Concubinato é ―a união do homem e da mulher, fora do matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade da mulher ao homem. ( RODRIGUES, 1989, p.271)

Já Edgard de Moura BITTENCOURT conceitua concubinato em dois sentidos: lato e estrito, a saber: Em sentido lato significa ―a união estável, no mesmo teto ou em teto diferente, de homem e mulher, que não são ligados entre si por matrimônio legal‖. Já em sentido estrito é ―a convivência more uxorio, ou seja, o convívio como se fossem marido e mulher. (BITTENCOURT, 1978, p.259).

Em verdade, deve-se observar que, antes do surgimento do Código Civil de 2002, havia uma certa confusão entre os termos concubinato e união estável. Enquanto uns entendiam que o concubinato podia ser puro (como sinônimo de união estável) ou impuro (adulterino ou incestuoso), outros diziam que não existe essa divisão entre puro e impuro, vez que todo concubinato é impuro, sendo a união estável outro instituto totalmente diferente, ainda existindo aqueles que acreditavam que concubinato e união estável eram institutos sinônimos. Com o advento do Atual Código Civil, o legislador acabou com a dúvida, ao definir o concubinato em seu art. 1.727, como a relação não eventual entre homem e mulher, com impedimento para o casamento. A partir daí, ficou claro que a palavra concubinato, inclusive por já ser usada pejorativamente, é designada para aquelas relações impuras, na qual um ou ambos os parceiros mantém outra relação ( é casado ou convive em união estável) concomitantemente a esta. Sendo assim, quando fala-se em concubinato tem-se em vista a figura do amante, ao passo que o que era chamado de concubinato puro passou a ter a


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nomenclatura de união estável, significando as relações entre homem e mulher sem vedação para o casamento, figurando aí os companheiros. Por conta disso, o termo concubinato é visto de forma preconceituosa, uma vez que, não mais distingue a espécie extraconjugal, imoral, adulterina (concubinato impuro), da convivência marital, com intuito de constituir família e sem impedimento para o casamento (concubinato puro ou união estável). Ocorre que, mesmo com a alteração da nomenclatura, para facilitar o entendimento sobre o tema, o mesmo será tratado nesse estudo na forma mais abrangente, ou seja, deve-se entender o concubinato como a união informal duradoura entre o homem e a mulher, com ou sem a existência de impedimentos para casar, ligados por laço afetivo para a comunhão de vidas, razão pelo qual proceder-se-á adiante à diferenciação entre as diferentes modalidades de concubinato, para enfim, ter como objeto o concubinato adulterino. Assim como enuncia Bittencourt: No sentido amplo do concubinato, que desde a posse do estado de casado, com notoriedade e de longos anos, até a união adulterina, tudo se inclui na conceituação. Tudo, nesta ou naquela condição é concubinato. (BITENCOURT, 1969, p.63)

Dessa forma, observa-se que quando se fala em união estável, está se referindo ao concubinato puro, ao passo que quando se trata de uma união reprovável, extraconjugal ou incestuosa, denomina-se em concubinato impuro. Sendo assim, o art. 1727 do Código Civil descreve o concubinato na forma impura. Em suma, deve-se perceber que o termo concubinato, até os anos 60, significava qualquer relação fora do matrimônio, já que as pessoas que se separavam não podiam mais se casar (era o chamado desquite) e a união dessas pessoas era impura (ou imprópria) ou adulterina, sendo que havia um fator impeditivo, que era a ausência do divórcio. Nessa época, quando existiam essas relações (tanto a pura, quanto a impura) era um problema, uma vez que nenhum direito era assegurado àquele que abandonava a relação, mesmo existindo filhos comuns. A partir dessa insegurança jurídica, aos poucos os tribunais foram protegendo as concubinas, passando a impor uma


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indenização em alguns casos específicos, a exemplo de quando fosse provado o esforço comum da mulher concubina para aquisição do patrimônio. Após 1960 surgiu a distinção entre o concubinato impuro (adulterino ou incestuoso) e puro (que mais tarde passou a se chamar união estável). Só em 1977, com a Lei do Divórcio, é que muitos separados tiveram a oportunidade de casar outra vez, porém, foi com a Constituição Federal de 1988 que a união estável (ou concubinato puro) passou a ter status de entidade familiar e o termo concubinato passou a designar apenas as relações não eventuais, entre homem e mulher, não impedidos de casar.

3.2 NATUREZA JURÍDICA DO CONCUBINATO ADULTERINO

A delimitação da natureza jurídica do concubinato adulterino faz-se necessário na medida em que explica toda a abordagem e os diversos entendimentos doutrinários e jurisprudências acerca desse tema. Sendo assim, é importante no sentido que aponta a posição desse tipo de relação dentro do ordenamento jurídico pátrio. Conforme entendimento de Carlos Cavalcanti Albuquerque: O concubinato adulterino consiste em uma espécie de entidade familiar, considerando a sua exclusão como uma afronta aos preceitos constitucionais. Portanto, para ele, tal modalidade de relacionamento afetivo encontra-se inserido no âmbito do direito de família. (ALBUQUERQUE, 2002, p. 4 e 9)

Ao apreciar a apelação cível de nº 70005330196, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias entendeu da seguinte forma: Com o desenvolvimento da sociedade, o conceito de família sofreu uma profunda alteração, alteração esta a que foi sensível a jurisprudência que acabou se revelando como um fator decisivo para que as relações chamadas espúrias passassem a merecer o tratamento de concubinárias, sendo inseridas na órbita jurídica, acabando por serem alçadas à órbita constitucional como entidade familiar.

