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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011

Fotos Alexandre Moraes

Entrevista 25 Anos JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXV • N. 91 • Fevereiro, 2011

Fitoterapia contra leishmaniose

D

e acordo com a Organização Mundial de Saúde, a leishmaniose acomete cerca de dois milhões de pessoas em todo o mundo. A doença é provocada pela picada do inseto conhecido como mosquito palha ou birigui. Na forma cutânea, pode provocar úlceras

Educação

Rosyane Rodrigues

E

ntender o Brasil festivo e festeiro. Reconhecer as nossas múltiplas identidades. Buscar a nossa matriz africana. Reunir mestres da Academia e da cultura popular. Tudo isso é possível a partir dos estudos dedicados ao carnaval, a maior festa popular brasileira, ou como diz o professor Miguel Santa Brígida, a “grande festa que desenha o País”. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, o professor da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará falou sobre a importância de estudarmos as festas populares e as manifestações religiosas para compreendermos quem somos, relembrou e discutiu a produção carnavalesca local. De acordo com Miguel Santa Brígida, Belém tem uma nova geração produzindo o carnaval, uma turma que, além de fazer, quer pensar o espetáculo. Beira do Rio – Apesar das mudanças ocorridas nos últimos anos, ainda há preconceito quando se decide estudar temas como o carnaval? Miguel Santa Brígida – Ainda há preconceito. É como discutir preconceito racial, são questões sérias e polêmicas. O País está se abrindo para abrigar essas discussões. Na Academia, em especial, isso é francamente visível. Hoje, por estar no pós-doutorado, posso entender melhor: o samba tem relação com a questão negra no Brasil. Assim, discutir o samba é discutir a cultura de terreiro, a cultura afro-brasileira e a africana. O adensamento dessas discussões tem me emocionado no pósdoutorado. Sou uma pessoa formada pelo teatro, mas o teatro me levou para a dança e a dança me levou para o carnaval, para as escolas de samba. Nos últimos dez anos, a minha paixão pelo carnaval me fez querer entender e estudar a questão da cultura negra no Brasil. Beira do Rio – Há quem diga que Belém não tem carnaval. Por outro lado, no mês que antecede os dias de folia, os blocos invadem a Cidade Velha, o movimento nos barracões das escolas de samba é frenético. Por que insistimos em olhar a nossa festa como "menor", sempre comparada com as que acontecem no restante do Brasil? Miguel Santa Brígida – Primeiro, tem o fato de a cidade se voltar de costas à cultura popular que é viva, é pulsante e não vai morrer. Esse é o entendimento antropológico da questão afro em Belém, especificamente, da cultura do samba e de todas as escolas de samba que estão na periferia. É curioso

perceber que, apesar de essas comunidades manterem o carnaval, o nível do espetáculo se deteriorou e isso tem relação com a organização e com os gestores estaduais e municipais. A decadência do espetáculo em Belém, especificamente o promovido pelas escolas de samba, está intimamente ligada ao fenômeno dos carnavais "fora de época". Foi, a partir de 1993, com o Carnabelém, e, depois, o Parafolia, que começou a "involução" do carnaval. A mídia e os patrocinadores voltaram-se para as micaretas, que estão cada vez mais decadentes, o que já era previsível. Tudo isso arrefeceu o espetáculo. Mas, hoje, percebo um movimento de renovação dos produtores do espetáculo: existe uma leva de carnavalescos formada por pessoas criativas, as escolas estão buscando alternativas financeiras de sobrevivência, de criação, de espaço para produzirem seu carnaval de maneira diferenciada. Ou seja, o que falta, realmente, é gestão para o espetáculo. Eu me admiro de os carnavais, em todas as cidades que possuem escola de samba, serem organizados com eventos, com festa de lançamento de CDs, e eu me pergunto: será que Belém vai retomar isso? Beira do Rio – Por ser um tema com dimensão interdisciplinar, o que pode ser estudado a partir do carnaval? Miguel Santa Brígida – Para entender o Brasil, precisamos estudar as festas brasileiras. Para entender Belém, precisamos entender o Círio de Nazaré, não apenas o ritual organizado pela Igreja Católica, mas também o Círio como fenômeno cultural. Hoje, estudar o carnaval é estudar a grande festa que desenha o País. Na UFPA, é entender a cultura amazônica. Por exemplo, na década de 1970, João de Jesus Paes Loureiro revolucionou propondo sambas para o Quem São Eles, transformando o imaginário amazônico em estética da escola de samba. Isso nos ajuda a compreender esse Brasil festivo, festeiro e transforma a minha prática como professor e pesquisador. Hoje, tenho um tambor africano em sala de aula e chamo um pai de santo para conversar e mostrar como o corpo vibra diferente ao toque do tambor. Estudar o carnaval é descobrir o que está dentro e por trás desse carnaval brasileiro, que é múltiplo, diferente, nos identifica e, ao mesmo tempo, nos torna diverso. Estudar o samba é mergulhar nessa cultura africana. O mestre-sala e a porta-bandeira têm uma roupa totalmente europeia, um bailado nobre de corte, mas o fundamento é africano. É a dança associada aos sons da senzala, do tambor.

O equilíbrio entre essas duas culturas, a africana e a europeia, é o meu foco de estudo e isso vem pelo carnaval. Beira do Rio – A sua tese de doutorado deu origem ao Grupo de Estudo "Tambor: Estudos de Carnaval e Etnocenologia". Que pesquisas estão sendo realizadas? Miguel Santa Brígida – Ao fazer o relatório para o CNPq, percebemos o quanto conseguimos produzir apesar da distância - eu, no Rio de Janeiro, e os demais integrantes do Grupo, em Belém. A professora Cláudia Palheta, por exemplo, é uma carnavalesca, campeã do último carnaval de Belém. Logo após o desfile, ano passado, ela produziu uma exposição de figurinos de carnaval com a produção dela e a de outras escolas de samba. Os alunos visitaram e fizeram trabalhos para as disciplinas que ela estava ministrando. Essa é uma preocupação nossa, fazer a relação com a sala de aula, com a disciplina e o conteúdo programático. Recém aprovada no mestrado, a professora está investigando o processo criativo no carnaval de Belém. O professor Beto Benone, também integrante do Grupo, está pesquisando comissão de frente e o professor Cláudio Didman está estudando maquiagem e o universo das máscaras carnavalescas. Nós quatro, com um olhar específico do carnaval, estamos tentando aglutinar e fortalecer isso dentro da sala de aula. Para este ano, o nosso projeto é trazer a comunidade para dentro da escola. É preciso ter carnavalesco aqui dentro, trocando experiências, assim como trazemos pais e mães de santo para discutirem os mitos africanos. Esse trânsito é importante. O saber científico e o saber popular, que eu chamo de sabedoria dos praticantes, precisam estar no mesmo espaço. Beira do Rio – Nas últimas décadas, o que mudou no modo de fazer carnaval em Belém? Miguel Santa Brígida – Nós temos carnavalescos novos e com formação acadêmica. Sou de uma geração em que os carnavalescos não tinham essa relação com a Universidade. Fazer carnaval era um prazer. Hoje, é diferente. Os carnavalescos estão aqui na ETDUFPA, os compositores estão saindo da Escola de Música da Universidade, ou seja, a Academia está atravessando o samba, profissionais das Artes Cênicas estão virando carnavalescos. Hoje, existe uma geração criando processos para entender esse carnaval e, evidentemente, criando um espetáculo diferente. Existe um novo momento no fazer, no olhar e no estudar o carnaval como cultura brasileira, paraense e belenense.

Um capítulo da arquitetura local Cacos de azulejos criando figuras geométricas em forma de raios nas fachadas das casas. O raio-que-o-parta foi a maneira criativa que paraenses com poucos recursos encontraram para modernizar suas residências. Pág. 5 Alexandre Moraes

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IFNOPAP é o autor da proposta

As figuras geométricas e os combongós esmaltados, coloridos são típicos da década de 1950

Jacarequara

Quilombo tem alto índice de desnutrição

Saúde

Belém tem projeto para novo sistema de esgoto

Pág. 3

Entrevista Pesquisa e carnaval podem dar samba? Leia a entrevista com Miguel Santa Brígida . Pág. 12

Coluna da Reitoria

Tecnologia

Fruto de parceria entre a Universidade Federal do Pará e a Cosanpa, o Plano Diretor do Sistema de Esgoto Sani-

tário dividiu a Região Metropolitana em 29 áreas de coleta e tratamento d'água. Pág. 7

Alexandre Moraes

"Estamos vivendo um novo momento no fazer, no olhar e no estudar o carnaval"

Memória

Alexandre Moraes

A Academia está atravessando o samba

UFPA terá campus flutuante

ou lesões na pele. Na sua forma visceral, pode atingir órgãos internos, como fígado e baço. Pesquisas realizadas na UFPA revelam que o extrato de uma planta amazônica é eficaz no tratamento da doença, tornando-o menos traumático. Pág. 4

Laboratório cria ferramentas que podem ser utilizadas tanto em aulas de História quanto em treinamento em hidrelétricas. Pág. 6

História

Religião e negócios no Grão-Pará

O pró-reitor Emmanuel Zagury Tourinho fala sobre a Pósgraduação na UFPA. Pág. 2

Opinião Célia Brito discute o novo papel do professor de língua portuguesa. Pág. 2

Realidade Virtual na sala de aula

Ambiente insalubre dificulta a conscientização ambiental

Tese vencedora do Prêmio Benedito Nunes analisa conflitos entre jesuítas e Estado Português no século XVIII. Pág. 11


BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011 –

Coluna da REITORIA

Emmanuel Zagury Tourinho - Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

O

Mácio Ferreira

Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), integrado por cursos de doutorado, mestrado acadêmico e mestrado profissional, alcançou, na última década, expressivo incremento e consolidação, com reconhecimento dentro e fora do País. A cada semana, são divulgadas informações sobre as conquistas da ciência brasileira (por exemplo, na área de Alimentos), sobre o aumento da capacidade de formação de recursos humanos para a pesquisa no Brasil (mais de 12 mil doutores formados por ano) e sobre a maior participação do País na produção científica mundial (13o lugar, à frente de algumas nações desenvolvidas). Esses dados refletem um processo de avanço da competência científica nacional, do qual a UFPA tem participado em posição de liderança regional e nacional, em diversas áreas de conhecimento. O protagonismo da UFPA tem sido possível graças a um esforço continuado de seus pesquisadores e gestores, interagindo com um sistema, muitas vezes, indiferente às particularidades regionais. A expansão quantitativa e qualitativa da pós-graduação, a oferta de novos cursos e a consolidação desses cursos em um patamar elevado de qualidade constituem desafios permanentes às universidades. São, na verdade, uma condição para seu reconhecimento como instituições

Pós-graduação na UFPA

acadêmicas de bom nível, integradas à reconhecida competência científica nacional. A cada ano, a UFPA tem dado passos importantes nessa direção, refletidos no maior impacto da produção de seus pesquisadores, cada vez mais internacionalizada, na abertura de novos cursos e expansão de vagas, na titulação de novos mestres e doutores. Suas dimensões e condições de funcionamento ainda não são ideais, principalmente, se levados em conta os enormes desafios regionais, mas alguns dados de 2010 ilustram a mudança para melhor: passamos de 65 para 76 cursos de pós-graduação stricto sensu. Foram quatro doutorados novos aprovados pela CAPES para a UFPA (Biotecnologia, Ciências Ambientais, Ciência e Tecnologia de Alimentos e História) e sete novos cursos de mestrado, sendo quatro mestrados acadêmicos (Biotecnologia, Enfermagem, Filosofia e Linguagem e Saberes na Amazônia) e três mestrados profissionais (Defesa Social e Mediação de Conflitos, Processos Construtivos e Saneamento Urbano e Saúde na Amazônia). Outros três projetos de mestrado ainda tramitam na CAPES. O número de titulados no doutorado cresceu 81%, saltando de 52 para 94 novos doutores. No mestrado, o crescimento foi de 60%, com a titulação de 600 novos mestres.

O número de matriculados no doutorado cresceu 46%, chegando a 984 alunos. No mestrado, chegou a 34%, alcançando 2.501 discentes. As Bolsas de Iniciação Científica, com as quais formamos os melhores candidatos aos cursos de pós-graduação, tiveram um incremento de 25%, passando a 815 bolsas, resultado de um esforço conjunto da PROPESP e da PROEX. A fim de favorecer o avanço qualitativo da atividade científica dos cursos de pós-graduação, os pesquisadores da UFPA passaram a contar com novos programas de apoio, resultado de uma parceria entre PROPESP e FADESP. Esses programas partem do entendimento de que é necessário oferecer melhores condições aos pesquisadores para sua integração ao processo de produção de conhecimento em redes interinstitucionais de pesquisa, em um contexto de internacionalização da produção científica. Isto é, nossa capacidade de expandir as oportunidades de formação de mestres e doutores, na UFPA, como em qualquer outra instituição brasileira, depende, em parte, do grau de integração de nossos pesquisadores aos ambientes em que se encontram seus pares, no Brasil e no exterior. Por essa e outras razões (relacionadas à avaliação dos cursos), os programas geridos pela PROPESP e apoiados financeiramente pela FADESP cobrem

OPINIÃO Célia Brito

"N

ós, professores de português, muitas vezes, matamos a alma do texto". Pronunciei esse enunciado em uma sala de um curso de Pós-Graduação da área de Letras voltado para o estudo e ensino-aprendizagem da língua portuguesa e suas literaturas. Até mesmo antes de terminar de emiti-lo, percebi que estava afirmando algo muito forte, até porque o expressei com muita veemência. Mas, naquele momento, senti que era não só oportuno mas também necessário ser dito com todas as letras e, assim, não havia mais como retê-lo dado o sentimento que me tomava naquele instante de reflexão sobre problemas que envolvem a condução da leitura e produção de textos na escola. Outrora era bem mais simples, ou mais fácil, ser professor de português, porquanto se pensava que, para tanto, bastava saber as regras ditadas nos compêndios de gramática. Assim sendo, até pessoas, mesmo sem formação na área dos estudos da linguagem, atuavam como professores de língua portuguesa e eram respeitadas pelo conhecimento inquestionável que detinham dos aspectos descritivos e prescritivos dos conteúdos de gramática que repassavam. Também, do texto, por não ter sido concebido no passado como objeto

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História kkk tourinho@ufpa.br

despesas relativas a publicações em revistas estrangeiras, à reunião com pesquisadores externos, do País e do exterior, para o estabelecimento de cooperações em pesquisa, e ao comparecimento a eventos científicos no exterior. Outras ações de impacto mais localizado, porém igualmente relevantes, incluem a contratação de três doutorados interinstitucionais na área da Saúde (Oncologia, Ciências Médicas e Odontologia), como parte de uma programação de criação ou fortalecimento no médio prazo de programas da UFPA nessas áreas, e a criação do Programa de Apoio à Qualificação de Servidores Docentes e Técnico-Administrativos (PADT), o qual tem expandido as oportunidades locais para a titulação de nossos servidores. A pós-graduação da UFPA constitui, finalmente, uma expressão viva do bom momento da ciência e das universidades brasileiras, resultado, como afirmado antes, do trabalho de muitos pesquisadores e gestores ao longo das últimas décadas e do apoio de agências de fomento, como CAPES, FINEP, CNPq e FAPESPA. Ao mesmo tempo, tem renovado as ações de gestão, construindo, desde já, um futuro ainda mais promissor, em que se reafirme a excelência acadêmica como sua maior distinção.

britoceliamaria@gmail.com

O Professor de Linguagem de ensino, pelo desconhecimento que se tinha de suas propriedades procedimentais e discursivo-pragmáticas, era suficiente promover a leitura, principalmente de produções literárias, atentando-se para seu conteúdo e seus contornos estilísticos (aqui reconhecidos como realizações de linguagem que caracterizariam a forma de o autor se expressar). Embora se conceba, hoje, que não compete mais ao professor de português ensinar expedientes da língua portuguesa, referentes à fonologia, morfologia, sintaxe e semântica, para fins puramente descritivo-classificatórios, de realizações verbais, pinçadas de textos escritos, o que não exime aquele profissional de reconhecêlos e a eles recorrer quando necessário em suas incursões em sala de aula, essa forma de promover o ensino-aprendizagem da língua portuguesa ainda é norteadora, em grande monta, de práticas metodológicas. Por outro lado, percebe-se que a leitura e a produção de texto continuam ocupando segundo plano (quando não, nenhum,) vindo, portanto, a reboque dos estudos descritivo-estruturais da língua; aquela sendo tida para despertar o hábito de ler e estimular a escrever; e esta, entendida como uma ação promotora de textos criativos, do que se conclui que passa ao largo

a concepção de texto como decorrente de processamento cognitivo e, muito menos, de interferências pragmáticas interpostas nas interlocuções. Ao lado desses encaminhamentos, o mais que se tem proposto é a identificação de realizações variáveis ao português padrão e o reconhecimento das funções da linguagem segundo as concepções estruturalistas, ainda, desse fenômeno - ambos como se algo inovador fosse -, e também considerações conceituais e tipológicas de gêneros de texto. As provas de processos seletivos de ingresso ao nível superior e, inclusive, as do ENEM, com a preocupação de seguirem o que apregoam os Parâmetros Curriculares Nacionais e, assim, serem reconhecidas como criativas e adequadas para avaliar o pensamento lógico, são um indicativo de exploração daquelas propostas, inclusive as questões que delas se valem são dadas como exemplo, na mídia impressa, de que atendem ao que se quer hoje alcançar com o ensinoaprendizagem da língua portuguesa. O momento atual dos estudos da linguagem no âmbito das ciências sociais conclama-nos a entender que nossas manisfestações textuais verbais refletem ações e como tais decorrem de representações que possuimos do contexto de

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produção de um texto. Em vista disso, o professor de língua portuguesa, ao promover atividades de leitura e produção de textos, precisa desenvolver no aluno capacidades de diferentes naturezas: de ação, de textualização e enunciativas, para que este se habilite a interagir de modo eficiente nos mais diversos contextos interlocucionais. O professor de português, portanto, tem uma missão muito maior a cumprir na sociedade do que a de apenas ensinar a falar e a escrever corretamente, segundo regras de escrita e regras atinentes à norma padrão e a adequações semânticas, como muitas vezes se pensa ser esse seu papel. É justamente por essa razão que considero muito restrita a denominação professor de português - deveria ser professor de linguagem -, conferida ao profissional responsável, também, pelo desenvolvimento das capacidades de comunicação, dicursivas e linguístico-discursivas que envolvem a leitura e produção de textos. Mas é preciso que o professor se reconheça como tal e a sociedade o valorize na medida certa de sua grande importância para o desenvolvimento humano e social. Célia Brito é professora e pesquisadora da área de Letras.

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Danin; Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Ana Carolina Pimenta (013.585-DRT/MG)/Dilermando Gadelha/Flávio Meireles/Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/ Paulo Henrique Gadelha/Raphael Freire/Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/Vito Ramon Gemaque/Yuri Rebêlo; Fotografia: Alexandre Moraes/Karol Khaled; Secretaria: Silvana Vilhena/Carlos Junior/ Davi Bahia; Beira On-Line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Cintia Magalhães; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA; Tiragem: 4 mil exemplares.

