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ISSN 1982-5994

UFPA • ANo XXXIII • N. 146 • DeZeMBro e JaNeiro de 2018/2019

Microplásticos são encontrados em peixes da Amazônia

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Nesta edição • Campanha política no Twitter • Doença falciforme: o fim do estigma • 50 anos da Casa de Estudos Germânicos


UNiVeRsidade FedeRaL do PaRÁ

JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Armando Ribeiro, Flávia Rocha, Renan Monteiro e Vitor Barros (Bolsistas); Marília Jardim e Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Ilustração: Walter Pinto Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares © UFPA, Dezembro e Janeiro, 2018/2019

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Maria Iracilda da Cunha Sampaio Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitora de Relações Internacionais: Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira (pro tempore) Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Raimundo da Costa Almeida Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Secretário-Geral do Gabinete: Marcelo Galvão Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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m outubro, pesquisadores da Universidade Médica de Viena e da Agência Ambiental da Áustria divulgaram estudo sobre a presença de microplástico no intestino humano. O que os voluntários do estudo tinham em comum? Uma dieta à base de peixes e frutos do mar. Bem mais perto de nós, em Altamira, a pesquisadora Tamyris Pegado Silva defendeu dissertação sobre a evidência da ingestão de microplástico por peixes do rio Amazonas. Foram encontradas 228 partículas desse material em 26 dos 189 peixes analisados, e o popular Xaréu era o mais contaminado. Leia a reportagem do Renan Monteiro e entenda por que aquele alerta sobre o uso consciente de materiais plásticos faz cada vez mais sentido. A tese defendida por Ariana Kelly Silva da Silva no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/IFCH) conseguiu provar que a doença falciforme não é exclusiva de “africanos”, mas também se dissemina entre “europeus” e “ameríndios”. A doença falciforme é a síndrome genética mais prevalente em todo o mundo e esteve associada à população negra, reforçando o racismo e a discriminação. Leia também: Redes sociais são novo espaço de mobilização dos movimentos sociais em Belém; Pesquisa faz análise sobre a campanha presidencial de 2014 na plataforma Twitter; Da Tribu e Madame Floresta são as marcas de locais que inspiraram pesquisa sobre moda e sustentabilidade; Casa de Estudos Germânicos inicia programação para comemorar seus 50 anos.

Rosyane Rodrigues Editora

Nesta Edição Proteção ambiental e direitos territoriais na Amazônia .............4 O movimento social não morreu ........................................5 Política em 140 caracteres ..............................................6 Da tribu + Madame Floresta .............................................8 Intercâmbio, cultura e formação ..................................... 10 Novo foco e fim do estigma ............................................ 12 Manejo sustentável de ostras .......................................... 14 Poluição ameaça peixes do Amazonas .....................................16 Tecnologia a favor da tradição . ...................................... 17 A publicidade na Belém da belle époque ........................... 18 Chapéu que compõe o traje das marujas durante a Festa de São Benedito, em Bragança (PA). Foto Alexandre de Moraes


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ALEXANDRE DE MORAES

Opinião

ASCOM SEMA / AGÊNCIA PARÁ

Proteção ambiental e garantia dos direitos territoriais na Amazônia

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3ª colocação na 29ª edição do Prêmio Jovem Cientista do CNPq e Fundação Roberto Marinho, cujo tema, este ano, foi “Inovações para a conservação da natureza e transformação social”, premiou o trabalho Sobreposição de Parque Estadual a Assentamento Agroextrativista na Amazônia Brasileira, orientado pelo professor José Heder Benatti, diretor do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. Desde 1981, data do surgimento do prêmio, o Estado do Pará teve somente seis pesquisadores contemplados. A novidade desta edição foi a premiação de um trabalho desenvolvido na área do Direito Socioambiental, que discute os direitos territoriais das populações tradicionais. O objetivo da pesquisa foi entender a relação entre a proteção ambiental e os conflitos socioambientais envolvendo a sobreposição de Unidade de Conservação da Natureza (UC) em territórios das comunidades tradicionais na Amazônia brasileira. Para a análise, estudou-se um caso emblemático no arquipélago do Marajó: Parque Estadual Charapucu sobreposto ao Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Ilha Charapucu. O primeiro de jurisdição estadual e o segundo, federal. Analisou-se como a questão ambiental pode ser utilizada para violar direitos, ou seja, como o discurso ambiental (as justificativas e os meios) tem sido usado para sobrepor a proteção ambiental aos interesses das comunidades tradicionais no manejo de suas áreas de uso comum, além dos impactos das sobreposições no direito ao território das populações tradicionais e a mediação desses conflitos. Os resultados demonstraram que os conflitos socioambientais envolvendo populações tradicionais em espaços ambientalmente protegidos ocorrem em várias regiões do Brasil. Na Amazônia, diversas implicações socioambientais dessa natureza podem ser observadas. Além da intrusão de espaços ambientalmente protegidos, também ocorre conflito entre projetos de reforma agrária e unidades de conservação de proteção integral.

Os mecanismos para a solução dos conflitos socioambientais oriundos dessa questão ainda estão em fase de debate e construção no Brasil. Existem, atualmente, no Brasil, mais de 80 casos de sobreposição de áreas protegidas. A maioria envolve Terras Indígenas e Territórios Quilombolas com UC. A situação é reflexo do planejamento governamental desorganizado e do não respeito aos direitos de acesso à terra e aos recursos naturais das populações tradicionais. No caso de Charapucu, o Parque estadual de proteção integral foi criado dentro do assentamento agroextrativista Ilha do Charapucu, sem prévia consulta às populações tradionais, configurando claro desrespeito à Convenção 169 da OIT, instrumento garantidor da interligação entre a proteção dos recursos naturais, e aos direitos de comunidades e populações tradicionais aos seus territórios. Criado em dezembro de 2010, o parque Estadual Charapucu possui uma área de 65,1 mil hectares, incidindo integralmente no polígono do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Ilha Charapucu, do INCRA, criado em novembro de 2009, com área de 201,7 mil hectares. O diálogo entre órgão ambiental e fundiário é necessário para compatibilizar a proteção ambiental e o respeito aos direitos territoriais. No caso em tela, observa-se o descompasso das ações do Estado do Pará ao criar o parque ambiental em terras de assentamento federal, gerenciado pelo INCRA. A categoria de manejo do parque inviabiliza as práticas extrativistas já garantidas pelo Assentamento Agroextrativista Ilha Charapucu, potencializando os conflitos na gestão territorial e ambiental da área. Atualmente, a sobreposição das duas categorias jurídicas está sendo coordenada pela 8ª Promotoria de Justiça do Estado do Pará (MPPA), com o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) e com o INCRA. Os apontamentos da pesquisa demonstram que, na Amazônia, assim como em outras regiões do Brasil, o desrespeito aos modos de vida das comunidades tradicionais é um fator impulsionador de conflitos socioambientais, e a criação de UC ou de assentamentos diferenciados não garante, por si só, o direito dessas comunidades, pelo contrário, em diversos casos, os conflitos são agravados pelas decisões capitaneadas pelos órgãos públicos, responsáveis por privar as comunidades dos direitos de acesso à terra e à exploração dos recursos naturais. Jeferson Almeida de Oliveira - Graduando em Direito na UFPA. Pesquisador no Grupo Territórios Tradicionais - Clínica de Direitos Humanos da Amazônia. 3º lugar do Prêmio Jovem Cientista do CNPq e Fundação Roberto Marinho (2018). almeida.jeff@live.com


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Cidade

O movimento social não morreu Redes sociais são novo espaço de mobilização de moradores FOTOS: ACERVO DA PESQUISA

