No Tempo Dos Coronéis

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No local exato da casa, hoje funciona o depósito Real Gás, no atual bairro Limoeiro. Mesmo cansados de um dia de viagem, insistiam em brincar enquanto os “trens” eram colocados em seus lugares. Haviam saído muito cedo da Barra do Jacutinga em Santo Antônio do Manhuaçu. Deixaram lá Virgínia e José Penna. A fazenda Barra do Jacutinga ia ser conhecida daí para frente como fazenda do Cristal por causa de um cristal grande que foi achado no alto do pasto. Entre mulas e cavalos, eram seis em fileira pelo caminho só para a família: Chico Penna, Ana Cândida, Helena e Chichico, cada qual na sua montaria. Helena tinha um silhãozinho com encosto. Tia Alice, com quatro anos, vinha na cabeça do arreio de um cavalo conduzido por Joaquim Ribeirão; tia Hilda, a ciganinha do pai, também vinha na cabeça do arreio de um cavalo levado por José Januário. Tio Hélio, bebezinho, foi no colo do Gervásio, que a pé andava a passos largos, acompanhando a caravana. Seguindo o séquito, carros de boi, empregados em montarias próprias, levando canastras de roupas, utilitários, móveis, baús de mantimento e o cofre do vovô. As crianças iam nas mulas, olhando curiosas as poucas casas à beira do caminho. O que mais havia eram matas fechadas, capoeiras e cafezais. No “Alto da Biquinha”, Chico Penna determinou parada para o almoço. A matula feita de frango frito na gordura de porco descansava na lata de querosene cheia de farinha. As latas, por sua vez, estavam acomodadas dentro de canastras de couro. Na serra do Jacutinga, um imprevisto para atrasar o seguimento da caravana. O carro de boi que carregava o cofre começou a escorregar no lamaçal. O boi negaceou, forçando para frente e para cima. Um correu de lá. Outro correu de cá, mas sem resultado: o carro tombou. O cofre caiu do carro de boi e foi rolando pela ribanceira. Os empregados correram pela ribanceira abaixo. Deu

um trabalhão colocá-lo no lugar, mas tudo saiu a contento. Ao entardecer, chegaram enfim em Caratinga e logo ao Limoeiro. Avistaram o sobrado imponente no pé do morro: duas fachadas se mostravam à claridade do fim de tarde. Quatorze janelas com vidraças coloridas, todas à vista. Nove de frente para o pomar dos limoeiros do lado assobradado da casa. Outras cinco janelas mais um alpendre dando para a frente de uma estrada precária, que viria a ser a Rio–Bahia. Cercando a fachada da estrada, nada de cercas, mas sim um muro alto de pedras, com nove pilastras de cimento que se alternavam com grades de ferro. O muro circundava um grande jardim retangular. Fazendo quina de noventa graus, o muro terminava na parede da frente, deixando-a exposta à vista de quem chegasse. Embaixo das nove vidraças que davam para o pomar dos limoeiros, no andar de baixo, nove portas alinhadas, todas de frente, voltadas para a entrada dos animais. Essa entrada de serviço era um caminho calçado de pedras por onde entravam o gado e as tropas. Por isso, tinha uma porteira na entrada. Na parte de baixo do caminho, um muro baixo e grosso de pedra rejuntada o ia contornando até encontrar o paiol, já lá nos fundos. Entrando pela casa, Sadonana, desacostumada de viagens, dava ordens, organizando a função. Também ela olhava a casa grande. Tão diferente da simplicidade da fazenda da Barreira de Baixo. Ela ainda não sabia, mas ali passaria os próximos 30 anos. Ali ela seria feliz e preocupada, criando sua prole até o dia de sua morte. Nessa casa, a vida foi mais confortável. O casal se dava bem. Não discutia. Ela tinha o hábito de dar uns beliscões na barriga dele, e ele dizia: – “Ó Ana! Para com isso!” E ficava o dito por não dito. Essa mania de beliscões era costume antigo trazido de além-mar. É conhecido como “mimos de Portugal”. Segundo esse costume, os namorados utilizavam os beliscões para declarar intenções.

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