Religião, política e negócios no Grão-Pará Tese analisa conflitos entre jesuítas e Estado Português no século XVIII

Vito Ramon Gemaque

A

colonização portuguesa trouxe diversos atores sociais para o Brasil e para o Pará. Além de colonos portugueses, vieram ordens de missionários católicos incumbidos de catequizar os indígenas e, posteriormente, vieram escravos negros da África para transformar a colônia em uma terra produtiva. Entre esses diversos atores, a Companhia de Jesus, cujos membros eram denominados de jesuítas ou inacianos, e o marquês de Pombal foram dois personagens históricos que influenciaram diretamente o processo de colonização no século XVIII. O conflito entre a Companhia de Jesus e o Estado Português, representado pelo marquês de Pombal, levou ao rompimento das relações entre ambos e à expulsão da Ordem de Portugal e de todos os domínios portugueses em 1759. No Brasil, a expulsão teve início nos Estados do Grão-Pará e Maranhão de onde cinco jesuítas haviam sido expulsos ainda em 1755. A campanha movida por Pombal se espalhou por outros países europeus, como Espanha e França, de onde os jesuítas também foram expulsos, culminando, em 1773, com a extinção da Companhia de Jesus pelo Papa Clemente XIV. Entender esse processo no cotidiano paraense da segunda metade do século XVIII foi o objetivo

Manoel Neto

Mácio Ferreira

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Colégio e Igreja de Santo Alexandre foram sede da Companhia de Jesus em Belém de José Alves de Souza Júnior, professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA), em sua Tese Tramas do Cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão-Pará do setecentos. Um estudo sobre a Companhia de Jesus e a política pombalina.

"Meu objetivo era tentar resgatar a atuação dos jesuítas no Grão-Pará, a partir da relação que a Ordem teve com o marquês de Pombal, a qual foi estremecendo a ponto de culminar com a expulsão", explica o professor. A Companhia de Jesus teve

grande influência na Corte Portuguesa nos reinados de Dom João IV e Dom João V. Um exemplo disso é o papel do padre jesuíta João Baptista Carbone, no reinado de João V, como conselheiro e confessor da família real, estando por trás das decisões da Corte.

Jesuítas acumulam patrimônio e ganham independência A Ordem, que esteve à frente dos aldeamentos ou missões de catequização dos índios, acumulou um expressivo patrimônio material no Grão-Pará, com 448 fazendas, criação de gado, plantações de cacau, salsa e cravo para exportação e empréstimos de dinheiro a juros. Por meio dos aldeamentos, os jesuítas tinham a mão de obra indígena à disposição para todos os seus empreendimentos. Segundo José Alves Júnior, isso aconteceu porque os jesuítas

perceberam que o acordo feito entre a Igreja e o Estado Português para sustentar os padres e as missões de catequese não vingaria. A partir daí, a Companhia organizou o financiamento de seu empreendimento religioso com as riquezas que começou a acumular. "Eles conseguiram formar um expressivo patrimônio e ficaram independentes, tanto da coroa portuguesa quanto do papado", explica o professor. No processo de colonização, foi constante o conflito entre os

diferentes atores sociais que se relacionaram aqui. Jesuítas, colonos e outras ordens católicas disputavam a mão de obra indígena já que só se permitia a escravização dos índios inimigos, também chamados de gentios de corso, os quais não aceitavam a aproximação com os portugueses. Enquanto os colonos portugueses criavam pretextos para escravizar os índios e usar seu trabalho na produção, os jesuítas pregavam a catequização do índio e a manutenção de sua "liberdade". Por vezes,

Pombal extingue poder temporal de religiosos Ao fugirem dos aldeamentos, os índios organizavam mocambos ou quilombos, onde também se refugiavam negros escravos fugitivos, mestiços e homens brancos, pobres desertores das tropas. Os mocambos tornavam-se espaços de socialização desse grande contingente de despossuídos. Essa nova identidade social – de oprimidos e explorados – está visível nas inúmeras rebeliões, como a Cabanagem. A subida de Dom José I ao trono de Portugal e a nomeação do marquês de Pombal para a Secretaria da Guerra e de Negócios Estrangeiros reconfiguraram o poder em Portugal e no Grão-Pará. Este é um dos pontos centrais na pesquisa de José Alves. O historiador tenta

demonstrar como foi a intervenção da metrópole portuguesa na Amazônia, no século XVIII, principalmente, no período em que Pombal esteve à frente da Secretaria e modificou profundamente as condições de vida e de trabalho de suas populações indígenas. A nova política, conhecida por pombalina, tinha o objetivo de tornar o Estado laico, reduzindo a influência de religiosos no governo, além de tornar a Amazônia fonte de riqueza para a metrópole e reorganizar a colonização. Pombal criou a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, proibiu o trabalho escravo indígena e extinguiu o poder temporal dos religiosos nos aldeamentos.

Diante da restrição do poder missionário nos aldeamentos, os jesuítas começaram a sabotar o Projeto Pombalino, dificultando o acesso dos colonos e das autoridades coloniais à mão de obra indígena e criando obstáculos à demarcação dos limites estabelecidos pelo Tratado de Madri, assinado por Espanha e Portugal em 1750. As dificuldades criadas ao governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, provocaram a expulsão dos primeiros jesuítas em 1755. Diante disso, os colonos portugueses se viram livre do maior empecilho à escravização indígena. Sem os missionários, a exploração dos índios aumentou na Amazônia.

os ânimos se acirraram devido às denúncias, da Companhia de Jesus, de escravizações ilegais dos índios pelos colonos. "Quanto mais índios estivessem nas mãos dos colonos, menor a possibilidade dos jesuítas concretizarem seu projeto salvacionista", ressalta José Alves. A crescente resistência indígena foi outro fator importante no cotidiano das lutas na capitania. A união entre tribos inimigas, fugas e a oposição à catequese são exemplos disso.

Prêmio Benedito Nunes A Tese Tramas do Cotidiano ganhou a primeira edição do Prêmio Professor Benedito Nunes, sob a coordenação da Propesp. A premiação é bianual. Podem candidatar-se autores de teses de doutorado defendidas nos programas de pós-graduação dos Institutos de Ciências da Arte (ICA), de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e de Letras e Comunicação (ILC) da UFPA, docentes ou técnico-administrativos que defenderam suas teses em programas de outras universidades reconhecidas pelo MEC, lotados nos institutos mencionados. Para José Alves, ganhar o Prêmio foi “uma grande felicidade”.


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BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011 –

Violência

Jacarequara

E

specialistas acreditam na educação como o caminho ideal para se obter êxito em todas as esferas da vida. Porém é sabido que as condições para percorrer esse caminho são desiguais. Para uma parcela da sociedade, são oferecidas escolas sem infraestrutura e professores sem a qualificação adequada. As consequências, muitas vezes, são catastróficas: altos índices de evasão escolar e envolvimento de crianças e adolescentes com a criminalidade. Essa discussão está presente na Dissertação Adolescentes em conflito com a Lei: memórias e trajetórias de vivências na escola, defendida pela pedagoga Regina Fernandes Monteiro, no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação (ICED) da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob orientação da professora Laura Maria Silva Araújo Alves. O estudo buscou revelar a memória escolar de adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas na Unidade de Internação de Val-deCães da Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap). O objetivo era analisar as razões que levaram à evasão escolar, aos altos índices de repetência e ao envolvimento com a criminalidade. Em setembro de 2009, quando já era gestora da Unidade de Val-de-Cães, Regina Fernandes Monteiro, servidora da Funcap desde 2006, realizou entrevistas com 18 adolescentes a fim de saber as motivações do abandono prematuro da sala de aula. Os entrevistados eram nascidos no Estado do Pará, tinham entre 12 e 17 anos, possuíam

Fotos Acervo do Pesquisador

Desmotivação está presente em relatos de menores infratores

O

Desenhos feitos por adolescentes durante oficinas realizadas na Unidade de Internação de Val-de-Cães da Funcap escolaridade entre o 1° e o 9° ano do ensino fundamental e cumpriam medidas por infrações, como dano ao patrimônio público e assalto seguido de morte. A partir da pesquisa de campo, Regina Fernandes aponta a falta de interesse como uma das principais causas para a evasão escolar, já que 47% dos entrevistados, ao

relembrarem a época em que estudavam, diziam-se desmotivados com a escola. "A escola, hoje, não se apresenta como algo interessante. Muitas vezes, o estudante chega ao ambiente educacional e não é acolhido. Em um ambiente hostil, o adolescente acaba preferindo a rua, onde encontra outros atrativos. O resultado é que muitos adoles-

centes chegam aos 17 anos lendo e escrevendo com muita dificuldade, quando não, são analfabetos", afirma a pesquisadora. Na avaliação de Regina Fernandes, quando um adolescente chega à Funcap, é porque tudo em sua volta falhou: a escola, a família, as políticas sociais e a comunidade onde ele estava inserido.

instaladas nas próprias unidades de internação. O tempo que um adolescente pode permanecer na Funcap varia entre seis meses e três anos. Durante esse período, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, professores e outros profissionais avaliam o desempenho e o desenvolvimento psicosocioeducacional de cada interno. Se tiver um desempenho considerado satisfatório, o adolescente pode receber a semiliberdade. Ele permanece na unidade de segundafeira a sexta-feira e aos finais de

semana tem a permissão para retornar ao convívio familiar. No entanto muitos adolescentes, quando chegam a esse estágio, querem liberdade total e acabam não retornando à unidade de internação. "Quando chegam à semiliberdade, eles não querem mais ficar na Funcap. Com os adolescentes entrevistados durante a pesquisa, não foi diferente. Alguns até conseguiram voltar, outros não", afirma Regina Fernandes. Outro problema é a recepção da comunidade. De acordo com a

pesquisadora, quando o adolescente retorna ao seu bairro, seja em semiliberdade, seja quando a medida já foi cumprida integralmente, algumas vezes, ele é ameaçado, sobretudo quando se trata de um crime de comoção popular, com notoriedade na mídia. Diante do ambiente tenso e ameaçador, a família tenta mudar de bairro, mas nem sempre isso é possível em virtude da sua vulnerabilidade social e econômica. Em alguns casos, esse adolescente é abandonando e retorna à criminalidade.