Ocorre que, tais entendimentos acabam por distorcer o conceito de entidade familiar, que, apesar de não estar descrito na Constituição ou em normas


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infraconstitucionais, ainda nos remete às famílias tradicionais, com presença de lealdade, respeito, assistência, fidelidade, etc. É certo que, com o reconhecimento da união estável e da família monoparental, a Constituição Federal de 1988 rompeu com o formalismo do casamento para a formação da família, porém, o princípio da monogamia ainda é o que prevalece, ou seja, as relações que vão de encontro a esse princípio e ao modelo familiar estabelecido não devem ser abarcadas pelo ordenamento jurídico, salvo as hipóteses em que a concubina mantinha-se em boa fé e provou o esforço comum, evitando assim, o enriquecimento ilícito da outra parte: Entidade familiar tanto é a que se origina do casamento como a que nasce da união estável, como, ainda, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, nos termos do art. 226 da CF de 1988 (RT 667/17)

É sabido que, fazendo uma análise mais aprofundada da realidade social, percebe-se que a figura da família monogâmica, caracterizada pelo amor romântico, em que há comunhão de esforços, lealdade, etc, está em declínio. Há na prática um número significativo de separações e divórcios em um lapso temporal muito curto à união, chegando até a existir o casamento, o rompimento e o recasamento. Talvez por conta disso, há uma crescente preferência pelas uniões livres, surgindo inclusive outros tipos de relações menos freqüentes. Vale dizer que, ao atribuir o status de entidade familiar à união estável, o intuito do legislador era, tão somente, dispensar o formalismo dado ao casamento, com o objetivo de não prejudicar relações idênticas ao casamento, porém, sem a parte formal, em detrimento daquelas. Dessa forma, a intenção foi a de amoldar o direito à realidade social, já que o casamento continuou sendo o status objetivado para constituir-se uma entidade familiar. Vale observar que, alguns autores entendem que, o status de família deve ser concedido a qualquer espécie de relação em que haja o elemento afetividade, a saber: A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir o status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal, no inc. III do art. 1º, consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana". (SOUZA E DIAS, 2001, p.68)


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No mesmo sentido, entende Paulo Luiz Netto Lobo: Sujeitos dos deveres são o Estado, a família e a sociedade, que devem propiciar os meios de realização da dignidade pessoal, impondo-se-lhes o reconhecimento da natureza de família a todas as entidades com fins afetivos. A exclusão de qualquer delas, sob impulso de valores outros, viola o princípio da dignidade da pessoa humana." (LOBO, 2002, p. 50/51)

Sendo assim, ao contrário do que dizem alguns autores, não é só pela existência de afeto que se forma uma entidade familiar, a característica de estabilidade e intuito de constituir família devem estar presentes. Muitas vezes, o concubinato adulterino não passa de mera satisfação sexual, o qual não deve ser objeto do Direito de Família. Tal posicionamento se funda na valorização da família monogâmica, baseada na moral, nos bons costumes, na religião, na filosofia, áreas que devem sempre estar interligadas ao direito, para que esta não seja confundida com qualquer outra espécie de relação que esteja em conflito com a mesma. Sendo assim, ao conferir status de família ao concubinato adulterino, o Estado estaria desprivilegiando um instituto por ele criado. Nesse sentido, também entende Orlando Gomes (2000, p. 93), In verbis: O impedimento de vínculo deriva da proibição da bigamia. Não se trata, a rigor, de impedimento, não ser casado é um pressuposto para contrair núpcias justas e quem casado é não pode casar com outra pessoa qualquer. [...] O impedimento funda-se no princípio da monogamia. (GOMES, 2000, p.93)

Ressalta-se que, apesar de não considerar o concubinato adulterino como uma entidade familiar, merecedora de proteção estatal idêntica à união estável, não deve se negar que essas relações ensejam alguns efeitos de natureza patrimonial, a serem vistos mais adiante.

3.3 REQUISITOS


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Para a configuração do concubinato adulterino são necessários alguns requisitos, de forma a diferenciá-lo de outros institutos e até de outras relações não descritas em lei. Nesse sentido, deve-se perceber que nem todas as relações que ocorrem fora do casamento são consideradas concubinato adulterino, ou seja, relações esporádicas, a exemplo de aventuras sexuais, geralmente clandestinas, mesmo com existência de afeto e durabilidade, não configuram concubinato adulterino, não tendo portanto, efeitos jurídicos. Nesse diapasão, observa-se que são características do concubinato adulterino: a) heterossexualidade: o próprio Código Civil, em seu art. 1.727, informa que concubinato é a relação entre homem e mulher. Desta forma, deve haver sempre concubinos de sexos opostos para a configuração do mesmo; b) adultério: como o próprio nome já diz (concubinato adulterino), ou seja, uma das partes deve ser casada ou conviver em união estável preexistentes; c) afetividade: mesmo sendo um concubino impedido para o casamento, entre os concubinos deve haver a afeição, ou o amor recíproco; d) não-eventualidade: também é um requisito descrito expressamente no Código Civil, as relações eventuais não são merecedoras de qualquer reconhecimento, tampouco ser passível de efeitos jurídicos; e) publicidade: não precisa ser totalmente notória, porém, a relação deve ter o mínimo de conhecimento público, não pode ser clandestina. É sabido que, não há prazo limite para configuração do concubinato adulterino, porém, para se consolidar alguns desses requisitos, requer uma certa durabilidade da relação. Dessa forma, sempre que presentes esses requisitos, está configurado o concubinato adulterino, e este perdurará enquanto houver sua existência simultânea com o casamento ou união estável, ou seja, havendo a separação de direito ou de fato, o concubinato adulterino é transformado em união estável. Vale salientar que não é só o fato do enquadramento da relação como concubinato adulterino que ensejará nos seus efeitos. Porém, para possibilitar a existência de qualquer efeito, faz-se necessário o enquadramento desta relação nesses requisitos acima exposto.