Flávia Rocha

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bairro Jurunas é um dos mais antigos de Belém e local de origem de muitos movimentos sociais na cidade. De meados da década de 1960 até os anos 2000, o envolvimento da população em movimentos sociais era notório, porém, atualmente, nota-se o declínio dessas atividades. Por que essa diminuição ocorreu? Os movimentos sociais jurunenses acabaram de vez? Para responder a essas perguntas, a historiadora Nádia Alessandra Rodrigues da Silva elaborou a dissertação Movimentos sociais no bairro do Jurunas: formas de participação política nas últimas décadas, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU/NAEA), sob a orientação da professora Rosa Elizabeth Acevedo Marin. A pesquisa buscou não apenas analisar os movimentos sociais do bairro, mas também demonstrar como as pessoas compreendem e praticam política. Para isso, Nádia Silva usou conceitos de Francisco de Oliveira e Hannah Arendt, estudou fotografias e realizou entrevistas

com fundadores dos movimentos e militantes da atualidade, comparando a participação popular durante o Orçamento Participativo e a obra de Macrodrenagem da Estrada Nova. “Quando eu vi que não havia quase nada de bibliografia a respeito, achei interessante contar um pouco dessa história, para que ela não se perca”, disse a pesquisadora. O Orçamento Participativo ou OP (1997-2000) e o Congresso da Cidade (2001-2004) consistiam em assembleias nas quais delegados eleitos pela população decidiam quais seriam as prioridades de investimento da prefeitura. A pesquisa mostra que, em 2003, o Distrito Administrativo do Guamá, do qual o bairro do Jurunas faz parte, teve o maior número de candidatos inscritos - um total de 106 - e a eleição contou com a participação de 47 mil votantes, dos 872 mil aptos a votar. “Havia, também, as ‘parcerias’, por meio das quais os moradores organizavam eventos para arrecadar fundos e para estabelecer acordos com empresas privadas ou com o próprio governo para realizar as obras necessárias no bairro. Isso ia além do OP”, relembrou Nádia Silva, que também é moradora do bairro.

Para a maioria, “política” está com a imagem desgastada A historiadora afirma que o anúncio da obra de macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova, em 2010, na sede do Rancho Não Posso me Amofinar, reduziu os moradores do bairro a meros expectadores. Nádia também apresenta o Boletim Informativo, feito pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), o qual mostra um número significativo de desapropriados e deslocados de suas residências, sem que esses cidadãos tivessem conhecimento do baixo valor das indenizações. “O projeto inicial não previa a manutenção do Porto

do Açaí. Os ribeirinhos da área, por exemplo, vêm comercializar várias coisas na feira. Isso seria uma perda muito grande, tanto para a economia quanto para a cultura do bairro. Esse Boletim ajudou a alertar a população sobre os prejuízos que ela sofreria”, afirma a pesquisadora. O conceito de “fazer política”, do sociólogo Francisco de Oliveira, foi usado na pesquisa para esclarecer o porquê de a maioria da população não se engajar politicamente na atualidade. Oliveira afirma que a política em si tenta reparar ou reduzir os níveis que

distanciam as classes. Porém, segundo a pesquisa, a categoria política tem tido sua imagem e significado desgastados diante da sociedade, sendo associada a fatores negativos, como a corrupção, desencorajando a participação dos indivíduos. Com base na dissertação, Nádia Silva concluiu que os movimentos sociais do Jurunas não acabaram. “Não houve uma preparação da juventude, que deveria assumir a liderança do movimento. Os centros comunitários foram caindo na mão de partidos políticos e perderam o caráter reivindicatório, tor-

nando-se mais assistencialistas. Isso fez o movimento se enfraquecer. Hoje, o ativismo é feito pela internet. Quando Belém fez 400 anos, houve uma grande mobilização pelas redes sociais, chamada de ‘Grito da Estrada Nova’, para reclamar contra as condições do bairro”, diz Nádia. A pesquisadora contou também que os moradores das ruas Timbiras e Caripunas não foram desapropriados de seus lares, como previa o projeto original da obra de Macrodrenagem, em razão da sua mobilização. “O ativismo aparece diante da necessidade”, avalia.


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Ciência Política

Política em 140 caracteres Dissertação analisa campanha eleitoral no Twitter Armando Ribeiro

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s redes sociais se inserem na modernidade como um dos palcos relevantes para o debate público, aproximando as pessoas de assuntos diversos. Nesse contexto de cliques, Facebook, Google e Twitter levantam uma nova questão para o campo da política: quantos seguidores são necessários para fazer um voto? A cientista política Alana Karoline Fontenelle Valente se dedicou a estudar as campanhas dos então candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves, nas eleições de 2014, e suas estratégias na rede social Twitter, o que, para ela, configura olhar o comportamento específico

e direcionado utilizado nessa plataforma e quais objetivos eles pretendiam atingir com isso. Dessa análise, surgiu a dissertação Campanhas em 140 caracteres: estratégias de campanha permanente e campanha eleitoral no Twitter, orientada pela professora Marise Rocha Morbach e defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP/IFCH). A pesquisadora explica que as campanhas de 2014 bateram o recorde de interação nas redes sociais: foram cerca de 5,96 milhões de postagens por dia no Facebook, em três meses e meio de campanha. Já no Twitter, de acordo com dados da BBC Brasil em 2014, foram 39,85 milhões de men-

sagens. “Com frequência, a eleição estava entre os Trending Topics (assuntos mais populares) do aplicativo, com hashtags como #Aecio45PeloBrasil e #DilmaMudaMais”, aponta Alana Fontenelle. Pela primeira vez, em 2014, a Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que mais da metade das casas no Brasil estava conectada à internet 54,9%. A pesquisa ainda indica que o país possuía 54,4% de internautas acima dos 10 anos. Já em 2016, a Pnad Contínua indicou um aumento de 10,3%, ou seja, foram 64,7% de pessoas conectadas à internet. Para a pesquisadora, esse cená-

rio exige dos candidatos uma adaptação à linguagem das redes, com maior interação e conteúdos que vão além do período eleitoral oficial. Caso contrário, eles correm o risco de desaparecer. As redes sociais possibilitam aos candidatos maior proximidade com o público. Alana Fontenelle enumera algumas vantagens: o candidato pode criar seu próprio conteúdo, sem a interferência do filtro jornalístico; ele fala diretamente com o eleitor, gerando aproximação e confiança; os custos são mais baixos do que na mídia tradicional; fora do período eleitoral, o agente político pode ter uma conta nas redes sociais e uma estratégia de campanha a longo prazo.

Hashtag, tweet e retweet como estratégias

3.245 tweets foram analisados nos perfis

@dilmabr @aecioneves e @aecioblog de julho de

2013 a

outubro de

2014

O trabalho verificou os perfis @dilmabr, @aecioneves e @aecioblog. A análise de dois perfis do candidato Aécio Neves surgiu como alternativa aos baixos números de tweets do perfil oficial do candidato, que possuía a conta desde 2008, mas só começou a utilizá-la cinco meses antes do período eleitoral. A pesquisa cobriu o período de julho de 2013 até 5 de outubro de 2014, dividindo-o em três partes: a Campanha Permanente (julho de 2013 a 31 de março de 2014), a Pré-Campanha (1º de abril de 2014 a 30 de junho de 2014) e a Campanha Eleitoral (1º de julho de 2014 a 5 de outubro de 2014). A primeira etapa foi a análise e classificação de cada tweet, que, no total, foram 3.245. A segunda foi a identificação dos propósitos de cada tweet, e a terceira corresponde ao estudo do uso estratégico dos recursos disponibilizados pelo aplicativo, como menções, replicações, hashtags, hiperlinks e imagens. “Assim, quantificamos o volume com que

