Pureza loyola prémio escravidão 2013 personalidade mês dezembro

PERSONALIDADE MÊS DE DEZEMBRO

PUREZA LOPES LOYOLA

PUREZA LOPES LOYOLA PUREZA LOPES LOYOLA, brasileira, 54 anos, trabalhadora rural de Bacabal/ Estado do Maranhão, recebeu em Londres no ano passado o prémio AntiSlavery International Award (Prémio Internacional contra a Escravidão).

O prémio é concedido anualmente pela AntiSlavery International - uma organização criada em 1939 para combater as formas de escravidão contemporânea a pessoas ou entidades que se destacam nessa luta. O Brasil é o único país premiado duas vezes, ambas por indicação da Comissão Pastoral da Terra.

O padre Ricardo Rezende, desta comissão, de Rio Maria, no Estado do Pará foi o primeiro brasileiro a receber reste prémio. Foi em 1992 pela denúncia de trabalho escravo no sul do estado do Pará.

FILHO DESAPARECIDO Como é que uma trabalhadora rural do interior do Brasil (Maranhão) ganhou um prémio tão importante? A história é quase fantástica, e nela se misturam coragem, amor e uma fé inabalável desta mulher, mãe coragem.

A saga de Dona Pureza começou em 1993, quando o filho António Abel, na época com 18 anos,

saiu de Bacabal à procura de trabalho numa exploração de diamantes ou ouro ou numa fazenda qualquer.

Outros parentes que tinham saído em idênticas condições nunca voltaram, e esta mãe sabia disso.

Por isso, quando o tempo passou e o filho não deu notícias, ela deixou tudo e foi à procura dele.

Primeiro, a senhora Pureza apelou para as autoridades competentes. Chegou a ir até Brasília, ao Ministério da Justiça, mas ninguém lhe deu atenção.

Desesperada, resolveu que iria procurar o filho por conta própria.

MÃE CORAGEM Levou consigo muita paciência, um pequeno gravador e uma máquina fotográfica rudimentar e foi aos garimpos (lugares onde se explora diamantes e ouro). Lá, obteve a primeira pista: Abel teria ido trabalhar numa fazenda, a Agronunes, no Maranhão.

A pé, com a fotografia do filho em punho, Dona Pureza foi entrando pela fazenda dentro e pedindo informações. "Até os pistoleiros me respeitavam.

Afinal, todos têm mãe" – conta ela.

O que esta mãe viu na fazenda Agronunes deixou-a assustada. Na frente, junto à sede da fazenda, os trabalhadores estavam com uniformes, tinham casas decentes e escola para os filhos (Às vezes as aparências enganam).

Mas, no fundo da fazenda, no meio do mato, os homens contratados para o abate de árvores (derrubada, no Brasil) viviam debaixo de barracas de lona, não tinham água potável e a comida era péssima. E mais: ninguém podia sair, devido a um suposto endividamento. A presença de pistoleiros testemunhava o quadro de submissão e terror.

DOCUMENTO VIVO Foi essa a história que a senhora Pureza contou a José do Carmo Siqueira, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra no Maranhão. O advogado imediatamente se ofereceu para a acompanhar novamente ao local, com a presença de uma repórter do jornal Folha de S. Paulo.

Por sorte, o gerente da fazenda tinha viajado, e eles puderam entrar e verificar que se tratava de um caso de trabalho escravo, envolvendo oitenta trabalhadores rurais.

Depois disso, com a informação de que o filho tinha ido para uma fazenda no Estado do Pará, a senhora Pureza retomou a luta. Visitou mais de uma dezena de fazendas, anotando tudo, gravando entrevistas (o gravador escondido na bolsa) e disparando fotos, sempre que possível.

Anotando o nome dos "gatos" (intermediários), das fazendas e dos trabalhadores rurais que nelas trabalhavam em regime de escravidão, a senhora Pureza foi montando um arquivo extraordinário

sobre a situação. "Ela se transformou em arquivo vivo sobre o trabalho escravo no Pará", diz o advogado Siqueira.

No entanto, não conseguia encontrar o filho. As pessoas diziam que Abel só poderia estar morto, mas ela recusava-se a acreditar nisso. A fé em Deus não a deixava desanimar.

FILHO ENCONTRADO Finalmente, em maio do ano passado, Abel reapareceu. A sua história é a mesma de milhares de trabalhadores rurais que acabam por se tornar escravos.

Abel tinha sido levado pelos "gatos" (intermediários) para várias fazendas com promessas de bom trabalho, mas chegou a ser ameaçado de morte, até que conseguiu fugir.

Passou quinze dias no mato e, ferido, foi parar a Santana do Araguaia/Estado do Pará. Lá, ao ver uma igreja lembrou-se da fé de sua mãe Pureza e pediu auxílio ao pastor. Ficou na casa dele durante três meses, até curar a ferida da perna doente. O pastor conseguiu depois avisar a senhora Pureza, que foi buscar o filho.

Com este final, surpreendentemente feliz, Dona Pureza, mãe coragem, poderia ter optado por ficar na tranquilidade da sua casa com o filho. Mas isto não é do seu feitio. Faz-se sócia da Comissão Pastoral da Terra do Maranhão e participa numa campanha

contra o trabalho escravo. Porque tem muito que dizer e conhece o assunto sobre o qual vai falar.

A senhora Pureza diz que não compreende as mães que perderam os filhos por causa dos "gatos" e ficam em casa, a chorar. "Eu digo para elas que se devem unir e procurá-los. Se todas fizessem isso, o trabalho escravo desapareceria."

GALERIA ILUSTRE Em 1995, quem recebeu o Prémio Internacional contra a Escravidão foi Harry Wu, antigo prisioneiro político da China que hoje, nos Estados Unidos, é diretor de um centro de pesquisa sobre o trabalho forçado nos campos de detenção chineses.

No ano de 2012, quem venceu foi a Organização Indígena Atalaya, do Perú, que conseguiu libertar o povo indígena Ashaninka da escravidão por dívidas.

Agora, com toda a justiça, Pureza Lopes Loyola, uma trabalhadora rural do interior do Maranhão, passará a fazer parte desta ilustre galeria.

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__________________ Reprodução livre do texto de :Malu Maranhão, assessora de comunicação da Comissão Pastoral da Terra, para a Revista Se m Fronteiras .