Beira especial envelhecimento

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ISSN 1982-5994

EDIÇÃO ESPECIAL eNVeLHeCiMeNTo • UFPa • aNo XXXi • FeVereiro, 2017

Envelhecimento • Contação de histórias garante bem-estar. • Pesquisa analisa contexto da violência. • Memória de quem foi criança na Belle Époque.


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Saúde

Quem conta um conto...

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tualmente, todos estão preocupados com a qualidade de vida na velhice. Com o objetivo de encontrar uma nova tecnologia para trabalhar o envelhecimento ativo, a enfermeira Nadia Pinheiro da Costa elaborou a tese Tecnologia socioeducacional para o envelhecimento ativo por meio de “contação de histórias”, a p r e s e n t a d a a o Pr o g r a m a d e Pós-Graduação em Enfermagem, ICS/UFPA, sob orientação das professoras Lúcia Hisako Takase Gonçalves e Sandra Helena Isse Polaro. “Quando você promove uma tecnologia educativa inovadora, você está pensando na saúde e no bem-estar dos idosos”, afirma a pesquisadora.

Para participar da pesquisa, foram convidadas idosas que já realizavam outras atividades artísticas em grupo de idosos na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Marambaia. Como a contação de histórias é uma prática incomum na área da saúde, foi necessária a capacitação e o treinamento não só das idosas mas também dos pesquisadores e dos profissionais da UBs. durante dois dias, a arte-educadora Marluce Araújo ensinou a melhor forma de se expressar e narrar uma história, exercitando identidade, memória e criação. Após o workshop, cada idosa escolheu uma história para exercitar o que foi ensinado e, durante três meses, elas se reuniam para trei-

namento de contação de histórias. de acordo com a enfermeira, era perceptível o empenho e a satisfação das participantes durante as atividades. “Uma das idosas revelou que, durante as reuniões com o grupo, ela esquecia todos os problemas domésticos, pois aquele momento era de pura diversão com as amigas”, relembra Nadia Pinheiro da Costa. A escolha das histórias valorizou a cultura local e o gosto pessoal das idosas. Além de histórias amazônicas, foram escolhidos contos tradicionais, como Chapeuzinho Vermelho e João e Maria, que fazem alusão aos temas da violência e do abandono. Muitas idosas relacionavam esses temas com as suas próprias vidas.

Participantes ganham autonomia e segurança Além de lendas amazônicas, as participantes também escolheram contos tradicionais, como Chapeuzinho Vermelho.

Para a realização da pesquisa, foi aplicada a metodologia convergente-assistencial, na qual é trabalhada, simultaneamente, a assistência da enfermagem e a pesquisa. Nadia da Costa acredita que essa tecnologia socioeducacional ajudou a autonomia e a emancipação dessas

idosas. “Se tratarmos o idoso como alguém frágil, incapaz de fazer as coisas, isso será muito prejudicial, pois criará obstáculos que o impedirão de evoluir, então precisamos mudar a concepção de idoso que possuímos. Temos que estimular e envolvê-los no nosso meio”, avalia a enfermeira. depois de escolher as histórias, as participantes foram divididas em duplas para colocar em prática o que foi aprendido no workshop. O workshop treinamento consistia em contar as histórias umas para as outras até que se sentissem seguras. “No final, mesmo divididas em pequenos grupos, todas queriam ajudar dando dicas e conselhos, criando, assim, um espírito de solidariedade entre elas”, lembra Nadia Pinheiro da Costa. Após esse treinamento, foi realizada uma sessão de contaILUSTRAÇÃO PRISCILA SANTOS

ção de histórias na UBS da Marambaia para uma plateia de convidados e todos os envolvidos na pesquisa (as idosas, os profissionais de saúde e a equipe de pesquisa). O conteúdo de todas as histórias estava relacionado com o cotidiano das idosas, o que gerou diversas reflexões. “Algumas idosas lembraram o passado. Uma delas relatou que, quando jovem, tinha muitos sonhos e ainda tinha esperança de realizá-los”. Essa relação com o passado é, para a pesquisadora, uma das consequências da contação de história. “Pode ocorrer um resgate da memória. Ao entrar em contato com uma história, a pessoa pode ir ao passado, analisar um fato e trazê-lo para o presente. Esse rememorar representa uma necessidade humana muito importante”, avalia a enfermeira. Segundo Nadia da Costa, a contação de histórias criou um espírito de superação e valorização entre as participantes. “Aprender a contar histórias, como também outras tecnologias, depende da vontade e de estímulo dos idosos, ou seja, não há tempo nem idade que impossibilite novas aprendizagens”, afirma.