apareceram determinadas mensagens, a presença e o uso de recursos argumentativos. Verificamos para quais funcionalidades foram usados os recursos de menção e retweet, quais as pretensões dos agentes políticos ao inserirem hiperlinks e em quais categorias os candidatos usam as hashtags. Dessa maneira, encontramos o caráter político-estratégico do Twitter em suas possibilidades tecnológicas interativas”, relata a cientista política. O perfil de Dilma Rousseff, no período de campanha permanente, optou por utilizar conteúdos de divulgação das realizações do governo e, consequentemente, do seu trabalho, empregando, principalmente, hashtags para destacar um tema. Já no período de pré-campanha, crescem os conteúdos classificados como “divulgação de notícia” e “promessas e projetos de campanha”. No período da campanha eleitoral, a estratégia era buscar visibilidade, tirando dos tweets o caráter de

divulgação e de informação para conteúdos que provocassem maior engajamento. No caso do candidato Aécio Neves, a análise dos dois perfis demonstrou que as campanhas se complementavam. Enquanto o @aecioblog interagia com os usuários, o @ aecioneves se posicionava em relação a projetos e propostas. Na campanha permanente, o perfil tentava usar o Twitter para estabelecer um canal de diálogo e interação, com a construção de uma imagem viável para presidente. Para isso, apostou nos tweets de posicionamento e críticas ao governo, além de mostrar como a sua gestão seria melhor. No período de pré-campanha, essa estratégia foi intensificada, sendo marcada pelo início da Operação Lava-Jato e pelas críticas à organização da Copa do Mundo. O período de campanha eleitoral dos perfis de Aécio Neves foi marcado pela tentativa de engajamento com os cidadãos, fortemente destacado pelas hashtags.


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Estaríamos diante de um #NovoContexto? Essas novas mídias on-line representam uma expansão da própria democracia na medida em que aumentam e fortalecem um espaço para o debate e o diálogo. Candidatos abertos que buscam o engajamento servem para indicar como Twitter, Facebook e outras redes modificaram o comportamento político daqueles que as acessam. “O campo político é relativamente fechado, com disputas de poder, mas com o qual se compartilham um código e uma cultura atualizados constantemente, exigindo dos novatos a aceitação, o conhecimento e o aprendizado”, explica Alana Fontenelle. A dissertação aponta que a interação existente entre os candidatos e os usuários ainda era limitada, pois o risco de perder o controle sobre a informação é grande. “A interação do mundo off-line também vai ser muito controlada. Passeatas, comícios, encontros com lideranças são pensados

para se limitarem, muitas vezes, a um aperto de mão. As campanhas eleitorais são pensadas para persuadir, fala-se para ganhar, não para aprender ou ensinar, são antideliberativas, e não existe nada que indique ao político que o seu comportamento on-line deveria ser diferente”, avalia a cientista política. Por mais que estruturas do mundo off-line se repitam no on-line, nenhum candidato subestima o poder que vem das redes, abrindo possibilidade para campanhas e construções de imagens que começam bem antes das eleições. E essa influência, a partir de 2018, terá ainda mais destaque com a autorização do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao patrocínio e ao impulsionamento de posts no Facebook e Google por candidato, por hora. Apenas o Twitter optou por vetar os anúncios políticos. O quanto essas redes interferem na hora do voto, somente mais experiências eleitorais poderão dizer.

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de oLHo Nas Redes: QUaL o LiMite das PRoPaGaNdas Na iNteRNet? • Os candidatos e as candidatas não podem fazer propaganda em sites oficiais do governo nem de empresas; • Os eleitores, em suas redes pessoais, podem divulgar determinados candidatos, contanto que não contenham ofensas a terceiros e/ou com conteúdo sabidamente falso; • As campanhas eleitorais podem pagar para conseguir destaque nas buscas do Google. • Impulsionar mensagens no Facebook e no Instagram está autorizado, mas deve conter a palavra “patrocinado”. • É proibido impulsionar conteúdos que tenham o objetivo de ofender outros candidatos/ candidatas e legendas; • É proibido usar perfis falsos para veicular publicações com objetivos eleitorais, assim como está proibido o uso de “robôs” para distorcer a repercussão das publicações; • Ao fazer vaquinhas virtuais ou crowdfunding para arrecadar recursos de campanha, os candidatos não podem pedir votos. FONTE: G1 PARÁ/ G1/ TSE/ FOLHA DE SÃO PAULO


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Amazônia

Da tribu + Madame Floresta Pesquisa observa processo de criação de marcas locais Marília Jardim, especial para o Beira do Rio

E Vestidos e acessórios desenvolvidos por Laura Navarrete, em parceria com as duas marcas pesquisadas.

m tempos de consumo desenfreado de roupas em lojas fast-fashion, Laura Navarrete seguiu na contramão do fluxo de consumo de moda e estudou marcas paraenses que valorizam cada etapa de produção de uma peça de moda. A pesquisadora é natural de El Salvador, na América Central, e veio para Belém após participar de um concurso de bolsas, realizado pela

Organização dos Estados Americanos (OEA). Escolheu, como primeira opção, o mestrado em Artes, dentro do Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Ciências Artísticas (ICA/UFPA), porque queria fazer a sua pesquisa vinculada à região amazônica. A defesa da dissertação de mestrado ocorreu em junho deste ano, sob a orientação do professor Miguel Santa Brígida. Com o objetivo de fazer uma pesquisa sobre moda sustentável, Laura precisou mudar os primeiros

passos para a elaboração da sua dissertação, já que o que ela tinha em mente, no projeto inicial, era trabalhar com peças produzidas com algodão orgânico, que é muito mais comum no nordeste brasileiro. Assim, o primeiro desafio foi buscar quais matérias-primas são utilizadas por marcas locais, em Belém, e foi graças a esse desvio de rota que ela encontrou nas marcas Da Tribu e Madame Floresta a inspiração de que precisava para desenvolver a pesquisa. ACERVO DA PESQUISA


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Metodologia envolve trajeto, projeto, objeto e afeto A dissertação está dividida em quatro capítulos: no primeiro momento, Laura Navarrete fala sobre a transdisciplinaridade da moda: “A moda é um conceito, uma filosofia, mas não se reduz somente à roupa, à indumentária, à tendência. A moda tem muitas ligações com a arte, a estética e a cultura”. Ainda no primeiro capítulo, é apresentada a Etnocenologia, método de pesquisa cujo estudo fala do cotidiano e do espetacular. A Etnocenologia foi formada por quatro indutores: trajeto, projeto, objeto e afeto, os quais estão diretamente ligados ao pesquisador. No caso de Laura, trata-se das experiências vividas antes, em El Salvador, e das experiências acadêmicas vividas durante o curso de mestrado.

A sustentabilidade não surge à toa como tema de pesquisa. O pai da autora é engenheiro agrônomo e sempre ensinou as práticas e as técnicas para cuidar da natureza, reciclar materiais e reaproveitar o lixo. Já a mãe de Laura é, para ela, “minha primeira referência de moda, é uma imagem de estilo”. Todas essas experiências, além da formação em Comunicação e a especialização em Jornalismo de Moda, trouxeram a autora até as pesquisas na área de comunicação e moda sustentável. No segundo capítulo, Laura Navarrete apresenta as marcas trabalhadas durante a pesquisa, ambas escolhidas por estarem ligadas à moda sustentável: a Da Tribu é uma

marca de acessórios, cuja principal matéria-prima são os fios de látex e a madeira. Já Madame Floresta é marcada pelo upciclying, técnica de aproveitamento máximo do tecido, na qual os retalhos são utilizados na confecção de sapatos e bolsas, por exemplo. A pesquisa mostra os caminhos seguidos pelas marcas, o desenvolvimento e os processos de confecção. “Acompanhei as duas marcas nos seus ateliês: conversei, vi os acessórios, vi como acontecia a produção”, revela Laura. Além da observação, as entrevistas com as proprietárias da marca também auxiliaram o entendimento sobre a origem da matéria-prima e as características da moda sustentável na prática.