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4 ESPÉCIES DE CONCUBINATO

4.1 CONCUBINATO PURO

Também chamado de união estável ou de concubinato honesto, concubinato puro é a união duradoura entre homem e mulher, sem casamento, com objetivo de constituir família, de forma pública, contínua e duradoura. É a modalidade de relação que obedece aos ditames sociais, tratando-se de um casamento não oficializado, uma vez que obedece às condições impostas pela lei, porém faltando o reconhecimento estatal como ocorre no casamento. Para a configuração da união estável, antigamente era necessário um lapso temporal de 5 anos, ou então que houvesse prole em comum, porém, com o advento da Lei 9.278/96 este prazo foi derrogado, suscitando inúmeras dúvidas no âmbito jurídico e na sociedade. Atualmente, nao há fixação de qualquer prazo na lei para configurar essa relação. Por conta disso, na prática, ainda existem dúvidas quanto a caracterização da mesma, fazendo-se necessário analisar de forma pormenorizada os vários elementos ou requisitos desse instituto, são eles: - Continuidade: tal requisito distingue essa relação da união transitória, passageira. A união estável requer estabilidade, devendo haver a aparência de casamento e a intenção de constituição de família. - Ausência de impedimento: faz com que seja possível o vínculo matrimonial entre ambos, como dispõe o art. 1723, § 1º do Código Civil de 2002, in verbis: § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

Dessa forma, como a união estável é equiparada ao casamento, o novo Código impôs os mesmos impedimentos daquele à semelhança dos impedimentos deste, assim, segundo o art. 1521 do Código Civil não podem casar:


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Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Ressalte-se que é admitida a constituição da união estável diante de separação judicial ou de fato, conforme o disposto na 2ª parte do art. 1723 do CC. - Notoriedade e afeição recíprocos: além da necessidade do respeito nessa relação, esta não pode ser secreta, escondida. Muito pelo contrário, deve ser notória, conhecida num círculo de pessoas, já que deve ter a aparência de matrimônio. Nesse sentido, ensina Alvaro Villaça de Azevedo: De acordo com o art. 1.724 do novo Código, lealdade, respeito e assistência, bem como, quanto aos filhos, sua guarda, sustento e educação, são deveres e direitos que devem existir nessas relações pessoais. Tanto o dever de lealdade quanto o de respeito mútuo, provocam injúrias graves, quando descumpridos. Paralelamente à deslealdade está o adultério, quebrando o direito-dever de fidelidade. É certo que não existe adultério entre companheiros, porém, ambos devem ser leais. O direito-dever de respeito mútuo é descumprido quando um dos companheiros atinge a honra ou a imagem do outro com palavras ofensivas ou gestos indecorosos. (AZEVEDO, 2004, p. 5)

Vale frisar que, o entendimento atual presente na doutrina e na jurisprudência é o de que a convivência sob o mesmo teto (ou more uxório) é indispensável para configuração desse instituto, entendimento este consagrado na Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: ―A vida em comum sob o mesmo teto "more uxorio", não é indispensável a caracterização do concubinato. A esse respeito, vale salientar que há entendimentos isolados de que a vida em comum sob o mesmo teto só é dispensável em casos excepcionais, como mencionou a Dra. em Direito Regina Beatriz Tavares da Silva, em uma palestra ministrada em 2003 em São Paulo:


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Em suma, união estável se caracteriza, em regra, diante de uma única moradia, até porque a constituição de uma família, via de regra, dá-se sob o mesmo teto. Somente em casos excepcionais admite-se a existência de duplicidade domiciliar, de dupla moradia, mas quando necessidades profissionais, familiares ou pessoais impuserem essa duplicidade domiciliar, ou seja, quando houver realmente justificativa para a existência de dois domicílios. (SILVA, 2003)

4.2 CONCUBINATO IMPURO

Concubinato impuro é o concubinato em sentido estrito ou propriamente dito, constituindo todas aquelas relações não eventuais, entre homem e mulher, não protegidos pela lei, vez que afronta as condições impostas ao casamento, por constituirse em união paralela ao casamento ou à união estável. Dessa forma, concubinato impuro é todo aquele que não enseja união estável, entre homem e mulher, visto que pelo menos um deles apresenta impedimento para o casamento. Historicamente, essa modalidade de concubinato já existia entre os povos da antiguidade, época em que a poligamia masculina era totalmente aceita, sendo que esta beneficiava a sobrevivência dos povos e a diminuição de adultérios. A infidelidade feminina era rigorosamente punida (com pena de morte), porém, estas aceitavam as múltiplas uniões de seus companheiros ou maridos, e conviviam entre si, não considerando a existência de falta de fidelidade por parte destes. Atualmente, o concubinato impuro é mal visto pela sociedade, já que vai de encontro à família e ao casamento. Para um melhor entendimento acerca desse instituto, faz-se necessário dividi-lo em duas espécies, o concubinato adulterino (objeto do presente estudo) e o incestuoso.

4.2.1 CONCUBINATO INCESTUOSO


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Concubinato incestuoso trata-se das relações amorosas entre entes da mesma família, seja o parentesco civil, afim ou adotivo. (Art. 1521, I-V, CC). Assim, essa união concubinária ocorre quando há proximidade entre o grau de parentesco, sendo que, por aspectos morais e biológicos, a lei tratou de não proteger tal união.