Adolescentes reproduzem comportamento violento Um ano após a realização da pesquisa, sete adolescentes morreram envolvidos em delitos, dois estão de volta à Funcap, dois estão com a família e, dos demais, não se têm notícias. "Entre os adolescentes que participaram do estudo, seis estavam

Crianças são as mais afetadas pela falta de dieta adequada

Ana Carolina Pimenta

Nas unidades de internação, rotina escolar é retomada Entre os entrevistados, 17 estavam fora da escola há, no mínimo, seis meses antes de chegarem à Funcap. Nas unidades de internação, eles são inseridos em atividades profissionalizantes, oficinas e estágios remunerados em instituições públicas, como o Tribunal de Justiça do Estado. Além disso, voltam ao cotidiano da sala de aula, considerado prioritário e obrigatório. A Fundação mantém convênio com a Secretaria de Estado de Educação, que dá assistência aos adolescentes em escolas

Quilombo tem alto índice de desnutrição

cumprindo medidas por estupro. Hoje, a estatística para esse tipo de crime está cada vez maior. Há uma rede de significados em volta disso. As escolas são de péssima qualidade, as famílias estão desestruturadas e o adolescente acaba reproduzindo o comportamento violento como pro-

duto de tudo o que está a sua volta. Há um longo caminho a ser trilhado até que esses adolescentes obtenham a cidadania em sua plenitude", conclui a pedagoga. De acordo com Regina Fernandes, os servidores da Funcap têm feito o que é possível. "O Projeto Político

Institucional que vem sendo implementado desde 2007 ainda não gerou os frutos esperados. Algumas unidades já foram reformadas, mas muitas ainda continuam sucateadas. Faltam políticas públicas mais afirmativas direcionadas a esses adolescentes", diz a pedagoga.

Pará é um dos quatro Estados brasileiros com maior concentração de comunidades quilombolas no Brasil, acompanhado por Maranhão, Bahia e Minas Gerais. São mais de 400 comunidades localizadas em 40 dos 143 municípios paraenses. Apesar do número significativo, os quilombolas vivem uma grave situação de exclusão socioeconômica que se reflete com mais força nas crianças. Para analisar a saúde e o perfil nutricional infantil destas comunidades, a professora Yonah Figueira, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal do Pará (UFPA), escreveu a Dissertação Condições de Saúde das Crianças de 0 a 5 Anos de idade da Comunidade Quilombola de Jacarequara, no Pará, defendida pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, sob orientação da professora Rosa Acevedo Marin. Segundo a "Chamada Nutricional Quilombola", realizada pelo Ministério da Saúde, em 2006, a proporção de crianças de até cinco anos desnutridas é 76% maior que o índice nacional de desnutrição infantil. A pesquisa revela que a fome afeta 90% das vilas quilombolas. Assim como seus ancestrais, os descendentes dos escravos refugiados fazem parte da camada mais baixa da escala social. Segundo a professora Yonah Figueira, o perfil de saúde-doença dos

Acervo do Pesquisador

Evasão escolar vem antes da criminalidade Paulo Henrique Gadelha

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Foram analisadas as condições socioeconômicas das famílias de 33 crianças entre 0 e 5 anos povos quilombolas no Brasil e no Pará ainda é pouco conhecido, por isso foram analisadas as condições socioeconômicas das famílias de 33 crianças de 0 a 5 anos, o estado nutricional, a prática de aleitamento, a alimentação complementar, a assistência à saúde, entre outros fatores específicos para aquela faixa etária. A realidade encontrada em Jacarequara não destoa dos números

nacionais, revelando, por exemplo, a precariedade do acesso à infraestrutura básica. Localizada no município de Santa Luzia do Pará (nordeste paraense), a 45 minutos de Belém, a comunidade não dispõe de água potável e condições sanitárias adequadas, as casas apresentam péssimas condições de moradia e a escolaridade dos moradores é basicamente de ensino fundamental.

A professora explica que fatores sociais, como renda e escolaridade, influenciam diretamente nas condições de saúde, ou seja, de vida e de sobrevivência, na primeira infância das crianças quilombolas. Pesquisas revelam que quanto mais anos de estudo os responsáveis têm, menor é o grau de desnutrição e melhor é a condição de saúde das crianças.

78% das famílias recebem menos de um salário mínimo Em Jacarequara, a desnutrição tem um impacto severo sobre as crianças. No geral, elas saíram precocemente do aleitamento materno, apresentam desnutrição crônica e têm altura inferior aos padrões recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Cerca de 42% das crianças estudadas apresentam baixa estatura ou risco de baixa estatura. As crianças quilombolas não crescem bem, porque vão acumulando as consequências da desnutrição e das infecções, como a diarreia. Quase 78% das famílias estudadas sobrevivem com uma renda inferior a um salário mínimo. A renda da comunidade provém, basicamente, do pequeno roçado, da produção limitada de artesanato, da pesca ou da venda de

pequenos animais e é complementada com os benefícios do governo federal – cerca de 83% das famílias recebem o Bolsa Família. Dados do IBGE (2004) revelam que a população negra é quase três vezes mais atingida pela insegurança alimentar grave do que a população branca. Na população quilombola, a situação tende a piorar. Na comunidade de Jacarequara, a alimentação é pobre em nutrientes importantes durante o crescimento infantil, como proteína, ferro, vitaminas e sais minerais, devido ao baixo consumo de alimentos de origem animal, frutas, legumes e verduras. Em Jacarequara, como em tantas outras comunidades quilombolas do

Pará, não há posto de saúde, somente serviços do Agente Comunitário de Saúde e o Programa Estratégia Saúde da Família (ESF), que visitam a comunidade uma vez ao mês. A comunidade preserva a cultura dos remédios caseiros, das benzedeiras e das parteiras como suporte alternativo à dificuldade de acesso à saúde. Os números indicam que a maioria das mulheres entrevistadas (52%) teve parto normal em casa, revelando a importância das parteiras para a comunidade. A professora atribui o fato ao distanciamento da zona urbana e à dificuldade de transporte. Uma boa surpresa encontrada foram os índices relacionados ao prénatal. Segundo o estudo, 100% das mães entrevistadas passaram por este

serviço, fundamental para detectar riscos na gestação e prevenir problemas futuros para o bebê. Para a professora Yonah Figueira, esse cuidado contribuiu para que não ocorresse caso de baixo peso ao nascer, parto prematuro e abortos. O pré-natal contribuiu, ainda, para que todas as crianças estudadas fossem amamentadas. Contudo somente 29% delas tiveram aleitamento materno exclusivo até o 6º mês. "Esse dado é preocupante, pois uma das formas de evitar as doenças de prevalência na infância, como baixo peso, diarreia, insuficiência respiratória, anemia, entre outras, é praticando o aleitamento materno exclusivo", explica a pesquisadora.

No cardápio, sobram carboidratos e faltam verduras Com relação ao perfil alimentar, o estudo revelou que 64% das crianças não consumiam leite, o que sinaliza um problema, uma vez que tal alimento é rico em nutrientes importantes para esta fase de crescimento. Há pouca variedade no consumo dos alimentos. O arroz, o macarrão, o feijão e a farinha ainda compõem a base da alimentação. Os sucos naturais são pouco consumidos (somente 12% consomem diariamente). Por outro lado, 40% não consomem refrigerante, um dado positivo, pois o refrigerante é considerado um dos

vilões de doenças gástricas. No que diz respeito ao consumo de carnes e ovos, o estudo revelou que, das crianças estudadas, somente duas consomem esses alimentos proteicos diariamente. O consumo, da maioria, é semanal. Pelo menos uma vez por semana, 58% das crianças comem peixe; 55%, ovo e 40%, carne (bovina e ave). Segundo Yonah Figueira, a dieta dessas crianças tem baixa ingestão de fibras. Alguns alimentos, como farinha, milho, arroz, feijão, caruru, vinagreira, jambu, açaí, banana e

abacaxi, cultivados na comunidade, poderiam ser introduzidos na dieta infantil após o 6º mês de aleitamento. Buscando reverter o baixo consumo de frutas, legumes, verduras e alimentos ricos em ferro e proteína, a professora promoveu ações educativas na comunidade por meio das palestras "Alimentação Saudável para Crianças" e "Os 10 passos da Alimentação Saudável para adultos". Mas, segundo a pesquisadora, isso é uma ação que deve ser intensa e contínua. Como conclusão do trabalho, a autora considera que os

problemas existentes só serão amenizados se houver, de fato, uma parceria da comunidade com o poder público e o setor não governamental. Mas, por enquanto, essa etnia permanece invisível às políticas públicas. Pais sentem dificuldades na criação dos filhos: • 62,5%, pela falta de renda fixa, • 12,5%, pela falta de alimentação variada, • 18%, pela falta de assistência à saúde.