Banho de Rio: a coleção de roupas e acessórios “É importante dizer que a coleção não é o resultado da pesquisa, o resultado da pesquisa é a dissertação. A coleção foi uma cobrança pessoal, um desafio posto para mim mesma”, afirma Laura Navarrete. A coleção cápsula criada em parceria com as marcas pesquisadas foi uma forma de superar a distância de casa, a pressão da pós-graduação e outras dificuldades pessoais que abatem qualquer pesquisador em certos momentos. Laura também levou em consideração que as pessoas poderiam perguntar se é possível fazer moda sustentável em Belém. Assim, a coleção seria uma resposta prática para essa questão. No total, foram produzidas dez peças, sendo cinco vestidos e cinco acessórios. “Eu levei os desenhos para a dona Graça Arruda, proprietária da marca Madame Floresta, e iniciamos as conversas sobre o que fica e o que muda. Aí já é uma parceria, um acordo entre nós. Com a Da Tribu, foi igual: a Kátia Fagundes, dona da marca,

olhou os desenhos, quatro brincos e uma bolsa, e começamos a conversar sobre a matéria-prima”, explica Laura Navarrete. A defesa da dissertação foi realizada no Espaço São José Liberto, o lugar favorito de Laura em Belém. Por coincidência, o Espaço São José Liberto, além de ser um prédio histórico, também é um fomentador do setor de moda da cidade, sem contar que já é conhecido pela sua experiência com joias, produzidas com design autoral e técnicas inovadoras. Agora, Laura Navarrete já retornou para El Salvador, enquanto Madame Floresta e Da Tribu levam o que o Pará tem de melhor pelo Brasil afora: dona Graça, proprietária da marca Madame Floresta, foi selecionada pelo Projeto Conexão Criativa e Comercial e terá as suas peças expostas no evento Inspiramais, em São Paulo. Já Kátia, proprietária da Da Tribu, recebeu o Prêmio Pandora Mulheres Empreendedoras. Assim, a moda paraense cresce marcada pela experiência da sustentabilidade.

O momento seguinte da pesquisa foi dedicado à discussão sobre a importância da economia criativa para as marcas locais, “principalmente para a Da Tribu, que precisou fechar a loja e se adaptar aos novos modelos da economia”. O quarto capítulo da dissertação apresenta o “desenvolvimento dos princípios, processos criativos e produtos”. Para Laura, esse também é o momento de falar sobre os tipos de produtos que são produzidos em Belém. “Esse vestido não é feito só no ateliê, ele passa por muitas mãos. Registrar isso também é importante”, fala ela se referindo ao vestido que usou durante a entrevista, fruto da coleção Banho de Rio, desenvolvida durante o processo de pesquisa para a dissertação.

o esPaço são JosÉ LiBeRto e a Moda eM BeLÉM No Espaço Moda, ponto de venda do setor de vestuário, calçados e acessórios, a Da Tribu e a Madame Floresta têm peças comercializadas para o público em geral. Em 2016, foi assinado o Arranjo Produtivo Local (APL) de Moda e Design – Polo Metrópole, no Espaço São José Liberto. A iniciativa é do governo do Pará – por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) – Núcleo Estadual de Arranjo Produtivo Local (NEAPL/PA) e Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), com o apoio dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Midc) e da Cultura (Minc) e tem como objetivo fortalecer a cadeia produtiva de moda local, por meio do desenvolvimento econômico do setor, fortalecendo as empresas com ações que visam dar apoio tanto nos aspectos relacionados à gestão (capacitações, cursos, palestras etc.) e ao mercado (feiras e exposições), quanto nas ações que buscarão desenvolver inovação e tecnologia.


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Entrevista

Katja Hölldampf

Intercâmbio, cultura e formação Casa de Estudos Germânicos inicia as comemorações pelos 50 anos Walter Pinto

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á cinquenta anos, a UFPA e o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) protocolaram um convênio para a criação da Casa de Estudos Germânicos, a primeira casa criada na UFPA especialmente para o estudo de uma língua estrangeira. A CEG, em seus primórdios, funcionava num imóvel na rua Presidente Pernambuco, esquina com a rua Dos 48, no centro de Belém. Das apostilas datilografas e impressas em mimeógrafo ao material audiovisual de hoje, a CEG consolidou uma história de sucesso, tendo contribuído para a formação de várias gerações. Katja Hölldampf, a nova leitora do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) chegou recentemente a Belém. Nascida num vilarejo alemão de cerca de 3.500 moradores, fez faculdade em Passau, pequena cidade da Baviera, na fronteira com a Áustria e a República Tcheca. Em 2007, veio para o Brasil, onde estudou na Bahia, transferindo-se, depois, para o Rio de Janeiro. Desde agosto, ela está à frente da CEG. Nesta entrevista, ela fala da programação comemorativa dos 50 anos da Casa, que será realizada em 2019, da inserção da CEG na cultura amazônica, dos planos em buscar mais visibilidade para a instituição e confessa sua paixão pelo Brasil e por Belém.

A visibilidade da CEG A Casa de Estudos Germânicos está completando cinquenta anos de funcionamento na Universidade Federal do Pará. Cheguei recentemente para assumir o cargo de lei-

tora, equivalente à coordenadora da CEG. Há muitos desafios pela frente. Um deles está na área de Tecnologia da Informação, fundamental para a nossa estratégia de dar mais visibilidade à Casa. Estamos, evidentemente, empenhados em resolvê-lo, com ajuda de pessoal competente. Entendo que não adianta realizarmos projetos culturais e oferecer múltiplos serviços sem uma estratégia eficiente de comunicação e divulgação. É preciso dar mais visibilidade às realizações e aos eventos. O importante, agora, é partir dos aspectos positivos e trabalhar para o crescimento da Casa.

Inserção na sociedade A Casa de Estudos Germânicos é responsável pelo Curso Livre de Alemão (CLA), oferecido desde a sua fundação. Em 2016, a Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas, do Instituto de Letras e Comunicação da UFPA, assumiu a coordenação do curso livre. A CEG também desenvolve o serviço de aconselhamento de bolsa para estudos e pesquisa na Alemanha. Estamos organizando uma programação cultural para o ano de 2019, em comemoração aos 50 anos da CEG. Queremos dinamizar a sua inserção não só no ambiente universitário mas também na comunidade externa. Evidentemente, não adianta fazer tudo isso se poucos sabem onde fica a Casa. Ela já demonstrou, no decorrer da sua história, capacidade de trânsito entre o saber acadêmico e a cultura popular. Então, o objetivo, agora, é dar visibilidade aos projetos, cursos, serviços e eventos por dentro e por fora da Universidade.

Programação Cultural Toda a programação cultural da Casa de Estudos Germânicos é promovida pelo Instituto Goethe. Contamos com a parceria da Escola de Aplicação e da Faculdade de Letras, da UFPA. A Escola de Aplicação possui em seu currículo a disciplina Língua Alemã, e a FALEM, além do curso de Licenciatura, Habilitação em Língua Alemã, desenvolve um projeto de extensão de alemão para cantores. Algumas coisas vão acontecer antes da programação oficial. A escritora alemã Anne Weber, que faz tradução literária e mora em Paris, virá a Belém para participar de uma oficina de tradução e debate, em cooperação com o curso de Letras/Francês da UFPA. Queremos uma programação mais performática, mais teatral, dentro da estratégia de promover a visibilidade da Casa. Isso passa pela criação de um selo comemorativo dos 50 anos, em fase de execução na Oficina de Criação (ILC/ UFPA), bem como pela produção de uma exposição sobre a Casa de Estudos Germânicos, por meio de fotografias, documentos, cartazes e matérias jornalísticas, a qual se encontra em fase de coleta de fontes. Uma coisa interessante do leitorado é ter certa liberdade para a promoção de atividades, fazê-las acontecer. É gratificante observar o interesse dos estudantes por elas. Penso que é muito importante criar essas conexões. Já como parte da programação comemorativa, trouxemos o professor Armando Barroso, um dos nossos primeiros alunos, para ser entrevistado pelos atuais es-

tudantes. Foi muito interessante ver a galera nova, que está se familiarizando com o alemão, querendo saber como era o funcionamento da Casa e as metodologias de ensino, os livros. Neste evento, percebi a Casa de Estudos Germânicos como um espaço aberto, capaz de agregar todos os interessados em troca de ideias e experiências sobre a cultura e a língua alemãs.