4.2.2 ADULTERINO

Este é verificado nos casos em que a relação concubinária existe em paralelo ao casamento ou a união estável, sendo assim, é adulterina a relação amorosa com terceira pessoa que se encontre efetivamente casada ou em união estável. Para tanto, faz-se necessário identificar, dentre as relações paralelas, qual é a principal e qual é a secundária. Observa-se que, conforme já mencionado, se um ou ambos os envolvidos se encontrarem separados de fato ou judicialmente, esta relação não é considerada adulterina, conforme previsão expressa do artigo 1.723, § 1º, do Atual Código Civil. Apesar desta modalidade de concubinato não ser abarcada pela atual legislação, alguns doutrinadores isolados defendem que esta espécie de concubinato pertence ao direito de família. A esse respeito salienta Carlos Cavalcanti Albuquerque: O concubinato adulterino consiste em uma espécie de entidade familiar, considerando a sua exclusão como uma afronta aos preceitos constitucionais. Portanto, tal modalidade de relacionamento afetivo encontra-se inserido no âmbito do direito de família. (ALBUQUERQUE, 2002, p.4-9)

No dizer de Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p. 53): ―não se deve traçar distinções entre os núcleos fruto de envolvimento adulterino e as demais formas de entidades familiares.‖ Tais entendimentos se inclinam no sentido de que o concubinato impuro deve ser reconhecido como entidade familiar, tendo em vista que está de acordo com o descrito na lei, já que dentre os pressupostos nela existentes, não encontra-se o da exclusividade e nem o dever de fidelidade.


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Nesse ponto de vista encontra-se o voto proferido pela Magistrada Maria Berenice Dias, do TJ do Rio Grande do Sul: Nem a falta de convivência sob o mesmo teto nem a circunstância de um deles manter relacionamento, de qualquer natureza, com outra pessoa são impedientes para o reconhecimento da existência da união estável. (RIO GRANDE DO SUL.TJ/RS. 7ª Câmara Cível. Apelação cível n. 70005330196/2002. Relatora Des. Maria Berenice Dias. Porto Alegre, 07 de maio de 2003.)

Ocorre que, conforme a doutrina e a jurisprudência majoritária, esse entendimento não é o mais correto, tendo em vista que as relações matrimonializadas têm por referência o modelo familiar, e que acertadamente, o intuito do legislador sempre foi proteger a família, e por uma questão de adaptação à realidade social, este dispensou o formalismo do casamento ao atribuir o status de família à união estável. Dessa forma, apesar de não serem exigidas formalidades, a família ainda possui o elemento estabilidade, com uma comunhão de esforços, afeto etc. Nesse diapasão, observa-se que o concubinato adulterino vai de encontro ao modelo familiar, inclusive causando desestabilização nessas relações, não sendo objeto do Direito de Família. Prova disso é que o voto acima transcrito foi vencido. Conforme entendimento do desembargador José Carlos Teixeira Giorgis: Como sustentado em outros votos, não consigo admitir a ocorrência de duas entidades familiares legitimadas, ou seja, dois casamentos, duas uniões estáveis ou uma união estável concomitante ao matrimônio. (RIO GRANDE DO SUL.TJ/RS. 7ª Câmara Cível. Apelação cível n. 70005330196/2002, Desembargador José Carlos Teixeira Giogis, 2003)

No dizer de Álvaro Villaça de Azevedo: [...] o concubinato puro deve merecer, por parte do Estado, completa proteção e regulamentação legal, já o impuro ou concubinagem, não deve merecer apoio dos órgãos públicos e, mesmo, da sociedade. (AZEVEDO, 2001, p.211)

Nota-se que, o concubinato adulterino não é protegido pela nossa legislação, assim é que, no art. 550 do Atual Código Civil, é vedada doação do adúltero ao seu


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cúmplice, com prazo de anulação de 2 anos, já no art. 1642, V, o cônjuge pode reivindicar os bens doados ou transferidos pelo consorte ao concubino, e pelo art. 1801, III, fica proibida a nomeação de concubino como herdeiro ou legatário de testador casado. Apesar disso, atualmente, tanto a doutrina como a jurisprudência, reconhece que essa relação surte alguns efeitos patrimoniais, tendo em vista evitar principalmente o enriquecimento ilícito de uma ou ambas as partes.

4.2.2.1 Boa fé e má fé

O concubinato adulterino pode ser dividido em dois: o de boa fé e o de má fé. O de boa fé é aquele no qual a concubina não tem ciência de que o parceiro mantém outra relação concomitante, seja ela de casamento ou de união estável, ou seja, a concubina é inocente e provavelmente foi enganada pelo convivente. Nesse caso, como ela estava de boa fé, há uma corrente doutrinária que entende ser possível o reconhecimento da união estável, também chamada de união estável putativa. Já o concubinato adulterino de má fé é aquele pelo qual a concubina tem conhecimento de que sua relação é extraconjugal, ou seja, ela sabe que o parceiro é casado ou convive em união estável com alguém. Nesse caso, configura-se sua má fé e o vínculo é tido como inexistente, sem provocar qualquer efeito jurídico. Vale notar que, alguns julgados se inclinam no sentido de conferir a essas relações efeitos patrimoniais, com o objetivo de proibir o enriquecimento sem causa, dando a essas relações caráter de mera sociedade de fato.


