Bem Público - Edição 49

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ISSN 1982-7202

Nº 49 - ANO 9 - R$ 9,90

MULHER, A FORÇA DO CAMPO Solidariedade nas Ilhas

Mustang 50 anos de paixão

Paixão na “Bem Público”

Ricardo Kotscho

João Pedro Stedille

Elizabeth Fonseca

Leonardo Boff

Mario Milani

Os PERIGOS da judicialização

PARANÓIA da inflação

ESCREVER é complexo

Refundação do BRASIL

Como acabar com a FOME?


caixa.gov.br SAC 0800 726 0101 (informações, reclamações, sugestões e elogios) Para pessoas com deficiência auditiva ou de fala 0800 726 2492 Ouvidoria 0800 725 7474 facebook.com/caixa

A CAIXA, principal agente de políticas públicas do Governo Federal, está presente em todos os municípios do país e conhece as necessidades de cada região. Por isso, tem uma linha completa de produtos e serviços para o setor público. • Crédito para moradia, saneamento, infraestrutura e transporte. • Soluçõesparamodernizar a gestão e melhorar o gerenciamento de contas. • Gestãodosprogramasdetransferência de renda. • Programasdeapoioaodesenvolvimento local e muito mais. Para saber mais, acesse caixa.gov.br/governo ou procure a Superintendência da CAIXA de sua região.



49ª

EXPEDIENTE ISSN 1982-7202

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Bem Público é uma publicação da Hora Pública Editora janeiro/fevereiro de 2014 Editor-Chefe: Mario Luiz Milani

Projeto Gráfico e Paginação: Enter Comunicação

Editor Executivo Marcos Scotti

Assessoria Jurídica: Marcus Reis, Murilo Távora e Advogados associadosmarcus@vrs.com.br; murilo.tavora@terra.com.br

Colaboraram nesta edição: Irineu Colombo Jubal Dohms Joka Madruga Jeferson Brittes Lelington Lobo Franco Luiz Manfredini Naiara Milani Rafael Brittes Milani Serli Andrade

Departamento Administrativo bempublico@bempublico.com.br Departamento Comercial: comercial@bempublico.com.br Jeferson Brittes Departamento de Assinaturas assinaturas@bempublico.com.br Representação EnterPress Brasília - São Paulo - Salvador Florianópolis - Porto Alegre enter@enter.com.br

Articulistas Domingos Pellegrini Eloi Zanetti Ivan Schmidt João Pedro Stedile Jota Oliveira Leonardo Boff Parreira Rodrigues Ricardo Kotscho Willy Schumann

Parceiros: Hora Pública Editora Enter Comunicação Distribuição Ghignone Distribuidora Av. Iguaçu, 624 - Rebouças Curitiba - PR (41) 33237737

Correspondentes: EUA: Kim Mastters Indonésia: Fabio Mesquita Alemanha: Werner Schumann Itália: Marcus Carboneri

Matérias assinadas não significam necessariamente a opinião da revista.

REALIZAÇÃO

Hora Pública Editora Rua Amazonas, 75 - Água Verde - Telefone (41) 3332-7580 - Curitiba/Paraná CEP: 80610-030 - E-MAIL: bempublico@bempublico.com.br

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ÍNDICE

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Paixão

Solidariedade nas ilhas

16 50 anos de paixão Musatang Clube do Paraná cruza quatro estados americanos para comemorar os 50 anos da marca.

A estilista e empresária curitibana Louise Alves.

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Mulher, a força do campo

Sociedade Nossa Capa E mais... 8 - Mário Milani: Fome. Como acabar com ela? 10 - Gente do Bem 12 - Domingos Pellegrini: O melhor brinquedo 13 - Cartas e e-mails 18 - Sustentabilidade no mar 19 - Elisabeth Fonseca: Escrever é complexo 20 - Ricardo Kotscho: Os perigos da judicialização da vida 22 - João Pedro Stedille: Paranóia da inflação 25 - A subversão da imagem no telejornalismo 26 - Leonardo Boff: A refundação do Brasil 30 - Leitura Mulheres do campo, a força que gera a vida e produz o alimento. Foto: MDS

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PAIXÃO

Paixão Ademir Vigilato da Paixão

Enquanto isso...

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PAIXテグ

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OPINIÃO

FOME

como acabar com ela?

Segundo a FAO, 870 milhões de pessoas no mundo sofrem com a desnutrição

Por Mário Milani

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Fome. Um fantasma que mata sem piedade ao redor do mundo. Tomar café da manhã e fazer pelo menos uma refeição ao dia. Uma rotina que para a maioria da população pode parecer simples, é impossível para cerca de 870 milhões de pessoas que sofrem com a desnutrição, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura - FAO, divulgados em 2013. Entre 2010 e 2012, uma em cada oito pessoas do planeta deixou de comer ou comeu pouco. Mais de 10 milhões de crianças morrem por ano no mundo, mais da metade delas subnutridas. Ainda segundo a FAO, a desnutrição afeta 32,5% das crianças dos países em desenvolvimento, uma em cada três. Geograficamente, mais de 70% das crianças desnutridas vivem na Ásia, 26% na África e 4% na América Latina e no Caribe. Aliás, 836 milhões de pessoas afetadas pela fome residem em países em desenvolvimento, algo em torno de 15% da população destas regiões. Fome. Um fantasma que mata, mas que poderia não existir. O mundo produz hoje alimento suficiente para proporcionar a todos os habitantes do planeta pelo menos 2.720 kcal por dia. Não existe escassez de alimentos. O que existe e faz a fome se perpetuar é a distribuição desigual da riqueza. São os eternos conflitos pelo poder. Enquanto uns poucos têm muito, muitos têm pouco ou quase nada. Informações recentes do Banco Mundial mostram que ao menos 1,3 milhões dos habitantes de países em desenvolvimento vivem com um salário de menos de um dólar por dia. Por outro lado, a terra que produz o alimento está concentrada nas mãos do agronegócio. Sem dinheiro, o cidadão não compra o pão de cada dia. Sem terra, o cidadão não cultiva o seu alimento. O que tem amenizado a fome no mundo são intervenções


Arquivo Pastoral da Criança

Zilda Arns: o trabalho incansável da Pastoral tirou da desnutrição milhões de crianças em todo o mundo.

pontuais e políticas públicas, beneficentes e ações privadas colocadas em prática em alguns lugares do planeta. A ajuda humanitária em regiões de conflito, campanhas e missões de socorro e projetos e programas que promovem distribuição de renda e tecnologia que se traduzem em segurança alimentar ou, no mínimo, amenizam o sofrimento. Combater a desnutrição não é só acabar com a fome. É também proporcionar condições para uma economia sustentada. A subnutrição causa dificuldades de aprendizagem, retardo no desenvolvimento, saúde precária, cegueira e morte prematura. O indivíduo saudável aprende mais fácil, raciocina melhor e produz mais. O Brasil tem exemplos e contribuições para dar. A inesquecível Zilda Arns e a Pastoral da criança, que tirou milhões da subnutrição, aqui e em países

Combater a desnutrição não é só acabar com a fome. É também proporcionar condições para uma economia sustentada

pobres; o programa de agricultura familiar sustentável e o maior programa de distribuição de renda, que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país, já praticado por uma Nação: o Bolsa Família. O relatório “O estado de insegurança alimentar no mundo”, apresentado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, em 2012, cita o exemplo brasileiro do “Bolsa Família” como uma política eficaz no combate à fome. Em 2013, a ajuda financeira do programa chegou a 14,1 milhões de brasileiros e R$ 20,6 bilhões pagos. Para receber o benefício, as famílias precisam ter os filhos na escola e renda per capita de até R$ 140,00 por mês. Os exemplos estão aí. É preciso multiplicá-los. Mario Milani é jornalista. 2014 - edição 49 - 9


OPINIÃO

Um pedido de filha aos queridos pais: muita atenção por onde andam nesta cidade de calçadas e ruas esburacadas. E, por favor, saiam sempre com documentos. Meu pai estava sem os dele, voltando pra casa após almoçar na casa da minha irmã. Se ele não estivesse consciente, o socorro teria sido bem mais complicado

Agência Brasil

Mariana Kotscho, filha de Ricardo Kotscho, em nota publicada no “Balaio do Kotscho”, a respeito da queda sofrida pelo pai na rua.

Arquivo Balaio

Vinícius Lummertz, secretário nacional de Políticas de Turismo.

O uso dos oceanos vai aumentar. Para termos uma extração ambientalmente sustentável dos recursos do mar e das áreas costeiras, todas as partes envolvidas devem trabalhar juntas para criar soluções sustentáveis

Agência Senado

Martin Visbeck, do GEOMAR Centro Helmholtz para Pesquisa Oceânica, de Kiel, e palestrante do Cluster of Excellence - "The Future Ocean".