Internacionalização O que está em pauta, agora, é a chamada internacionalização do ensino superior. Um dos principais objetivos dos alunos do curso livre é estudar na Alemanha. Recentemente, realizou-se, em São Paulo, o Encontro de Coordenadores do Programa Idiomas sem Fronteiras, responsável pela formação de estudantes em línguas estrangeiras para a realização de estudos fora do Brasil. O ISF surgiu dentro do Programa Ciências sem Fronteiras e atua com oito idiomas. A língua alemã se destaca entre as de maior interesse, sempre com um crescente aumento de demanda. O público-alvo que escolhe alemão o faz sempre por interesse acadêmico.

1968 na Alemanha É interessante observar que o convênio entre a UFPA e o DAAD, de criação da Casa de Estudos Germânicos, data de 1968, um ano emblemático em todo o mundo. Assim como na França, 68 foi um ano marcante na Alemanha, tanto sobre o ponto de vista político como sobre as questões de costumes. A emancipação da mulher e os movimentos


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ecológicos começaram a surgir naquela época. Então é bastante provável que a nossa programação dos 50 anos se articule em torno de 68 na Alemanha, dialogando com o movimento tropicalista brasileiro. Existem muitas ideias, e eu adoro ter essa liberdade para realizar vários encontros na cidade.

Brasil e Belém Acho que o Brasil é um país que tem certo nível de loucura. É muito diversificado, de uma cultura rica e regionalmente diferente. Eu fiquei muito curiosa em conhecer a Amazônia, montar uma vida em Belém como construí no Rio de Janeiro. Parece um pouco paradoxal, mas quanto mais eu moro no Brasil, menos eu o entendo e isso me atrai. Falam que Belém é a cidade do “já teve”, já teve isso, já teve aquilo, agora não tem mais. Estou há pouco tempo na cidade, não tenho essas referências para comparar. Mas estou gostando muito dela, do seu fluxo, de conhecer novas pessoas e rever outras. Em termos culturais, há muita coisa acontecendo.

A experiência amazônica Na verdade, eu não acho o português uma língua fácil, comparando com o alemão que dizem ser muito difícil. Mas o contato direto com a língua, com o país, com os falantes são coisas que estimulam a entender a cultura e, consequentemente, a aprendizagem do idioma. Morei por algum tempo no Rio de Janeiro. Trabalhei como assistente de ensino da língua alemã, contemplada por uma bolsa do DAAD, o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico. Sempre tive interesse em conhecer e viver na Amazônia. Sou apaixonada por fotografia, e a Amazônia é um ambiente privilegiado para a fotografia. A Casa de Estudos Germânicos está localizada numa universidade que é uma das maiores do País, em um grande Estado do Norte, numa cidade de mais de quatro séculos, dotada de uma rica cultura popular. Todos esses ingredientes me fascinam de verdade.

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Bioantropologia

Novo foco e fim do estigma Tese sobre doença falciforme é duplamente premiada nos EUA Walter Pinto

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o corpo humano, a hemoglobina é a proteína encarregada do transporte de oxigênio aos tecidos, presente nos glóbulos vermelhos. Mas mutações genéticas podem produzir uma hemoglobina alterada, chamada Hb S. Quando uma pessoa herda do pai e da mãe dois genes com essa alteração, ela se torna portadora de uma terceira forma de hemoglobina, a Hb SS, que dificulta o transporte de oxigênio e causa uma série de enfermidades reunidas sob o nome genérico de doença falciforme. O nome faz referência ao formato de foice da hemoglobina Hb S. A falta de oxigenação pode causar desidratação, infecções, estresse físico ou emocional, alterações bruscas de temperatura, dores ósseas, lesões nos órgãos, icterícia e anemia. Todos esses sintomas, quando associados à Hb SS, são constituintes da doença falciforme, que atinge entre 25 e 50 mil pessoas no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, que também estima em torno de 2 milhões os brasileiros portadores da Hb S, pessoas que, embora não tenham a doença, são potencialmente transmissoras. A doença falciforme teve origem na África, durante uma endemia de malária, entre 5 e 10 mil anos atrás. Tal endemia contribuiu para o processo de seleção natural entre indivíduos que possuíam a mutação genética da hemoglobina S, os quais sobreviveram ao vetor, não sendo afetados pelo parasita, pois o

formato de foice da célula não permite o desenvolvimento da malária em seu interior, ao contrário do que ocorre com a hemoglobina normal, de formato circular, ambiente propício à proliferação do Plasmodium falciparum, muitas vezes, fatal. Quando parte da população negra africana foi trazida para o Brasil, forçada pelo processo de escravidão, que perdurou até 1888, trouxe consigo o DNA com suas mutações genéticas. Os negros, no Brasil, tiveram ativa participação no processo de miscigenação étnico-racial com brancos europeus e indígenas, contribuindo para o advento da crescente mistura genética brasileira. Em vista disso, desde que foi diagnosticada, a doença falciforme é associada, quase que exclusivamente, à população negra. Recentemente, a bioantropóloga paraense Ariana Kelly Leandra Silva da Silva fez uma notável descoberta que vai de encontro ao estigma que relaciona a doença à genética dos “africanos”. Sua tese, A doença falciforme na Amazônia: as intersecções entre identidade de cor e ancestralidade genômica no contexto paraense, conseguiu provar, examinando um grupo com a doença, que ela não é exclusiva dos “africanos”, mas também se dissemina, amplamente, entre “europeus” e “ameríndios”. A pesquisadora coletou amostras de sangue na Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado do Pará (Hemopa), submetendo-as a testes de ancestralidade

genômica no Laboratório de Genética Humana e Médica da UFPA. Ariana Silva examinou o DNA de 60 pessoas com doença falciforme. Um dos resultados apontou para a maior incidência de sintomas da doença no grupo de DNA majoritariamente europeu, que equivale a 41% do total da amostra. O grupo com maior incidência de DNA africano representa 31%, e com DNA ameríndio, 28%. A tese, realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/IFCH), sob orientação do professor Hilton P. Silva e coorientação do geneticista João F. Guerreiro, surpreendeu não só pelo resultado, mas também por representar uma mudança de foco: em geral, as pesquisas genéticas sobre doença falciforme se centram basicamente no DNA africano, contudo as frequências alélicas de europeus e indígenas, formadoras da população brasileira, também possuem mutações genéticas, o que foi comprovado pela pesquisa. Os estudos da pesquisadora paraense tiveram o reconhecimento da renomada Human Biology Association, dos Estados Unidos, que lhe concedeu dois prêmios internacionais, o International Travel Award, em 2013, quando no mestrado, e em 2017, no doutorado. A HBA é uma “organização científica sem fins lucrativos, dedicada a apoiar e a divulgar pesquisas inovadoras e ensinar sobre a variação biológica humana no contexto evolucionário, social, histórico e ambiental em todo o mundo”, como informa o site oficial da Associação.

