Contos

Cont tos.

Bibiana Espíndola

Contos.

Bibiana Espíndola

- QUEM NÃO TE CONHECE, TE COMPRA.

(Seu José, meu pai,

a falar de mim)

Crônicas de um terminal 1

1.1

Esperando um ônibus no terminal

Dona Janilse tinha-me o rosto familiar, já gostei

quando: Pedindo licença, senta-se ao

da conversa antes de começar. Contava-me

meu lado uma senhora. Ela possuía

que acabara de largar de morar com a irmã no

tantas linhas no rosto, que pensei

apartamento de hotel. Lá tinha motorista, lavanderia

comigo “ou de sol ou de sorriso”.

e todo conforto que pudesse imaginar. Dizia com ar indignado “ela me acordava 6 horas da manhã

Após perguntar se eu era daqui,

pra caminhar! Mas eu queria mesmo era a minha

desatou a contar de sua vida, sem o

liberdade!”. Eu ria.

desespero daquele que é carente, mas com a calmaria de quem espera

Era a filha sexta de nove irmãos: sete mulheres e

o próximo ônibus.

dois homens. Este último já falecido.

:)

Quando perguntei se tinha filhos, franziu a testa e disse “não minha filha, sou solteira. Sempre fui. Nunca casei. 73 anos. E ainda sou virgem!”.

Após recuperar minha cara de espanto, ela disse “melhor coisa que fiz, sou tão feliz, mas tão feliz, que moro até em Santa Felicidade”.

Soltamos juntas aquela risada gostosa. Respondi “se a senhora diz, eu acredito!”.

E acredito mesmo, aquele sossego só poderia vir de alguém feliz, até mesmo por que, nessa altura de sua vida, não há de ter mais motivos pra mentir.

Ao final, constatei: Era de sol.

E de sorrisos.

Crônicas de um terminal 2 Esperando o ônibus no terminal, quando: Viro para o lado e tem um duende1

me olhando, conjuntamente com uma gordinha-sorridente-bochechuda, de quatro anos, que comia o canudo

1.2

Após um papo curioso, no qual fico sabendo que Lívia Sofia tem dois namorados, Paulo Guilherme gosta da meia-irmã, mas não vão se casar, pois “não se pode casar com irmãos” e que terá que escrever um livro sobre sua vida no recreio da aula de amanhã, e ainda, que não levou guarda-chuva hoje porque o céu estava bonito e que gosta dos ônibus que tem mola no meio e, principalmente, que eu não posso ter namorado antes de terminar a faculdade, por que é errado (neste momento Lívia Sofia suspirou como uma atriz de novela mexicana).

O duende olhou-me fixadamente

do suco já terminado.

e fez a pergunta que não queria calar:

E U RQ O P a s en c o v ou a R I A H A G E M AO T N I EP ? o l e b a c

Perguntam qual meu nome, entre um arrastar e outro das rodinhas da mochila no chão. Com a resposta, identificam-se como Paulo Guilherme e Lívia Sofia, irmãos de Ana Paula, Paulo Henrique e Pedro Arthur, pois seu pai têm três

1

mulheres.

perguntasque não tem resposta. Quando foi que perdi isso?

Duendes são meninos de 5 anos. | 2Crianças e sua hábil criatividade de fazer

2

hoje é pedra,

onde antes só

tinha rio.

3

Antes de dormir você sempre me perguntava se eu já tinha feito xixi ou escovado os dentes. “Sim, vó”. Quando não muito também brigava por eu dormir com os cabelos molhados. Às vezes quando eu esquecia o pijama, você me emprestava a camisola de seda

Lem bran ças de infância

da bisa. Ela suavemente se arrastava até o chão e cobria completamente meu franzino corpo e suas poucas primaveras.

Era um ensaio sobre feminilidade: balançava o vestido pra lá e pra cá, me olhando no espelho. Até a hora de você chegar e eu correr assustada, num só pulo, para debaixo das cobertas. Então apagávamos as luzes e você acendia um grande abajur estranhamente coberto por um pano vermelho.