Temos 20% das espécies da Terra, 69 parques nacionais, duas das sete maravilhas naturais (Amazônia e Foz do Iguaçu) e 800 mil km quadrados de áreas protegidas

Quando você assiste ao filme “Pelé Eterno”, que mostra as boas jogadas do Pelé, você fica mais impressionado ainda com o grande jogador que foi o Pelé. O Lula, as cenas que vêm à mente são os acertos. Mas a nomeação de Joaquim Barbosa (feita pelo expresidente Lula), na minha opinião foi, não um equívoco, porque depois que você nomeia o ministro do Supremo ele se institucionaliza. Mas é estranho realmente que alguém nomeado pelo governo do PT tenha esse ânimo contra um partido. Ao final das contas, na minha opinião, o Joaquim Barbosa está canalizando as energias não só daqueles que não gostam do PT, mas daqueles que não gostam da política. Tem um segmento da sociedade que acha que a política é o mal. Que político é tudo isso. Que político é tudo ladrão.

André Vargas, deputado (PT), vice-presidente da Câmara dos Deputados, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, sobre as animosidades entre ele e o presidente do Supremo.

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SOS

Agência Brasil

É um projeto que desde já tem linhas muito claras de garantir a liberdade de manifestação, dar segurança ao manifestante e coibir abusos que têm ocorrido nos protestos ultimamente.Vamos coibir os abusos, independentemente de onde eles vierem, sejam de manifestantes, sejam de policiais

Norman de Paula Arruda Filho, presidente do ISAE/FGV

É com iniciativas que conseguimos fomentar a prática de ações sustentáveis que objetivem atingir as metas do milênio. Temos muito orgulho em contribuir para a difusão de projetos impactantes para a sociedade atual

José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, a respeito do projeto que pretende coibir abusos em manifestações que está sendo elaborado pelo governo federal.

Aécio Neves, presidente nacional do PSDB.

Assessoria PSDB Agência Brasil

O setor está sem capacidade de investimentos e o governo é obrigado - com recursos do Tesouro - a socorrer as empresas, seja de geração ou de distribuição. Todos defendemos a diminuição da conta de luz. Mas isso deveria ter sido feito com a redução dos tributos federais

A nossa missão é solidificar a política de tratamento diferenciado para os pequenos. Neste processo precisamos estar juntos mais do que nunca. Nós estamos em uma cultura burocrática que precisamos enfrentar. Este é o começo das grandes mudanças no país

Guilherme Afif Domingos, ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.

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C U LT U R A

O

melhorbrinquedo Por Domingos Pellegrini

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Era um jogo de armar, com suas colunas, arcos, telhados, fachadas, com que eu montava minha fortaleza. Depois, espalhava em volta meu batalhão de soldadinhos e também os cavaleiros. Daí pegava o canhão, que eu tinha feito pregando um canudinho de metal numa ripa, onde amarrei em dois pregos um elástico. Enfiava no canudo um lápis e depois a bolinha de rolimã, esticava o elástico e o lápis era projetado canudo adentro, lançando a bolinha. O lápis não ia junto porque tinha uma tachinha no cabo. Assim eu ia bombardeando e derrubando a fortaleza. Algum cavaleiro resistia, até que eu conseguia derrubar com um tiro enfim certeiro. Então montava tudo de novo, para novamente bombardear, narrando em voz alta a batalha. Durante mais de ano guerreei assim, até que enjoei, mas guardei o jogo de armar e os soldadinhos durante muito tempo. Joguei fora num dia em que resolvi limpar gavetas e armários. Que arrependimento. Se tivesse guardado, os netos hoje estariam brincando – ou seria politicamente incorreto brincarem com armas, mesmo minúsculas? Na verdade e no fundo, eu não brincava com armas, brincava com a imaginação. Num Natal, ganhei um tanque de guerra movido a pilha. Roncava e piscava, e, se fosse colocado sobre uma mesa, não caía: quando as duas rodas dianteiras ficavam no ar, saindo da mesa, o tanque inclinava para a frente e uma rodinha transversal tocava a mesa, fazendo o tanque virar para o lado, continuando a rodar pela beirada da mesa. Era um artifício simples e brilhante, mas, quando se gastaram as pilhas, não troquei, nem sei que fim levou meu tanque de guerra. Afinal, ele era muito engenhoso e, por isso mesmo, não precisava de mim. Agora os netos vêm brincar aqui na chácara e têm um baú de vime cheio de brinquedos e jogos de armar. Mas o que mais gostam é de brincar com vassoura, rodinho e mangueira no terraço. Molham os ladrilhões do piso, e passam rodinho e vassoura, “trabalhando” como faz a vó, depois se lançam de barriga, escorregando, e riem que dá gosto ver. Repetem isso infinitas vezes, até surgirem vergões na barriga, aí mando parar, obedecem cansados e satisfeitos. E toda essa brincadeira, que durou mais de hora, custou só um pouco de água. Pergunto o que estavam fazendo, dizem que estavam trabalhando. Mas como, pergunto, escorregando no chão, que trabalho é esse? – Ah, não, vô, aí a gente era peixe! Estão começando a subir em árvores. Dalva diz que não devemos ajudar, ou perderia a graça para eles. Ainda não passaram do primeiro galho, mas chamam orgulhosos: – Olha, vô, onde a gente subiu! – Agora eu era macaco, vô! E essa brincadeira também não custa nada. Não tem pilha, nem plástico nem metal. E se renova sempre, embora seja tão ancestral. Nós perdemos a preensibilidade dos pés quando deixamos de viver nas árvores. Os macacos continuam podendo prender os pés nos galhos, porém não têm isso que conseguimos desenvolver tanto, e que tanto bem nos faz, a imaginação. – Olha, vô, a gente tá voando! Na verdade, estão deitados no assoalho, cada um com a barriga sobre almofada, pernas e braços abertos. – Tá vendo, vô, a gente tá voando! Digo que estou vendo, sim, e aplaudo. “Que beleza”, digo. “Dois aviões no meio da sala!” – A gente não é avião, vô, é passarinho! Confesso minha ignorância, não tinha percebido. Dois passarinhos, quem diria. Aplaudo, eles continuam a voar felizes, rindo, até que cansam, ficam deitados de barriga para cima, olhando o teto, esperando novo comando da velha imaginação.


CARTAS

BIFE SUJO Muda Brasil É evidente que muita coisa no Brasil precisa mudar. Dos cidadãos aos políticos. O povo mostrou nas ruas em 2013 o que é necessário para uma sociedade mais justa. Esse mesmo povo que parou de ir às ruas, mesmo sabendo que praticamente nada do que reivindicou foi atendido, mostrando consciência ao ver que o seu grito estava sendo sufocado por vândalos, encrenqueiros e grupos com ideologias equivocadas, baderneiros por assim dizer, que despertaram a reação policial, quebra-quebra e até mesmo mortes. A mensagem não era essa. A corrupção continua a mesma, Os impostos continuam consumindo o trabalho e a vida. A educação continua carente e a saúde ainda espera por infraestrutura. É verdade que programas e projetos tentam amenizar a situação, a exemplo do Mais Médicos, que colocou médicos em praticamente todos os municípios carentes do Brasil, segundo dados do próprio governo. O morador do interior agora tem assistência médica, não importa se o profissional é cubano ou brasileiro. Mas ainda falta a infraestrutura para que este profissional possa exercer o seu papel. Ainda precisamos de muito para alcançarmos qualidade de vida. Há muito por se fazer. Espero que a Copa e as eleições que estão por vir não desvirtuem o foco de que ainda precisamos mudar. Manoel Barbosa, engenheiro, PR

Informação e conteúdo Gostaria de expressar meu profundo respeito por quem transforma a informação em conteúdo para ser digerido pelo cidadão, ajudando-o a buscar uma vida melhor. É que li em algumas edições da revista Bem Público que tive a oportunidade de ler. Como exemplo, cito as matérias que falam da orla marítima e seu desenvolvimento, nem sempre sustentável. Sempre morei no litoral, ou próximo, Ao longo da vida vi praias paradisíacas serem transformadas em condomínios fechados ou terem crescido tanto que nem a propaganda de que é o melhor balneário, com águas limpas, convence mais. A Bem Público vem falando nisso faz tempo. Espero que, como eu, todos também tirem proveito da informação de qualidade. Parabéns. William Henrick, professor, SC.