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Violência

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Morando com o inimigo

o Brasil, o número de idosos vem aumentando nas últimas décadas. De acordo com o IBGE, até 2030, teremos mais idosos acima de 60 anos do que crianças até 14 anos. Infelizmente, a população brasileira não está preparada para lidar com essa nova realidade, e isso pode ser percebido ao analisarmos os números de casos de violência contra o idoso no nosso país. O Projeto de Pesquisa “Um estudo exploratório da violência contra o idoso na Região Metropolitana de Belém: tipologias e dinâmicas familiares”, da Faculdade de Psicologia da

Universidade Federal do Pará, financiado pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) e coordenado pelo professor Janari da Silva Pedroso, surgiu da necessidade de identificar tipos, incidência e causas dessa violência sofrida pelos idosos que vivem na Região Metropolitana de Belém. A pesquisa foi dividida em duas etapas: a quantitativa, feita da coleta de dados para caracterizar quem é esse idoso e analisar os tipos e motivos dessa violência; e a qualitativa, em que os idosos estão sendo entrevistados. As informações coletadas nas

entrevistas irão caracterizar a família em relação à estrutura e à história de vida, identificar quais são os conflitos e sua repercussão, além de analisar a realidade familiar. “A família é a principal cuidadora desses idosos e também a maior responsável pela violência sofrida por eles. Muitas vezes, o idoso tem apenas os parentes como apoio, porém, entre eles, existe um que o violenta”, explica o professor Janari Pedroso. No estudo quantitativo, foi realizado um levantamento de boletins de ocorrência emitidos no período de 2013 ao

primeiro semestre de 2015. Os dados foram colhidos na única delegacia de Belém especializada em crimes contra o idoso, que funciona desde 2011. “A delegacia é recente e tudo se concentra nela. Mesmo quando o idoso vai a uma delegacia comum, ele é encaminhado para a especializada”, explica Michelly Oliveira, uma das pesquisadoras do projeto. Para a análise de quase 600 casos, foi criada uma ficha para a coleta dos dados. “Os BOs não saíam da delegacia, nós apenas fazíamos a cópia integral dos dados que nos interessavam”, relata Janari.

É preciso compreender a dinâmica familiar Alexandre Moraes

Para identificar o tipo de violência e compreender os aspectos da dinâmica familiar, os pesquisadores procuravam informações sobre quem tinha praticado a violência, qual o motivo e quem era o idoso. “Nesse levantamento, não foram separados só os casos de crimes cometidos por familiares, foram incluídos todos os tipos de violência que chegavam ali”, explica Michelly Oliveira. A coleta nos boletins de ocorrência contou com a ajuda de alunos de Iniciação Científica, da graduação e do mestrado. A fase qualitativa da pesquisa está desenvolvendo um estudo de caso baseado nas entrevistas com dez idosos que sofreram violência. Foi feito o mapeamento desses casos, suas repetições e o histórico familiar. “O que acontece em um dado momento pode estar relacionado com o histórico de até três gerações”, explica Janari da Silva Pedroso. Alguns resultados foram surpreendentes até para os pesquisadores, como o fato de que são as mulheres que mais cometem violência contra o idoso. “É a mulher quem mais cuida desse idoso, por isso elas aparecerem como as que mais praticam violência. Para essas mulheres, cuidar do idoso é uma tarefa estressante, muitas vezes solitária e pesada”, avalia o pesquisador. Porém também existem situações em que a cuidadora não é a violentadora. “Depois das filhas, quem mais pratica a violência são as vizinhas”, afirma Michelly Oliveira. Em outros casos, o cuidador não tem amparo e precisa largar o emprego para cuidar do pai ou da mãe idosos, o que pode resultar na violência financeira. “Isso está amparado no fato de que nós não fomos preparados para lidar com o envelhecimento”, explica Michelly.

Números

A violência psicológica é a mais frequente. São comuns os casos em que a residência pertence ao idoso, e os filhos, ao terem que dividir esse local com o idoso, preferem colocá-lo em um quarto isolado. “Os idosos possuem não apenas uma dependência física, mas também uma dependência emocional”, lembra o professor. Em algumas situações, idosos não dependentes escolhem morar nas instituições de longa permanência. “Para esses idosos, é melhor estar em uma instituição do que em casa”, explica Janari Pedroso. Outro dado surpreendente foi o fato de que os idosos são os maiores denunciantes. “Dentro desse aspecto da denúncia, homens e mulheres aparecem na mesma porcentagem”, afirma Michelly Oliveira.