4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011 –

Pesquisa

Educação

Fitoterapia indicada contra leishmaniose

Um campus entre o rio e a floresta

Yuri Rebêlo

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Raquel Raick (à esquerda) e Edilene Oliveira (à direita) foram premiadas pelo CNPq do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), juntamente com a professora Edilene Oliveira da Silva, do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA e do Instituto Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem (INBEB), orientadora da pesquisa. As investigações empreendidas por professora e aluna, inclusive, renderam um

trabalho recentemente contemplado com o 8º Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica, promovido pelo CNPq. A intenção é que as pesquisas possibilitem a futura confecção de um medicamento manipulado. "Os compostos até então utilizados para o tratamento da doença não têm demonstrado eficácia devido à resistência criada por

essas drogas em espécies causadoras de leishmaniose", explica Raquel Raick. Além disso, o esforço dos pesquisadores visa alcançar uma fórmula que não produza efeitos colaterais, como pancreatite, náusea e dor abdominal, sintomas constantemente relatados por pacientes tratados com os medicamentos químicos, por longos períodos

Physalis angulata já é usada para combater inflamações Nesse cenário, as plantas medicinais oferecem novas perspectivas para a descoberta de compostos diferenciados e com propriedades terapêuticas. A Physalis angulata, por exemplo, possui ação anti-inflamatória. No conhecimento popular, essa espécie é utilizada para combater dores de ouvido, de barriga e outras inflamações. A planta é encontrada em regiões tropicais e subtropicais em todo o mundo. Na Amazônia, é mais comum em cidades da zona rural. Os experimentos com Physalis angulata vêm sendo desenvolvidos na UFPA desde 2006, em uma cooperação entre os laboratórios de Parasitologia e Neuroquímica. O uso do extrato da planta, aplicado contra a leishmaniose,

é inédito cientificamente. "Em 2010, foi publicado um estudo sobre a utilização de partes isoladas (purificadas) de substâncias da planta na ação contra a leishmaniose, mas esta pesquisa continua sendo inédita porque trabalha com o extrato aquoso. A partir de uma colaboração do nosso grupo com pesquisadores de Química, foi possível isolar e identificar todas as substâncias presentes no extrato", explica Raquel Raick. A pesquisa da estudante foi realizada com auxílio da microscopia eletrônica, com o objetivo de identificar atividade leishmanicida utilizando o extrato da planta. "A Leishmania tem duas formas evolutivas: a forma promastigota e amastigota. Observei as duas formas. A

forma promastigota tem vida extracelular, está no inseto e pode ser transmitida para o humano. Essa forma evolutiva é cultivada em nosso laboratório a partir de cepas cedidas para pesquisa pelo Instituto Evandro Chagas, a atual referência regional para o tratamento da doença", continua a jovem cientista. No terceiro dia de cultivo da forma promastigota, tratada com o extrato, já se podia observar uma diminuição significativa do crescimento da Leishmania. Segundo Raquel Raick, no processamento para análise em microscopia eletrônica, foi observado, ainda, que a Leishmania apresentava alterações ultraestruturais, ou seja, o protozoário teve seu ciclo de desenvolvimento alterado.

A outra forma evolutiva da Leishmania, a amastigota, está presente no organismo humano e é uma forma de resistência ao parasita. "Não temos cultivos dessa forma amastigota, que está presente nas células humanas. Por isso trabalhamos com células obtidas de camundongos. Cultivamos essas células in vitro e realizamos um experimento de interação, no qual colocamos a Leishmania e as células em um mesmo meio de cultura. No experimento controle, as leishmanias resistem à ação microbicida dessas células. Por outro lado, nas células infectadas e tratadas com o extrato de Physalis angulata, as leishmanias são destruídas", conta a estudante.

350 milhões de pessoas correm risco de adquirir a doença Estando a ação da Physalis angulata comprovada em estudos in vitro, a próxima etapa é a de testes in vivo, primeiramente em animais de laboratório. Em seguida, em primatas não humanos, como o macaco. A orientadora da pesquisa, professora Edilene Silva, explica que, somente após essas etapas, será possível pensar em testes de tratamento de uso tópico em humanos. "Como foi comprovada alguma ação antileishmania a partir de substâncias purificadas da mesma planta, a hipótese é que haja um sinergismo quando se trabalha

IFNOPAP encaminha proposta para criação de campus flutuante

com o extrato, pois em conjunto com outras substâncias, o efeito da planta pode ser potencializado", sintetiza a biomédica. A leishmaniose é a zoonose considerada uma das seis doenças infectoparasitárias de maior importância pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com cerca de 350 milhões de pessoas sob risco. Na Amazônia, são seis espécies que causam a leishmaniose cutânea e uma espécie causadora de leishmaniose visceral. A ação da Physalis angulata concentrou-se no estudo sobre Leish-

mania amazonensis, que é cutânea, mas é possível que resultados semelhantes possam ser observados em outras espécies. "Isso não seria propriamente a cura para a doença, mas uma forma de tratamento sem efeitos colaterais, a qual poderia evitar, por exemplo, a proliferação das lesões ou a ocorrência de metástase", observa a professora. Outra linha de pesquisa desenvolvida na UFPA envolve a ação contra a Leishmania desempenhada por bioprodutos de fungos. A investigação encontra-se em fase de testes

in vivo por meio da cooperação entre os Laboratórios de Parasitologia e de Desenvolvimento de Fármacos do ICEN. "Uma descoberta como essa é importante para a região amazônica, uma vez que, aqui, a incidência da doença é elevada e os tratamentos utilizados são invasivos e muito tóxicos", destaca Edilene Silva. A pesquisa já foi patenteada internacionalmente e oferece resultados comprovados na capacidade de ativar as células de defesa e matar a Leishmania ainda em sua fase inicial.

m seus 510 anos de história e 8.511.965 km2 de extensão, o Brasil mantém a Amazônia quase inexplorada. Por isso, a região ainda oferece uma grande variedade de objetos e perspectivas de estudos. Para explorar esse universo, a professora Maria do Socorro Simões, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Pará (UFPA), desenvolve, desde 1994, o Projeto Imaginário e Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense (IFNOPAP). O objetivo é realizar pesquisas em várias áreas, contribuir com o ensino de graduação e prestar serviços para as comunidades do interior do Estado. Para 2011, o IFNOPAP traçou uma meta ambiciosa: tornar-se o 11° campus da UFPA, um campus flutuante, localizado entre o rio e a floresta. O Projeto teve início com uma proposta de catalogar as narrativas orais populares da região. Para isso, eram feitas visitas aos municípios paraenses com pesquisadores de todos os campi da Universidade. "Nós conhecemos muitas lendas originadas na Europa, mas não temos o domínio de lendas e mitos da Amazônia", conta a professora. O IFNOPAP foi idealizado em 1993, mas começou as suas atividades somente em 1994. No ano seguinte, foram publicados os dois primeiros livros. Hoje, os números indicam mais de 5.500 depoimentos,

Fotos Alexandre Moraes

A

leishmaniose acompanha o homem desde os tempos mais remotos e tem apresentado nos últimos 20 anos um aumento do número de casos em todos os estados brasileiros. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença acomete cerca de dois milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente em países tropicais e subtropicais, e, é provocada pela picada de um inseto denominado flebotomíneo, também conhecido como mosquito palha ou birigui, mais comum em áreas de floresta ou cidades da zona rural. Na sua forma cutânea, pode provocar úlceras ou lesões na pele. Na sua forma visceral, a doença também pode afetar órgãos internos, como fígado, medula óssea e baço. Atualmente, o tratamento recomendado é extremamente tóxico, à base de compostos químicos que provocam intensos efeitos colaterais. Pesquisas realizadas na Universidade Federal do Pará, no entanto, revelam que o extrato de uma planta amazônica pode ser eficaz contra a ação de uma das espécies de protozoários do gênero Leishmania, o que tornaria o processo de cura menos traumático. A planta é a Physalis angulata e o protozoário, Leishmania amazonensis. A constatação é resultado dos estudos de Raquel Raick, aluna do curso de Biomedicina da UFPA e bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC)

Alexandre Moraes

Extrato de planta diminuiria os efeitos colaterais do tratamento

Jéssica Souza

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Há 17 anos, Projeto tem percorrido municípios da Amazônia Paraense em atividades de pesquisa, ensino e extensão 16 livros publicados, quatro curtametragens, quatro CD-Roms, sete teses de doutorado, 17 dissertações de mestrado e inúmeros trabalhos de conclusão de curso e monografias de especialização. Em 1998, o Projeto promoveu o seu primeiro seminário embarca-

do. Professores e alunos envolvidos viajavam para as comunidades onde foram desenvolvidas as pesquisas. Nesse momento, o Projeto começou a ganhar um tom multidisciplinar. "Nós já tivemos quase 20 subprojetos ligados ao IFNOPAP", lembra Socorro Simões. Em 2001, pela

primeira vez, foram desenvolvidas atividades fora do barco, inclusive serviços de auxílio médico, jurídico e odontológico, fazendo com que o trabalho contemplasse o tripé ensinopesquisa-extensão. Ao longo de todos esses anos, o Projeto tem feito, pelo menos, uma viagem anual.

Projeto de construção do barco está finalizado Em 2004, a professora foi chamada pelo reitor da Universidade à época, professor Alex Fiúza, para transformar o IFNOPAP em um projeto institucional. Surgiu, então, a proposta de transformá-lo em campus flutuante. No mesmo ano, a proposta foi encaminhada ao Ministério da Ciência e Tecnologia que, em 2005, disponibilizou os recursos necessários. Porém, apenas os equipamentos foram comprados até o momento. A embarcação utilizada ainda é emprestada da Marinha ou do Corpo de Bombeiros. Com a nova gestão, a ideia do campus flutuante ganhou novo fôlego. "Os atuais administradores da UFPA são partícipes dessa

ideia desde a origem. O primeiro seminário embarcado foi apoiado pela Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp), cujo diretor era o professor Carlos Maneschy, atual reitor e que, inclusive, viajou conosco", revela a coordenadora do Projeto. Hoje, o projeto de construção do barco está finalizado. Desenvolvido pelo professor Hito Braga, da Faculdade de Engenharia Naval, o barco contará com quatro salas de aula com 40 lugares, um auditório para 120 pessoas, refeitórios, dormitórios e quatro contêineres guardados na parte de cima, construídos para algum tipo de emergência.