Os donos da Copa Afinal, a Copa vai acontecer em todas as cidades indicadas pelo Brasil e pré-determinadas pela Fifa. Não quero nem falar do custo disso para o país. Nem tampouco da paixão do brasileiro pelo futebol. Mas fiquei com a pulga atrás da orelha. Afinal, quem ganha com a Copa? A população com o tal do legado? Muita coisa do que foi divulgado em infraestrutura ficou para depois. E isso é obrigação do poder público fazer, independente de Copa. O Brasil, porque vai abrir as portas do país à 600 mil turistas? De certa forma sim, porque ajuda o país a ser mais conhecido e respeitado mundialmente. Mas turistas se pode atrair o ano todo com uma divulgação bem feita. Acredito mais que quem ganha com a Copa seja a própria Fifa, que tem seu dinheiro garantido e exigências garantidas - afinal, são eles quem mandam na Copa. Os donos da mídia, que abocanham sua parcela. Uma parte do comércio, certamente. E a indústria do futebol por aqui, que fez crescer absurdamente os custos dos novos estádios. Afinal, quem ganha com a Copa? Manfred Godói Schllesser, estudante, PR. 2014 - edição 49 - 13


CIDADANIA

Solidariedade nas

Arquivo: Eloy Cidreira

ilhas

Projeto da Pastoral do Tecpuc leva conhecimento às comunidades do litoral paranaense Nos últimos dois anos, alunos, professores e voluntários do ensino técnico do Tecpuc se envolvem com uma realidade completamente diferente da vida na sala de aula, ou mesmo na cidade. Na prática é um encontro da teoria com a prática, o conhecimento com a experiência que muda pensamentos e comportamentos. O projeto é o Tecpuc Solidariedade, criado pela Pastoral do Tecpuc e desenvolvido em comunidades em vulnerabilidade social no Paraná. O objetivo é expandir atividades para formar, além de bons profissionais, cidadãos comprometidos 14 - edição 49 - 2014

com a ética, com a justiça e com a sociedade. O projeto foi colocado em prática em 2012 e envolve alunos voluntários de praticamente todos os cursos técnicos da instituição. Alem de conhecerem uma nova realidade, fora das salas de aula, quem participa do projeto transmite conhecimento e contribui de alguma forma com a comunidade. É o que vem acontecendo desde que o projeto foi criado nas comunidades de Tibicanga e Poruquara, ilhas a cerca de uma hora e meia de barco do centro de Guaraqueçaba, onde vivem cerca de 300 pessoas subsistindo basicamente da pesca. A distância dificulta o acesso a recursos básicos como, por exemplo, saúde. Alunos do curso técnico em Enfermagem que participaram do projeto da Pastoral constataram que a população local é muito suscetível a desenvolver hipertensão, em consultas com os moradores das comunidades, em função de hábitos cultivados antes

da chegada da energia elétrica nas comunidades. Para conservar os alimentos, era usado o sal. A informação acabou norteando ações posteriores do projeto que, nessa área, levou à comunidade informações sobre alimentação e segurança alimentar, além de dicas para uma vida saudável. O contato com a realidade local causa impacto. Entender a comunidade para poder agir solidariamente nem sempre é tarefa fácil, principalmente em lugares como Tibicanga e Puruquara, onde a pressão econômica e ambiental deixam os moradores com um pé atrás. Foi o que sentiu a última expedição do projeto às ilhas, no final de novembro de 2013. “Os moradores das ilhas estão vivendo um momento muito delicado, por que se sentem ameaçados. Nos últimos anos uma série de exigências por parte do poder público estão acontecendo e eles temem serem expulsos das ilhas”, conta Eloy Cidreira, professor de Segurança do Trabalho


Arquivo: Eloy Cidreira Arquivo: Eloy Cidreira

O projeto foi colocado em prática em 2012 e envolve alunos voluntários de praticamente todos os cursos técnicos da instituição

A distância dificulta o acesso a recursos básicos como, por exemplo, saúde. Nas fotos, Tibicanga e Puruquara e a equipe do projeto da Pastoral do Tecpuc.

no Tecpuc e um dos participantes do Tecpuc Solidariedade. “Isso, no entanto, não impediu que cumpríssemos nossa missão de contribuir de alguma forma para passarmos conhecimento e solidariedade”, conta o professor. Guaraqueçaba é área de proteção ambiental, onde a ocupação e as atividades desenvolvidas estão sujeitas a prévia aprovação. É o que vem acontecendo nas ilhas. De um quase total estado de abandono há alguns anos para uma fiscalização e cobrança cada vez mais intensas. Moradores das comunidades locais chegaram a ser detidos por adentrarem em áreas de preservação e locais proibidos para pesca, sob a alegação de que a pesca é uma atividade exclusiva dos filiados à Associação de Pescadores e que, uma vez pescadores, não podem exercer outra atividade senão a pesca.

Alem da pesca, alguns moradores locais mantém pequenos comércios como forma de reforçar a renda. Eles contam que o Corpo de Bombeiros esteve nas ilhas e notificou todos os estabelecimentos (mercearias, bares e até igreja), exigindo certificado de vistoria e identificação dos proprietários. A energia elétrica, que seria um marco para o desenvolvimento comunitário, acabou se tornando em mais um problema: dívidas. A energia chegou junto com uma geladeira e um aquecedor solar para as residências. Quando as contas começaram a chegar com valores altos, muitos moradores se viram sem condições de pagamento. A água, que nunca foi problema nas ilhas já que nasce ali mesmo, pura, cristalina, conforme foi comprovado pelas análises feitas pelos alunos das primeiras expedições do Tecpuc Soli-

dariedade, também tem sido alvo de preocupações. A Sanepar deve assumir a gestão e o tratamento da água. Isso significa mais contas para serem pagas. Apesar de tantas preocupações as atividades desenvolvidas pelos voluntários do Tecpuc somam conhecimentos que podem trazer melhoria na qualidade de vida das comunidades. “Esta atividade não é só um projeto, é a nossa missão. Temos que formar cidadãos virtuosos e não há alegria maior do que melhorar a vida de outras pessoas compartilhando o que aprendemos. Além disso, por meio do conhecimento levamos qualidade de vida”, conta o coordenador da Pastoral Leandro Sanches Filho. Em troca, a comunidade local mostra a realidade e os desafios a serem vencidos para se ter uma vida com qualidade.

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OPINIÃO

50

anos de

paixão

“Conheci o carro com menos de 10 anos e, desde o princípio, eu sabia que um dia eu teria o meu”. Essa história pode perfeitamente se adaptar ao sonho de qualquer menino ou menina, aqui ou em qualquer lugar do mundo. Mas para o garotinho que espiou por baixo da capa que cobria o carro na garagem do condomínio onde a avó morava e viu um grande cavalo cromado, preso à grade central de um carro branco com listras azuis, foi paixão à primeira vista, daquelas que dura a vida inteira e acaba 16 - edição 49 - 2014

justificando a imensa legião de fãs por ícones dos “muscle cars”. O carro era um Mustang GT350, ano 1966. O garotinho cresceu, foi estudar nos EUA e lá, finalmente, adquiriu o primeiro Mustang, um coupe 1966. De volta ao Brasil e hoje com outro Mustang, já que o coupe ficou por lá, a paixão pelo carro colocou Maurício Sebastiany na diretoria de Comunicação do Mustang Clube do Paraná, onde tratou de disseminar a paixão pelo Mustang e unir ainda mais os mustan-

Evento nos EUA vai reunir mustangueiros de todos os continentes para comemorar os 50 anos do Mustang. Entre eles, 30 apaixonados do Mustang Clube do Paraná

gueiros, do estado e do mundo. O projeto mais recente é uma viagem de 1.800 quilometros em território americano, lógico, de Mustang. Melhor, um comboio de 15 Mustang, numa aventura por quatro estados americanos. Prestes a completar 50 anos de história, o ícone da Ford será homenageado em um encontro gigantesco nos Estados Unidos, em Charlotte e Las Vegas, promovido pelo Mustang Club of America (MCA), em parceria com a Ford Motor Company, Shelby Ameri-


O que nos fez reconhecidos foi uma gestão eficiente com o diferencial que nossa paixão pelo carro nos leva a conhecer e trocar experiências e histórias com pessoas do mundo todo

Mauricio Sebastiany

can Inc. e Roush Performance. Clubes de Mustang de todos os países onde o carro encontra admiradores estarão lá, em abril deste ano. Uma oportunidade imperdível para Maurício e outros 29 sócios do Mustang Clube do Paraná. “Através de contatos firmados com a diretoria do MCA e com Mustangs Clubes Americanos, o MCP foi oficialmente convidado a participar das comemorações dos 50 anos, onde teremos uma área exclusiva para nosso grupo dentro do circuito de Charlotte”,

conta o diretor. O Mustang Clube do Paraná foi o primeiro Mustang Clube do Brasil, fundado em 2001 e conta, hoje, com mais de 80 associados cadastrados, com um inventário de mais de 100 Mustangs no estado, abrangendo modelos de 1965 até os mais novos. O MCP é o único Mustang Clube ativo da América do Sul credenciado ao Mustang Clube da América, conferindo ao clube paranaense status reconhecido internacionalmente. “O que nos fez reconhecidos foi uma gestão eficiente com o diferencial que nossa paixão pelo carro nos leva a conhecer e trocar experiências e histórias com pessoas do mundo todo”, finaliza Maurício. A aventura É tradição em grandes eventos automobilísticos se formarem comboios que atravessam regiões e estados até se reunirem para uma comemoração específica. Com os 50 anos do Mustang não poderia ser diferente.