Foi nessa penumbra que você me ensinou

Nos anos seguintes

a rezar, antes de dormir, o Pai Nosso.

quando eu ia para sua casa, eu rezava

Eu repetia cada palavra que dizias, e na

fervorosamente antes de

minha pequenice, aquilo parecia nunca

dormir. Rezava umas cinco,

mais ter fim. Pensava que nunca ia decorar

seis vezes. Rezava até

tudo aquilo. Então chegava o amém e eu

não poder mais. Rezava

respirava aliviada. Repetimos esse ritual

sempre fazendo o mesmo

muito e muitas vezes, até que eu aprendi

pedido, que às vezes dava

cada oração que me ensinou.

certo, outras não.

Mas sempre começava assim: “Papai do céu, por favor, por toda misericórdia que há nesse mundo, me faça dormir antes que a vó comece a roncar. Amém.”

4

O que será que sonha a Deusa

da Lua enquanto dorme?

Que sonhos são esses que te fazem segurar o arco mesmo quando estás adormecida?

São para os pesadelos ou para os sonhos que Ártemis mira sua flecha?

Para os sonhos, diz sua Lua em Sagitário.

Chá com a bruxa da tarde

5 Pode parecer estranho, mas eu tenho um incomum gosto por casas abandonadas. Não qualquer uma, sabe? Mas essas que a natureza tomou conta do lugar. Cada cantinho dentro é um convite atento às almas verdinhas que ali moram. Tanto quanto eu também queria ali morar.

Tento me recordar como surgiu esse interesse e retorno ao meu lugar preferido na infância: uma rua sem saída da casa da Vó Mada. Um quarteirão inteiro de mato a desbravar e encantaria a descobrir.

Desde sempre convivi com fadas, fazia feitiços e poções mágicas. As bruxas eram as visitas inesperadas do café da tarde.

Até hoje faço questão de subir no Pé-de-Amora da frente do vizinho. A sensação de estar em um lugar onde ninguém me achava era um tanto quanto confortante.

dessas, sabe? Os lugares que

naquele lugar secreto, que

você desbrava viram seus. As

apadrinhava e cobria de folhas

frutas colhidas se transformam

minha sensibilidade com o

em partes suas. Mal sabia, mas já

mundo.

vivia em simbiose com o Mundo Oculto.

Recordo da valentia que me tomava o juízo nesses momentos. Subir

Não me recordo nem mesmo uma

mais um tanto, toda vez, era uma

vez de ter caído dessas andanças,

lei que eu tinha inventado. Criança

ainda que as cicatrizes dos joelhos

de quando em muito é bicho

mostrem o contrário. Porque que

selvagem, né? Quanto mais pra

era no chão que eu caía e não nas

cima, mais finos eram os galhos e

alturas.

mais prazer eu sentia ao subir.

Subir sempre me foi Hoje percebo a sorte que

compreensível. Descer era

me soprava o corpo e não

enigmático. Eu nunca fiz questão

acompanhava o juízo, pois minhas

de aprender a aterrissar. Talvez

idas eram em busca da fruta mais

esteja aí o grande motivo de eu

suculenta, no galho mais distante.

querer tanto morar em casas

Eu olhava e queria. Olhava e ia. O

moradas de floresta. É a sensação

que me movia era uma sensação

viva de nunca descer das árvores,

de curiosidade pelo gosto do

e a todo momento respirar o

desconhecido. Podia ser só uma

aconchego de um lar. É como

folha bonita ou um novo lugar

nunca descer dos galhos e

conquistado. Subir em árvore tem

eternamente estar em casa.

É olhar em volta e descobrir que — a toda hora — a bruxa do café da tarde sou eu.

Por vezes, só queria estar

6

ril: é na del e ic av

que a n eza at ad

a se acaric ez ia ur

uvisco pr h im C

6

7 Às vezes sonho com elevadores ou escadas. Desce, sobe, sobe e desce.

Há tantos andares e números quanto há portas em mim.