Atualmente, embarcações são emprestadas da Marinha ou dos Bombeiros

Cultura e biodiversidade é o tema da próxima viagem A possibilidade do campus flutuante sair do papel ainda este ano é real. Em novembro do ano passado, foi votada uma emenda parlamentar que garante o investimento de R$ 100 milhões entre quatro universidades federais do Brasil. O valor destinado à UFPA será utilizado para a materialização do novo campus. Atualmente, o barco está orçado em 12 milhões de reais. Somando outros itens necessários, como motor, mobiliário e gerador, o orçamento total

seria de R$ 17 milhões. Para facilitar a manutenção e diminuir os custos do barco, Socorro Simões já pensou em várias alternativas. A tripulação será composta pelo Corpo de Bombeiros, que já tem convênio com o IFNOPAP. A coordenadora quer levar à Assembleia Legislativa do Pará uma proposta para manter, no orçamento do governo, uma verba para o campus flutuante. "Nós temos consciência de

que esse campus só vai acontecer com vontade política, vontade acadêmica, determinação e apoio em vários níveis", avalia a professora. A próxima viagem do IFNOPAP já está confirmada para o dia 13 de outubro de 2011. No roteiro, estão os municípios de Santarém, Óbidos e Alenquer. O tema dos debates será "Revisitando a cultura e a biodiversidade". Dentro do evento, haverá dois grandes simpósios, ambos com convidados de instituições locais,

nacionais e estrangeiras. Além disso, a viagem deste ano contará com uma parceira importante e recente: a Universidade Federal do Oeste do Pará. "Vamos discutir as mudanças climáticas, as questões de ecossistemas e sustentabilidade. E discutir esses temas dentro de um barco, na Amazônia, é um apelo extraordinário para onde os olhos do mundo estão voltados", destaca Socorro Simões.


8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011 –

Memória

Patrimônio

Flávio Meireles

U

m esforço árduo em busca dos polos artísticos de Belém. É, assim, como uma contribuição para o turismo paraense, que se pode caracterizar o Guia de Museus e Galerias de Arte de Belém, produzido pela pesquisadora e bibliotecária Cristina Alencar. O panorama museológico apresenta 29 museus e 15 galerias de arte existentes na cidade. Lançado em junho de 2010, o livro foi o produto final do curso de especialização que a pesquisadora realizou, em 2005, pela Faculdade de Biblioteconomia da Universidade Federal do Pará. Sua monografia ficou restrita aos museus da capital, já que, por falta de tempo, não foi possível mapear as galerias de arte. Na época, Cristina Alencar catalogou 22 museus na cidade, ou seja, sete a menos do que consta no Guia. Ao ser perguntada sobre o motivo pelo qual decidiu realizar este projeto, a pesquisadora não demorou a responder: "simplesmente, porque não existia! Belém não tinha nenhum trabalho dessa natureza". Como todo produto de especialização precisa partir de uma problemática, a inquietação inicial da pesquisadora foi com relação às necessidades turísticas, pois não havia algo que pudesse nortear as visitas aos museus existentes.

Alexandre Moraes

Guia lista 44 espaços de exposição de arte em Belém

F

Entre as descobertas, está o Museu de Medicina Paraense, com o maior acervo do Brasil Contudo, o Projeto deveria estar relacionado com a biblioteconomia, já que seus estudos convergiam para esta área. "Em uma biblioteca, um guia é uma obra de referência. Esse foi o vínculo que encontrei", explica

Cristina Alencar. O livro foi pensado de modo que atendesse não somente aos museus e às galerias, mas também às bibliotecas, às escolas ou ao público interessado em arte. Foram dois

receio era fechar o livro sem ter todos esses espaços identificados", diz Cristina Alencar. A pesquisadora afirma que, para confeccionar o Guia, teve que fazer de tudo um pouco, "fui responsável pela pesquisa, captação de recursos e organização do lançamento". Por essa razão, Cristina Alencar pondera como é difícil conciliar a vida de pesquisadora com a vida pessoal, "é difícil ter que estudar várias horas, acordar às 4 horas da manhã, trabalhar nas férias e ainda ter uma família para cuidar",

fazendo a ressalva de que "todo o esforço é gratificante". Segundo Cristina Alencar, o Guia deu mais trabalho, pois não ficou limitado em mencionar o nome do lugar, seu horário de funcionamento e se tem ou não entrada gratuita. "Este Guia é inovador, pois além de todas as informações básicas, traz o histórico de cada um desses espaços e é ilustrado com fotografias", explica a bibliotecária. A precariedade de alguns espaços foi percebida pela pesquisadora.

Obra também contempla municípios do interior Durante as visitas, Cristina Alencar observou que a problemática não está somente na estrutura física. Ao percorrer museus e galerias, é possível constatar que não há museólogos trabalhando nestes locais. "Nos espaços visitados, encontrei apenas uma pessoa com Graduação em Museologia", declara a pesquisadora. Apesar de ter ficado restrito à capital paraense, o Guia tem um espaço reservado para os museus dos municípios no interior do Estado. Ao todo, foram nove cidades identificadas por Lúcia das Graças Silva, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi. Espaços de exposição em Cachoeira do Arari, Marabá, São Geraldo do Araguaia, Óbidos, Santarém, Cametá, Vigia, Bragança e

"Raio-que-o-parta" conta capítulo da arquitetura local Raphael Freire

mil exemplares produzidos com o patrocínio do Banco da Amazônia. "Cerca de 1.200 não foram comercializados. Doei 700 às escolas públicas municipais e estaduais de Belém", afirma Cristina Alencar.

Pesquisa de campo levou a lugares pouco divulgados De acordo com a pesquisadora, o mapeamento não foi fácil. Nem todos os espaços catalogados eram conhecidos, por isso havia a necessidade de fazer uma visita a campo, conversar com as pessoas, perguntar se tinham conhecimento de algum museu ou galeria pela cidade. O último museu que entrou no Guia foi o da Igreja Assembleia de Deus. A pesquisadora obteve a informação ao ler uma monografia de graduação, indicada por uma professora do curso de Biblioteconomia. "O meu maior

Modernidade com baixo custo

Itaituba também constam no Livro. Os primeiros resultados deste trabalho pioneiro já começaram a aparecer. Em novembro do ano passado, Cristina Alencar recebeu a Medalha Condecorativa de Mérito Cultural, oferecida, anualmente, pela Câmara Municipal de Belém. Embora a Medalha tenha vindo por causa de um conjunto de trabalhos realizados, entre eles, a biblioteca digital sobre a médica Bettina Ferro, a pesquisadora acredita ter sido o Guia de Museus e Galerias de Arte de Belém o trabalho determinante para a premiação. Para ela, o "ineditismo contou muito para o reconhecimento". Além de mapear o circuito museológico de Belém, Cristina Alencar tenta, com essa publicação, desmistificar

a ideia de que museu é local de elite. A maioria dos museus indicados tem entrada gratuita e, quando é cobrado ingresso, o preço não é superior a R$ 4,00. Para atualizar as informações do Guia, Cristina Alencar planeja criar um blog e indicar outros espaços que vêm surgindo na cidade, como a Galeria de Arte do Tribunal Regional Eleitoral, inaugurada recentemente. Serviço: Às terças-feiras, todos os dez museus pertencentes ao Sistema Integrado de Museus e Memoriais (SIM/ Secult), administrado pelo governo do Estado, possuem entrada gratuita. Entre eles, estão o Museu de Arte Sacra, o Museu do Círio, o Museu do Forte do Presépio e o da Casa das Onze Janelas.

Era comum constatar a falta de recursos ou a má conservação dos museus. O inusitado, às vezes, era ver que o local tinha uma boa estrutura, mas não havia esforços para divulgá-lo. Mas nem tudo é dificuldade entre os museus e as galerias da capital. O Museu de Medicina Paraense, por exemplo, tem o maior acervo do Brasil e isso só se tornou possível graças ao empenho das pessoas que conservaram materiais antigos que, provavelmente, iriam para o ferro velho.

Graduação em Museologia na UFPA Até pouco tempo, a Região Norte contava com 122 museus e apenas 28 museólogos em atuação. Cerca de 80% dos profissionais que atuam nestes estabelecimentos não têm formação específica na área. Para responder a essa demanda, a UFPA criou, em 2009, o primeiro curso de Graduação em Museologia da região. Anualmente, serão ofertadas 30 vagas com o objetivo de formar profissionais que atuem na conservação e comunicação do patrimônio cultural e natural, além de fazer catalogação e restauração de acervos, entre outras habilidades.

achada de casas com desenhos de raios coloridos. Percorrendo algumas ruas da cidade de Belém, é possivel encontrar essas imagens formadas por mosaicos de azulejos. Essa expressão arquitetônica denominada de "raio-que-o-parta" surgiu em Belém, na década de 1950, influenciada pelas tendências modernistas e, hoje, tenta sobreviver ao esquecimento e à falta de preservação. O Modernismo brasileiro foi um movimento cuja linha principal era a valorização dos componentes de nossa cultura, oscilando entre a contestação de valores e a assimilação das formas do progresso. Os principais precursores e exemplos desse movimento foram as pinturas de Tarsila do Amaral, os escritos de Mário de Andrade, os painéis de Di Cavalcanti nos prédios modernistas de Niemeyer e Lúcio Costa e o paisagismo de Burle Marx, que introduziu a vegetação genuinamente brasileira em suas composições. No início da década de 50, havia a preocupação em trazer para Belém as novidades da arquitetura moderna divulgadas no sudeste do

Alexandre Moraes

Esquadrinhando museus e galerias

EM DIA

Presente em muitos bairros, a expressão arquitetônica é pouco valorizada Brasil, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os estilos que interferiram na arquitetura da cidade - o Art Nouveau e o Art Déco - seriam os prefixos da arquitetura moderna local. Os princípios modernistas foram adaptados ao contexto local e, assim, as construções eram definidas pela vivência pessoal de seus produtores. A arquitetura de cunho modernista adquiriu importância em Belém

como uma manifestação plástica constituída de painéis figurativos. Na tentativa de modernizar as construções da cidade, mestres de obra, engenheiros civis ou proprietários de casas valeram-se da expressão arquitetônica "raio-que-o-parta". Essa expressão consiste na aplicação de mosaicos feitos com cacos de azulejos formando figurações diversas nas fachadas.