Os 30 mustangueiros paranaenses vão entrar nos Estados Unidos por Orlando, onde 15 mustangs estarão esperando por eles. Vão passar por Daytona Beach e Jacksonville, na Flórida, Atlanta na Geórgia e Knoxville no Tennessee. No caminho, encontros com outros clubes de Mustangs já estão agendados. Até chegar em Charlotte, na Carolina do Norte, o comboio paranaense se encontra com outros cinco Mustangs com representantes do Clube do Mustang da Itália, um dos mais tradicionais e ativos clubes de Mustangs existentes. No último trecho da viagem, a comitiva Pony Drive ainda se encontra com o pessoal do Mustangs Across America, que estará vindo de Los Angeles cruzando todos os Estados Unidos até Charlotte. Ou seja: previsão de estrada cheia... De Mustangs. O evento, que vai atrair gente de todos os cantos da Terra e Mustangs de todos os modelos e anos para comemorar os 50 anos de história do carro, acontece no Charlotte International Speedway, de 16 a 20 de abril. Estar lá é uma aventura e realização para quem nutre uma paixão pelo carro. 2014 - edição 49 - 17


SUSTENTABILIDADE

Sustentabilidade

mar

no

Bioprospecção marinha no Brasil precisa de planejamento para preservar a sustentabilidade

A halicondrina B é um composto anticâncer de origem marinha. Para se obter 350 miligramas da substância no ambiente natural é preciso coletar 1 tonelada de esponjas da espécie Lissodendoryx, na qual a halicondrina é encontrada. Por conta disso, um trabalhado de bioprospecção mal planejado pode simplesmente provocar a extinção da espécie, o que já aconteceu localmente com esponjas em algumas regiões da costa europeia. O exemplo foi usado pelo professor Renato Crespo Pereira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), para ilustrar a importância de se planejar a exploração sustentável da biodiversidade marinha. Pereira proferiu a palestra "Compostos bioativos de organismos marinhos: como prospectar e preservar esse potencial" no Workshop sobre Biodiversidade Marinha: Avanços recentes em bioprospecção, biogeografia e filogeografia, realizado em setembro na sede da Fapesp, na capital paulista. A despeito de todas as dificuldades, o pesquisador afirma que o Brasil não pode deixar de explorar seus biomas marinhos. "O país já se encontra bem atrás de outros na exploração da biodiversidade dos oceanos. Países da Oceania, da Ásia, da Europa e da América do Norte apresentam atividade de pesquisa muito mais intensa em seus sistemas costeiros", disse. 18 - edição 49 - 2014

Segundo ele, as condições adversas presentes nos oceanos, como as variações de temperatura, que vão de registros negativos até 350º C, e de pressões, que variam de uma a mil atmosferas, fazem dos mares o ambiente propício para o desenvolvimento de metabólitos secundários extremamente complexos e sem paralelo nos ambientes terrestres. Substâncias que combatem fungos, bactérias e inflamações são alguns exemplos de produtos que vieram do mar e que justificam a intensificação das pesquisas marinhas no país, que ainda são incipientes. "Justamente por estar começando nesse trabalho de prospecção marinha é que o Brasil deve começar a pensar nos rumos que quer tomar", afirmou. Para o professor da UFF, há uma série de questões que devem ser levadas em conta para balizar a maneira de se explorar os recursos oceânicos, especialmente o fato de a natureza conseguir suprir a demanda da ciência e, posteriormente, de mercado por aquela substância. Pereira ilustrou com o caso da descoberta de uma alga encontrada somente em uma ilha brasileira. "Devemos nos perguntar: vale a pena fazer toda uma pesquisa a respeito dela para depois ver que não há algas suficientes para suprir a indústria?", colocou. Antes mesmo de se iniciar uma pesquisa de compostos bioativos

marinhos seria preciso verificar se a natureza tem condições de fornecer a matéria-prima em quantidade necessária. "Muitas vezes não encontramos o suficiente nem mesmo para os testes de bioatividade, o que dizer então da utilização comercial em maior escala", alertou. Reprodução em laboratório Pereira afirma ser necessário olhar o processo como um todo a fim de não realizar pesquisas em vão ou que acabem provocando impactos perigosos, como a extinção de espécies. "Se conhecemos o gargalo, às vezes é melhor começar a pesquisa por ele, ou seja, primeiro desenvolver métodos de reprodução daquele organismo marinho para depois testar os seus compostos", disse. Alternativas interessantes, segundo o professor da UFF, seriam investimentos em pesquisas em genômica e proteômica que desenvolvam o cultivo de organismos marinhos. Esses trabalhos ajudariam a reproduzir em laboratório moléculas e organismos de interesse científico e comercial. "A bioprospecção brasileira deve considerar vários objetivos: conservar a biodiversidade, promover o manejo sustentável dos organismos para a fabricação de produtos naturais e, é claro, encarar a biodiversidade como um valioso recurso econômico para o país", disse. Fonte: Agência Fapesp


OPINIÃO

Escrever é

complexo Por Elizabeth de Oliveira Morais Fonseca

Com as novas regras de ortográficas que passaram a vigorar em dezembro de 2012, o idioma Português é visto tanto por brasileiros e estrangeiros como um dos idiomas mais difíceis do mundo Escrever bem é uma tarefa complexa e que envolve múltiplas capacidades. A revisão é parte integrante e de muita relevancia no processo de produção de texto, seja qual for o tipo. Para isso, também, se faz necessário planejamento, processo que se aprende na prática. Atualmente, é preciso haver um profissional especifico, " o revisor de textos", pois com as novas tecnologias, surgiu também o comodismo da correção automáticas dos textos (ortografia), em softwares específicos Mas, a questão da textualização, na hora da edição, fica aquém da característica dos profissionais que usam a escrita para se comunicar e até mesmo como ferramenta de profissão. O uso vicioso de expressões "a nível de” é comum na fala, assim como o gerundismo e os termos do “juridiquês”. Vícios que por vezes são transmitidos ao texto escrito, confundindo tanto quem lê como quem escreve. O escritor pode apresentar vícios caracteríscos a oralidade

regional ou à qual pertence (socia/profissional), sem contar as novas gírias usadas nas redes sociais e abreviações em celulares e emails. Há um interlocutor, e para tanto, aquilo que se argumenta ao escrever deve ir de encontro ao resultado desejado pelo locutor, sendo assim, o texto coerente e de fácil compreensão. Não é apenas a pontuação que muda o sentido ou o significado do se escreve, mas o uso dos termos coesivos e gramaticais. Porém, quem escreve, nem sempre se atenta a tais obrigações. Tem-se a ideia, mas, não a forma ou formatação à qual este está inserido. É claro que cada texto deve ser escrito de modo que aquele que o lê o compreenda, levando-se em consideração qual o tipo de leitor se remete. Assim pode-se citar diferentes tipologias, tais como:jornalisticas, cientificas, informátiva, regionais, processuais e até mesmo narrativas. Negligenciado há tempos na lista de qualificações exigidas pelo mundo corporativo, o português voltou a cena e tem sido cada vez mais procurado por executivos e profissionais de diferentes áreas,para com isso, fugir dos deslizes gramaticais e dos textos prolixos. Em maioria, essa reciclagem se remete às regras básicas da escrita, que busca aperfeiçoar os profissionais quanto à ortografia, pontuação e oralidade, com destaque a clareza e objetividade ao se

compor ou relatar suas atividades. É fato que a prioridade no que tange a questão profissional se discerne mais ao estudo de língua estrangeira, mas como compreender e/ou falar outra língua se a que se a língua brasileira não é a desejada ao meio no qual atua? É preciso dominar as competências ligadas à comunicação e devido ao fato, tem surgido a cada dia, mais consultorias especializadas na língua portuguesa com ênfase na analise linguística. As aulas de Língua Portuguesa, desde o Ensino Fundamental à Licenciatura, nem sempre se dedicam a entender a língua, mas a corrigir uma lista de erros , desconsiderando, mesmo entre os mais cultos, que a regra gramatical é definida e fixa. Fato incoerente pois assim como as línguas mudavam na antiguidade, no caso o português do latim, elas continuam a mudam dia após dia. Mas a quem cabe a decisão de se escrever deste ou daquele como conforme a gramática? A escola. A partir do sucesso da resignificação da fala e da escrita é que os alunos se permitirão ter acesso a diferentes verbalizações e mudanças da língua-viva. Preocupando-se mais nas competências da fala e da escrita, ou seja, o locutor e o interlocutor. Resumindo para que escrevo e para quem, estando assim presente no cotidiano, não apenas em livros. Elisabeth Fonseca é profesora.