Dores podem ser confundidas com reumatismo A doença falciforme é a síndrome genética mais prevalente em todo o mundo. No Estado do Pará, o grupo com a hemoglobina Hb S (incluindo os de mutação Hb SS) representa cerca de 1% da população. Este grupo, como

explica Ariana Silva, convive com “desafios em relação ao acesso aos serviços de saúde pública, à vulnerabilidade biossocial, aos estigmas relacionados à questão ‘raça/cor’ (de acordo com terminologia do IBGE) e às manifestações clínicas

severas, de difíceis tratamentos”. A doença pode ser detectada por meio de um exame clínico aplicado nos primeiros dias da criança, chamado Teste do Pezinho. Mas qualquer pessoa pode solicitar à rede pública ou parti-


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cular um teste de eletroforese de hemoglobina para saber se tem alguma alteração alélica, ou seja, forma mutante de um gene. O diagnóstico com base na simples observação médica do paciente pode ser dificultado por sintomas que se confundem com os do reumatismo ou da fibromialgia, que

são doenças que causam dores por todo o corpo. Conforme explica a pesquisadora, as dores causadas pela doença falciforme decorrem da alteração da hemoglobina, que, de um formato redondo e consistência flexível, assume a forma de foice ou meia lua e consistência rígida, com tendência a

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causar vaso oclusão, o entupimento das veias, por se acoplarem umas às outras nos vasos sanguíneos. Este bloqueio pode causar dor intensa, infecções, febre, AVC ou algum tipo de alteração circulatória. Geralmente, os primeiros sintomas são dores nas articulações, que podem confundir a doença com o reumatismo.

Preconceitos vivenciados por pessoas com DF A tese de Ariana Silva foi publicada em forma de quatro artigos. Entre os temas estudados, ela tratou dos preconceitos e determinantes sociais da saúde vivenciados por portadores da doença falciforme, além da questão do direito reprodutivo, negligenciado às mulheres nas décadas de 1980 e 1990. “Quando alguma mãe descobria que tinha um filho com doença falciforme, era bastante corrente ouvir o conselho médico para que evitasse outro filho, porque ele também nasceria com a doença. Vinte anos depois, a medicina descobriu o transplante de medula óssea, mas a esta altura, aquela mãe, por

conta da idade, já não podia ter outro filho. Isso fatalmente impediu a cura da doença, possível de ser obtida por meio do transplante, quando um irmão possui medula óssea compatível, bastando, para isso, que ambos sejam filhos dos mesmos pais.” Ariana Silva relata, também, o caso de preconceito institucional vivenciado por pessoas, especialmente negras, que, ao procurarem atendimento para algum sintoma dolorido de DF em hospitais públicos, são obrigadas a ouvir comentários de que são “moles, preguiçosas, cheias de manhas, que são viciadas em opioides ou, ainda, que a doença,

com certeza, vem de ancestrais negros”. Para a bioantropóloga, “o racismo institucional é uma das formas mais cruéis de afetar a qualidade de vida de uma pessoa com doença degenerativa. Ele pode acontecer nos hospitais, em unidades de saúde, nas escolas, nas igrejas ou dentro da própria família”. Foi esse racismo institucional, construído dentro dos hospitais e assimilado socialmente, que, por muitos anos, manteve aceso o estigma da doença falciforme, pejorativamente tida por “doença de negro”. A tese de Ariana Kelly Leandra Silva da Silva veio para implodir esse preconceito. ALEXANDRE DE MORAES

A doença falciforme pode ser detectada nos primeiros dias de vida da criança, por meio do Teste do Pezinho.


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FOTOS ACERVO DO PESQUISADOR

Nas fotos, cenas da pesquisa de campo realizada por Rafael Diaz, na Vila de Lauro Sodré, em Curuçá, onde o manejo sustentável está ajudando a frear a exploração desordenada dos recursos pesqueiros.

Manejo sustentável de ostras Em Curuçá, catadores querem evitar fim dos recursos Vitor Barros

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ão são poucas as pesquisas que têm se debruçado sobre o litoral brasileiro e sobre a pressão atual em relação aos seus recursos naturais. Por essa área ter dimensões continentais e por possuir cerca de 700 mil pescadores em atividade, estes estudos buscam verificar quais são os fatores que levam à escassez desses recursos, na tentativa de visualizar soluções para frear sua diminuição. Na Região Amazônica, o crescimento dos centros urbanos e a alta procura pelos recursos pesqueiros provocaram a intensificação da pesca. Combinada à tecnológica, a atividade resultou no aumento da exploração dos recursos pesqueiros. Como alternativa, a Fundação das Nações Unidas para a Agricultura

e Alimentação (FAO) adotou a maricultura como uma das estratégias para frear a pressão sobre os recursos marinhos de uso comum em todo o mundo. Apesar de esta prática ainda ser pouco difundida no litoral amazônico, composto por uma extensa floresta de manguezais, o local se mostra propício para tal cultivo. A Vila de Lauro Sodré, que pertence ao município de Curuçá, no nordeste paraense, é um exemplo de que o manejo sustentável é uma prática viável. A experiência dos catadores de ostras do lugar é relatada pelo mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Rafael Diaz, na dissertação As populações pesqueiras e a maricultura: um olhar sobre os processos de diminuição dos recursos pesqueiros no litoral paraense – Resex Mãe Grande de Curuçá. O trabalho foi

orientado pela professora Voyner Cañete e apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca (ICB/UFPA). Rafael Diaz, formado em Oceanografia, tem uma relação afetiva com o litoral paraense de longa data, desde a graduação. Esse interesse o levou a estudar a relação das pessoas com os recursos naturais. No mestrado, ele pôde pesquisar os moradores de Lauro Sodré, cuja principal atividade econômica se baseia no extrativismo e no cultivo de ostras. “O meu trabalho foi conversar com as pessoas que fazem parte de uma associação de catadores de ostras e entender como, de certa forma, elas estão colaborando para a manutenção do recurso ambiental (ostra) no litoral paraense”, completa o pesquisador.


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Ecologia Pesquisador analisou logística e comercialização O estudo faz uma reflexão da relação dos associados da Cooperativa Associação de Aquicultores da Vila de Lauro Sodré (Aquavila) com o extrativismo e outras formas de manejo dos recursos pesqueiros à luz dos conceitos da Ecologia Humana e da Ecologia Política. “Percebo a ecologia não apenas com os parâmetros biofísico-químicos do ambiente. A pesquisa deve considerar as pessoas que moram e estão inseridas no contexto estudado. Afinal, a política e a organização social, além dos aspectos ambientais, interferem também na manutenção dos ecossistemas”, avalia Rafael Diaz.

Para a concretização dessa pesquisa, Rafael fez observação direta, colhendo os dados no local. Foram quatro viagens, com estada de uma semana no local. Foram aplicados questionários e realizadas entrevistas com membros da cooperativa. O pesquisador teve a oportunidade de acompanhar o processo completo: do cultivo, passando pela coleta e extração, até a venda dos mariscos. Assim, pôde analisar a logística e as formas de comercialização do produto. O autor observou duas famílias cujos membros constituem a maior parte dos associados – as

famílias Pinheiro e Galvão. “O trabalho de campo possibilitou conhecer melhor essas famílias e seu cotidiano, objetivando entender suas estratégias de manejo dos recursos comuns, sua relação com os mercados e a forma de comercialização dos produtos”, destaca. São duas as formas de obtenção de ostras, em Lauro Sodré: uma pelo extrativismo e outra pelo cultivo, ambas são formas de manejo. Porém, por vários motivos, incluindo o rápido retorno financeiro e a disponibilidade ainda abundante do recurso, na Vila, a maioria das pessoas opta pelo extrativismo.