Quanto mais desço, mais de encontro vou à portas escuras. Aquelas em

Mas sabe, tem um instante especial,

que não há sequer luz pra iluminar. E

entre ir a um andar e outro, que paro para

quando entreabertas, revelam longos

respirar. A busca já não mais é pelas portas.

mares revoltos. Há uma velha placa

Ou respostas. É sobre mim. Respirar é

que diz: Perigo de afogamento em

pertencer ao agora e a mim mesma. Instinto

tudo que ainda carrega contigo.

de quem é busca(dor). Entre as portasespaço-tempo-memória do Ser, há a leveza

Mas há outras-muitas portas nesse

da consciência e da possibilidade. Da busca

Eu. Algumas falam direto ao coração.

pelo fôlego do presente, do Eu-sentir. Não

Amigo, família, amor perdido e

há passado ou futuro nesse respirar. Não há

encontrado. Tem até alimento

portas vazias ou chave pra entrar. E a porta

compartilhado. Sobretudo, tem

da saída, também não há pra encontrar?

respostas. E há, em toda e qualquer porta que ouso abrir.

Sonhos

Se o lado de dentro é o mesmo que o lado de fora. A porta que te faz sair, é a mesma que te fez entrar. Basta respirar pra achar.

[sonhos lúcidos & sonecas vespertinas que trazem versos e palavras sortidas]

sol, cachoeira, flôr e carnaval 8

tudo que traz alegria, brilha.

Ode ao rio

9

Só então viro correnteza.

E tudo que não é meu s e a f o g a .

Flutuar na água é definitivamente uma das coisas

Em si mesmo. E vira pedra ou

que mais gosto

cascalho, para no rio afundar.

de fazer.

Tão profundamente, mas tão profundamente, quanto

Passa tão

à mais antiga promessa que

ligeiramente

me sussurras:

rápido aquele instante em que

Quando meus encantos

me aquieto e me

em ti encontrar,

moldo ao rio, que

Pra mim vai retornar,

quando percebo, já

Como a filha das Águas,

desaguei em mim.

Que nas montanhas foi morar.

10

Quantas vezes vou precisar entrar no rio, sentir a chuva cair ou deixar o mato entrar, pra lembrar e entender que a presença é nossa prece mais sagrada?

Um sussuro diz: quantas vezes mais forem preciso.

11

Ganhei orelhas para escutar o

Ouso dizer que a escrita

Mundo externo e uma boca pra

é a voz de dentro.

expressar o que falo. reverberação é a tinta Ainda que todo meu corpo diga -

da caneta que me

o tempo todo e há, muitos jeitos

escreve todinha.

de dizer o que-se-quer-dizer. com sentimentos& concentra-se ali, na cavidade oca

pensamentos&

e úmida, a forma que mais utilizo

emoções nossas de cada dia.

de expressar-me ao mundo e-x-terior. Mas sabe, há diálogos

Você sente também?

dentro que nunca serão ouvidos

quando fala consigo?

pelas orelhas afora. esses. esses que tagarelo todo santo, santo dia.

Tum -tum

às vezes eu só falo. na maioria das vezes eu só falo. às vezes só anseio por escutar e não tem voz. mas sabe, sempre tem. no fundo sempre tem.

considero acreditar que não existe silêncio. enquanto eu viver:

tum-tum aqui. tic-tac pra lá. meu relógio que nasceu assim, grudadinho no meu peito. com ponteiros que apontam para uma única e mesma hora. e sabe? e eu me emociono toda Tum-tum.

e toda (e toda) vez que ouço. tum-tum. sabe porquê? porque eu

Tum-tum.

sempre esqueço disso.

Tum-tum.

respiro e tum-tum. sinto. (e tum-tum). me diga você. fecha o olho e sente. não é a conversa mais preciosa? parece mais é com uma pequena criança, que fala duas palavras. simples, pura e inteira em tudo que expressa.

Mania essa de mergulhar em mim; rio cheio; transbordante. de emoções, dúvida e devaneios. já estava na hora dessa água parada virar correnteza e deixar a leveza, tomar conta do lugar.

rio do mundo, do horizonte e de promessas, saiba que sou pequena, mas faço um esforço danado só pra te acompanhar

12

Ode ao mar Ontem à noite sonhei com você.

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Mas tinha uma concha, em especial, rosada, que me era tão mais bonita que qualquer outra. E eu passei, então, a procurá-la nas tuas águas. Uma aqui, outra acolá.

O dia já anunciava o anoitecer e eu precisava ir. Poucos passos pra chegar à areia e eu encontrei, ao lado de um tronco afundado, uma pequena pilha dessas conchas rosadas reunidas. Fiquei surpresa.