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5 EFEITOS PATRIMONIAIS DO CONCUBINATO ADULTERINO

5.1 EFEITOS PATRIMONIAIS

O concubinato adulterino tem sido excluído dos estudos de muitos dos civilistas, sob a justificativa de ser um tema irrelevante juridicamente, enquanto outros tratam da matéria no direito das obrigações. No dizer de Pontes de Miranda, em seu livro Tratado de direito privado: O concubinato não constitui, no direito brasileiro, instituição de direito de família. A maternidade e a paternidade ilegítimas o são. Isso não quer dizer que o direito de família e outros ramos do direito civil não se interesse pelo fato de existir socialmente o concubinato. Assim, serve ele de base à reivindicação dos bens comuns doados ou transferidos pelo marido à concubina (arts. 248 e 1.177 CC); à ação de investigação de paternidade, nos casos do art. 363, I etc. A legislação social o vê. (MIRANDA, 1983 p.211)

É sabido que o concubinato é uma questão de fato que, como tal, gera conseqüências jurídicas, devendo ter relevância e não podendo, portanto, ser ignorado. Desta forma, é notório que o concubinato é uma relação que gera efeitos, devendo estes ser ao menos analisadas.

5.2 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO

No concubinato adulterino, até pouco tempo atrás, não era admitido qualquer tipo de conseqüência patrimonial, vez que estas relações vão de encontro ao casamento e ao modelo ocidental de família, além do fato de que o adultério era considerado crime, não sendo possível a concessão de qualquer efeito patrimonial a um fato ilícito. Atualmente, de uma forma geral, a doutrina trata desse assunto de maneira bastante preconceituosa, chegando até a conclusão, por alguns autores, de que a relação concubinária não merece qualquer efeito patrimonial, como ocorre na jurisprudência Francesa.


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Nesse sentido, entende o advogado Décio Policastro, em um artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, em 10 de janeiro de 2002: O concubinato, é reafirmado como relação adulterina e, além de não gerar efeito patrimonial, continua sendo considerado violação do dever de casamento. É preciso ao menos a separação de fato da pessoa casada para que a segunda união possa gerar efeitos. (POLISCASTRO, internet, 2002)

Nesse diapasão, encontra-se o entendimento de Rodrigo da Cunha PEREIRA, segundo o qual não se deve conceder efeitos jurídicos ao concubinato adulterino, caso contrário, se estaria quebrando o sistema jurídico vigente baseado no princípio da monogamia, a saber: A amante, amásia — ou qualquer nomeação que se dê à pessoa que, paralelamente ao vínculo do casamento, mantém uma outra relação, um segunda ou terceira... —, será sempre a outra, ou o outro, que não tem lugar oficial em uma sociedade monogâmica. [...] É um paradoxo para o Direito proteger as duas situações concomitantemente. Isto poderia destruir toda a lógica do nosso ordenamento jurídico, que gira em torno da monogamia. (PEREIRA, 2004, p.66)

Contrária a essa tese, há os que defendem que o concubinato adulterino merece a mesma proteção do Estado dada à união estável, como elucida José Francisco Basílio de Oliveira: O concubinato adulterino, desde que revestido dos requisitos que caracterizam a união estável, acha-se também abrangido pela norma paritária, merecendo a proteção do Estado […]. (OLIVEIRA, 1993, p.57)

Tais entendimentos se inclinam no sentido de que o concubinato adulterino deve ser objeto de estudo do direito de família. Além desses dois posicionamentos, está o daqueles que entendem que não deve ser deixado de lado o fato de que ele gera conseqüências jurídicas, ou seja, no campo obrigacional, desde que observado requisitos e condições de ordem moral, deve sim ser concedida a essa relação direitos patrimoniais.


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Dessa forma, observa-se o entendimento extraído do julgamento da Apelação Cível n.º 70004306197, da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relatado pelo Des. Rui Portanova, de 27/02/2003: Em suma o novo Código: a) diferente do que acontecia no Código Civil antigo, reconheceu a existência de uma realidade que tem aportado nos Tribunais, qual seja, (repetindo os termos da lei) "relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar"; b) deu um nome para essas relações: concubinato; c) não previu efeitos, mas, atendo a uma de suas diretrizes fundamentais, deixou o juiz decidir em cada caso concreto os efeitos que entender de justiça. (Apelação Cível nº 70004306197)

Em verdade, parece que a posição mais acertada é essa última, tendo em vista que o concubinato adulterino é um fato jurídico ante a uma realidade social. O único problema desse entendimento é saber na prática, quais são os casos que merecem receber a proteção do Estado, com a concessão de direitos patrimoniais. A partir desse questionamento, observa-se que não é qualquer união que tem direito à proteção do Estado, mas, além de obedecer aos requisitos já explicados (heterossexualidade,

adultério,

afetividade,

não-eventualidade,

publicidade),

os

doutrinadores entendem que a intenção dos concubinos também deve ser avaliada caso a caso, ou seja, para eles, somente o concubinato adulterino que se procede com boa-fé, também chamada de união estável putativa (que é quando a concubina não tem ciência de que o parceiro é casado ou convive em união estável com outra pessoa), é passível de ter direitos reconhecidos judicialmente. A esse respeito, percebe-se que a intenção é a de proteger aquele que foi enganado (boa-fé), e punir aquele que agiu dolosamente (má-fé), no sentido de satisfazer o próprio prazer em detrimento de um núcleo familiar anterior, ofendendo aos valores consolidados há muito tempo na sociedade expressamente amparados pela nossa legislação. Nesse sentido, explica Rodrigo da Cunha Pereira, respaldado na lição de Francisco José Cahali: [...] se no casamento putativo são concedidos os efeitos para o contraente de boa-fé, aqui também pode ser invocado este princípio, ou seja, a(o) companheira, sendo pessoa de boa-fé na relação concubinária, e, pelo menos


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por parte dela(e), sendo uma relação monogâmica, não há razões para negar a concessão de todos os efeitos da União Estável. (PEREIRA, 2004, p. 76)