Aquicultores temem a exploração desordenada Os associados revelam diferentes formas de manejo e o cultivo vem se tornando uma estratégia eficaz para frear a diminuição dos recursos naturais na localidade. De acordo com a dissertação, “os aquicultores entendem o extrativismo como de suma importância para os moradores da vila de Lauro Sodré e acreditam que, quando a atividade extrativista decair, em razão da exploração desordenada, quem vive dessa prática terá que buscar a solução na aquicultura”. Diante das diferenças na logística de venda e no manejo das ostras, o pesquisador diz que existe uma racionalidade ambiental entre os associados, cuja atividade possui um conjunto de regras, que

apresenta aspectos sustentáveis. Mas esses dados são capazes de mensurar realmente a sustentabilidade desse manejo? Rafael Diaz responde que, considerando o tempo em que se trabalha a maricultura em Lauro Sodré (apenas seis anos), é importante ter cautela ao usar a palavra sustentabilidade. “Observa-se o esforço dos associados para difundir o cultivo e a dedicação na busca por novos pontos. Isso nos faz acreditar em um próspero futuro para esta associação, cujo objetivo é diminuir o extrativismo”, afirma. Quando a associação foi fundada em 2006, a Aquavila contava com 42 associados, que foram desistindo ao encontrarem

obstáculos. Atualmente, a Aquavila apresenta apenas 13 associados (sete homens e seis mulheres), com faixa etária entre 20 e 60 anos. “A falta de incentivos por parte do Estado e a atividade extrativista, ainda muito presente na vila de Lauro Sodré, são vistas como principais fatores para o afastamento dos associados”, acrescenta Rafael Diaz. A ostra adulta é o principal produto de venda da Aquavila. Os compradores mais assíduos são de Terra Alta, Castanhal, Outeiro e Mosqueiro. Apenas um associado vende para localidades mais distantes, como Marabá e Imperatriz (MA). Há também a venda de ostras na própria vila de Lauro Sodré.


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Altamira

Poluição ameaça peixes do Amazonas

ALEXANDRE DE MORAES

Microplástico é encontrado no organismo de diversas espécies

Foram encontradas 228 partículas de microplástico em 26 dos 189 peixes analisados. As espécies foram capturadas no estuário do rio Amazonas.

Renan Monteiro

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m outubro, foi divulgado um estudo sobre a presença de microplástico (resíduos menores de 5 mm) no intestino humano. Pesquisadores da Universidade Médica de Viena e da Agência Ambiental da Áustria identificaram nove tipos de plástico nas amostras de fezes de oito voluntários de nacionalidades diferentes. Um dado curioso foi a dieta dessas pessoas, que tinham em comum a ingestão de peixes e frutos do mar.

No Brasil, mais precisamente na Região Amazônica, uma pesquisa recente, realizada no Campus da UFPA em Altamira, detectou a presença de microplástico em peixes da região, alguns bastante consumidos pela população. A pesquisadora Tamyris Pegado Silva trabalhou na dissertação Primeira evidência de ingestão de microplásticos por peixes do estuário do rio Amazonas, defendida no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação, com orientação do professor Tommaso Giarrizzo. Foram encontradas 228 partículas de microplástico em 26 dos 189 peixes analisados. As 46 espécies analisadas foram capturadas no estuário do rio Amazonas (Costa Norte do Brasil), algumas, inclusive, com importância econômica e de consumo humano, como Caranx hippos (Xaréu), Lutjanus synagris (Ariacó), Cynoscion microlepdotus (Corvina) e Macrodon ancylodon (Pescada gó). Foram encontradas quatro categorias de microplástico, entre 0.38

mm e 4.16 mm: pellet amarelado (esferas cilíndricas ou discoidais consideradas matéria-prima para a produção de diversos tipos de materiais plásticos), filamento azul, fragmento amarelo e tecido transparente. Todos os indivíduos da espécie Xaréu analisados apresentaram microplástico no trato gastrointestinal. Essa espécie contribuiu com 40.3% do total de microplástico encontrado nos peixes. No estômago de um único Xaréu, foram encontradas 50 partículas. Os peixes foram capturados por meio do arrasto industrial do camarão rosa (Farfantepenaeus subtilis). O arrasto é uma arte de pesca que não captura apenas a espécie-alvo, pois, na rede, são capturados outros grupos de organismos, inclusive peixes, chamados de fauna acompanhante ou bycatch. Os peixes foram disponibilizados para o estudo por meio da parceria entre o Centro de Pesquisa e Manejo de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte do Brasil (CEPNOR) e o Grupo de Ecologia Aquática (GEA), da UFPA.

Poluentes podem causar problemas reprodutivos e congênitos A pesquisadora Tamyris Pegado Silva explica que a ingestão de microplástico pode afetar física e fisiologicamente os peixes. “O atrito entre as partículas ingeridas e o tecido do trato gastrointestinal, por exemplo, pode causar lesões internas. Além disso, os microplásticos podem causar respostas imunotoxicológicas, alteração das vilosidades intestinais, estresse hepático etc. Outro problema é a adesão de alguns poluentes na superfície dos materiais plásticos, como Poluentes Orgânicos Persisten-

tes (POPs) e metais pesados. Sendo assim, os plásticos se tornam via de exposição a esses poluentes e, uma vez ingeridos, podem causar problemas endócrinos, reprodutivos, congênitos etc.”, explica a autora da dissertação. Os microplásticos podem ser divididos em primários e secundários. Os primários têm tamanho inferior a 5 mm e são utilizados para dar origem a diversos objetos plásticos. Já os secundários são gerados pela degradação/quebra de objetos maiores. Para a pesquisadora,

a intensa produção de plástico, o uso habitual de descartáveis e a precária coleta seletiva de lixo ocasionam o descarte indevido ou acidental. “Esse material não é biodegradável. O que ocorre é a quebra dos objetos maiores, aumentando a quantidade de microplástico acumulada, principalmente, no ambiente aquático”, informa. A pesquisa mostra que a poluição por plástico já chegou ao rio Amazonas, ambiente particular por apresentar ecossistemas como mangues, ilhas, planícies de marés, além de ser

uma zona altamente produtiva que sustenta pescarias artesanais e industriais. Questionada sobre o risco de consumir peixes contaminados por microplástico, a pesquisadora observa que, apesar das incertezas científicas, “nosso corpo pode responder aos poluentes presentes na superfície desse material, causando problemas de saúde”. Tamyris Pegado alerta que a sociedade precisa iniciar um uso consciente dos materiais plásticos, evitando, assim, catástrofes futuras.


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Bragança

Tecnologia a favor da tradição Projeto fortalece preservação do pirarucu na Região Norte do Brasil Armando Ribeiro

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onsiderado por muitos o maior peixe de água doce do Brasil, o pirarucu pode medir 2 metros de comprimento e pesar até 200 kg, e é visto como um dos símbolos da Amazônia. A espécie pode ser encontrada ao longo da bacia amazônica, principalmente nos ambientes com lagos e várzeas, onde a correnteza é fraca. Esse “gigante” tem a peculiaridade de vir à superfície de tempos em tempos, para captar oxigênio. Apesar de sua importância, essa espécie tem sofrido com a pesca predatória e apresenta declínio populacional na região desde 1950. Com a preocupação de apontar modos de

preservação do pirarucu, surgiu o Projeto “Pirarucu da Amazônia: Pesquisa e transferência de tecnologias”, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com o Instituto de Estudos Costeiros (IECOS/UFPA). “Nosso objetivo é entender, desenvolver, aperfeiçoar e transferir conhecimentos associados ao pirarucu, de maneira a fortalecer e a incentivar a criação sustentável da espécie e a conservação das populações naturais”, explica Juliana Araripe Gomes da Silva, pesquisadora responsável pelo projeto. A pesquisadora relata que a época de seca é o período de procriação dos pirarucus e é nesse período que eles ficam mais vulneráveis à pesca. A

espécie sofreu uma exploração intensa e descontrolada por muitas décadas, essencialmente entre os séculos XIX e início do XX, e foi considerada extinta em algumas regiões, gerando redução no desembarque desses peixes em centros urbanos, como Santarém (PA) e Manaus (AM). Em resposta a esse fenômeno, o governo criou diversas restrições à exploração do pirarucu: o tamanho mínimo de captura para a comercialização passou a ser 150 cm; a proibição da pesca durante o período de defeso (reprodução) da espécie, que varia de acordo com a região (no Pará, por exemplo, esse período é estipulado entre 1° de dezembro e 31 de maio).