Boletins de Ocorrência analisados: 577 Vítimas: 342 sexo feminino 226 sexo masculino 9 outros Tipo de Violência: Psicológica 322 Econômica 64 Negligência 32 Física 30 Institucional 2 Dupla Violência 88 Tripla Violência 18 Não Especificado 1 Agressores: 373 Mulheres, 102 eram filhas 244 Homens, 58 eram filhos


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Memória

As crianças de Belém na Belle Époque FOTOS ACERVO

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eralmente, não paramos para pensar nisso, mas os idosos de hoje já foram crianças, e a infância deles foi bem diferente da nossa. Com o objetivo de entender a realidade das crianças que viveram na primeira metade do século XX em Belém, o pesquisador Antônio Valdir Monteiro duarte trabalhou, a partir da história oral, com quatro narradores que viveram suas infâncias no período de 1900 a 1950. O resultado está na dissertação Memórias (in)visíveis:

narrativas de velhos sobre suas infâncias em Belém do Pará (1900-1950), apresentada no Programa de PósGraduação em Educação, ICed/UFPA, sob orientação da professora Laura Maria Silva Araújo Alves. Os narradores escolhidos foram quatro idosos com mais de 80 anos, três mulheres e um homem. No contexto histórico da época, Belém ainda respirava a cultura da Belle Époque, resultado do momento áureo da borracha, que, apesar de estar em declínio, sua efer-

vescência ainda era vivida pela cidade. Nessa época, as diferenças entre a elite e as classes menos favorecidas eram acentuadas. A partir das reminiscências dos idosos entrevistados, o pesquisador pôde traçar o cotidiano das crianças de Belém naquele momento, destacando alguns aspectos, como educação, cultura, lazer e ambiente familiar. Apesar das escolas públicas da época serem de boa qualidade, muitas crianças da periferia não tinham acesso a elas.

Regras de acordo com o gênero

As fotografias acima estão publicadas na tese e ilustram cenas da primeira metade do século XX em Belém.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Assessoria de Comunicação Institucional - ASCOM/UFPA JORNAL BEIRA DO RIO - cientificoascom@ufpa.br Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br

As narradoras relataram uma infância muito difícil dentro do núcleo familiar, em virtude dos castigos, muitas vezes sem motivos. Os velhos exigiam respeito e elas não eram livres para fazer nada sem autorização. “As idosas contaram que tiveram uma vida muito regrada, era da escola para casa, e o trabalho dentro das residências também era uma norma da família”, explica Antônio Valdir Monteiro duarte. Por outro lado, o narrador, que possuía um poder aquisitivo melhor, conta que tinha uma boa relação familiar e não enfrentava os mesmos problemas. “Ele não foi impedido de vivenciar o lazer ou de frequentar

espaços públicos”, revela o pesquisador. Graças à efervescência da época, a cidade recebia muitas óperas e peças teatrais. Os narradores lembram que as festas tradicionais e os eventos no Theatro da Paz eram muito vivenciados por eles, inclusive pelos dois narradores com menor poder aquisitivo. “Se fizermos uma relação com os dias de hoje, é até contraditório, pois as crianças de periferia dificilmente têm a oportunidade de entrar no Theatro da Paz, mas, naquele momento, elas usufruíam desse espaço”, afirma o pesquisador. Os eventos de lazer foram mais vivenciados

pelo narrador. “Eu percebi que o lazer foi algo muito negado para as três narradoras”, observa. No contexto da cidade, o bonde foi algo que marcou todos os idosos entrevistados. Os quatro lembram que existiam os bondes de primeira classe, em que as pessoas com maior poder aquisitivo andavam, e os de segunda classe, utilizados pelos moradores da periferia. “É preciso entender que, nesse contexto, a periferia de Belém é representada pelo bairro São Braz, por exemplo. A cidade estava restrita aos bairros Campina e Cidade Velha”, explica Antônio duarte.

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho; Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva; Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr.; Pró-reitora de desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Karla Andreza duarte Pinheiro de Miranda; Pró-reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa; Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr.; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: rômulo simões Angélica; Pró-reitora de Planejamento e desenvolvimento Institucional: raquel Trindade Borges; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Horácio Schneider; Prefeito: Adriano Sales dos Santos Silva. Assessoria de Comunicação Institucional. direção: luiz Cezar s. dos santos; BEIRA DO RIO. edição: rosyane rodrigues (2.386-drT/Pe); reportagem: Amanda nogueira; Fotografia: Alexandre Moraes; Fotografia da capa: Alexandre Moraes; Ilustrações: Priscila Santos; Projeto Beira On-Line: Jorge Rafael Oliveira; Atualização Beira On-Line: Rafaela André; Revisão: Elielson de Souza nuayed e Júlia lopes; Projeto gráfico e diagramação: rafaela André; Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom; secretaria: nayara Faro; Impressão: Gráfica UFPA; Tiragem: Mil exemplares.


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