Alguns doutrinadores entendem que, para conferir direitos patrimoniais ao concubinato, esse instituto deve ser equiparado às sociedades de fato, de modo que ao final da relação os parceiros podem se valer da ação de dissolução de sociedade de fato, como ensina VENOSA: O maior volume de problemas surge quando se desfaz concubinato com existência paralela de casamento. Nesse caso, as discussões serão profundas acerca de atribuição do patrimônio. Temos que definir duas massas patrimoniais, a meação, atribuível ao companheiro(a) e atribuível ao esposo(a). Em princípio, caberá dividir o patrimônio com base no esforço comum desse triângulo, o que nem sempre será fácil de estabelecer na prática [...]. (VENOSA, 2001, p. 372-373)

5.3. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Jurisprudencialmente, o concubinato impuro já foi muito criticado e combatido, tendo esse meio chegado até a ignorar a sua existência, como percebe-se no acórdão do STF: ―a ordem jurídica ignora a existência do concubinato‖ (Acórdão de 24-1-1947, rel. Min. Hahnemann Guimarães, RF 112/417). Porém, com o objetivo de adequar o direito à realidade social e sob a justificativa de evitar o enriquecimento ilícito, a jurisprudência tem concedido certos direitos aos concubinos, desde que atenda aos requisitos elencados pelos doutrinadores, como se verifica num julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: UNIÃO ESTÁVEL – SITUAÇÃO PUTATIVA – COMPROVAÇÃO. O fato de o de cujus não ter rompido definitivamente o relacionamento com a companheira com quem viveu longo tempo, mas com quem já não convivia diariamente, mantendo as ocultas essa sua vida afetiva dupla, não afasta a possibilidade de se reconhecer em favor da segunda companheira uma união estável putativa desde que esta ignore o fato e fique comprovada a affectio maritalis e o fato ânimo do varão de constituir família com ela, sendo o relacionamento público e notório e havendo prova consistente nesse sentido. Embargos infringentes desacolhidos (TJRS, EI 599469202, 4.º Grupo Câmara Cível. Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. 12-11-1999).


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Tal julgado refere-se ao concubinato adulterino de boa-fé ou união estável putativa, porém, observa-se que, quando verificada a má-fé, ou seja, quando a concubina tinha ciência da relação conjugal do parceiro, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é invertido, como nota-se no julgado na cidade de São Paulo: CONCUBINATO – CONCOMITÂNCIA COM O CASAMENTO. A lei não contempla o concubinato adulterino, isto é, aquele mantido concomitantemente com o casamento. A tal relação não se aplica o art. 5.º da LICC que determina que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ele se dirige e às exigências do bem comum. O dispositivo só deve ser aplicado quando a situação de fato assim o reclamar, isto é, desde que existente uma separação de fato entre os cônjuges, a tornar o concubinato honesto, como o reconhece a nova Constituição (3.ª CCTJ-SP, Ap. n. 116.225-1, m. v. em 17.10.1989, Rel. Dês. Mattos Faria, RT 649/52).

Em verdade, ao se conferir direitos patrimoniais ao concubinato adulterino, os Tribunais equiparam esse instituto às sociedades de fato, que são aquelas sociedades formadas por acordo entre pessoas, que objetivam a exploração de negócios com interesse comum, sem atender formalidades legais, fazendo valer as regras de do Direito das Obrigações. Tal entendimento encontra-se na Súmula 380 do STF, na qual, ―Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.‖ Sendo assim, além da necessidade de existir os requisitos já explanados para a configuração do concubinato, além da boa-fé, seus efeitos patrimoniais não existirão se não houver a prova do esforço comum, ou seja, para um dos concubinos ter direitos patrimoniais, deve provar que colaborou para o aumento patrimonial. Nesse diapasão, percebe-se que, tendo contribuído para o acréscimo patrimonial e estando de boa-fé, nada mais justo que comparar essa relação a uma sociedade de fato, concedendo a essa concubina a divisão dos frutos obtidos, na proporção de sua participação. Esse é o entendimento atual dos tribunais e de alguns doutrinadores, de forma que, tomando essa decisão, não se está preferindo um ou outro instituto, mas tão-somente evitando o enriquecimento sem causa, já que se trata de uma sociedade de fato. Ocorre que, no caso do esforço comum ter se dado de maneira indireta, ou seja, se a concubina provar que o ganho patrimonial teve como base seu suporte doméstico,


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esta pode exigir judicialmente uma indenização por serviços prestados durante a vigência da relação: Caracterizada a sociedade de fato e havendo a comprovação da participação da companheira nos bens adquiridos durante o período concubinário, terá ela, em conseqüência, direito à partilha do patrimônio; não se formando o patrimônio comum, faz jus à indenização correspondente aos serviços domésticos prestados‖ (TAMG, Ap. 119.119-5, em 5.11.1991, Rel. Juiz Abreu Leite, RJTAMG 46/295).

Da mesma forma já entendeu o STF e o STJ, in verbis: Deve distinguir-se no concubinato a situação da mulher que contribui, com o seu esforço ou trabalho pessoal, para formar o patrimônio comum, de que o companheiro se diz único senhor, e a situação da mulher que, a despeito de não haver contribuído para formar o patrimônio do companheiro, prestou a ele serviço doméstico, ou de outra natureza, para o fim de ajudá-lo a manter-se no lar comum. Na primeira hipótese, a mulher tem o direito de partilhar com o companheiro o patrimônio que ambos formaram [...]. Na segunda hipótese, a mulher tem o direito de receber do companheiro a retribuição devida pelo serviço doméstico a ele prestado, como se fosse um contrato civil de prestação de serviços, [...] como se não estivesse ligada, pelo concubinato, ao companheiro (STF – RE. n.º 79.079/77). CIVIL – SOCIEDADE DE FATO – CONTRIBUIÇÃO INDIRETA DA COMPANHEIRA PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO. I – A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que, se a concubina, direta ou indiretamente, contribuiu para a formação do patrimônio, a este faz jus. II – Recurso conhecido e provido (REsp. n.º 120.335-RJ – 24-8-98 – Min. Waldemar Zveiter).