Além dessas medidas, as principais estratégias para a recuperação da espécie é o manejo participativo, desenvolvido por populações ribeirinhas, e a criação em cativeiro. Esse modelo foi desenvolvido, inicialmente, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, e hoje se estende por diversos locais, onde a pesca do pirarucu é importante. “Os governos deveriam estimular mais atividades que possam subsidiar a pesca manejada, tais como ampliar o conhecimento sobre a pesca, capacitar as comunidades diretamente envolvidas no processo com informações sobre a biologia da espécie e o seu manejo adequado”, avalia Juliana Araripe.

Caracterizados mais de 20 estoques de manejo participativo podem ser úteis no processo de rastreamento dos pirarucus, gerando um painel de marcadores SNP por meio de sequenciamento da nova geração. A técnica permite fazer inferências refinadas sobre a espécie, tanto na natureza como em cativeiro. Serviço: O SEBRAE disponibiliza um manual de boas práticas para o manejo e o cultivo do Pirarucu. Ele pode ser acessado aqui: http://www.bibliotecas.sebrae.com. br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/7ce01b2624c82f78849858279ff1b2cd/$File/4534.pdf ACERVO DO PESQUISADOR

A pesquisa se divide em processos de análise, que são engorda, genética, nutrição e sanidade. Com isso, o estudo propõe a realização de atividades direcionadas ao ensino de boas práticas de tratamento dos animais; investigação e aprimoramento das ferramentas genéticas; formulação de rações específicas e composições que melhorem o trato digestório da espécie; além de avaliar o sistema imunológico e o controle parasitário do peixe. A professora Juliana Araripe atua na área de análises genéticas dos pirarucus. A proposta é usar marcadores genéticos microssatélites, que servem para diferenciar indivíduos pelo DNA. A partir disso, são determinados os perfis genéticos de pirarucus provindos de diferentes criações nos Estados brasileiros. Esses dados serão comparados com pirarucus de populações naturais e, assim, ocorrerá a transferência de conhecimento para quem cria a espécie em cativeiro. “Esperamos desenvolver um sistema de rastreamento para a espécie em que, a partir do perfil genético, poderemos identificar a sua origem”, revela a pesquisadora. Alguns resultados obtidos mostram a caracterização dos estoques de mais de vinte pisciculturas das Regiões Norte e Nordeste, em que algumas indicavam níveis de diversidade genéticos muito baixos, o que pode comprometer a viabilidade desses animais. Além disso, também já foram identificados alguns alelos que

Marcadores genéticos microssatélites vão identificar os indivíduos pelo DNA, determinando os perfis genéticos dos pirarucus de diferentes criações nos Estados brasileiros.


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RESEnHa

Walter Pinto

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o analisar a poesia de Charles Baudelaire, o filósofo Walter Benjamin definiu o flâneur como a figura essencial do espectador urbano moderno, um detetive amador e investigador da cidade. É como essa figura romântica do século XIX que Luiz LZ Cezar caminha pelas ruas do antigo centro de Belém, inserindo-se no burburinho dos transeuntes em frente às vitrines das lojas que anunciam os últimos lançamentos de Paris. Separado por mais de um século daquela agitação, o publicitário e professor da UFPA faz esse passeio por meio de anúncios comerciais, os antigos reclames, publicados nas páginas dos jornais, das revistas e dos álbuns dos tempos da belle époque. O resultado desse olhar está em seu mais recente livro, publiCIDADE na Belém da belle époque entre os anos de 1870 e 1912, uma contribuição para o estudo da história com base em uma fonte ainda pouco explorada pela historiografia, a publicidade. Como observa Otacílio Amaral no prefácio do livro, ao relacionar a publicidade ao viver urbano, Luiz LZ Cezar reconstrói a cidade de Belém. “Passeamos pela cidade por dentro dos reclames e dos anúncios comerciais, olhando os costumes, a moda, as novidades, a vida social da belle époque em Belém do Grão Pará”. Mas esse é apenas um dos objetivos do autor. O outro é analisar a propaganda produzida em uma fase anterior às agências de publicidade, momento de grande abastança da economia na Amazônia, afinal este é o seu métier. O livro foi editado da tese de doutorado do autor,

defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Na pesquisa que realizou, examinou mais de 800 anúncios publicados nos jornais, entre os quais Diário de Notícias ícias (18801898), O Liberal do Pará (1870-1889), A Província do Pará (1876-1911) e Folha do Norte (1896-1912), e nos álbuns comerciais editados por Arthur Caccavoni para os governos republicanos. O crescimento econômico impulsionado pelo auge da borracha fez crescer a população de Belém no período analisado por Luiz LZ Cezar. O porto de Belém era o ponto de partida do principal produto da pauta de exportação da Amazônia, a borracha, e era também o ponto de entrada das últimas novidades do mundo da moda e dos costumes, intensamente consumidas por uma sociedade que aspirava viver em uma “Paris nos trópicos”. A Europa, sobretudo a França, como modelo desta parcela economicamente bem situada, podia ser vista nos jornais do dia, na grande quantidade de casas comerciais que tinham a palavra Paris ou termos estrangeiros em seus nomes, como mostram os anúncios da época. Casa Le Grand Louvre, Paris na América, Bazar de Paris, Tinturaria de Paris, Aux 100.000 Paletots, Alfaiataria francesa, Hotel de Bordeaux, entre outras, fazem nos parecer que o perímetro entre a rua dos Mercadores (atual João Alfredo), a São Mateus (Padre Eutíquio), o Largo das Mercês e a Santo Antônio era um improvável bairro da capital francesa à beira da baía do Guajará.

REPRODUÇÃO ALEXANDRE DE MORAES

A publicidade na Belém da belle époque

Em um dos capítulos, o autor observa que os chamados reclames funcionavam como anunciadores de inovações tecnológicas que logo fariam parte da vida das famílias paraenses. Algumas vezes, as inovações eram anunciadas com um certo mistério, uma estratégia que visava criar uma expectativa na clientela. É esse o sentido do anúncio publicado pela perfumaria e barbearia de Bartholomeu Florentino Picanço, ao propagandear a chegada de uma grande novidade: a “machina para limpar cabeça”. Sem dizer de que se trata, Bartholomeu convida os clientes a irem à Travessa do Pelourinho, número 22, onde os aguarda, habilitado, para a devida limpeza. Na última parte do livro, o autor analisa oito luxuosos álbuns editados sobre Belém e sobre o Pará, entendidos, no seu todo, como material de propaganda. “A imagem construída pelos álbuns é a de que os governadores, em nome de um desenvolvimento, transformaram a cidade de Belém de uma cidade provinciana em uma exuberante cidade

cosmopolita, até mesmo moderna”, salienta Luiz LZ Cezar. No entanto, observa, tudo isso teve um profundo reflexo nos hábitos e nas condições de vida das camadas que estavam à margem do negócio da borracha. “A elite da borracha e os governos republicanos foram incapazes de transformar toda a riqueza advinda do látex em efetivo progresso material e econômico para as pessoas que viviam na região”. Entre as qualidades de publiCIDADE na Belém da belle époque entre os anos de 1870 e 1912, destaca-se a rigorosa pesquisa das fontes. O resultado transparece em um texto ágil, fácil de ser lido. Coloca-se como uma fonte indispensável para o estudo da publicidade, do jornalismo e da história da belle époque em Belém. Fora da Academia, deve agradar aos que se deleitam com a leitura de um bom livro. Serviço: publiCIDADE na Belém da belle époque entre os anos de 1870 e 1912. Autor: Luiz LZ Cezar Silva dos Santos. Ed. Editora e Livraria Appris. Venda no site www.editoraappris.com.br


Dezembro e Janeiro, 2018/2019

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Beira do Rio

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A Histรณria na Charge

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