BEM VIVER 8

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por Renata Canales

Bodas de Prata

Vinte e cinco anos que não se viam. Enquanto ela dirigia para o endereço anotado no pedaço de papel acomodado no banco do passageiro, tentava controlar o coração que a todo minuto desandava a acelerar. Muitos fatos já tinham se transformado em passado nestes anos. Ela casara, tivera filhos, divorciara, conhecera outros homens, enfim, uma enxurrada de emoções lhe lavara a alma durante tantas vezes, que com certeza modificara a feição tranqüila e despreocupada de outras épocas. E ele, como estaria? Lembrava-se de cada detalhe do que haviam vivido juntos, como se o que os separassem fossem apenas poucos meses, dias, minutos. Até porque o tempo contado no relógio é bem diferente daquele aprisionado na memória. Para ela, a imagem da figura bonita do homem por quem se apaixonara na juventude era presente, assim como os gestos, o tom da voz, as risadas. Pelas ruas, as pessoas passavam indiferentes à ansiedade que lhe tirava o compasso da respiração. Observou os carros que paravam ao seu lado no semáforo, os pedestres que atravessavam as ruas, cada um com seus problemas, suas alegrias, em seus mundos próprios a desfilarem sorrisos, zangas, desejos. Não reconhecia nenhum deles. Nem mesmo a paisagem urbana era a mesma. Prédios novos, casas antigas com pinturas diferentes, lojas em locais que antes moravam amigos. Era a primeira vez que voltava à cidade onde nascera e passara infância e adolescência. Viera para assombrar fantasmas que lhe batiam na porta diariamente. Sabia que era preciso vê-lo, mesmo que por um instante. Pela lista telefônica, conseguira entrar em contato e marcaram o encontro. Surpreendentemente, ele também estava sozinho. O destino dava mostras de camaradagem. Deu seta para virar à esquerda, logo estaria em frente ao número que indicava o endereço anotado. Mas um tremor a fez parar o carro. Olhou-se, então, no espelho retrovisor e se deparou com ela envelhecida. As rugas em volta dos olhos, a pele sem o frescor de anos atrás, o cabelo com tinta. Como seria recebida, pensou. Retocou o batom, ajeitou os brincos e demoradamente engatou a marcha para chegar ao próximo quarteirão. Estacionou bem na frente do edifício. Arrumou a saia e caminhou sem ter domínio completo do movimento até a guarita do prédio. Anunciou-se a um porteiro de olhos desinteressados. Claro que podia subir. Era só chamar o elevador. Entrou sufocada, querendo sair, e a cada andar que este subia, subia-lhe junto o coração, a ponto de achar que lhe saltaria pela boca. Novamente arrumou o cabelo, pigarreou e aguardou apreensiva a chegada. Um pequeno solavanco anunciava o fim da espera. Ele já a esperava na porta. Seus olhos se encontraram e era como se naquele momento uma rede lhes caísse por cima das cabeças e fizesse todo o resto do mundo simplesmente não existir. Ele estava grisalho, o corpo se curvara um pouco e parecia estar mais baixo, também não apresentava mais os músculos torneados de tempos atrás. Mas o olhar era o mesmo. E se os ponteiros do relógio cumpriram seu trabalho, se o planeta por vinte e cinco vezes se deslocou em torno do sol, isso não foi suficiente para que acabassem o carinho e a cumplicidade que lhes eram companheiros. E já com o batimento cardíaco normalizado, com a tranqüilidade que este olhar lhe trazia, ela entrou naquele apartamento resolvida a não sair mais. Afinal, o tempo lhes provara que era amigo, e eles tinham agora não apenas os próximos vinte e cinco anos, mas toda a eternidade.

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