Na opinião do Prof. Dr. Paulo Luís Netto Lobo, Procurador Geral do Estado de Alagoas, a indenização por serviços prestados é degradante, ferindo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Mas, de uma maneira ou de outra, o que não se pode deixar é a concubina desamparada, contribuindo com o enriquecimento ilícito de seu ex-concubino. Jurisprudencialmente considera-se a competência das varas cíveis para ações relativas ao concubinato adulterino, sem intervenção do Ministério Público, já que se fundam numa equiparação às sociedades de fato, como esclarece o Tribunal de São Paulo, em sua 4ª Câmara Civil: As partes são sui juris e disputam direitos patrimoniais em razão da sociedade de fato ou, alternativamente, indenização por serviços prestados. Não se cuida,


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à evidência, de direito de família. Basta verificar que ações dessa natureza não se processam no foro especial, mas nas Varas Cíveis (RJTJSP 119/188).

Faz necessário esclarecer que, por conta dessa equiparação à sociedade de fato no momento da concessão dos direitos patrimoniais ao concubinato adulterino, os tribunais, via de regra, negam todos os outros pedidos dos concubinos, que vão de alimentos, mudança no sobrenome dos parceiros a direitos sucessórios, etc. Somente na questão previdenciária é que se encontra um maior reconhecimento do Estado, como observa-se num entendimento recente do STJ: RECURSO ESPECIAL. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTILHA DE PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA. COEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA. CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo. Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido (STJ – REsp. n.º 742.685-RJ – 5-905).PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. CONCUBINATO IMPURO. MARCO INICIAL. 1. Demonstrado, mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal idônea, a convivência marital entre a requerente e o ‗de cujus‘, é de ser concedido o benefício de pensão por morte à autora. 2. A existência de esposa não constitui óbice ao reconhecimento do direito à parte autora, porquanto as novas diretrizes constitucionais erigiram a união estável ao status de casamento, devendo ser reconhecido, para fins de direito previdenciário, os efeitos decorrentes do concubinato, mesmo que impuro [grifo nosso]. 3. [...] (Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, Apelação Cível 483154/RS, rel. Juiz Tadaaqui Hirose, j. 18/32003).

Pode-se notar que, o Superior Tribunal de Justiça geralmente prioriza as relações mais duradouras, no sentido de reconhecer uma convivência familiar nesses casos. Vale salientar que, a citada equiparação do concubinato adulterino às sociedades de fato não é bem vista por todos os autores, sendo que muitos criticam tal entendimento jurisprudencial, afirmando que nas relações concubinárias adulterinas, apesar de concomitante com o casamento ou com a união estável, existe amor, afeto, respeito mútuo, etc. Paulo Luiz Netto Lobo é um dos doutrinadores que tem essa linha de pensamento, a saber: ―Afinal, que ‗sociedade de fato‘ mercantil ou civil é essa que se


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constitui e se mantém por razões de afetividade, sem interesse de lucro?"(LÔBO, 2001, p. 4). Com relação à indenização por serviços prestados, alguns doutrinadores também criticam esse pensamento, a exemplo de Rodrigo da Cunha PEREIRA, a saber: Esta indenização decorre de serviços prestados. Ora, quais são esses serviços? Esbarramos aí em uma contradição e até mesmo uma imoralidade, embora se negue isto. Primeiro: se forem serviços prestados, estaremos diante de uma relação trabalhista e deveremos buscar na Justiça do Trabalho as reparações devidas. Segundo: se são os prazeres, companhia ou qualquer outro desfrute que um tenha proporcionado ao outro, não se poderia cobrar por isso, sob pena de estar o Direito admitindo algo inadmissível na ordem jurídica. Ademais, indenização pressupõe que tenha havido dano. Qual dano? (PEREIRA, 2004, p.81)

Fazendo uma análise acerca de tais posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários, observa-se que, para conferir direitos patrimoniais ao concubinato, faz-se necessário uma conjugação de elementos, de forma que, além desses elementos, somente ao analisar cada caso é que o juiz, fundado na equidade ou senso de justiça, irá perceber que a relação é ou não merecedora de direitos. A esse respeito, nota-se que, geralmente, para ser passível de efeitos jurídicos, a relação concubinária deve ser semelhante a de uma relação numa entidade familiar, ou seja, a relação concomitante (casamento ou união estável) torna-se meramente de aparência, sem qualquer interesse comum ou afeto, enquanto que a relação com a parceira passa a constituir a família de fato, havendo uma inversão dos dois institutos (casamento e concubinato) Assim sendo, ao conceder o direito patrimonial de dividir o patrimônio na proporção da contribuição da concubina, a intenção dos Tribunais é justamente a de adequar os fatos à realidade social, de modo a evitar o enriquecimento sem causa da outra parte. Porém, o intuito de conceder indenização por serviços prestados não tem qualquer fundamento, uma vez que, apesar de ser equiparado as sociedades de fato, não pode-se deixar de lembrar que o concubinato constitui no mínimo uma relação amorosa, na qual não tem sentido indenizar o afeto dado pelo concubino ao parceiro. Nesse sentido, também entende José Carlos Teixeira Giorgis, em um acórdão: [...] a indenização por serviços prestados não encontra amparo legal em nosso ordenamento. O ressarcimento não condiz com o tratamento constitucional


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dispensado às uniões livres, agora elevadas à entidade familiar, assim como ofende ao princípio da dignidade humana. (...) os cuidados dispensados pela concubina decorrem do vínculo de solidariedade, carinho e afeto, os quais não têm expressão econômica, não podendo ser dimensionados em pecúnia. Os tribunais reiteradamente têm se posicionado contrários a essa postulação, aduzindo não haver tal direito e repudiando a monetarização das relações amorosas, não sendo reconhecido o ressarcimento quer se trate de casamento, conúbio ou união estável [...] (GIORGIS, Rio Grande do sul. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n°700007609969, Sétima Câmara Cível, julgado em: 10,03,2004.)

