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Beira do Rio

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Junho, Julho e Agosto, 2020

Música Engenharia

Rural e urbano, legítimo e estilizado Desde o século XIX, o carimbó continua se reinventando   Gabriel Mansur

O

s gêneros musicais são uma expressão artística que compõe a história de um povo. São parte importante da cultura local e carregam um passado que explica sua origem. Samba, sertanejo, forró e frevo são exemplos de gêneros que carregam essa ancestralidade e constituem a cultura de suas regiões. Na Amazônia, o carimbó é um dos gêneros que se destacam. Em 2014, o carimbó recebeu o título de Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil. Porém já existem registros sobre o gênero desde o século XIX. Com marcas de origem africana, o carimbó é caracterizado pelo batuque, tendo como um dos instrumentos

o curimbó, que deu origem ao seu nome. Com o objetivo de compreender como os artistas do carimbó pensavam a musicalidade, o historiador Edilson Mateus Costa da Silva apresentou a tese A invenção do carimbó: música popular, folclore e produção fonográfica (século XX), orientada pelo professor Antonio Maurício Dias da Costa e defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPHIST/IFCH). “A maioria dos trabalhos toma o carimbó com base no olhar dos folcloristas, assim como se debruça, quase exclusivamente, sobre as fontes orais, esquecendo a vasta produção musical que existe a partir dos anos de 1970”, explica o pesquisador. No início da sua pesquisa, Edilson Mateus da Silva faz um apa-

nhado histórico sobre o carimbó. Mencionado pela primeira vez no século XIX, o gênero foi perseguido e viveu na clandestinidade até os anos 1940. O carimbó era visto como algo que “destoava da civilização”, pois era repleto de batuques e festejos. Diferentemente das músicas da época, que seguiam o padrão clássico europeu, o ritmo chegou a ser compreendido como “perturbação ao sossego público”. No fim da década de 1930 até 1940, o ritmo ganhou ares folclóricos. Passou a ser aceito pela intelectualidade como parte da “essência” da Amazônia. Com o fomento à criação de uma identidade nacional nos anos 1950/1960, o carimbó foi incorporado em projetos políticos e educacionais e foi celebrado como exemplo da riqueza da cultura popular brasileira.

Gravações começam em 1970, com Mestre Verequete Em 1970, o carimbó passa a ser gravado e comercializado. Em 1971, o primeiro álbum foi lançado sob o nome “O Legítimo Carimbó”. Seu autor: Augusto Gomes Rodrigues, o Mestre Verequete. Em 1973, é popularizado sob a autoria de outro grande nome do gênero, Pinduca, que lança seu primeiro disco: “Carimbó e Sirimbó do Pinduca”. O carimbó levanta debates entre folcloristas, intelectuais e artistas. Existe uma discussão sobre a diferença entre o carimbó “legítimo” e o “estilizado”, sendo o legítimo feito com os instrumentos tradicionais; e o estilizado, incorporando arranjos eletrônicos. “Uma das questões centrais da pesquisa foi desconstruir essa noção recorrente de que há uma oposição entre ‘legítimo’ e ‘estilizado’. Esse pensamento coloca, de um lado, os artistas ‘de raiz’/ ‘pau e corda’, representados por Verequete e

Lucindo; e de outro lado, os ‘estilizados’, representados por Pinduca e demais artistas”, ressalta Edilson Mateus da Silva. O historiador explica que esta é uma visão estereotipada, em que o carimbozeiro tradicional teria ficado parado no tempo, “ou seja, para tocar carimbó ‘legítimo’, seria necessário remontar o modelo da época da colônia, vestir-se como no passado e usar instrumentos não eletrônicos”. De acordo com o pesquisador, é preciso entender que o homem do interior, o tocador de carimbó, também tem acesso à tecnologia e aos instrumentos eletrônicos. “Quando, nos anos de 1970, eles incorporam guitarras aos arranjos, estavam reproduzindo elementos que pertenciam ao cotidiano do ‘caboclo’ amazônico naquele momento”, afirma o pesquisador.

Com base nessa discussão, Edilson Mateus faz uma linha do tempo sob a perspectiva da produção fonográfica do carimbó. Começa em 1971, quando Verequete lança seu primeiro álbum. Verequete nasceu em Bragança, morou nos municípios de Ourém e de Capanema. Aos 14 anos, veio para Belém e passou a viver no distrito de Icoaraci, onde teve os primeiros contatos com o carimbó. A infância no interior foi importante para as suas composições assim como a influência de seu pai, o músico Antônio José Rodrigues, compositor de carimbó e de outras manifestações folclóricas. As composições ligadas à vida no interior e o fato de tocar apenas com os instrumentos “tradicionais” fizeram com que o mestre fosse considerado um represente do carimbó legítimo. Verequete tocava com o Grupo Uirapuru.


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