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OPINIÃO

Os

perigos da da

judicialização

vida Por Ricardo Kotscho

Com o enfraquecimento do Legislativo, dos partidos e das lideranças políticas, sindicais e empresariais, o Poder Judiciário foi aos poucos ocupando o espaço vazio para ordenar a vida nacional num processo que chegou ao auge no durante o julgamento do mensalão, em que as leis vigentes passaram a ser apenas um detalhe. Aliada à grande imprensa familiar, que antes era chamada de "Quarto Poder", e depois tentou ser o primeiro e único, a Justiça sofre um ataque de hipertrofia que é hoje a maior ameaça à jovem democracia brasileira e se faz cada vez mais presente em todos os setores da vida nacional. Depois da "politização do Judiciário", chegou a vez da "judicialização da vida cotidiana", como pudemos notar em vários fatos recentes nos quais, por qualquer motivo, as pendências na sociedade são encaminhadas para os homens de toga decidirem sobre o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado. Em São Paulo, o exemplo mais recente é o que está acontecendo com o tal do "rolezinho", manifestação de jovens da periferia que promovem correrias em shoppings com o único objetivo de assustar e zoar os frequentadores dos grandes templos do consumo de produtos de luxo que estão longe do alcance dos seus bolsos. E o que fizeram os proprietários 20 - edição 49 - 2014

Por qualquer motivo, as pendências na sociedade são encaminhadas para os homens de toga decidirem sobre o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado.

Ricardo Kotscho


Imagem da Internet

O único perigo vai ser se, em breve, os até aqui inofensivos "rolezinhos" se transformarem em violentos "rolezões", trazendo para a arena os pais destes jovens que se sentiram hostilizados

Ricardo Kotscho

destes centros comerciais? Em lugar de reforçar a segurança particular do seu patrimônio, recorreram logo à Justiça, que não teve dúvidas: concedeu uma liminar para impedir que estes jovens tivessem livre acesso aos shoppings, a partir do último fim de semana. Em sua maioria negros e menores de idade, estes deserdados das periferias agora precisam mostrar documentos, suas mochilas são revistadas e seus dados pessoais anotados por policiais militares e oficiais de justiça, convocados em grande número para garantir a paz de comerciantes e consumidores. A todos é mostrada uma cópia da liminar informando que se fizerem bagunça serão multados em R$ 10 mil. Afora o absurdo do valor da multa, certamente maior do que a renda anual da maioria destes jovens, a Justiça simplesmente decretou um apartheid social, afrontando o sagrado direito de ir e vir para uma parte da população. "O tenente encarregado da operação não encontrou nada de ilícito nos pertences dos jovens", informa Vanessa Barbara, colunista da Folha, que estava sábado no shopping Metrô Itaquera. Mesmo assim, dez jovens foram intimados a comparecer à Justiça para explicar sua participação no "rolezinho" e correm agora o risco de ter que

pagar os R$ 10 mil da multa que os doutores estabeleceram. Relato da repórter: "Não vi ninguém com armas, ninguém roubando, depredando ou fazendo arrastão", o que não impede que sejam tratados como vagabundos que vão tumultuar, cometer delitos e assustar gente de bem. "São tratados como tais pelas autoridades: passando pelo corredor, um policial repetia no ouvido de todos: `Vou arrebentar vocês, vou arrebentar´, e plaf, deu um chute em um menino". A liminar concedida pela Justiça em Itaquera beneficia também os shoppings JK Iguatemi, o maior santuário do luxo em São Paulo, e Campo Limpo, mas certamente outros também vão pedir as mesmas providências às autoridades para acabar de vez com estes "rolezinhos", usando o convincente argumento dos cassetetes, bombas de gás e balas de borracha que a PM ostentou no último sábado para dispersar a moçada. E se algum deles estava apenas querendo ir ao cinema, como alegou Rodney Batista, de 20 anos? A judicialização do "rolezinho" soma-se a outras recentes iniciativas pouco ortodoxas do nosso Judiciário, como a anulação do aumento do IPTU em São Paulo, e a discussão sobre a

proibição de táxis nos corredores de ônibus na cidade, que virou assunto do Ministério Público. Só falta agora a Justiça também decidir sobre quem sobe e quem desce no Brasileirão, como alguns clubes já estão tentando. A continuar assim, é melhor fechar de vez os legislativos, dispensar os nobres parlamentares eleitos como nossos representantes, dar uma folga para os partidos e deixar tudo por conta dos meritíssimos juízes, desembargadores e ministros. O único perigo vai ser se, em breve, os até aqui inofensivos "rolezinhos" se transformarem em violentos "rolezões", trazendo para a arena os pais destes jovens que se sentiram hostilizados pelas autoridades no final de semana. Apesar do meu otimismo, mais uma vez demonstrado na coluna de domingo, não há nada que não possa piorar, quando os direitos se tornam relativos, nem todos são iguais perante a lei e a independência entre os poderes não é respeitada.

Ricardo Kotscho é jornalista.

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OPINIÃO

Paranóia da inflação

hipocrisia da burguesia

Por João Pedro Stedile

Se há uma tendência de aumento de preços em todas as mercadorias, quem são os atores econômicos que aumentam os preços?

um verdadeiro tumulto, sobretudo nas cidades do Nordeste.

A imprensa burguesa tem propagandeado que a inflação está fora do controle com a divulgação de noticias, artigos e comentários de políticos de oposição ao governo federal. Com isso, colocam o tema dos preços como um fantasma atrás da porta de cada família brasileira, prestes a assaltá-la e tomar o seu dinheiro. A construção dessa paranóia começou com a divulgação de matérias sensacionalistas sobre o aumento do preço do tomate, como se a valorização desse alimento tivesse de forma isolada incidência real na inflação dos gastos da maioria da população. Qualquer estudante do primeiro ano de economia já sabe que os estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Getúlio Vargas têm diversos itens do orçamento doméstico médio dos 22 - edição 49 - 2014

brasileiros, sobre o qual se calcula o aumento da inflação real para as famílias.Depois da criação da “crise do tomate”, a mídia burguesa tem apelado a cada dia para outros produtos, tentando criar novos factoides. Essa manipulação grosseira se baseia em duas táticas complementares. A primeira delas é criar na população paranóias e preocupações desnecessárias que resultem em ações de massa que desgastem o governo. Essa tática deu resultado, por exemplo, com o boato de que o Bolsa Família iria acabar. Com isso, 900 mil representantes das famílias mais pobres, desinformados ou mal informadas, correram para as agências da Caixa, provocando

Hipocrisia descarada A segunda tática da burguesia é jogar uma cortina de fumaça sobre os verdadeiros problemas do país, lançando mão da hipocrisia descarada. Em primeiro lugar, a burguesia e seus meios de comunicação sabem que existe uma tendência geral de aumento dos preços de todas as mercadorias que estão na sociedade, independente do preço de um único produto. Ora, se há uma tendência de aumento de preços em todas as mercadorias, quem são os atores econômicos que aumentam os preços? São exatamente os capitalistas proprietários das fábricas, supermercados ou lojas do comércio. Portanto, é a base social tucana que opera o aumento dos preços, beneficiando-se com o aumento dos seus lucros. Assim, o discurso por trás da inflação esconde interesses de classes. Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que exageram nas notícias sobre um “descontrole inflacionário”, fazem pressão pelo aumento das taxas de juros. Nós, brasileiros, já pagamos os juros mais altos do mundo. A taxa média de juros paga na economia pelos comerciantes e pelos consumidores é de 58% ao ano. Os bancos que financiam esses empréstimos ganham 52% de


A taxa média de juros paga na economia pelos comerciantes e pelos consumidores é de 58% ao ano. Os bancos que financiam esses empréstimos ganham 52% de lucro líquido, com a inflação em torno de 6% ao ano