Vale observar que, é impossível criar uma norma que envolva todos os fatos existentes, sendo que na prática, cada caso é caracterizado por situações peculiares que lhes diz respeito, de forma que, cabe ao ordenamento jurídico, após definir as condutas, deixar a cargo dos magistrados decidirem conforme cada situação, como ocorre atualmente com o concubinato adulterino.


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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações entre sociedade e família sempre variaram ao longo dos anos, de modo que, cabe ao Estado acompanhar essas mudanças, intervindo com o objetivo de proteger tais relações. Assim ocorreu com a união estável, que foi elevada à entidade familiar e vem ocorrendo com o concubinato adulterino, no qual a jurisprudência tem sido fundamental ao reconhecer a essas relações efeitos de natureza patrimonial. Por todo o exposto, conclui-se primeiramente que concubinato e união estável são institutos que não se confundem, sendo que aquele caracteriza as relações extramatrimoniais, não eventuais, nas quais um ou ambos os parceiros são impedidos de casar, enquanto que a união estável significa a relação livre, em que os companheiros convivem como se fossem marido e mulher, com intuito de constituir família, também podendo ser chamada de concubinato puro. Vale ressaltar que não configura concubinato a relação em que os parceiros são separados de fato ou judicialmente, conforme disposto no parágrafo primeiro do artigo 1.723 do Atual Código Civil, visto que nesses casos, entende-se que a relação é pura, configurando, portanto, união estável. O concubinato adulterino é aquele que ocorre concomitantemente ao casamento ou à união estável, e pode ser de boa-fé ou de má-fé. No primeiro caso o concubino não tem ciência de que a relação é adulterina, e no segundo (má-fé) ele tem esse conhecimento. Com relação aos aspectos patrimoniais do concubinato adulterino, observa-se que estes surgiram a partir das decisões jurisprudenciais, já que a maioria dos doutrinadores e a sociedade repudiam tais relações concubinárias e resistem em reconhecer qualquer direito aos concubinos. Apesar dos diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, que vão desde a equiparação dos efeitos do concubinato adulterino aos da união estável até o não reconhecimento de qualquer conseqüência jurídica a essas relações, conclui-se que a solução mais justa é a que concede efeitos patrimoniais a essa espécie de


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concubinato, desde que satisfeitos alguns requisitos de ordem moral, social, jurídica, etc. Dessa forma, a relação deve ser notória, entre heterossexuais, com afetividade, não eventual, (requisito descrito no art. 1.727 do CC), pública e extra matrimonial (adulterina). Além dessas, devem ser exigidas a boa-fé da concubina (não tinha ciência de que seu parceiro era casado ou convivia em união estável com outra pessoa) e a prova do esforço comum, que é o requisito mais importante, visto que o concubino deve provar que contribuiu para o acréscimo patrimonial do parceiro, sendo que, sem essa prova não há divisão alguma de bens. Vale destacar que, diferentemente do que ocorre na união estável, no concubinato adulterino não vale a contribuição indireta para provar o esforço comum, ou seja, o parceiro que ficou em casa, enquanto que o parceiro trabalhava, não tem direito à divisão alguma. Além disso, aqui não há que se falar em meação dos bens, ou triação (como já decidiu alguns julgados), sendo que a concubina só tem direito à parte que contribuiu, visando somente evitar o enriquecimento sem causa da outra parte. Tal solução parece ser a mais adequada, de modo que o Estado deve sempre priorizar a família oriunda do casamento ou da união estável, dando a essas relações extraconjugais apenas o caráter de sociedade de fato, com o intuito de ser justo com as partes envolvidas. Com relação à prova indireta do esforço comum (ex: do lar), o entendimento de alguns julgados e de alguns autores de que se deve conceder uma indenização por serviços prestados é totalmente inócuo e descabido, tendo em vista que é inconcebível o ressarcimento do afeto existente nessas relações. Além de tudo isso, no momento de atribuir efeitos patrimoniais ao concubinato adulterino, o Magistrado deve observar se, na prática, houve uma inversão de institutos, ou seja, o casamento ou a união estável passa a ser de aparência, não havendo praticamente mais nenhum vínculo com o cônjuge ou companheiro, mesmo não havendo separação judicial ou de fato, enquanto que o concubinato passa a ter características de entidade familiar, inclusive com intuito de constituir família. Por fim, nota-se que este é um tema bastante delicado, que merece ter maior relevância no meio jurídico, tendo em vista que está em jogo a vida de várias pessoas,


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e como tais, merecem ser tratadas com respeito e dignidade, devendo o Estado ser imparcial e analisar cada caso, pois só assim é que se faz a verdadeira justiça. A contribuição deste trabalho para o tema é a sugestão de que o legislador discipline os efeitos patrimoniais nos moldes em que foi tratado, exigindo requisitos para a configuração do concubinato adulterino e evitando assim, que haja decisões jurisprudenciais em desacordo com os princípios e fundamentos estabelecidos na sociedade. Dessa forma, haveria segurança jurídica para com esse assunto, fazendo com que as partes envolvidas nessas relações não fossem prejudicadas por decisões e entendimentos díspares, muitas vezes ferindo o princípio da isonomia.


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