Eu saía de uma construção em pedra, a beira-mar, e ia te encontrar.

Teu mar azul-cristalino refletia as

Pensei comigo “alguém deve ter deixado aqui”. Não posso pegar.

cores do entardecer. Carregava comigo duas crianças, que

Até que um impulso tomou conta de mim.

pacientemente me esperavam,

Relembrei, em instantes, que eu mesma as

sentadas no muro de pedra. Ao

havia colocado ali. Deixei exatamente ali,

nosso lado.

para o exato momento em que eu estivesse precisando delas. Um pedaço de mim que

Molhei os pés e te admirei.

eu havia esquecido. Uma semente plantada,

Enquanto nos despedíamos,

pra mais tarde ser colhida. E assim foi.

daquele breve encontro, colhi as conchas mais bonitas que meus olhos podiam alcançar.

Levei-as comigo. Junto ao peito. Pra enfeitar o altar mais bonito que eu já fiz pra ti.

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Saudade do mar é uma coisa que aperta.

Vizinha - Sabe aquela sensação

de quando você ganha um presente? Então! É assim que eu me sinto quando uma flor nasce aqui no jardim.

[Disse a vizinha enquanto me mostrava as flores novas do seu quintal. E desatou a

e sol e uma pitadinha de papo furado da vizinha pelas manhãs (não

contar da pequena que encontrou mortinha

necessariamente nessa ordem) e, por

da silva quando alugou a casa e que depois

fim, a bichinha sorriu e deu flores, lindas

de um ~ataque de loucura~ (segundo a

que só, contava ela toda orgulhosa.

própria narradora) podou-a, deixando a pobre criatura peladinha de marré decí. Lá

No fundo, no fundo, não é de se

se passou o tempo, veio galho, brotinho, raiz,

espantar que isso dá uma ótima

joaninha, alimento, veio chuva

metáfora sobre a vida. Que volta e meia enlouquece, nos poda todinha e assim, como quem quer nada, nos oferece alimento-tempo, conversa fiada e um naquinho de amor.

E dói, não dói? Marrrr é tão lindo quando a gente floresce!

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do que você tem pressa? visita um jardim.

Conversa com as plantas lá de casa

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D. Rezadeira é assim, de dia tá toda arreganhada e a noite se fecha a reza.

Sussurra pra lá e acolá. Parece umas pessoas aí que eu conheço, de perna e calça. Ai de mim dá nome aos boi, nem indo na missa do padrinho me salvo dessa.

Mas pra D. Rezadeira dou muitos nomes.

Dou mesmo. Cada dia lhe nomeio de um nome formoso, bonito. Desses de mulher sorridente que a gente vê por aí. Ontem lhe gritei Lavínia e hoje de Rebeca. E amanhã só Deus sabe. Deus mesmo, esse que sabe tudo as coisa que acontece aqui.

Mas segredo mesmo, que todo mundo não cansa de sabe, é que D. Rezadeira fala todo dia com nosso Senhor do Bonfim pra que lhe arranje um bom regadô. Às vezes mete até S. Expedito no meio. Onde já se viu?!, pensei com meus abotoado.

“Pra me molhar todinha”, falou sem piscá. E eu? Uai, fiquei quieta! Já viu lá discutir com benzedeira? ai de mim e das minhas santas pra me salva!

Tem dia que lhe conto umas história diferente, que é pra lhe vê de se distraí e eu tira algum sabedor da vida dela antes de vir pra cá. Mas logo ela começa a faze umas reza bonita, que faz os olho borra e eu logo me perco nos pensador da vida. Às vezes acho que essa história de nomeação dela é pra fugi de quem ela foi ou pra lembra de quem ela qué sê. Vai entendê! Mas no fundo, tenho cá comigo, que D. Rezadeira faz o mesmo que todo faz por aqui todo dia. Acorda sempre uma pessoa diferente da que era, fazendo tudo as mesma coisa igual de sempre, reza pro santo errado e ainda acha que alguma coisa vai muda. Quem so eu pra discorda!

da série: planta palavra que nasce poema.

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Do

ic ivros qu i, quero es ded atória sl ee dic . e a as s p s ó f o lh e n as e o s ín

@miracoes_