João Pedro Stedile

lucro líquido, com a inflação em torno de 6% ao ano. Não existe paralelo no mundo para a lucratividade dos bancos com crédito no Brasil. Com isso, os brasileiros ficam endividados no cartão de crédito ou no cheque especial, que têm taxas que ultrapassam em média 100% ao ano… Ou seja, é um verdadeiro assalto. Para efeito de comparação, a taxa média de lucro nas economias centrais é de 13% ao ano. Essa taxa já faz brilhar os olhos dos capitalistas nesses países… Nenhum porta-voz da burguesia brasileira protesta nos jornais, revistas e nas TVs contra esse assalto aos brasileiros que o capital financeiro pratica todos os dias. Ao contrário. Esses ideólogos defendem aumentos das taxas de juros como uma pretensa medida para controlar o consumo das massas e impedir o tal descontrole da inflação. A terceira hipocrisia da burguesia é omitir que a taxa de câmbio da nossa moeda em relação ao dólar é irreal. A comparação dos preços das mercadorias em dólar nos Estados Unidos e em real no Brasil indica uma taxa de câmbio necessária ao redor de U$S1,00 por R$3,00. Essa posição é defendida por diversos especialistas da área. A atual taxa de câmbio próxima a U$S 1,00 por R$2,00 está provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira e reprimarização

das exportações. A produção das manufaturas, que geram emprego e valor agregado, não consegue mais competir no mercado internacional. Essa taxa de cambio é provocada pela emissão descontrolada do papel dólar pelo governo dos Estados Unidos e pela avalanche de capital financeiro especulativo em nosso país, que vem para cá se proteger da crise. Nenhuma palavra dos porta-vozes da burguesia sobre o “descontrole” da taxa de câmbio. Ou seja, a mídia da classe dominante sequer protege sua fração industrial. Controle dos alimentos A quarta hipocrisia é esconder que grande parte dos produtos agrícolas que se transformam em alimentos no mercado interno é controlado por um oligopólio formado por empresas transnacionais. Depois da crise de 2008, houve uma corrida do capital financeiro internacional e das empresas transnacionais sobre as chamadas commodities para se proteger da perda de dinheiro. Assim, fizeram um brusco movimento especulativo, que fez com que os preços das commodities aumentassem em três anos, em todo mundo, nada menos do que 200%. Esse aumento de preço foi repassado para os consumidores de alimentos. Portanto, o aumento de certos produtos alimentícios tem como

responsáveis os que multiplicaram os seus ganhos: as grandes empresas do agronegócio, como Bunge, Monsanto, Unilever, Cargill, Nestlé, Danone, entre outras. A quinta hipocrisia da mídia burguesa é ignorar que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de milho, enquanto a falta de alimentos dizima 18 milhões de cabeças de bois, vacas, porcos e bodes no Nordeste. Foram colhidas 60 milhões de toneladas de milho na última safra. No entanto, diante da pior seca no Nordeste, morrem os animais criados por camponeses da região. A morte desses animais será uma perda irreparável para a população nordestina, que pode demorar uma geração para repor o rebanho dizimado. As famílias se salvaram da fome graças a saques, aos benefícios do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e ao programa Bolsa Família, que garantiram renda para fazer a feira e se alimentar. Diante dessa situação, a presidenta Dilma Rousseff mandou seus ministérios tomarem providências. O Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu doar tratores produzidos no Sul para as prefeituras do Nordeste. Foi só um negócio que não alterou questões estruturais. Independente da situação, o Ministério da Integração Nacional continuou com a distribuição de lotes de 2014 - edição 49 - 23


Arquivo

OPINIÃO

Grande parte dos produtos agrícolas que se transformam em alimentos no mercado interno é controlado por um oligopólio formado por empresas transnacionais

” perímetros irrigados para empresários do Sul, em vez de beneficiar os camponeses da região que padecem com a falta de água. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi autorizada a comprar milho para levar para o Nordeste e salvar o rebanho. No entanto, a companhia fez vários editais e não encontrou quem vendesse milho suficiente para a demanda. Por quê? A safra de milho é controlada por empresas transnacionais. A Cargill e a Bunge exportaram nada menos que 18 milhões de toneladas de milho para os Estados Unidos no último ano. Esse milho voltou ao país como etanol, importado por essas mesmas empresas. Com isso, o preço do etanol se mantém bem acima do seu valor real. Se o governo quisesse resolver o problema, poderia requisitar a produção de milho, proibir as exportações e salvar o rebanho no Nordeste, enfrentando o problema das mortes dos animais causado pela seca. Nenhuma palavra na imprensa burguesa sobre a falta de milho no país campeão de produção agrícola. Na verdade, foram escondidas as raízes da perda do rebanho no Nordeste. Dessa forma, a mídia burguesa demonstra seu compromisso com o interesses do grande capital financeiro internacional. Os meios de comunicação da classe dominante, “preocupados” com a 24 - edição 49 - 2014

Chaplin, em um de seus filmes que traduz a sede do capitalismo

inflação, omitem questões centrais relacionadas à formação dos preços no país. Assim, os verdadeiros problemas que a sociedade brasileira enfrenta ficam submersos diante da manipulação e da hipocrisia dos donos de jornais, revistas e redes de televisão.

“ O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de milho, enquanto a falta de alimentos dizima 18 milhões de cabeças de bois, vacas, porcos e bodes no Nordeste

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A atual taxa de câmbio próxima a U$S 1,00 por R$2,00 está provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira e reprimarização das exportações

João Pedro Stedille e economista, membro da direção coletiva do MST.


OPINIÃO

A subversão da

imagem no

telejornalismo Por Willy Schumann

Quando há uma interferência fictícia em um documentário, este passa a ser um docudrama que essencialmente vai contar uma história real, através de relatos, material fotográfico, documentos, mas utilizase de recursos ficcionais O telespectador que recebe diariamente a informação de um conteúdo jornalístico em sua casa acredita que aquilo, tal como está vendo e ouvindo, é totalmente real. Há uma linha tênue entre a realidade e a ficção. Programas pseudo-documentais geralmente mostram a coragem e determinação de um intrépido repórter de TV que mergulha em águas geladas do Mar do Norte europeu, cruza pântanos infestados de crocodilos, passa noites em iglus improvisados na Groenlândia, como se ele estivesse ali, sozinho, à beira de uma hipotermia, testando seus próprios limites, quando na verdade está cercado por um grupo de técnicos que são fundamentais para a realização do documentário. Há sempre um cinegrafista, o operador de áudio, um produtor e um diretor. Uma equipe empenhada em mostrar as aventuras quiméricas do audacioso repórter, cujo objetivo principal é instigar o telespectador a acreditar que aquilo que ele está assistindo é realidade, e não ficção. Quando há uma interferência fictícia em um documentário, este passa a ser um docudrama que essencialmente vai contar uma história real, através de relatos, material fotográfico, documentos, mas utiliza-se de recursos ficcionais, tais como simulação dos fatos, inserções de imagens e animações que não

tenham compromisso direto com a realidade, mas com sentido único de amplificar a realidade a partir de uma visão e de um conceito arbitrário, fundamentado em um fato real. No telejornalismo não é diferente. Em uma escala menor, depois que uma reportagem é gravada e segue para a ilha de edição, lá recebe um tratamento que altera sua forma cronológica e, consequentemente, perde a sua característica de veracidade, ocasionando o que eu chamo de subversão da imagem. Sem interrupção, sem manipulação Geralmente a equipe de reportagem utiliza apenas uma câmera na gravação do tema proposto pelo pauteiro. Além das entrevistas, que na linguagem jornalística chamam-se “sonoras”, o repórter cinematográfico grava também a introdução do repórter, que explica de forma resumida o teor da matéria, comumente chamado de “gravação de cabeça”. O cinegrafista faz imagens extras que poderão ser utilizadas na pósprodução, ou seja, na edição. As gravações extras incluem, quando necessário, registrar separadamente imagens de planos detalhes de um objeto ou personagens sociais que poderão ser inseridas posteriormente na matéria. Tecnica-

mente o procedimento é correto, mas se analisarmos do ponto de vista do que é realidade e o que é a ficção, a partir do momento em que as imagens captadas irão sofrer algum tipo de alteração de tempo e espaço na pós-produção, essencialmente, perde-se a totalidade daquilo que é real, transformando a reportagem em uma obra que beira a ficção. É o caso também das câmeras de segurança, que hoje são estrelas de programas jornalísticos da TV por serem utilizadas pela polícia como prova substancial de um crime ou acidente, mas, não raro, são manipuladas inescrupulosamente antes que caiam nas mãos da justiça, o que ocasiona a perda do sentido documental, frustrando a opinião pública. Para que uma reportagem esteja calcada na realidade e fidedignidade, a captação de imagem deve ser feita em plano sequência, cujo objetivo principal é a gravação, do início ao fim, sem interrupção e sem manipulação de um fato. Enquanto a realidade e a ficção forem inseparáveis, o conteúdo dos telejornais será apenas uma possibilidade. Willy Schumann é jornalista e documentarista