Para entender a origem dessa expressão arquitetônica, é preciso voltar um pouco no tempo. O uso do azulejo já era um material comum em muitas construções, entretanto era um artigo de preço elevado, utilizado somente por pessoas de alto poder aquisitivo. Com isso, surge a hipótese de que os restos (cacos) de azulejos - rejeitos de obras - passaram a ter uma utilidade pela camada mais popular da população. Era possível alcançar a modernidade com baixo custo, ousadia e muita criatividade. "É possível encontrar algumas casas no estilo neoclássico, cujos donos – de menor poder aquisitivo – queriam dar um ar mais moderno. Para isso,

faziam algumas intervenções nas fachadas usando o ‘raio-que-o-parta’ como se fosse um aplique, uma maquiagem na casa. Mas também encontramos construções totalmente modernas que usaram essa expressão em suas concepções", explica Cybelle Miranda. Por que o nome "raio-que-o-parta"? Segundo a professora, esse nome foi atribuído devido às figuras geométricas terem forma de raios, principalmente nas platibandas (elevação superior da fachada que encobre a visão do telhado), depois, usado como um termo pejorativo, possivelmente empregado pelo arquiteto carioca Donato Mello Jr., que considerara a manifestação arquitetônica de mau gosto.

Animais, símbolos religiosos e personagens Essa manifestação arquitetônica era atribuída a um modismo e à falta de informação quanto ao contexto geral da Arquitetura. "Na época, arquitetos e acadêmicos consideravam o 'raio-que-o-parta' algo feio, desqualificado, ou seja, era uma arquitetura não erudita, feita por engenheiros projetistas", ressalta Cybelle Miranda. Nas ruas de Belém, exemplos de casas com fachadas que possuem traços e características marcantes do "raio-que-o-parta" podem ser vistas nos bairros Guamá, São Braz, Jurunas, Cremação, Pedreira, Reduto, entre outros. Entretanto o "raio-queo-parta" não foi característica arquitetônica somente de Belém, sendo encontrado, também, no município de Cametá e na Ilha do Marajó. O modismo modernista em

A Biblioteca Central disponibilizou, para consulta e download, a coleção de normas editadas pela ABNT e Mercosul. As normas técnicas poderão ser acessadas em todos os computadores da UFPA, basta instalar o programa por meio do primeiro endereço eletrônico http://www.abntcatalogo.com.br/ instalacao.aspx

Geografia

Painéis eram feitos com sobras de azulejos Na maioria das vezes, estas figuras se assemelham a linhas retas e quebradas (ou raios) que remetiam às formas modernistas em evidência nas residências burguesas ou edifícios públicos da mesma época. O "raio-queo-parta" faz parte de uma produção de arquitetura "não oficial" que caracteriza a maioria das metrópoles do terceiro mundo, sendo predominantemente residencial. De acordo com Cybelle Miranda, arquiteta e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), o "raio-que-o-parta" é uma expressão exclusivamente regional, pois, "até o momento, não se encontrou nada similar em outros Estados brasileiros", revela.

Biblioteca

Belém também se manifestou por meio de outros elementos estéticos, como molduras de janelas com laterais inclinadas; pestanas protegendo portas e janelas; telhado inclinado para dentro do terreno; painéis em combongós (blocos quadrados e vazados) cimentados ou esmaltados em cores fortes; colunas finas em forma de "V", como apoio de marquises e coberturas. Cores vibrantes – Além das figuras geométricas em forma de raios, também eram feitas imagens de animais regionais, elementos da natureza, formas onduladas, símbolos religiosos, personagens de histórias infantis e letras formando palavras com o uso de cores vibrantes. Os cacos de azulejos não eram restritos às platibandas

das fachadas, em alguns casos, eles apareciam em molduras de portas e janelas, em paredes laterais da residência, em muretas e em contornos de jardineiras. Estudiosos consideram o "raioque-o-parta" uma maneira de a cultura popular absorver, de acordo com suas possibilidades econômicas, a estética modernista. Para alguns, a expressão ressalta o verdadeiro valor da arquitetura brasileira. Mesmo estando presente, ainda hoje, em muitas residências da cidade, essa expressão arquitetônica é pouco valorizada. "Os proprietários dessas residências devem valorizá-las, pois esses desenhos contam um capítulo da história da Arquitetura moderna, no Pará, de grande importância para a memória da nossa cidade", diz a professora.

“Questões Agrárias na Panamazônia no Século XXI: usos e abusos do território” será o tema do V Simpósio Internacional de Geografia Agrária e do VI Simpósio Nacional de Geografia Agrária. Os eventos serão realizados no período de 7 a 11 de novembro de 2011, no Centro de Eventos Benedito Nunes, no Campus da UFPA, em Belém. Mais informações pelo site do evento http://singa2011.ufpa.br/, pelo telefone (91) 3201-8194 ou pelo e-mail ppgeo@ufpa.br

Auxílio A Pró-Reitoria de Extensão está recebendo propostas com pedidos de auxílio dos alunos de graduação e das entidades que queiram participar de eventos fora da UFPA. As propostas devem ser encaminhadas até o dia 2 de julho para eventos que ocorram até 31 de julho de 2011. Mais informações pelos telefones (91) 3201-8782 / 32017262. O edital está disponível no site http://www.ascom.ufpa.br/ links/editais/editalproex.pdf

Memória Já está disponível para consulta, no site do Centro de Memória da Amazônia, parte do acervo referente aos inventários dos Cartórios Pepes, Santiago, Leão, Trindade, Odon e Fabiliano. Os documentos trazem informações sobre as pessoas que nasceram e morreram em Belém, no final do século XIX.

Tecnologia O governo do Estado e a Universidade Federal do Pará (UFPA) inauguraram a primeira etapa das obras referentes à infraestrutura urbana do Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá (PCT-Guamá). O Parque integra o Sistema Paraense de Inovação, que compreende complexos tecnológicos semelhantes, nas cidades de Santarém e Marabá. Em Belém, a expectativa é que os espaços e as atividades de laboratórios do PCT possam servir para a formação de recursos humanos em nível de graduação e pós-graduação.

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Fevereiro, 2011 –

Tecnologia

Saúde

Realidade Virtual na sala de aula

Problemas de saneamento têm solução Parceria entre UFPA e Cosanpa prevê ações anuais até 2030

Sistema antigo e insuficiente

Fotos Karol Khaled

Alexandre Moraes

Ambientes tridimensionais podem ser utilizados em escolas e empresas

Belém foi uma das primeiras capitais brasileiras a possuir sistema de esgoto. Com o passar do tempo, o número de habitantes cresceu e a cidade se urbanizou, porém os esgotos não acompanharam tal crescimento. Hoje, a Região Metropolitana de Belém (RMB) possui cerca de dois milhões e meio de habitantes, com um sistema de esgoto antigo, o que, segundo o professor José Almir, explica o reduzido percentual de domicílios conectados na rede coletora de esgoto constatado pelo IBGE. Esse é um problema de saúde pública com grande impacto no aumento das internações hospitalares, na redução da força produtiva e na evasão escolar. "Além disso, as deficiências do sistema de esgotamento sanitário deixam a cidade com cheiro e estética desagradáveis, afastando turistas e incentivando a falta de cuidado. É difícil ter uma educação ambiental pró-ativa num local insalubre", acrescenta o professor.

De acordo com o professor Manoel Ribeiro, o projeto desenvolvido para a Eletronorte é o trabalho mais importante do Laboratório até o momento Ana Carolina Pimenta

C

riar interfaces interativas que simulem ambientes reais ou imaginários. Esse é o foco da Realidade Virtual (RV), tecnologia que permite ao usuário explorar um ambiente tridimensional na tela do computador. Na busca por pesquisar a ferramenta e desenvolver aplicações 3D destinadas a diversas áreas, foi constituído, em 2005, o Laboratório de Realidade Virtual da Universidade Federal do Pará (Larv-UFPA), vinculado à Faculdade de Engenharia da Computação e coordenado, desde o início, pelo professor Manoel Ribeiro Filho. O Larv tem se destacado por criar relevantes trabalhos explorando a realidade ficcional por meio de técnicas de realidade virtual não

imersiva, ou seja, aquela em que o usuário não tem a sensação de estar dentro do ambiente virtual. O professor Manoel Ribeiro explica que, embora seja crescente a tendência de se utilizar técnicas imersivas com capacetes digitais ou salas de projeção, a realidade virtual com uso de monitores (não imersiva) é bastante funcional e apresenta algumas vantagens. Para ele, a técnica é mais barata, fácil de ser aplicada e alcança algum realismo com efeitos, como o som e os elementos em tempo real. Ferramenta didática - O Projeto Unidade Geradora Virtual (UGV) foi o primeiro grande trabalho desenvolvido pelo Larv, evidenciando a enorme aplicabilidade da RV na engenharia. A pesquisa, realizada de 2005 a 2007 e financiada pelas Centrais Elétricas do

Norte do Brasil (Eletronorte), consistiu na construção de uma ferramenta para a visualização detalhada das peças da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, o estudo geral da sua operacionalização e o treinamento de técnicos. A UGV acabou se constituindo em uma experiência piloto para a realização de outros projetos no âmbito da engenharia hidráulica por parte do Larv. Em 2006, iniciou-se a criação do videogame 3D "A Revolta da Cabanagem", cuja temática é o movimento Cabano ocorrido no Pará, no século XIX. O jogo levou pouco mais de dois anos para ser criado e vem obtendo importantes resultados desde o seu lançamento em 2009. Na Escola de Aplicação da UFPA, por exemplo, os alunos receberam, como desdobramento do Projeto, um novo Laboratório de Informática e

vêm utilizando o game educativo nas aulas de História. Outras escolas têm procurado o Larv para que o Jogo da Cabanagem possa compor seu material didáticopedagógico. Contudo, Manoel Ribeiro aponta alguns desafios a serem superados. "Infelizmente, muitos professores não estão familiarizados com a linguagem dos jogos e, portanto, não exploram todas as potencialidades da ferramenta ou resistem em usá-la. Outro problema é que muitas escolas não têm a infraestrutura necessária para a instalação do game". Apesar das dificuldades, o idealizador do videogame acredita no enorme potencial da Realidade Virtual quando aplicada ao ensino e aprendizagem e acredita que o jogo pode inspirar, no âmbito da UFPA, a criação de outros projetos dessa natureza.