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OPINIÃO

A

REFUNDAÇ

BRASIL

do

Por Leonardo Boff

O que o povo que estava na rua no mês de junho de 2013 queria, em último término, de forma consciente ou inconsciente? Para responder me apoio em três citações inspiradoras. A primeira é de Darcy Ribeiro no prefácio ao meu livro O caminhar da Igreja com os oprimidos (1998): “Nós brasileiros surgimos de um empreendimento colonial que não tinha nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão somente gerar lucros empresariais exportáveis com pródigo desgaste de gentes”. A segunda é de Luiz Gonzaga de Souza Lima na mais recente e criativa interpretação do Brasil: A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (São Carlos 2011): “Quando se chega ao fim, lá onde acabam os caminhos, é porque chegou a hora de inventar outros 26 - edição 49 - 2014

rumos; é hora de outra procura; é hora de o Brasil se Refundar; a Refundação é o caminho novo e, de todos os possíveis, é aquele que mais vale a pena, já que é próprio do ser humano não economizar sonhos e esperanças; o Brasil foi fundado como empresa. É hora de se refundar como sociedade” (contra-capa). A terceira é do escritor francês François-René de Chateaubriand (1768-1848): “Nada é mais forte do que uma ideia quando chegou o momento de sua realização”. Minha impressão é que as multitudinárias manifestações de rua que se fizeram sem siglas, sem cartazes dos movimentos e dos partidos conhecidos e sem carro de som, mas irrompendo espontaneamente, queriam dizer: estamos cansados do tipo de Brasil que temos e herdamos: corrupto, com democracia de baixa intensidade, que faz políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres, no qual as grandes maiorias não contam e pequenos grupos extremamente opulentos controlam o poder social e político; queremos outro

Brasil que esteja à altura da consciência que desenvolvemos como cidadãos e sobre a nossa importância para o mundo, com a biodiversidade de nossa natureza, com a criatividade de nossa cultura e como maior patrimônio que temos que é o nosso povo, misturado, alegre, sincrético, tolerante e místico. Efetivamente, até hoje o Brasil foi e continua sendo um apêndice do grande jogo econômico e político do mundo. Mesmo politicamente libertados, continuamos sendo recolonizados, pois as potências centrais antes colonizadoras nos querem manter ao que sempre nos condenaram: a ser uma grande empresa neocolonial que exporta commodities, grãos, carnes, minérios como o mostra em detalhe Luiz Gonzaga de Souza Lima e o reafirmou Darcy Ribeiro citado acima. Desta forma nos impedem de realizarmos nosso projeto de nação independente e aberta ao mundo. Diz com fina sensibilidade social Souza Lima: “Ainda que nunca tenha existido na realidade, há um Brasil no imaginário e no sonho do povo brasileiro. O Brasil vivido dentro de cada um é uma produção cultural. A sociedade construiu um Brasil diferente do real histórico, o tal país do futuro, soberano, livre, justo, forte; mas,


Imagem da Internet

ÃO “

O que as manifestações queriam dizer: estamos cansados do tipo de Brasil que temos e herdamos: corrupto, com democracia de baixa intensidade, que faz políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres

Leonardo Boff

sobretudo, alegre e feliz” (p.235). Nos movimentos de rua irrompeu este sonho exuberante de Brasil. Caio Prado Júnior em sua A revolução brasileira (Brasiliense 1966) profeticamente escreveu: “O Brasil se encontra num daqueles momentos em que se impõem, de pronto, reformas e transformações capazes de reestruturarem a vida do país de maneira consentânea com suas necessidades mais gerais e profundas e as aspirações da grande massa de sua população que, no estado atual, não são devidamente atendidas” (p. 2). Chateaubriand confirma que esta ideia acima exposta madurou e chegou ao momento de sua realização. Não seria sentido básico dos reclamos dos que estavam, aos milhares, na rua? Querem um outro Brasil.

Sobre que bases se fará a Refundação do Brasil? Souza Lima diz que é sobre aquilo que de mais fecundo e original temos: a cultura brasileira. “É através de nossa cultura que o povo brasileiro passará a ver suas infinitas possibilidades históricas. É como se a cultura, impulsionada por um poderoso fluxo criativo, tivesse se constituído o suficiente para escapar dos constrangimentos estruturais da dependência, da subordinação e dos limites acanhados da estrutura socioeconômica e política da empresa Brasil e do Estado que ela criou só para si. A cultura brasileira então escapa da mediocridade da condição periférica e se propõe a si mesma com pari dignidade em relação a todas as culturas, apresentando ao mundo seus conteúdos e suas valências

universais” (p.127). Não há espaço aqui para detalhar esta tese original. Remeto o leitor(a) a este livro que está na linha dos grandes intérpretes do Brasil a exemplo de Gilberto Freyre, de Sérgio Buarque de Hollanda, de Caio Prado Jr, de Celso Furtado e de outros. A maioria destes clássicos intérpretes olharam para trás e tentaram mostrar como se construiu o Brasil que temos. Souza Lima olha para frente e tenta mostrar como podemos refundar um Brasil na nova fase planetária, ecozóica, rumo ao que ele chama “uma sociedade biocentrada”. Não serão estes milhares de manifestantes, os protagonistas antecipadores do ancestral e popular sonho brasileiro? Assim o queira Deus e o permita a história.

Um jeito gostoso de investir em sua saúde!

www.sorella.com.br 3335-3216 Champagnat Rua Júlia da Costa, 1735 Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é escritor

3026-5794 Centro Cívico Rua Marechal Hermes, 728 2014 - edição 49 - 27


CIDADANIA

MULHER A força do campo

As mulheres teriam a possibilidade de aumentar a produção agrícola e alimentar mais de 150 milhões de pessoas que sofrem de fome no mundo, se tivessem igualdade de acesso aos meios de produção como terra, educação e crédito

Mulher e terra se confundem na formação da sociedade brasileira. Embora somente a partir dos anos 1990 elas tenham começado a conquistar espaço em um ambiente extremamente machista, à mulher sempre coube empreender, seja como gestora da família ou dona de um negócio. No campo não é diferente. Segundo o Censo 2010 do IBGE, o Brasil tem 51% da sua população constituída de mulheres. Dos quase 30 milhões de brasileiros que vivem no meio rural – 16% da população brasileira, O número de mulheres no campo chega praticamente a metade da população rural – 47%. Uma boa fatia destas 15 milhões de mulheres que vivem da terra, administram, geram renda, contribuem para reduzir a fome e ainda são responsáveis pela gestão familiar. Preparam a terra, semeiam, 28 - edição 49 - 2014

cuidam, colhem. Algumas vezes, vendem. Exemplos clássicos disso se revelam, por exemplo, na agricultura familiar. Em busca de ampliar horizontes, as mulheres fazem surgir talentos que acabam se transformando em negócios. Dos doces, compotas e conservas feitas com o produto da terra, ao artesanato. Com essa dedicação, as mulheres rurais representam um freio no êxodo rural, força de trabalho, de organização comunitária e desempenham papel fundamental na criação de filhos e cuidados com a família. E m 2 0 11 , u m r e l a t ó r i o d a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO, dizia que as mulheres teriam a possibilidade de aumentar a produção agrícola e alimentar mais de 150 milhões de pessoas que sofrem de fome no mundo,

se tivessem igualdade de acesso aos meios de produção como terra, educação e crédito, entre outros. Apesar disso, são muitas as mulheres que, mesmo sem a autonomia sobre o uso da terra, com pouco ou nenhum acesso a crédito e sem assessoria técnica específica que dinamizam a produção familiar, geram renda e que têm um importante papel na preservação da agrobiodiversidade. Infelizmente uma participação ainda pouco valorizada. Fazer com que essa cadeia de inclusão cresça e se torne sólida, deve constar de qualquer política pública voltada para o campo. Afinal, mulher e terra se confundem. É preciso lembrar, ainda, que essas mulheres são as principais responsáveis pela preservação da natureza, da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais.


LOCAÇÃO

Foto: Itamar Crispim. Modelo: Priscila Tonon. Executada no Estúdio Bem Público.