Hidrelétrica utiliza instruções técnicas virtuais Há dois anos, também sob financiamento da Eletronorte, o Larv iniciou o desenvolvimento daquele que o coordenador define como sendo o principal trabalho realizado, até hoje, pelo Laboratório: o Projeto "Instruções Técnicas Virtuais (ITVs)". O programa computacional consiste na construção de instruções técnicas em um ambiente de realidade virtual, onde o usuário pode navegar, interagir e controlar animações em uma usina hidrelétrica virtual, construída a partir de modelos da construção civil e de peças mecânicas e elétricas. As ITVs usam modelos 3D da

engenharia das usinas e dos equipamentos (turbinas, geradores e auxiliares) para mostrar o funcionamento da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. A ideia é complementar os roteiros de treinamento já existentes em formato textual e 2D ou mesmo substituí-los por uma demonstração visual e interativa dos processos. A necessidade surgiu justamente porque o material impresso não facilitava o aprendizado dos técnicos responsáveis pela dinâmica da Usina, dificultando a percepção dos trabalhadores sobre os efeitos causados por sua ação direta durante uma manobra. "As ITVs permitem que eles tenham uma visão do todo.

No meio virtual, eles podem, inclusive, enxergar peças que não estão visíveis", reitera o pesquisador. De acordo com Manoel Ribeiro, o Programa permite que técnicos da Usina, mesmo sem conhecimentos prévios de computação, possam interagir, com as instruções criadas, para montar e desmontar os equipamentos e acionar as chaves e os comandos nas interfaces computacionais. Ele explica que, nas instruções de manutenção, são apresentados os detalhes das peças com alto realismo gráfico, os roteiros didáticos e a sequência da desmontagem e montagem das máquinas. Na operação,

são apresentados os procedimentos do operador (representado por um avatar) diante de um computador ou em frente às máquinas e seus botões. O treinamento é totalmente interativo e o técnico pode escolher receber a instrução de diferentes maneiras. Se o trabalhador escolher o modo "guiado", o computador irá guiá-lo, indicando cada etapa a ser executada. No modo "automático", as funções são desempenhadas pelo computador, com fins demonstrativos e didáticos. Se optar pelo "modo livre", o técnico executa todo o processo e, ao fim, será avaliado para saber erros e acertos.

Novo treinamento é aprovado pelos trabalhadores Um importante diferencial do Projeto é que ele foi concebido para ser contínuo e multiplicado no âmbito da hidrelétrica. "A nossa intenção é que os técnicos sejam autônomos para construírem novas Instruções Técnicas de Operação e Manutenção em realidade virtual", diz Manoel Ribeiro. Desde o início dos trabalhos, foram construídas 10 ITVs, contudo há centenas de outras normas que estão no papel e podem

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ser transpostas para um ambiente 3D e os trabalhadores de Tucuruí já estão sendo capacitados para isso. Esse novo sistema de treinamento tem sido muito bem aceito pelos responsáveis pelo funcionamento da maior hidrelétrica genuinamente nacional. Em uma avaliação realizada junto aos usuários, constatou-se que as ITVs foram aprovadas por quase 100% dos entrevistados. A compreensão da interface do programa foi

considerada muito fácil e o nível realístico das peças virtuais satisfatório. A maioria dos entrevistados afirmou que o sistema apresenta mais informações que os métodos tradicionais. O treinamento por meio da realidade virtual foi avaliado, por unanimidade, como melhor do que o treinamento tradicional. Continuar formando recursos humanos na área da RV na Amazônia; desenvolver jogos interativos

e educativos; dar suporte a projetos ligados às áreas da Saúde, Pedagogia, Eficiência Energética e Engenharias são alguns dos planos do Laboratório de Realidade Virtual. Com sua equipe interdisciplinar, que inclui professores e alunos nas áreas de Engenharia da Computação, Educação, Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica, o Laboratório segue ampliando suas ações e inserindo a UFPA na vanguarda tecnológica.

Belém: deficiências no sistema de esgoto sanitário deixam a cidade com cheiro e estética desagradáveis Dilermando Gadelha

O

esgoto sanitário é o resíduo líquido formado por três tipos de água: a dos esgotos domésticos, que são águas de bacias sanitárias, pias e chuveiros de casas, comércios e hospitais, por exemplo; a dos esgotos industriais, com alto teor poluente vindo dos vários processos de produção de fábricas e indústrias; o das águas de infiltração, que não fazem parte do sistema de esgoto, mas se infiltram nele por vários motivos, como explica o professor José Almir, da Faculdade de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal do Pará. "A rede coletora deve receber os esgotos de residências e indústrias, porém, em algumas situações, podem ser coletadas outras águas, no caso, a água da chuva que entra em poços de visita danificados ou sem tampa, ou a água subterrânea que penetra em juntas

mal executadas de tubos enterrados. A Norma Brasileira 9649 recomenda o emprego do sistema separador absoluto, ou seja, de uma rede específica para esgoto sanitário e de outra para a drenagem de águas pluviais, bem como o tratamento do esgoto sanitário antes que este seja lançado no meio ambiente", afirma o professor. É sobre o planejamento e a implantação dessas redes de esgoto que trata a 2ª edição do livro Rede Coletora de Esgoto Sanitário: projeto, construção e operação, escrito pelo professor José Almir e pela também engenheira sanitarista e professora Jaqueline Maria Soares da Silva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA). Segundo José Almir, no livro, são apresentadas as etapas de projeto e construção dos esgotos, de forma didática e com exemplos práticos, para atender aos interesses de estudantes de graduação e pós-graduação, assim

como aos interesses de profissionais que atuam nas áreas de saneamento, planejamento urbano e meio ambiente, "nossa proposta foi que o livro, ao mesmo tempo, facilitasse o aprendizado dos alunos e a atualização dos profissionais. Pelo grande número de solicitações que recebemos de todo o Brasil, acredito que alcançamos o nosso objetivo". O livro é mais uma das ações do Grupo de Pesquisa Hidráulica e Saneamento (GPHS), coordenado pelo professor José Almir e cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde 2000, para a realização de pesquisas e atividades de extensão que possibilitem o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias na área de saneamento básico. O Grupo é formado por 35 pesquisadores, entre estudantes e professores da UFPA e de outras instituições, como UFRA, IFPA e UEPA.

Projetos atendem empresas e comunidade Ao longo de 10 anos, os pesquisadores do Grupo já publicaram livros, artigos, realizaram palestras e participaram de trabalhos em cooperação técnica com órgãos governamentais e empresas, produzindo relatórios técnicos, desenvolvendo tecnologias, licenças ambientais e projetos de engenharia em três linhas de pesquisa: planejamento e informação em saneamento básico; tratamento de água, esgoto e lodo e uso racional de água e energia nos sistemas de saneamento. A inserção dos bolsistas do GPHS é realizada em atividades práticas supervisionadas por quem ministra as disciplinas, como os

professores Paulo Norat (resíduos sólidos) e Maria de Lourdes Santos (qualidade da água). Essa estrutura facilita a produção de trabalhos acadêmicos e fortalece o apoio das atividades do GPHS pelas agências financiadoras, prefeituras e empresas, tendo como resultados a disponibilização de produtos e soluções técnico-científica para a sociedade. Em 2004, o Grupo concluiu o Plano Diretor do Sistema de Abastecimento de Água da Região Metropolitana de Belém, o qual, segundo o professor José Almir, garantiu os recursos necessários para a duplicação da Estação de

Tratamento de Água do Bolonha, pela Cosanpa. Outros projetos realizados pelo Grupo são o aterro de resíduos sólidos perigosos da Albras, o desenvolvimento de softwares e de rotinas de controle de sistemas de abastecimento de água da Cosanpa e a implantação do Laboratório de Eficiência Hidráulica e Energética em Saneamento da Eletrobras. Na área de esgoto, podem ser listados os projetos das estações de bombeamento e de tratamento de água nos bairros Una e Benguí, respectivamente, além dos estudos de alternativas de traçado da rede coletora de esgoto no bairro Jaderlândia.

Plano Diretor – Apresentando soluções de saneamento que proporcionem melhor qualidade de vida para as pessoas, o GPHS entregou, a pedido da Cosanpa, o Plano Diretor do Sistema de Esgoto Sanitário dos municípios da RMB, o qual aponta alternativas para o problema da malha de esgotamento sanitário da região. Entre as principais diretrizes do Plano, está a divisão da cidade em 29 áreas de coleta e tratamento para que o esgoto não seja mais encaminhado para os corpos d'água. "O Plano define as obras e os custos desses projetos, apresentando informações do que deve ser realizado anualmente, no período de 2011 a 2030, para universalizar o atendimento do sistema de esgotamento sanitário na RMB. A integração dos pesquisadores da UFPA e técnicos da Cosanpa foi essencial para a conclusão dos estudos de alternativas de concepção, pré-dimensionamento e proposta de localização das redes coletoras, estações de bombeamento e de tratamento nas 29 áreas em que a RMB foi dividida", explica o professor José Almir. O Plano foi realizado por meio de uma cooperação técnica entre o GPHS, a Cosanpa e a Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp), tendo a participação de vários pesquisadores, entre eles, Juliano Ximenes, professor da Faculdade de Arquitetura da UFPA, o qual orientou os estudos de projeção do crescimento populacional de Belém utilizado para avaliar o volume de esgoto anual produzido pela população. "É preciso priorizar e ter um bom planejamento. O passo seguinte é conseguir recursos, construir as obras, operar e fazer uma boa manutenção nesse sistema. Se pararmos para pensar, a conta é muito simples: se investir em saneamento, as pessoas deixam de adoecer. Isso tira a sobrecarga do sistema de saúde e aumenta a força produtiva, em consequência, a economia melhora. É um ciclo", conclui José Almir.


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