EST DIO Ensaios Fotográficos Filmagens Gravações para TV e WEBTV

Características do espaço: 5 metros de altura 15 metros de comprimento 13 metros de largura 195 Metros quadrados Fundo infinito com 28 metros (lateral e fundo do estúdio)

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LEITURA

De volta às

estantes Mesmo que ainda seja bastante restrito a autores paranaenses não muito conhecidos fora do estado, o mercado editorial curitibano está em ascensão. Há alguns anos havia duas possibilidades para escritores iniciantes ou pouco conhecidos: bancar suas edições ou submetê-las a editoras maiores de outros estados. A primeira opção era a mais certa, mesmo porque as editoras consagradas raramente arriscavam publicar alguém desconhecido nacionalmente. Ainda hoje funciona dessa forma, a diferença é que pequenas editoras foram surgindo ao longo dos anos, o que serve de vitrine para escritores ainda anônimos. Há também algumas leis que incentivam a cultura, subsidiando publicações que editoras convencionais normalmente não publicariam. Paulo Leminski (1944 – 1989) um dos maiores poetas curitibanos, bancou suas primeiras edições. Catatau (1975), seu primeiro romance, só foi editado porque Leminski foi persistente e também contou com a ajuda financeira de amigos. Atualmente há algumas editoras que publicam a obra de Leminski, como a Iluminuras e a Companhia das Letras, gigante no cenário nacional, ambas de São Paulo. Jamil Snege (1939 – 2003), outro grande escritor curitibano, por motivos familiares ainda não teve sua obra reeditada. Escritor curitibano dos mais ori30 - edição 49 - 2014

Pequenas editoras colocam mercado editorial de Curitiba em ascensão

ginais e atualmente fora de catálogo, Snege impressiona muito por seu deboche e cinismo. Sua escrita é aparentemente leve e acessível sem medo de ser simples. Snege não poupava ninguém de seu olhar crítico e irônico (nem a si próprio) e seu humor era bastante ácido. Mas, por algum motivo ainda não despertou interesse das grandes editoras brasileiras. Snege, assim como Paulo Leminski, publicou por conta própria seus primeiros livros. Em Curitiba a Editora Travessa dos Editores publicou parte de sua obra. Duas recentes editoras de Curitiba, Kafka e Arte e Letra, estão reeditando a obra do escritor catarinense Manoel Carlos Karam. Figura conhecida nos meios literários curitibanos, Karam se mudou para a capital paranaense em 1966 e aqui permaneceu até morrer, em 2007. Deixou uma obra vasta e original, mas assim como a obra de Jamil Snege, pouco conhecida. Seus romances O Impostor no Baile de Máscaras, Fontes Murmurantes e Cebola foram reeditados pela Kafka. Já os romances Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca e Pescoço Ladeado por Parafusos foram reeditados pela editora Arte e Letra. Karam e Snege são muito comparados não apenas pelo modo como viveram e pelos meios que frequentaram, mas pelo próprio estilo literário de cada um. Karam pendia mais para um humor

Por Daniel Osiecki

reflexivo não se dirigindo especificamente a ninguém, mas à condição humana como um todo. Snege, assim como Karam, é um dos grandes escritores curitibanos que não tiveram seu devido mérito reconhecido em vida. Foram verdadeiros escritores de vanguarda e ainda o são, embora postumamente. A obra de Paulo Leminski esperou 24 anos para ser reconhecida de forma mais expressiva nacionalmente por público e crítica. Esperamos que Jamil Snege e Manoel Carlos Karam levem menos tempo.

Serviço Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca (Editora Arte e Letra, 160 p. R$ 29,00) O Impostor no Baile de Máscaras (Kafka Edições, 204 p. R$35,00) Fontes Murmurantes (Kafka Edições, 316 p. R$ 35,00) Cebola (Kafka Edições, 364p. R$ 35,00) Pescoço ladeado por parafusos (Kafka Edições, R$ 36,00) Toda Poesia (Companhia das Letras, 431p. R$ 34,41)


Pequenos

escritores

Crianças e adolescentes do Centro Social Marista Ecológica, da Rede Marista de Solidariedade, na Grande Curitiba, estão lançando a 16ª edição do projeto Despertar da Poesia.

“Terra Vermelha poderá tornarse uma obra a ser lembrada e lida sempre.” (projetopassofundo.com.br)

“Trata-se, em minha opinião, de um dos melhores romances da literatura brasileira, não apenas contemporânea, mas de todos os tempos. É absolutamente inesquecível, a ser lembrado, no futuro, como um de nossos maiores clássicos .” (skoob.com.br)

“Para ser feliz não preciso de dinheiro nem de ganância Mas, de amor e esperança Para ser feliz preciso ter amigos e tentar ajudar aqueles meus inimigos Para ser feliz preciso da minha família Porque ela é meu chão, Minha trilha, e o que preenche o meu coração” Os versos são do adolescente Jair Jaques Del Pontes, de 14 anos, e fazem parte do livro Despertar da Poesia, cujo tema norteador foi “Para ser feliz é preciso...”, produzido pelos educandos do Centro Social Marista Ecológica (Almirante Tamandaré/PR) dentro do projeto Despertar da Poesia. A cada ano, o projeto homenageia um ou mais autores brasileiros. Este ano, os homenageados foram Clarice Lispector e Monteiro Lobato. Ao longo de quatro meses, os educandos foram convidados a experimentar o universo artístico e produzir suas obras contemplando a poesia, a música, as artes plásticas e a fotografia. Durante o processo de criação de suas poesias, os educandos aprendem sobre a história e os fundamentos da literatura, a diferença entre textos narrativos e poéticos, identificam os variados

estilos de rimas e a estrutura da poesia (versos e estrofes), comparando-os à estrutura de um texto narrativo, com frases e parágrafos. Além de conhecerem poemas musicados durante as aulas de música. Criam suas poesias em língua portuguesa e inglesa, têm a oportunidade de musicá-las, e expressar seus sentimentos através das artes plásticas. O Despertar da Poesia envolveu os 310 educandos na faixa etária de 10 a 17 anos do Centro Social Marista Ecológica. Para compôr o livro, que será lançado num evento que reunirá também os familiares e professores nos dias 3 e 4 de outubro, foram selecionadas 150 obras. No dia do evento haverá também exposição dos desenhos e pinturas, os poemas serão declamados pelos alunos e ficarão pendurados em um varal para quem quiser ler. Todos os presentes receberão um exemplar do livro. Segundo, Gillys Vieira da Silva, coordenadora Pedagógica do Centro Social Marista Ecológica, o projeto permite despertar o gosto poético pela leitura, análise, declamação e produção de texto, valorizando a afetividade e as emoções. “Com o acesso ao universo poético, eles percebem que uma música pode ser cantada ou simplesmente recitada, sendo levados a escrever as suas próprias poesias e a criar textos que expressem sentimentos, emoções, críticas sociais e olhares diferenciados”.

“É uma história genuinamente brasileira, de um dos principais, mas inexplicavelmente pouco comentado, escritores da literatura nacional. Pellegrini conta com maestria a saga de um típico casal de colonos e de toda uma leva de pessoas que chegaram para transformar rápida e profundamente o local onde hoje está instalada a segunda maior cidade do Paraná, quarta do Sul do país.” (dihitt.com.br)

“Definir o livro apenas como romance é pouco, quer para o talento do escritor como para o conteúdo da obra. Pellegrini escreveu uma ode à literatura brasileira; um fragmento da história sintetizado no norte do Paraná, mais especificamente em Londrina, que serve para retratar a vida de milhões de migrantes.” (fundacaoitaipu.com.br)

2014 - edição 49 - 31


Willy Schumann

SOCIEDADE

Camboriú Alto Padrão A empresa Camboriú Alto Padrão reuniu na última semana convidados VIPs para saborear a deliciosa Paella, o famoso prato típico da culinária espanhola. Personalidades do meio empresarial e social do Paraná, São Paulo e Mato Grosso, foram prestigiar o jantar e conferir as últimas novidades do setor de imóveis de luxo. O disputado evento aconteceu nas instalações do edifício Marina Beach Towers, em Balneário Camboriú.

A paulistana Cassiana Motta, que aproveita a temporada na região

O casal Roberto e Rosana de Almeida

As poderosas da família Fogliatto, Diane, Priscila e Debora Fogliatto foram algumas da convidadas que chegaram no evento a bordo de embarcações. 32 - edição 49 - 2014

Déia Sell, desfilando charme pela evento

A top model, Priscila d'Avila, esbanjando glamour


Convidados de Joinville, o apresentador Leandro Camargo e suas amigas, as locomotivas sociais Lurdes Dória

Nathália Mendes, herdeira da construtora que teve um de seus empreendimentos como local da festa, Lurdes Dória, que faz parte do clã da família das centenária Pomadas Minâncora e a corretora de imóveis de luxo e anfitriã do evento, Fernanda Godoy

A empresária de moda Sônica Sadzinski e a joalheira Angela Martins, ladeiam a anfitriã da Paejja, a consultora de imóveis de luxo Fernanda Godoy

A estilista e empresária curitibana Louise Alves, que curte a temporada em seu apartamento em Balneário fez questão de prestigiar o evento

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